O Percurso até à Publicação da Origem das Espécies

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O Percurso até à Publicação da Origem das Espécies

Bárbara Fernandes, Daniela Miranda, Filipa Pereira , Francisco Simões, Lúcia Ribeiro, Luís Pereira, Maria João Pinto, Marino Santos, Marta Carneiro,Marta Estrada, Raphael Canadas, Rui Portela, Sofia Valente, Tânia Leandro, Tânia Perestrelo, Tiago Talhinhas, Viviana Correia, Palmira Fontes da Costa (Org.)

Faculdade de Ciências e Tecnologia Universidade Nova de Lisboa Março de 2009


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Prefácio Acredito que o desenvolvimento do estímulo e da criatividade dos alunos traz grandes recompensas para todos os envolvidos na actividade do ensino. Mais ainda, que o trabalho em equipa não é apenas importante, é necessário ao expansão das capacidades cognitivas, organizacionais e emotivas dos alunos. No âmbito da disciplina de História da Ciência, de que sou docente para os alunos da licenciatura de Biologia Celular e Molecular, existe sempre um projecto temático para o qual todos os alunos contribuem e que depois tentamos, de algum modo, tornar público. Em 2005/06 um dos resultados deste projecto foi a exposição Mulheres na Ciência. Já em 2007/08 o tema foi as Controvérsias Científicas e os trabalhos resultantes encontram-se no Moodle para consulta de outros alunos. Este ano em que se comemoram os 200 anos do nascimento de Charles Darwin e os 150 anos da publicação da sua influente obra A Origem das Espécies, a nossa escolha recaiu inevitavelmente sobre esta notável efeméride. Quisemos ser um pouco mais ambiciosos e, para além de uma parte dos posters que irão constar na exposição A rEvolução Darwiniana, pretendemos contribuir com este pequeno livro em formato electrónico de modo a que o mesmo possa ser disponibilizado não só ao público da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, mas também ao público em geral. Este volume não pretende abranger todo o período da vida e obra de Darwin e as suas repercussões, o que aliás seria impossível. Através de sete capítulos, abrange o período desde a formação inicial de Darwin, as suas principais influências, a viagem no Beagle, o período em Londres, o período em Down House e, finalmente, a publicação da Origem das Espécies. É um contributo despretensioso. Pretende sobretudo valorizar a circulação do conhecimento e salientar e celebrar o papel dos alunos nesta transmissão.

Monte de Caparica 5 de Fevereiro de 2008 Palmira Fontes da Costa

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Agradecimentos Gostaríamos de agradecer à equipa do Laboratório de e-learning da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e, em particular, ao António Maneira e ao João Chamiço pela digitalização do documento e todo o apoio manifestado ao projecto desde o seu início.

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Índice

Prefácio...................................................................... 2 Agradecimentos........................................................... 3 Índice (indice automatico so com 1os itens) .................... 4 Infância Educação e Formação....................................... 6 Personalidades que influenciaram Darwin...................... 18 A Viagem do Beagle ................................................... 35 A Tripulação do Beagle ............................................... 48 Darwin em Londres – 1836-1842; Notebooks de Darwin . 66 O Período em Down House .......................................... 87 A publicação de A Origem das Espécies......................... 99

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Capítulo 1

Infância Educação e Formação Daniela Miranda, Lúcia Ribeiro, Maria João Pinto, Raphael Canadas

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

1. Infância Educação e Formação

1.1.

Infância de Charles Robert Darwin (1809-1882)

Charles Darwin nasceu na casa da sua família situada na pequena cidade de Shrewsbury, Shropshire em Inglaterra a 12 de Fevereiro de 1809.

Fig. 1 – Casa onde Charles Darwin nasceu a 12 Fevereiro de 1809, situada perto de Shrewsbury, Shropshire na Inglaterra. (In http://darwinonline.org.uk/timeline.html)

Fig. 2 – Arvore Genealógica de Charles Darwin Darwin (In www.westmercia.police.uk)

Foi o quinto dos seis filhos que teve o médico Robert Darwin e a esposa Susannah Darwin, ambos pertencentes à proeminente e abastada família Darwin-Wedgwood1.

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Ashworth, J.H. 1934. Charles Darwin as a student in Edinburgh, 1825-27.

Proceedings of the Royal Society of Edinburgh, 55: 98-101

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Fig. 3 – Dr. Robert Darwin e Susannah Wedgwood Darwin: pais de Charles Darwin’s (In http://campus.digication.com/darwin/slides)

O seu pai, Robert Darwin nascido em 1766 e falecido em 1848, era um médico de sucesso, filho do famoso poeta Erasmus Darwin (1731-1802) um partidário da transmutação das espécies e autor da obra poética “ The Temple of Nature” (1803). O avô paterno de Darwin, para além de poeta, foi também um famoso médico inglês que escreveu uma obra extensa de carácter científico sobre temas da medicina e da botânica e, o avô materno foi o famoso ceramista Josiah Wedgwood que pertencia igualmente à elite intelectual da época. A sua mãe, Susannah Wedgwood nascida em 1765, faleceu em 1817 quando ele era ainda apenas um rapaz de oito anos. Devido a este facto a grande parte da sua infância e toda a sua juventude foi gerida pelos ensinamentos que obteve das suas irmãs mais velhas e governantas que iam passando pela sua casa: (…) My mother died in July 1817, when I was a little over eight years old, and it is odd that I can remember hardly anything about her except her deathbed, her black velvet gown, and her curiously constructed work-table (…) I can say in my own favour that I was a boy humane, but I owed this entirely to the instruction and example of my sisters (…)(Darwin, Charles; 1887)

Devido à conduta que teve ao longo da sua vida e às características físicas que denotava, pode-se rapidamente deduzir que, tal como os demais seres humanos também as características pessoais de Darwin se baseiam nos traços dos seus antepassados. Herdou do seu pai a estatura alta mas não a estrutura volumosa. Tal como o seu avô Erasmus, Darwin adorava o exercício físico e os desportos de campo bem como o trabalho mental árduo. A benevolência e simpatia para com os outros, e o grande charme pessoal eram também características comuns a ambos. Contudo Erasmus 7 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” tinha um temperamento literário que o tornaram um enorme poeta e filósofo, o que não se aplicava a Darwin. A casa de seus pais, onde passou os primeiros anos da sua vida (18091818), era um sítio encantador, situava-se no topo de um íngreme monte e era rodeada por um enorme jardim. Neste existia uma árvore, a preferida de Darwin que a considerava o seu sítio secreto bem como da sua irmã mais nova Catherine. Em 1817, ano da morte de sua mãe, Darwin deixou a casa até onde então tinha vivido e foi mandado pelo seu pai para um externato em Shrewsbury que frequentou durante um ano juntamente com a sua irmã Catherine: (…) In the spring of this same year I was sent to a day-school in Shrewsbury, where I stayed a year. I have been told that I was much slower in learning than my younger sister Catherine, and I believe that I was in many ways a naughty boy (…)(Darwin, Charles; 1887)

Fig. 4 – Charles Darwin com 7 anos e a sua irmã Catherine. (In http://www.amnh.org/exhibitions/darwin/youn

Foi durante este período que o seu gosto pela história natural foi g/shooting.php) desenvolvido e a partir dai começou não só a coleccionar as mais diversas coisas, desde minerais, moedas e conchas, como também a decorar o nome das plantas que o rodeavam: (…) The passion for collecting which leads a man to be a systematic naturalist, a virtuoso, or a miser, was very strong in me (…)(Darwin, Charles; 1887)

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” Nascido e criado no meio de riqueza e conforto Charles Darwin frequentou as melhores escolas iniciando a sua formação na escola de Shrewsbury, que frequentou durante sete anos e onde o tipo de ensino predominante era o clássico. Para além do ensino clássico estudou também, entre outras, as áreas da matemática e do latim (Browne, Janet;1995).

1.2.

