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SEXTA-FEIRA, 4 DE JANEIRO 2013

ATUALIDADE

Fisco cria equipas especiais para controlar novas regras de faturação O Governo já avisou que vai criar equipas especiais para que seja cumprida a nova legislação sobre a faturação. Estas equipas serão da responsabilidade da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e a Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais também deixou claro que pretende aplicar a lei sem qualquer tipo de exceções. O Ministério das Finanças quer garantir receita fiscal e controlar o mais possível as transações de produtos e serviços.

Comissão Europeia deixa cair “made in” Foram sete anos de debate, mas a Comissão Europeia acabou por colocar de parte o dossiê “made in”. Devido à falta de acordo entre os vários Estados-Membros, não será obrigatória a rotulagem de produtos importados pela União Europeia. Bruxelas nem sequer vai avançar com uma revisão da proposta, pelo que nos próximos tempos o tema vai deixar de fazer parte da agenda da Comissão Europeia. Trata-se de um duro revés para os produtores europeus, já que se poderá comercializar produtos sem qualquer indicação da proveniência dos mesmos.

MANUEL CARLOS GONÇALVES, TOC E GESTOR, CONTESTA FATURAÇÃO OBRIGATÓRIA

É cada vez mais difícil ser-se empresário em Portugal O novo regime de faturação obrigatória vai agravar os custos das empresas. Com esta medida a Administração Fiscal transfere para os privados o ónus da sua ineficácia em termos de fiscalização – afirma Manuel Carlos Gonçalves. Em entrevista à “Vida Económica”, este TOC e gestor na área da contabilidade considera haver uma tendência ditatorial nas políticas fiscais com novas exigências declarativas que todos os anos são impostas às empresas, tornando cada vez mais difícil a sua sobrevivência. Vida Económica - A fatura obrigatória vai encarecer a operação das micro e pequenas empresas pelo acréscimo de tempo e obrigações burocráticas associadas a cada transação? Manuel Carlos Gonçalves - Uma vez mais, em nome do combate à fuga e evasão fiscais, o Governo, ao impor aos agentes económicos mais esta exigência, está a transferir o ónus da sua própria ineficácia e inoperância no que à fiscalização diz respeito. Todos os anos sem exceção, os empresários têm vindo a ser confrontados e chamados a responder a novas exigências visando única e exclusivamente à desoneração dos processos de controlo da Autoridade Tributária, com total menosprezo para as consequências, sobretudo para as micro, pequenas e medias empresas. Face à escassez de recursos financeiros e humanos com que a grande maioria destas empresas se tem confrontado, para além do rigor ditatorial das políticas fiscais a que têm vindo a estar sujeitas, este tipo de medidas em nada facilita o seu desempenho. Pelo contrário, estes investimentos sistemáticos em ativos improdutivos, traduzem-se em estrangulamentos que agravam as múltiplas adversidades da violenta crise que se abateu sobre a nossa economia, pondo em causa a sobrevivência e continuidade futura da maioria das empresas, Neste contexto as melhores práticas de gestão de nada podem valer. Mais grave ainda será quando as políticas públicas adotadas resultam infelizmente da mera experiência e empirismos arcaicos. Ser-se pequeno e médio empresário em Portugal é muito difícil. Contudo, têm sido e continuam a ser, apesar de tudo, eles que fazem andar a economia, que criam postos de trabalho e riqueza, inovam, investem, produzem e exportam, em suma criam riqueza, apesar dos múltiplos riscos que cor-