Formação na escola de Shrewsbury (18181825)

Em 1818 Darwin entrou na escola Dr. Butler’s em Shrewsbury. Apesar do enorme entusiasmo que sentia por frequentar uma nova escola, todos os dias tinha que percorre a pé o longo caminho que se entreponha entre a sua casa e esta: (…) I boarded at this school, so that I had the great advantage of living the life of a true schoolboy; but the distance was hardly more than a mile to my home (…) I often had to run very quickly to be in time (…) but when in doubt I prayed earnestly to God to help me” (…)(Darwin, Charles; 1887)

Fig. 5 e 6 – Um pedaço de papel no qual escreveu as primeiras palavras e um desenho da sua árvore favorita com uma casa construída no topo, a qual ele e a sua irmã Catherine consideravam o seu sítio especial. [2]

Nesta escola teve aulas de grego e romano dadas pelo reverendo Samuel Butler e iniciou o gosto pela leitura de poesia. Em 1822, durante uma excursão às fronteiras do país de Gales desenvolveu ainda o prazer por admirar paisagens que em conjunto com o livro que lia na altura, “Wonders of the World”, lhe trouxe o desejo de viajar pelos países remotos. Este desejo viria finalmente a ser concretizado anos mais tarde na viagem a bordo do Beagle. Contudo, apesar dos saberes e gostos que ia adquirindo na escola, á medida que ia aumentando a sua formação apercebeu-se de que não iria aprender mais do que já tinha aprendido até então; a partir de um determinado nível era como se houvesse uma estagnação nos conhecimentos que continuavam a ser ensinados. Tal facto revoltava Darwin por este ser um rapaz constantemente motivado, com um gosto 9 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” forte e diversificado por qualquer assunto e um enorme prazer em compreender qualquer tema ou algo mais complexo: (…) Nothing could have been worse for the development of my mind than Dr. Butler’s school, as it was strictly classical, nothing else being taught, except a little ancient geography and history. The school as a means of education to me was simply blank (…)3 Assim, rapidamente passou a interessar-se apenas por colecções de minerais, insectos e ovos de pássaros e em fazer caçadas a ratos e atirar aos pássaros o que desagradou solenemente o seu pai: (…) You care for nothing but shooting, dogs, and rat-catching and you will be a disgrace to yourself and all your family (…)(Darwin, Charles; 1887) Devido à sua atitude o seu pai mandou-o, juntamente com o seu irmão Erasmus Alvey, para a universidade de Edimburgo onde se inscreveu no curso de Medina. Na fase final da sua vida como estudante na escola de Shrewsbury, Charles Darwin tornou-se ajudante do seu irmão Erasmus no laboratório de química que este tinha construído no jardim da casa. Ajudou-o em diversas experiências tendo sido com ele que aprendeu os princípios básicos da experimentação científica: (…) The subject interested me greatly, and we often used to go on working till rather late at night. This was the best part f my education at school, for it showed me practically the meaning of experimental science (…)

1.3.

Formação na escola de Medicina Edimburgo

Em 1825, depois de passar o verão como médico aprendiz ajudando o seu pai no tratamento dos pobres de Shropshire, Darwin foi estudar medicina na prestigiada Universidade de Edimburgo.

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Fig. 7 – Universidade de Edimburgo, onde Darwin estudou medicina 1825-1827. (In http://darwin-online.org.uk/life3.html)

Contudo a sua aversão à brutalidade da cirurgia, nomeadamente pelo facto de na época ainda não ser utilizada a anestesia, levou-o a negligenciar os seus estudos médicos2: (…) Dr. Duncan's lectures on Materia Medica at 8 o'clock on a winter's morning are something fearful to remember. Dr .made his lectures on human anatomy as dull as he was himself and the subject disgusted me. It has proved one of the greatest evils in my life that I was not urged to practise dissection, for I should soon have got over my disgust; and the practice would have been invaluable for all my future work (…) (Darwin, Charles; 1887)

Em 1826, na universidade de Edimburgo, Darwin aprendeu taxidermia com John Edmonstone, um ex-escravo negro, que lhe contava muitas histórias interessantes sobre as florestas tropicais na América do Sul. No verão deste ano ele acabou o primeiro ano de medicina e passou o verão, numas montanhas perto de Shrewsbury onde leu o livro de Gilbert “ The natural history of Selborne” tendo aumentado o seu interesse pelo mundo natural. Darwin chegou mesmo a observar e registar os pormenores sobre algumas aves (Browne, Janet;1995).

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http://www.darwin-online.org.uk -revisto 10 de Outubro de 2008, consultado em

4 de Dezembro de 2008

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Fig. 8 – Registo da entrada para Universidade Edimburgo (In http://www.darwinonline.org.uk/manuscripts.html)

Fig. 9 – Capa do livro das aulas práticas de Medicina. (In http://www.darwinonline.org.uk/manuscripts.html)

No seu segundo ano, ficou sozinho em Edimburgo pois o seu irmão Eramus tinha ido para Londres estudar anatomia. Começou então a passar muito tempo no museu da universidade, a tirar notas sobre plantas e animais que estavam lá expostos3. Darwin tornou-se um activo participante de sociedades estudantis para naturalistas tendo se tornado membro da”Plinian Society” onde assistiu a grandes debates e também apresentou um artigo natural. Conheceu Robert Grant, um zoologista Escocês e visitou com ele um estuário a norte de Edimburgo onde discutiram sobre a vida marítima (Darwin, Charles; 1887)4. Em 1827 seu pai, decepcionado com a falta de interesse de Darwin pela medicina, matriculou-o num curso de Bacharelado em Artes na Universidade de Cambridge para que ele se viesse a tornar um eclesiástico. Nesta época os clérigos tinham uma renda que lhes permitia uma vida confortável e muitos eram naturalistas uma vez que, para eles, "explorar as maravilhas da criação de Deus" era uma de suas obrigações. Darwin relata na sua autobiografia como o seu pai se apercebeu que ele não gostava muito de medicina:

3

Ashworth, J.H. 1934. Charles Darwin as a student in Edinburgh, 1825-27.

Proceedings of the Royal Society of Edinburgh, 55: 98-101 4

http://darwin-online.org.uk/EditorialIntroductions/vanWyhe_Christs.html -revisto

19 de Novembro de 2008, consultado em 10 de Dezembro de 2008

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” (…) After having spent two sessions in Edinburgh, my father perceived, or he heard from my sisters, that I did not like the thought of being a physician, so he proposed that I should become a clergyman (…)(Darwin, Charles; 1887)

1.4.

Formação em Cambridge

Em Maio de 1828, já em Cambridge, Darwin continuava sem prestar atenção aos estudos. Preferia cavalgar e ler livros de Shakespeare. Passava muito do seu tempo a coleccionar besouros com o seu primo William Darwin Fox, que frequentava o mesmo colégio. Este apresentou-lhe o Rev. Jons Stevens Henslow, professor de botânica na Universidade e que foi a figura mais influente para o desenvolvimento do interesse pela história natural em Darwin.

Fig. 10 – Entrada principal de Christ’s College. (In http://www.aboutdarwin.com/pictures/Cambridge/Pic ture_07.html)

Fig. 11 – Capa do livro das aulas de história natural leccionadas pelo Rev. Henslow (In http://www.darwinonline.org.uk/manuscripts.html)

Fig. 12 – Quarto de Darwin no Christ's College em Cambridge. (In http://darwin-online.org.uk/life5.html)

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

No verão desse ano regressou a casa em casa e ocupou os seus tempos livres pescando e coleccionado besouros. Em Outubro voltou, para o colégio tendo ficado no quarto que tinha sido ocupado pelo Rev. William Paley’s5. Em 1829, disse a um amigo que o visitou que estava com dúvidas se queria seguir a carreira ligada à igreja, pois não era bom nos estudos e passava o tempo com as suas colecções diversas, principalmente de besouros (fig.13).

Fig. 13 – Colecção de besouros apanhados por Darwin. Algumas destas “espécies” ainda se encontram no museu de Zoologia de Cambridge. (In http://darwin-online.org.uk/life6b.html)

Em Fevereiro deste ano, começou a estudar para o exame que seria em Março mas não foi muito bem sucedido, tendo uma nota não muito satisfatória10. Foi também nesse ano que foi ao visi tar uns jardins em Londres conheceu o entomologista Revd. Frederick Hope, com quem passou muito tempo a falar e lhe ofereceu novas espécies de insectos para a sua colecção. Em 1830, durante a primavera, continuou a assistir às aulas do professor de botânica, o que o ajudou a tentar perceber o que queria ser. Tal como o seu professor, conjecturava se queria ser um homem do clero e botânico.

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http://darwinonline.org.uk/EditorialIntroductions/vanWyhe_Manuscripts.html -

revisto 19 de Novembro de 2008, consultado em 10 de Dezembro de 2008

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” Em Agosto deste mesmo ano foi de férias para Barmouth em Gales, onde escalou a montanha mais alta de Gales, e em Outubro voltou para Cambridge onde se dedicou intensivamente ao estudo tendo como professor privado o Rev. Henslow. Em Janeiro do ano seguinte fez os exames finais nos quais passou com muito boas notas: era o décimo melhor aluno entre 178 estudantes6. Entre Março e Abril de 1831, decidiu ir para um sítio fora de Cambridge para iniciar a sua vida eclesiástica onde Darwin passou o seu tempo a coleccionar plantas e insectos e leu os livros “Natural Teology” e “Premiliary Discourse on the study of natural philosophy” de John Herschel’s, obras que o levaram a interessar-se mais pela ciência6. Entretanto, e ao mesmo tempo, pensava nas florestas tropicais de que lhe tinham falado exercendo o Rev. Henslow um forte incentivo para que Darwin as fosse explorar7 8. Mais tarde, voltou para Cambridge onde foi apresentado ao professor Adam Sedgwick, professor de Geologia, e foi convidado a assistir às suas aulas. Depois de ter recebido formação em geologia programava ir em Agosto viajar até Tenerife, mas não chegou a ir visto que a viajem foi cancelada devido à morte de um amigo3. Nesse mesmo ano foi convidado pelo Rev. Henslow e George Peacock a ser o naturalista na viagem do Beagle, proposta que aceitou imediatamente mas que, inicialmente, teve a oposição do seu pai (Darwin, Charles; 1887).

Bibliografia Ashworth, J.H. 1934. Charles Darwin as a student in Edinburgh, 1825-27. Proceedings of the Royal Society of Edinburgh, 55: 98-101 Browne, Janet. 1995. Charles Darwin: Voyaging. London: Jonathan Cape. Vol.I

6

http://www.darwinproject.ac.uk/content/view/117/115/ - revisto a 19

de Novembro de 2008, consultado em 10 de Dezembro de 2008

7

Rudwick, J.S. 73, 1982. "Charles Darwin in London: The Integration of Public and

Private Science". Isis, págs 185-206 8

Secord, James.,1991.The discovery of a vocation: Darwin's early geology. The

British Journal for the History of Science p. 133

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” Darwin, Charles. 2008. [1887]. The life and letters of Charles Darwin, including an autobiographical chapter. London: John Murray. Ed: Francis Darwin. Vol.I: 1-42 Rudwick, J.S. 73, 1982. "Charles Darwin in London: The Integration of Public and Private Science". Isis, págs 185-206 Secord, James.,1991.The discovery of a vocation: Darwin's early geology. The British Journal for the History of Science p. 133

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Capítulo 2

Personalidades que influenciaram Darwin Daniela Miranda, Lúcia Ribeiro, Maria João Pinto, Raphael Canadas

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2. Personalidades que influenciaram Darwin

2.1.

Jean Baptiste Lamarck (1744 – 1829)

Fig. 1- Lamarck (http://bioteamct4.bogspot.com)

Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, Chevalier de Lamarck, Biólogo francês, desenvolveu uma proposta transformista, baseada em duas ideias centrais: a Teoria do uso e desuso e a Teoria das características adquiridas. Interessou-se pela história natural e publicou uma obra extensa sobre a flora de França. Após esta obra ganhou projecção e foi convidado para trabalhar no Museu de História Natural de Paris. Nomeado curador dos invertebrados (mais um termo introduzido por ele), começou uma série de conferências públicas. Antes de 1800, ele próprio se considerava um essencialista que acreditava que as espécies eram imutáveis. Mas, graças ao seu trabalho sobre os moluscos da Bacia de Paris, ficou convencido da transmutação das espécies ao longo do tempo, que apresentou na sua obra Philosophie Zoologique, publicada em 1809. Darwin era seguidor desta teoria após ter tomado contacto com ela quando estudava medicina na Universidade de Edimburgo, mas veio a constatar que esta não estaria totalmente correcta, pois discordava da teoria do uso e do desuso, propondo, após vários estudos, a teoria da selecção natural, publicada na sua Obra A Origem das Espécies. No entanto, Darwin não refutava por completo a teoria da transformista de Lamarck, pois não conseguia explicar a herança dos caracteres adquiridos. Isto levou-o a desenvolver a teoria da pangénese para explicar o fenómeno da hereditariedade. Não fora Darwin que refutara a teoria dos caracteres 18 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” adquiridos, mas sim, mais tarde, a descoberta dos mecanismos celulares da hereditariedade e da genética (ideias que Darwin se apercebeu que lhe estavam em falta para completar a sua teoria).9

2.2.

Thomas Robert Malthus (1766 – 1834)

Fig. 2 - Malthus (http://www.aboutda

Malthus, economista Britânico, professor e, por algum tempo, pastor rwin.com) Angelicano. Foi o autor da Teoria Populacional, a qual defende que o crescimento populacional está dependente dos recursos disponíveis, os quais tendem a ser insuficientes para a população, obrigando-a a lutar pela sobrevivência. Esta teoria acabaria por fornecer a chave para a Teoria Evolucionista de Darwin, pois “viu” na Natureza, o que Malthus “viu” na Economia.10

Fig. 3 - An Essay on the Principle of Population, de Malthus (http://www.leeds.ac.uk//) 9

s.a., Lamarck, http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean_Baptiste_Lamarck, 12 de

Novembro de 2008, consultado em 11 de Dezembro de 2008 10

s.a., Malthus, http://www.aboutdarwin.com/people/people_01.html#0150, 10 de

Fevereiro de 2008, consultado em 15 de Dezembro de 2008

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2.3.

Charles Lyell (1797 – 1875)

Fig. 4 – Charles Lyell

(http://www.nceas.ucsb.e du/~alr)oy/lefa/Lyell.html

Charles Lyell foi um dos mais célebres geólogos Ingleses do século 1800. Estudou no Exeter College, Oxford, tendo depois vindo a trabalhar como advogado. Interessou-se sempre pelas ciências naturais tendo vindo, uns anos depois, a fazer carreira como Geólogo. O seu trabalho com maior impacto foi um conjunto de volumes publicado entre 1830 a 1833, os quais compõem a Obra Principles of Geology (Princípios de Geologia). O subtítulo do trabalho era An Attempt to Explain the Former Changes of the Earth's Surface by Reference to Causes now in Operation (Uma Tentativa de Explicar as Mudanças Formadoras da Superfície da Terra por Referência a Causas agora em Operação), tendo tido muito impacto na comunidade cientifica da época. Defendeu a ideia, então controversa, do uniformitarianismo, que estabelece que a terra foi moldada por pressões durante um longo período de tempo, contrastando com o catastrofismo, teoria cujo um dos maiores defensores fora Georges Cuvier e que postulava que a maior parte das modificações eram abruptas, pela idade da Terra inferida através da cronologia da Bíblia.11

Foi durante a viagem no Beagle que Darwin leu os Princípios de Geologia de Lyell e usou esta Obra nas suas expedições geológicas.

11

s.a., Lyell, http://pt.wikipedia.org/wiki/Charles_Lyell, 12 de Novembro de 2008,

consultado a 5 de Janeiro de 2009

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” Lyell acreditava que os recifes de coral cresciam sobre crateras vulcânicas submersas, mas Darwin propôs que os recifes cresciam sobre eles próprios assim como no subsolo dos oceanos, como se veio a confirmar mais tarde. Quando Darwin voltou a Inglaterra, conheceu Lyell pessoalmente e tornaram-se amigos12.

Fig. 5 – Principles of Geology, de Lyell (in http://www-tc.pbs.org/)

2.4.

Jonh Stevens Henslow (1796 – 1861)

Fig. 6 – Henslow (http://darwin.gruts.com/articles/2000/henslow/)

12

s.a., Lyell, http://www.aboutdarwin.com/people/people_01.html#0145, 10 de

Fevereiro de 2008, consultado a 15 de Dezembro de 2008

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” John Stevens Henslow foi um geólogo e botânico Inglês. Formou-se em Cambridge, no Colégio St. John. Estudou mineralogia e aquando da morte de Clarke (professor) em 1822, foi escolhido para professor de mineralogia na Universidade de Cambridge. Entretanto passara bastante tempo dedicado ao estudo da botânica, vindo a renunciar ao cargo de professor de Mineralogia e dois anos mais tarde, tornou-se Professor de Botânica. Henslow fundou o jardim botânico da Universidade de Cambridge em 1831. A sua filha Frances Harriet veio a casar-se com Joseph Dalton Hooker13. Revd. John Stevens Henslow foi provavelmente a maior influência na carreira científica de Darwin. Após ter sido apresentado a Henslow, enquanto ainda estudava em Cambridge, pelo seu primo William Fox, Darwin começou a frequentar os jantares de convívio de quinta-feira em casa de Henslow, absorvendo os conhecimentos que este transmitia aos seus estudantes. Em 1830 Henslow tornou-se tutor de Darwin, ensinando-lhe teologia e botância. Faziam caminhadas juntos nas quais discutiam matérias científicas.