“As políticas públicas adotadas resultam infelizmente da mera experiência e empirismos arcaicos” “Vão ser os TOC e as empresas de Contabilidade a assumir a suas expensas mais este ónus” rem, resultantes da crise, dos impostos, da lentidão da justiça, da burocracia. Seria justo que os nossos governantes tivessem a capacidade e o discernimento de lhes reconhecer o mérito, a todos estes homens e mulheres que empreendem e arriscam, às vezes, tudo o que têm, com pelo menos, medidas concretas de incentivo e apoio e que os desonerasse de todos os processos e obrigações alheias à atividade produtiva. VE - É de prever que esse acréscimo de horas de trabalho para os profissionais da contabilidade seja repercutido no valor pago pelas empresas? MCG - À semelhança das exigências que têm vindo a ser impostas aos empresários pela Autoridade Tributária, também esta se irá traduzir num considerável acréscimo de horas de trabalho, pois estamos a falar de mais uma obrigação mensal. Todavia, é ao TOC a quem o empresário irá recorrer, uma vez que, na grande maioria dos casos, o empresário não possui nem os recursos humanos nem técnicos para lhe dar resposta. E uma vez mais vão ser os TOC e as empresas de Contabilidade a assumir a suas

expensas mais este ónus, posto que a grande maioria das micro, pequenas e médias empresas não tem condições económicas para se lhe exigir o justo acréscimo dos honorários resultante deste aumento de horas de trabalho e das responsabilidades inerentes. Pelo contrário, os TOC ou as empresas de Contabilidade estão a ser sistematicamente abordados pelos empresários para obter a redução dos seus honorários. Os TOC e as empresas de Contabilidade nestes últimos anos têm assumido um papel muitíssimo importante para a atividade económica do país, uma vez que têm sabido com nobreza dar as melhores respostas, em tempo útil e sem regatear esforços, à pluralidade das exigências da Autoridade Tributária e demais organismos públicos. Atrevo-me até a dizer que, não fossem os TOC e as empresas de Contabilidade, e as consequências para estes contribuintes seriam ainda mais perniciosas e desastrosas, nestes tempos de tantas exigências de informação e tão severa crise para todos os agentes económicos. A não ser que a Autoridade Tributária adotasse outro tipo de medidas muitíssimo menos exigentes, coisa que não estou a ver. VE - As exigências impostas pela Administração Fiscal estão a distorcer o principal objetivo da contabilidade que é o de dar uma informação clara e objetiva sobre a situação das empresas? MCG - Com a entrada em vigor dos Decretos-Leis 197/2012 e 198/2012, a Autoridade Tributária dá a sensação de estar de facto, uma vez mais, a contribuir para retirar à contabilidade as credenciais de credibilidade e confiança que tem vindo a conquistar. Digo parece porque, a meu ver, fizesse a AT o que fizesse no sentido de, através desta e de outro tipo de medidas, tentar reduzir para si a uma insignificância a contabilidade, esta perdurará e resistirá a todas estas

“Todos os anos sem exceção, os empresários têm vindo a ser confrontados e chamados a responder a novas exigências”, afirma Carlos Gonçalves.

ameaças, sobretudo porque os seus protagonistas executores e agentes utilizadores tudo farão para a fazer ascender a patamares mais avançados de exigência e objetividade. A contabilidade é uma ferramenta indispensável ao serviço da gestão de todas as organizações. Sem ela o gestor andaria à deriva e sem norte. Pena é que tenhamos de assistir à agressão da contabilidade por uma entidade que em teoria tem vindo a manifestar permanentemente o interesse e a necessidade de estreitar cada vez mais a ponte entre a contabilidade e a fiscalidade. É confrangedor para os agentes económicos terem de continuar a assistir à adoção de medidas desta natureza que em nada simplificam a sua atividade, em completo antagonismo com as orientações emanadas da União Europeia, que vão no sentido de serem adotadas medidas urgentes a favor da redução dos custos e constrangimentos de contexto das micro, pequenas e médias empresas, de molde a torna-las mais competitivas. Em suma, a adoção deste tipo de medidas por parte da AT só pode ser entendida por uma manifesta total falta de confiança na sua operacionalidade e desempenho e nos agentes económicos deste país. Não que a contabilidade tenha deixado de constituir o instrumento base dos seus controlos e fiscalização. Todavia, se esta é a razão, e não posso entender que seja outra, que está subjacente à adoção deste tipo de medidas por parte da AT, não deixa de constituir também ela uma ameaça e uma afronta aos agentes económicos, sobretudo para aqueles que sempre primaram por cumprir escrupulosamente todas as suas obrigações tributárias.


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