Depois de Darwin se graduar em Cambridge leu um texto de Humboldt numa das viagens na América do Sul. Este livro levou Darwin a planear uma exploração das Ilhas de Tenerife nas Canárias. Henslow encorajou-o a partir para essa aventura e, vendo que Darwin tiraria proveito de um curso em geologia, pediu a Adam Sedgwick para ensinar a Darwin os princípios da geologia. Henslow teve uma profunda influência no rumo que Darwin escolhe ao começar a trabalhar como naturalista a bordo do Beagle na sua viagem à volta do Mundo. Na correspondência trocada entre Darwin e Henslow durante a viagem, Henslow encorajou Darwin, sugerindo a colheita de cada espécie e recomendou-lhe a melhor forma de os preservar e transportar. Henslow publicou e leu algumas das cartas que Darwin lhe havia redigido perante da Sociedade Filosófica de Cambridge, atitude que levara Darwin chatear-se com ele14. Henslow ajudou Darwin a receber financiamento para publicar os seus livros de Zoologia. Quando Darwin preparava a publicação da Origem das Espécies, pediu conselhos a Henslow, como se pode ler na seguinte carta:

13

s.a., Henslow, http://en.wikipedia.org/wiki/John_Stevens_Henslow, 6 de Janeiro

de 2009, consultado em 6 de Janeiro de 2009 14

s.a., Henslow, http://www.aboutdarwin.com/people/people_01.html#0115, 10

de Fevereiro de 2008, consultado em 10 de Dezembro de 2008

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” Carta de Darwin para Henslow15, 11 de Novembro de 1859: Meu caro Henslow, Eu pedi a Murray para te enviar uma cópia do meu Livro das espécies, meu caro mestre de história natural. Temo, contudo, que não aprovará o seu púpilo neste caso. O livro, na sua forma presente, não mostra o trabalho assunto me exigiu. Se tiver tempo para ler cuidadosamente e ter o trabalho de apontar quais as partes que lhe parecem mais fracas e quais as melhores, seria uma grande ajúda para mim na escrita do meu maior livro, o qual eu espero começar em poucos meses. Sabe também que a sua opinião vale muito para mim. Mas sou razoável para não lhe pedir um documento extenso e detalhado com as críticas, mas apenas alguns tópicos em geral a apontar às partes mais fracas. Se tiver nem que seja um pouco desconcertado (o que eu remotamente acredito) na imutabilidade das espécies, então estou convencido que com alguma reflexão ficará mais e mais desconcertado, pois foi assim que o meu cérebro ficou.

2.5.

Richard Carlile (1790 – 1843)

Fig. 7 – Carlile (http://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Carlile)

Carlile foi um importante agitador de consciências para o estabelecimento do sufrágio universal e liberdade de imprensa no Reino Unido16.

15

s.a., Carta de Darwin para Henslow,

http://www.darwinproject.ac.uk/darwinletters/calendar/entry-2522.html, 2007, consultado em 10 de Dezembro de 2008

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” Quando Charles Darwin estudava na Universidade de Cambridge, Carlile e o seu amigo Robert Taylor vieram à cidade a fim de angariar pessoas de todas as faculdades para um debate sobre a validade da fé Cristã. Enfrentaram várias consequências ao procurarem estudantes novos e impressionáveis que poderiam igualmente aderir às suas ideias revolucionárias, promovendo muitos discursos contra a Igreja e a Religião Cristã. Os responsáveis pela Universidade de Cambridge não ficaram indiferentes a estas acções revolucionárias, tendo desde logo expulsado Carlile e Taylor de Cambridge. O tratamento que Carlile e Taylor receberam pela Universidade não fora tão cedo esquecido por Darwin, podendo ter contribuído como um voto de coragem para a publicação da sua Obra controversa. A mensagem era clara, a promoção de discursos retóricos contra o Cristianismo e o desafio da autoridade da Igreja Inglesa era uma blasfémia, e aqueles que ousassem pisar o risco sofreriam consequências, podendo inclusivamente acabar na prisão17.

Fig. 8 – FitzRoy (http://en.wikipedia.org

2.6.

/wiki/Robert_FitzRoy)

Robert FitzRoy (1805 – 1865)

Robert FitzRoy foi o capitão do navio HMS Beagle durante a famosa viagem de Charles Darwin. Tornou-se, aos 23 anos, um dos mais jovens marinheiros ingleses a comandar um navio hidrográfico. Foi o primeiro a passar pela prova do almirantado sem errar uma questão. Foi um pioneiro na área da

16

s.a., Carlile, http://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Carlile, 5 de Dezembro de

2008, consultado em 7 de Janeiro de 2009 17

s.a., Carlile, http://www.aboutdarwin.com/people/people_01.html#0040, 10 de

Fevereiro de 2008, consultado em 7 de Janeiro de 2009

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” meteorologia, tendo tornado a previsão do estado do tempo mais precisa. Exerceu também tarefas desenhando diversos mapas e aguarelas. Serviu como Governador-geral da Nova Zelândia de 1843 até 1845. Robert FitzRoy comandou o HMS Beagle em duas de suas três viagens, ficando conhecido por grandes feitos nelas18. FitzRoy pretendia que um naturalista motivado e com boa formação cientifica o acompanha-se na segunda viagem do Beagle. Além disso, desejava que fosse um senhor da alta sociedade, com quem iria compartilhar as refeições na sua mesa de jantar. Charles Darwin foi sugerido como o homem ideal para o trabalho e, embora FitzRoy estivesse um pouco reticente em relação a ele no início (não gostou da forma do nariz de Darwin!), ambos vieram a dar-se muito bem. Anos depois da viagem no Beagle a sua relação veio a ser bastante tensa devido à posição de Darwin no que respeita à evolução19.

Fig. 9 – HMS Beagle (http://www.juliantrubin.com/fitzroy.html)

18

s.a., FitzRoy, http://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_FitzRoy, 27 de Dezembro de

2008, 12 de Dezembro de 2008 19

s.a., FitzRoy, http://www.aboutdarwin.com/people/people_01.html#0075, 10 de

Fevereiro de 2008, consultado em 12 de Dezembro de 2008

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

2.7.

Jonh Gould (1804 – 1881)

John Gould foi um ornitólogo e pintor Inglês. Parte superior do formulário A liga Gould, fundada na Austrália após a sua morte, em 1909, deu a muitos australianos a sua primeira introdução ao estudo dos pássaros, tal como uma instrução ambiental e ecológica mais geral. Gould, ainda jovem, trabalhou sob a supervisão do seu pai como jardineiro em Windsor de 1818 a 1824, e era, subsequentemente, jardineiro no Castelo de Ripley em Yorkshire. Tornou-se um perito em taxidermia e em 1824 montou um negócio em Londres como um taxidermista. A sua habilidade levou-o a ser o primeiro curador e conservador do museu da Sociedade Zoológica de Londres em 1827. Gould realizou um trabalho sobre pássaros para a publicação da Parte 3 do Zoology of the Voyage of H.M.S. Beagle, editada em cinco números, entre 1838 e 1842, por Charles Darwin20. Após a viagem no Beagle, em 1837, Darwin concedeu alguns exemplares de pássaros recolhidos nas Galápagos à Sociedade Geológica de Londres, tendo estes sido atribuídos a Gould para estudo. Darwin identificara 12 espécies diferentes de tentilhões, mas Gould encontrou grandes semelhanças entre elas, tendo-se apercebido que a principal variação entre estas era a forma dos seus bicos. Na altura isto não despertou interesse a Darwin, mas meses depois reconheceu que as diferentes espécies eram adaptações de um mesmo ancestral a cada uma das ilhas21.

20

s.a., Gould, http://en.wikipedia.org/wiki/John_Gould, 3 de Janeiro de 2009, 12

de Dezembro de 2008 21

s.a., Gould, http://www.aboutdarwin.com/people/people_01.html#0090, 10 de

Fevereiro de 2008, 12 de Dezembro de 2008

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Fig. 10 – Gould (http://www.juliantrubin.com/fitzroy.html) http://en.wikipedia.org/wiki/John_Gould.html

2.8.

Fig. 11 – Euphema splendida Gould, 1846, Desenho a pincel e pastel, Tela 53 x 37.5 cm (http://www.nla.gov.au/collect/treasures/apr_treasu re.html)

Edward Forbes (1815 – 1854)

Fig. 12 - Edward Forbes

(http://en.wikipedia.org/wiki/Edw ard_Forbes)

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” Forbes foi um Naturalista Britânico. Enquanto criança, colhia insectos, conchas, minerais, fosseis, plantas, entre outras coisas da natureza. Começou a estudar desenho em Londres em Junho de 1831, após ter deixado Douglas. No entanto, em Outubro regressou a casa e matriculou-se como estudante de medicina na Universidade de Edimburgo22. Trabalhou em estudos geológicos durante um tempo e desenvolveu a teoria de que existiu um continente único no Oceano Atlântico que ligava a Irlanda a Portugal e aos Açores. Usou esta teoria para explicar como é que as mesmas espécies de plantas e animais apareciam em massas continentais separadas por grandes quantidades de Oceano. Forbes discordava por completo com a transmutação, e dizia que nenhuma modificação em espécies era causada pelo trabalho de Deus. Charles Darwin pensou muito sobre a forma como as espécies podiam espalhar-se por continentes diferentes, em particular ilhas como as Galápogos. Considerou que Forbes estava incorrecto sobre a ligação das massas continentais e procurou mostrar que os animais e as plantas podem “flutuar” para terras distantes. Darwin experimentou com sementes de plantas, largando-as no mar durante vários meses, e depois voltou a plantá-las. Para surpresa de muitos naturalistas, quase todas germinaram. Darwin, para além disso, correspondeu com os habitantes das diferentes ilhas pedindo para examinarem a linha costeira, na procura de sementes ou plantas que não fossem nativas da ilha. Ficou surpreendido quando descobriu que nalguns casos as sementes podem ter flutuado milhares de milhas através do Oceano até às costas de ilhas distantes23.

Fig. 13- Busk

(http://livesonline.rcseng.ac.uk/biogs/E000 197b.html)

22

s.a., Forbes, http://en.wikipedia.org/wiki/Edward_Forbes, 19 de Outubro de

2008, consultado em 7 de Janeiro de 2009 23

s.a., Forbes, http://www.aboutdarwin.com/people/people_01.html#0080, 10 de

Fevereiro de 2008, consultado em 7 de Janeiro de 2009

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

2.9.

George Busk (1807 – 1886)

George Busk foi um cirurgião da Marinha Real Britânica e, após retirar-se, tornou-se um grande contribuinte para muitas sociedades científicas da Grã-Bretanha. Foi um dos membros fundadores do X-Club, um clube de jantares sociais para cientistas, os quais pretendiam debater investigação científica sem interferência do dogma da religião. Para além de cirurgião, George Busk foi também zoólogo e paleontólogo. Traduziu um artigo de Herman Schaafhausen’s de 1958 sobre a descoberta do crânio de um homem de Neanderthal. Este foi um artigo de grande interesse para Charles Darwin numa altura em que já se preparava para publicar a Origem das Espécies. Estas notícias devem tê-lo tranquilizado, pois era possível que o tema da evolução estivesse a tornar-se mais aceitável na opinião pública. Busk foi laureado com a medalha Wollaston concedida pela Sociedade Geológica de Londres, em 188524.

2.10.

Thomas Henry Huxley (1825 – 1895)

Fig. 14 - Huxley (http://upload.wikimedia. org) 24

s.a., Busk, http://www.aboutdarwin.com/people/people_01.html#0035, 10 de

Fevereiro de 2008, consultado em 6 de Janeiro de 2009

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Thomas Huxley, biólogo britânico, conhecido como o Bulldog de Darwin por ser o principal defensor da Teoria da Evolução, foi ainda um dos principais cientistas ingleses do século XIX. Huxley, aos 15 anos, começou a estudar medicina inicialmente como aprendiz e mais tarde como bolsista no Hopsital Charing Cross. Aos 20 pública o seu primeiro texto científico onde demonstra a existência de uma camada interna nos cabelos, camada esta então reconhecida como camada de Huxley. Durante uma viagem no H.M.S Rattlesnake, Huxley teve a oportunidade de encontrar, descrever e enviar para Inglaterra novas espécies de animais. Em 1850, no seu regresso a Inglaterra, os seus relatos e espécies já o tinham tornado um cientista célebre, o que lhe permitiu o contacto com os mais reconhecidos cientistas ingleses, incluindo Charles Darwin. Devido á sua origem humilde, Huxley precisou de se destacar pela sua inteligência e empenho para ter oportunidades. Thomas Huxley foi um dos poucos confidentes de Charles Darwin a quem este expôs as suas ideias evolucionistas, antes da publicação da Origem das Espécies e foi um dos principais responsáveis pelo sucesso da publicação. Logo após conhecer e concordar com a Teoria da Evolução (ainda que não aceitasse algumas das ideias de Darwin, como o Gradualismo), iniciou uma estratégia de divulgação. Ao longo da sua vida Huxley contribuiu para a embriologia, taxonomia e morfologia. Em 1870 Huxley saiu do mundo das pesquisas para assumir compromissos políticos. Foi secretário executivo da Royal Society de 1871 a 1880 e Presidente desta sociedade de 1881 a 188525.

25

s.a., Huxley, http://www.aboutdarwin.com/people/people_01.html#0130, 10 de

Fevereiro de 2008, consultado em 11 de Dezembro de 2008

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

2.11.

Joseph Dalton Hooker (1817 – 1911)

Fig. 15 - Hooker (http://scholar.lib.vt.edu)

Hooker foi um explorador e naturalista do século XIX e o mais importante botânico desta época. Colaborador e amigo próximo de Charles Darwin, com o qual trocava ideias novas sobre as espécies e a Evolução. Para além das suas funções foi ainda Presidente da Royal Society e director dos Jardins Botânicos Reais de Kew. Estudou na Universidade de Glasgow e após ter terminado os estudos foi escolhido como para cirurgião-ajudante no HMS Erebus para participar numa expedição à Antárctida. Em viagens aos Mares do Sul, Hooker encontrou fósseis de plantas tendo de imediato, com o seu amigo Charles Darwin, percebido a importância do estudo dessas rochas para a determinação da evolução das espécies. Permaneceu um entusiasta da paleobotânica durante toda a vida sendo nomeado em 1846, botânico oficial do Geological Survey of Great Britain. Amigo e admirador de Charles Darwin foi dos primeiros apoiantes da teoria da evolução aquando da polémica da publicação da obra A Origem das Espécies26.

26

s.a., Hooker, http://www.aboutdarwin.com/people/people_01.html#0125, 10 de

Fevereiro de 2008, consultado em 12 de Dezembro de 2008

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

2.12.

George Jackson Mivart

Fig. 16 - George Jackson Mivart (http://en.wikipedia.org/wiki/St._G eorge_Jackson_Mivart)

Mivart nasceu em 1827, em Londres, e veio a morrer de diabetes, na mesma cidade, a 1 de Abril de 1900. Foi um biólogo Inglês. Formou-se como advogado, mas prefere seguir o estudo da medicina e da biologia. Ao converter-se ao Catolicismo Romano, ficou desde logo excluído da Universidade de Oxford, a qual, na época, apenas aceitava alunos pertencentes à fé Anglicana. Em 1867 foi eleito Membro da Royal Society pelo trabalho On the Appendicular skeleton of the Primates, o qual foi comunicado à sociedade por Huxley, do qual se tornou amigo27. Tornou-se famoso por começar por acreditar fortemente na selecção natural, mas vem mais tarde a ser um dos seus maiores críticos. Quando tentou reconciliar-se com o Darwinismo, com conhecimento da Igreja Católica, acabou por ser excomungado por ambas as partes. Em 1871 Mivart pública Genesis of Species, onde expõe diversas objecções à teoria evolutiva proposta por Charles Darwin. Uma delas refere que a Terra não existia há tempo suficiente para que a selecção natural promovesse o aparecimento de uma variação tão grande de espécies. Uma outra objecção diz respeito à ausência de provas de etapas intermédias entre duas espécies. Darwin teve em conta as objecções de Mivart, a quem respondeu

27

s.a., Mivart, http://en.wikipedia.org/wiki/St._George_Jackson_Mivart, 5 de

Janeiro de 2009, consultado em 6 de Janeiro de 2009

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” na 6ª edição de A Origem das Espécies, na qual surge, pela primeira vez, o termo Evolução28.

Bibliografia

[1] - Ashworth, J.H. 1934. Charles Darwin as a student in Edinburgh, 182527. Proceedings of the Royal Society of Edinburgh, 55: 98-101.

[2] - Browne, Janet. 1995. Charles Darwin: Voyaging. London: Jonathan Cape. Vol.I [3] – Darwin, Charles. 2008. [1887]. The life and letters of Charles Darwin, including an autobiographical chapter. London: John Murray. Ed: Francis Darwin. Vol.I: 1-42. [4] - Egerton, F.N. 1967. Darwins early reading of Larmarck." Isis, 67: 452456. [5] -Rudwick, J.S. 1982. Charles Darwin in London: The Integration of Public and Private Science. Isis. 185-206. [6] - Secord, James. 1991. The discovery of a vocation: Darwin's early geology. The British Journal for the History of Science. Pág: 133.

28

s.a., Mivart, http://www.aboutdarwin.com/people/people_01.html#0155, 10 de

Fevereiro de 2008, consutlado em 6 de Janeiro de 2009

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Capítulo 3

A Viagem do Beagle

Bárbara Fernandes, Sofia Valente, Tiago Talhinhas e Viviana Correia

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

3. A Viagem do Beagle

Este ensaio leva-nos de novo a bordo do HMS Beagle, guiando-nos através da rota desta aventura e ao mesmo tempo apresenta-nos os personagens que fizeram parte deste acto na peça da vida de Darwin. O H.M.S.Beagle desembarcou do porto de Plymouth sob o comando do Capitão Robert FitzRoy na manhã de 27 de Dezembro de 1831. Esta viagem foi a segunda expedição do Beagle com a qual se pretendia fazer o levantamento cartográfico das costas da América do Sul (ver fig.1.1). Charles Darwin foi convidado para a viagem como naturalista, por sugestão de Heslow ao Capitão Fitzroy. Darwin aceitou de imediato. A viagem durou quase cinco anos, embora tivesse sido planeada para durar dois anos. O Beagle retornou no dia 2 de Outubro de 1836. Foi o acontecimento determinante da vida de Darwin, chegando este a afirmar na sua autobiografia: « The voyage of the Beagle has been by far the most important event in my whole career (…) I have always felt that I owe to the Voyage the first real training or education of my mind »29. Durante esta etapa Darwin trabalhou arduamente tendo recolhido todos os espéciemes e evidencias geológicas que consegui, facto determinante para a formulação da sua teoria. Darwin diz ainda sobre a viagem: « As far as I can judge of myself I worked to the utmost during the voyage from the mere pleasure of investigation, and from my strong desire to add a few facts to the great mass of facts in natural science »30. Não devemos esquecer também a tripulação do Beagle, já que muitos deles tiveram um impacto e importância decisivos na formulação da Teoria da Selecção Natural. Sem a ajuda de todos estes meros desconhecidos para a história, Darwin não teria descoberto todos os espécimes que hoje fazem parte do seu espólio nem teria viajado por locais selvagens e desconhecidos onde encontrou maravilhas inimagináveis e paisagens inigualáveis (ver Fig.1).

29

Morris, S.,Wilson,L. 1998. “A Voyage of Discovery” In DOWN HOUSE, The Home

of Charles Darwin. Pág.23. English Heritage. 30

http://www.aboutdarwin.com/voyage/voyage01.html (18/12/08)

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Charles Darwin foi um génio, talvez diferente do que estamos habituados, como Newton ou Einstein, um génio mais real, mais humano. Foi também um cientista brilhante e até mesmo um poeta extraordinário, capaz de descrever a beleza da Natureza de forma sublime e ao mesmo tempo descrevê-la metodicamente e de forma objectiva, em todos os seus pormenores, tentando sempre encontrar as justificações mais plausíveis para os fenómenos que observou.

Fig.1 - St. Jago, desenhado por Conrad Martens. St. Jago, é uma Ilha Atlântica do arquipélago de Cabo Verde, onde o Beagle fez umas das primeiras paragem. A sua beleza fez Darwin escrever no seu diário: «It has been for me a glorious day, like giving to a blind man eyes»1. (http://www.amnh.org/exhibitions/darwin/trip/five.php (24/01/09))

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

3.2.

A Rota do Beagle

Fig.1.1 - Rota descrita pelo HMS Beagle entre 1831 e 1836. Uma das viagens científicas mais importantes jamais realizadas. (http://darwinhp.vilabol.uol.com.br/darwin.html (18/12/08))

A caminho da América A 4 de Janeiro de 1832 o H.M.S. Beagle passa perto da ilha da Madeira não podendo aportar devido a rajadas de vento. Dois dias depois passa pelo porto de Santa Cruz Tenerife. São impedidos de desembarcar na ilha devida a um surto de cólera proveniente de Inglaterra. A 16 de Janeiro chega às ilhas de Cabo Verde. Efectuam a sua primeira paragem no Porto Praya na ilha de Santiago. É na ilha de Santiago, Cabo Verde, que Darwin faz a sua primeira “descoberta” – analisou uma faixa de sedimentos de conchas do mar acima do nível do mar (Fig. 1.1.1), cobertos por outra camada de lava, que podia ser interpretado como uma evidência à teoria do Uniformitarismo de Lyell. Mais tarde volta a encontrar evidências semelhantes durante a expedição à América do Sul.

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” O navio permaneceu na ilha durante 23 dias. È sobre a ilha de Santiago, em Cabo Verde, que Darwin escreveu no seu Diário: «The geology of this island is the most interesting part of its natural history»31.

Fig.1.1.1 - Conchas desenhadas por Darwin. (http://darwin-online.org.uk/ (07/01/09))

O H.M.S. Beagle partiu em direcção ao Brasil, parando durante um dia na ilha rochosa de St.Paul, localizada na linha do equador. Darwin ia recolhendo informação sobre a fauna, flora e geologia de todos os sítios por onde passava. Pensava na altura em escrever um livro de geologia dos vários países que viajava. Um dos livros que o influenciava cada vez mais era o Principles of Geology de Lyell (Fig.1.1.2), uma vez que as suas novas observações corroboravam toda a teoria de Lyell. O Beagle atravessou o equador e ao fim de 4 dias chega à ilha de Fernando Noronha (16 Fevereiro) onde permaneceram por poucas horas.

31

Darwin, C., The Voyage of the Beagle, Chapter 1 - St. Jago to Cape de Verd

Islands (http://www.literature.org/authors/darwin-charles/the-voyage-of-thebeagle/chapter-01.html (28/01/2009))

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Fig. 1.1.2 – Contra-capa de Principles of Geology de Lyell. (Morris, S.,Wilson,L. 1998. “A Voyage of Discovery” In DOWN HOUSE, The Home of Charles Darwin. Pág.21 . English Heritage)

3.3.

Chegada à América

A 28 Fevereiro de 1832 chegam à Baía (Salvador, Brasil). É então que Darwin fica maravilhado com toda a diversidade e todo o exotismo que presencia, escrevendo no seu diário: «The day has passed delightfully. Delight itself, however, is a weak term to express the feelings of a naturalist who, for the first time, has wandered by himself in a Brazilian forest»32. A 3 de Abril do mesmo ano, a embarcação chegou ao Rio de Janeiro. Darwin permanece em terra e explora a floresta tropical, adicionando mais exemplares à sua “colecção”. Era todo “aquele monte de lixo”, como era designado pela restante tripulação inicialmente, assim como a vasta diversidade de observações que efectuou, que viriam a constituir o fundamento da teoria evolutiva de Darwin. Em Punta Alta, perto da Baía (Setembro de 1832) Darwin encontrou ossos fossilizados de mamíferos gigantes extintos: Megatherium (Fig. 1.1.3) e Glyptodon.

32

Darwin, C., The Voyage of the Beagle, Chapter 2 - Rio de Janeiro

(http://www.literature.org/authors/darwin-charles/the-voyage-of-thebeagle/chapter-02.html (28/01/2009))

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” Darwin descobriu que os fósseis de mamíferos que encontrou durante a sua expedição (América do Sul) eram semelhantes a outros fósseis de mamíferos da Europa, provocando imensos debates sobre a evolução e selecção natural dos animais.

Fig. 1.1.3 - Ossadas de um Megaterium enviadas por Darwin para Londres. (Morris, S.,Wilson,L. 1998. “A Voyage of Discovery” In DOWN HOUSE, The Home of Charles Darwin. Pág.22 . English Heritage)

Darwin continuava a sua colheita de espécimes, vivendo e delirando cada momento daquela viagem. Nesta altura sabia que estava perto de algo. Todo o seu fascínio pela recolha do tudo cativava a restante tripulação. Esta era uma ajuda essencial nas expedições que Darwin realizava. A 1 de Março de 1833, H.M.S.Beagle chega às ilhas Falkland (ou ilhas Malvinas) onde Darwin estudou a relação das espécies e dos habitats e encontrou fósseis antigos como os que tinha encontrado em Gales. A 13 de Agosto, Darwin chega ao Campo General Rosas prosseguindo para Bahia Blanca. Ele verifica novamente a presença de fósseis por baixo de uma camada branca de conchas do mar, como já tinha encontrado na ilha de Santiago em Cabo Verde. Novamente, em Maio de 1834, no Vale do Rio Santa Cruz, Darwin estava fascinado pela geologia do Vale. As paredes do Vale tinham as mesmas

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” camadas de conchas do mar que ele já tinha observado várias vezes antes; uma vez mais relacionou as suas observações com a Teoria de Lyell.

A 23 de Julho de 1835, o Beagle ancorou em Valparaiso, no Chile, onde Darwin fez uma expedição aos Andes (Fig.1.1.4). Esta foi uma das experiências mais extraordinárias vividas por Darwin durante toda a viagem. Darwin percorreu trilhos perigosos através dos Andes e recolheu fósseis de conchas a mais de 100 metros de altitude. Esta passagem através da Cordilheira dos Andes marcou profundamente Darwin: «when we reachead the crest, and looked backwards, a glorious view was presented (...) the wild broken forms (...) produced a scene no one could have imagined. I felt glad that I was alone: It was like watching a thuntherstorm, or hearing in full orchestra a chorus of the Messiah»33.

Fig. 1.1.4 - Esquema de uma secção dos Andes, desenhado pelo próprio Darwin (Morris, S.,Wilson,L. 1998. “A Voyage of Discovery” In DOWN HOUSE, The Home of Charles Darwin. Pág.22 . English Heritage)

Logo após a 1ª expedição aos Andes, Darwin adoece, possivelmente Doença de Chagas. Pensa-se que Darwin tenha contraído a doença depois de ter sido mordido por um insecto venenoso, o benchuga. Ao longo da sua viagem, para além de ter coleccionado um grande número de animais exóticos, pássaros, répteis e um grande número de fósseis, Darwin presenciou no arquipélago de Los Chonos, a erupção do vulcão Osorno dos Andes, em Novembro 1834, assim como um terramoto na cidade de Valdivia (20 Fevereiro de 1835): «the most awful yet interesting spectacle I ever beheld»34.

33

Darwin, C., The Voyage of the Beagle, Chapter 12 - Central Chile

(http://www.literature.org/authors/darwin-charles/the-voyage-of-thebeagle/chapter-12.html (08/01/2009)) 34

Darwin, C., The Voyage of the Beagle, Chapter 14 - Chiloe and Concepcion:

Great Earthquake (http://www.literature.org/authors/darwin-charles/the-voyage-of-thebeagle/chapter-14.html (28/01/2009))

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

3.4.

Galápagos

Em Setembro de 1835, o HMS Beagle aportou nas Ilhas Galápagos, um grupo de ilhas vulcânicas a cerca de 800-1125 km da costa do Equador. Darwin passou 5 semanas a explorar as Galápagos. Aí recolheu tantos espécimes (iguanas, tentilhões, tartarugas) quanto pode, não tendo atenção ao local onde os capturava. Terá sido o ornitólogo John Gould, já de em Inglaterra e após a viagem, que chamou a atenção de Darwin para o facto de os espécimes de Tentilhões não serem todas variações da mesma espécie mas sim espécies diferentes (ver fig.1.1.5). Ao contrário do que se possa pensar, as observações dos Tentilhões não aparecem referenciadas na primeira edição da sua Origem das Espécies (1859). Tal como os Tentilhões, mais tarde apelidados de “Tentilhões de Darwin”, as tartarugas gigantes que habitavam as Galápagos variam de aparência de ilha para ilha (ver fig.1.1.6). Os marinheiros, que as usavam como refeição, ensinaram Darwin que se podia saber qual a ilha de que provinha uma tartaruga pela forma da sua carapaça. Darwin começou a interrogar-se sobre tais diferenças, o que foi fundamental para a formulação da sua Teoria da Selecção Natural. As Galápagos impressionaram bastante Darwin não só devido à diversidade natural mas também à geologia vulcânica do local.

Fig. 1.1.5 – Tentilhões de “Darwin”, ilustração de John Gould. (http://darwinonline.org.uk/graphics/Zoology_Illustratio ns.html (07/01/09))

Fig. 1.1.6 – Tartarugas das Galápagos. (Morris, S.,Wilson,L. 1998. “A Voyage of Discovery” In DOWN HOUSE, The Home of Charles Darwin. Pág.23 . English Heritage)

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

3.5.

Taiti até a Austrália

No Taiti (Novembro de 1835), Darwin ficou fascinado pela vegetação luxuriante e extensas praias com areia branca e palmeiras. Achou os nativos bastante inteligentes e hospitalares. O facto de terem uma atitude “amigável” em relação ao cristianismo fez com que Darwin mudasse a sua ideia de que as missões estavam a destruir as culturas indígenas locais. Foi no Taiti que Darwin passou a apreciar uma grande quantidade de delícias tropicais como banana e inhame. Na Nova Zelândia (Dezembro de 1835), Darwin conheceu o povo Maori, designados com selvagens e reconhecidos pelo seu corpo tatuado. Charles achou-os bárbaros e escreveu no seu diário: « I would not have believed how entire the difference between savage and civilized man is (…) it is greater than between a wild and domesticated animal »35. Ainda na Nova Zelândia, Darwin observou o sucesso da Missão levada a cabo na quinta do irmão mais velho de Richard Matthews, o missionário abordo do Beagle. Aqui os selvagens eram “disciplinados” e ensinados a viver segundo as crenças da igreja católica e os costumes britânicos. Matthews terá abandonado a viagem nesta paragem para se juntar ao irmão. A Austrália (Janeiro 1836), parecia-se, aos olhos de Darwin, com a Patagónia. Em Sidney, apesar do ambiente britânico, a cidade estava cheia de bens roubados, ladrões e condenados. Numa visita ao interior do país Darwin caçou o seu primeiro marsupial e ficou curioso como o estranho ornitorrinco. Visitou ainda Hobart, na Tasmânia, zarpando depois para Albany (sudoeste Australiano) onde participou numa dança aborígene aquando de um ritual tribal.

3.6.

Ilhas Cocos

Em Abril de 1836, o Beagle aportou nas ilhas Cocos ou Ilhas Keeling, no Oceano Indico. Aqui Darwin encontrou uma economia baseada no coco. Observações levadas a cabo em lagoas de coral permitiram-lhe consolidar a

35

Darwin, C., The Voyage of the Beagle, Chapter 18 - Tahiti and New Zealand

(http://www.literature.org/authors/darwin-charles/the-voyage-of-thebeagle/chapter-18.html (07/01/09))

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” teoria dos Atóis desenvolvida por Darwin e Fitzroy em Lima. Darwin descreveu estas lagoas como jardins de coral brilhantes e coloridos. Os tripulantes do Beagle aportaram ainda nas ilhas Maurício, onde Darwin passeou montado num elefante. O Beagle fez ainda uma paragem na cidade do Cabo (Maio de 1836, Cabo da Boa Esperança) onde trocou ideias com o astrónomo e adepto de Lyell, Sir John Herschel. Em Santa Helena observou faixas de conchas fossilizadas a 600 metros de altura. Não só se encontravam muito acima do nível do mar, como também eram de espécies já extintas. Ao largo da Ilha de Ascensão, Darwin viu cones vulcânicos em erupção (Julho de 1836).

3.7.

Regresso

De acordo com The Voyage Of The Beagle (1839)36, na viagem de regresso Fitzroy retornou ao Brasil, Bahia, para confirmar algumas medições. Darwin aproveitou esta paragem para voltar a deliciar-se com os encantos da luxuriante floresta tropical. O Beagle fez ainda uma paragem para abastecimento nos Açores, antes de chegar, por fim, a Falmouth (Cornwall, Inglaterra) a 2 de Outubro de 1836.

36

Darwin, C., The Voyage of the Beagle, Chapter 21 - Mauritius to England

(http://www.literature.org/authors/darwin-charles/the-voyage-of-thebeagle/chapter-21.html (07/01/09))

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Bibliografia Referências Bibliográficas Darwin, C., The Voyage of the Beagle, Chapter 1 - St. Jago to Cape de Verd Islands (http://www.literature.org/authors/darwin-charles/the-voyage-ofthe-beagle/chapter-01.html (28/01/2009)) Darwin, C., The Voyage of the Beagle, Chapter 2 - Rio de Janeiro (http://www.literature.org/authors/darwin-charles/the-voyage-of-thebeagle/chapter-02.html (28/01/2009)) Darwin, C., The Voyage of the Beagle, Chapter 12 - Central Chile (http://www.literature.org/authors/darwin-charles/the-voyage-of-thebeagle/chapter-12.html (08/01/2009)) Darwin, C., The Voyage of the Beagle, Chapter 14 - Chiloe and Concepcion: Great Earthquake (http://www.literature.org/authors/darwin-charles/thevoyage-of-the-beagle/chapter-14.html (28/01/2009)) Darwin, C., The Voyage of the Beagle, Chapter 18 - Tahiti and New Zealand (http://www.literature.org/authors/darwin-charles/the-voyage-of-thebeagle/chapter-18.html (07/01/09)) Morris, S.,Wilson,L. 1998. “A Voyage of Discovery” In DOWN HOUSE, The Home of Charles Darwin. Pág.21-23. English Heritage. Sites consultados http://www.aboutdarwin.com/voyage/voyage01.html (18/12/08) http://www.amnh.org/exhibitions/darwin/trip/five.php (24/01/09) http://darwinhp.vilabol.uol.com.br/darwin.html (18/12/08) http://darwin-online.org.uk/ (07/01/09) http://darwin-online.org.uk/graphics/Zoology_Illustrations.html (07/01/09) http://darwinonline.org.uk/converted/scans/1890_Voyage_F59(online)/1890_Voyage_F5 9_002.jpg(28/01/09) http://darwinonline.org.uk/converted/published/1967_DarwinHenslow_F1598/1967_Dar winHenslow_F1598_fig003.jpg(20/01/2009) http://www.aboutdarwin.com/voyage/Chart.gif (16/01/2009) http://ebooks.adelaide.edu.au/d/darwin/charles/beagle/complete.html (10/12/2008) http://www.dropbears.com/l/links/images/beagle.gif (20/01/2009) 45 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” http://www.nla.gov.au/pub/nlanews/2005/mar05/images/rFitzroy-200.jpg (10/01/2009) http://www.askart.com/AskART/photos/SSY20071126_5605/106.jpg (20/12/2008) http://www.nla.gov.au/exhibitions/countryandlandscape/images/PortraitMartens.jpg (20/12/2008) http://hmsbeagle.files.wordpress.com/2008/07/hms_beagle_tiera_del_fueg o_conrad_martens.jpg (4/01/2009) http://www.begavalley.nsw.gov.au/Cultural%20Map/people/covington.gif (20/12/2008) http://darwinonline.org.uk/converted/scans/1839_voyage_F10.2(online)/1839_voyage_F 10.2_181.jpg (15/12/2008) http://darwinonline.org.uk/converted/scans/1839_voyage_F10.2(online)/1839_voyage_F 10.2_181.jpg (20/12/2008) http://darwinonline.org.uk/converted/scans/1839_voyage_F10.2(online)/1839_voyage_F 10.2_181.jpg (20/12/2008) http://gargles.net/wpcontent/uploads/2006/06/capt.sge.jsg72.230606103238.photo00.photo.def ault-512x397.jpg (10/01/2009)

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Capítulo 4

A Tripulação do Beagle Bárbara Fernandes, Sofia Valente, Tiago Talhinhas e Viviana Correia

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4. A Tripulação do Beagle

4.1.

A Tripulação do Beagle

Durante os cinco anos de viagem, muito aconteceu aos tripulantes do HMS Beagle. Momentos de perigo, momentos de desavenças, momentos de espanto e admiração, momentos inesquecíveis que marcaram as relações entre os homens que tripulavam este barco.

Sob o comando do Capitão Robert Fitzroy, seguiam cerca de 74 pessoas de maior e menor estatuto social na sociedade Victoriana, oficiais, Tenentes e ajudantes. De entre a tripulação contavam-se os seguintes homens: Robert Fitzroy, Charles Darwin, Robert MacCormick, George Stebbing, Augustus Earl, Conrad Martens, Richard Matthews, John Lort Stokes, Phillip Gidley King, Alexander Burns Usborne, Bartholomew James Sulivan, John Clement Wickham, James Harris, Benjamin Bynoe, Charles Musters, Arthur Mellersh, Harry Fuller, Edward Hellyer e Syms Conington.

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4.2. Fitzroy

Capitão Robert

Robert Fitzroy, após ser nomeado capitção do HMS Beagle, pediu a personalidades importantes do seu circulo social que lhe recomendassem um cavalheiro de alto nível social, com interesses em Historia Natural e que fosse capaz de ter conversa inteligentes e dinâmicas, para lhe fazer companhia durante a expedição que se avizinhava. Eis que o Reverendo John Henslow, amigo comum de Darwin e Fitzroy recomendou Charles Darwin ao comandante. Inicialmente, Fitzroy não considerou Darwin um cavalheiro com caracter suficiente para iniciar tal expedição, mas em pouco tempo mudou de ideias. O Reverendo John Henslow havia sido professor de botânica, de Charles Darwin e era o seu modelo vitoriano de clérigo Naturalista.

A expedição do Beagle tinha partida prevista para Outubro de 1831, no entanto, as condições metereológicas adiaram a partida do porto de Plymouth várias vezes. Durante este espaço de tempo, Darwin instalou-se numa estalagem em Devemport juntamente com John Lort Stokes – cartografista. Durante estes meses, Stokes ensinou Darwin a manusear os instrumentos cientificos, calibraram os cronómetros a levar no barco e 49 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” fizeram as leituras iniciais, antes da partida. Os instrumentos foram depois guardados na parte superior do convés, onde existia menos interferência da agitação marinha e do magnetismo natural.

Fig. 1.2.1 - Capitão Robert FitzRoy, comandante do H.M.S. Beagle. Desenho de Phillip G. King. (http://darwinonline.org.uk/converted/published/1967_DarwinHe nslow_F1598/1967_

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Fig. 1.2.2 - Aposentos de Darwin, a bordo do HMS Beagle. (http://www.aboutdarwin.com/voyage/Chart.gif (16/01/2009))

Mais tarde, Darwin, Stokes e Phillip Gidley King partilharam os mesmos aposentos na cabine da popa. Darwin viria a dizer que Stokes era um homem afável e sem intenções de monopolizar os aposentos apesar da grande quantidade de mapas que guardava na cabine. Além de acomodar 3 passageiros e os mapas de Stokes, estes aposentos também serviam de biblioteca do navio. Aqui podiam ser encontrados dicionários, bíblias, livros de poesia, romances e obras de referência - A lista de livros a bordo encontra-se descrita ao longo da correspondência. Devido às diminutas dimensões da cabine e à parafernália que lá se encontrava, a divisão do espaço de cada ocupante na cabine, à mesa e até mesmo as cadeiras foi feita no inicio da viagem e deveria manter-se inalterada até ao fim da mesma.

Fig. 1.2.3 - Ilustração do Beagle, por Phillip G. King em 1890. (http://ebooks.adelaide.edu.au/d/darwin/charles/beagle/co mplete.html (10/12/2008))

Phillip King era um dos oficiais a bordo e era filho do anterior capitão do Beagle, que se suicidara durante a última viagem. Devido a este acontecimento e a outros danos no navio, Fitzroy exigiu uma remodelação do HMS Beagle antes que este levantasse ancora. A cabine onde ocorrera o suicídio foi então transformada numa arrecadação de armas e a parte superior de todos os conveses foi remodelada tendo sido colocada madeira 51 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” nova onde a anterior estava podre e gasta. No entanto, o Beagle era um navio de pequenas dimensões com 27 metros de comprimento, 3 mastros, alguns canhões e capacidade para um total de 242 toneladas.

Fig. 1.2.4 - Ilustração do Beagle presente no inicio do Jornal of Researches, o primeiro livro que Darwin publicou, quando regressou da expedição do Beagle. ( http://www.dropbears.com/l/links/images/beagle.gif (20/01/2009))

Finalmente, e após 3 tentativas falhadas para sair do porto de Plymouth, quando o HMS Beagle zarpou, a 27 de Dezembro de 1831, a excitação inicial da viagem desaparecera à muito: «I did expect to have felt some of the same heart sinking sensations which I experienced when I first had the offer of the voyage»37. Durante a primeira semana, Darwin experimentou os horrores do enjoo de mar, que só ficaram ligeiramente aliviados alguns tempo depois, após passar Teneriffe: «It far exceeds what a person would suppose who had never been at sea more than a few days. – I found the only relief to be in a horizontal position»38. Vários membros da tripulação tinham alguma simpatia pelo estado lamentável de Darwin. Jimmy Button, um dos Fuecianos a bordo, ia regularmente ao pé de Darwin dizendo-lhe “poor man”, Alexander Burns Usbourn, um assistente de mastro, referia-se a Darwin como um “dreadfull suferer”. Fitzroy entre serões animados, em longas conversas com Darwin na sua cabine, chegou a duvidar que Darwin completasse a viagem: «He

37

Darwin, C., Diary (http://darwin-online.org.uk/manuscripts.html (15/01/2009))

38

Fitzroy, R., Journal, Correspondence (http://darwin-

online.org.uk/EditorialIntroductions/Chancellor_fieldNotebooks1.10.html (10/01/2009))

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” was terribly sick until we passed Teneriffe, and I sometimes doubted his fortitude holding out agains such a beginning of campain»39. Apesar da condição de Darwin, este e Fitzroy tornaram-se bons companheiros de viagem descobrindo, num dos jantares de Darwin, nos aposentos do capitão que possuíam um gosto comum por romances de Jane Austen. Apesar de gostos em comum, Darwin reconhecia em Fitzroy um capitão com um comportamento turbulento que era rígido para com os seus marinheiros. A primeira demonstração do comportamento temperamental e tempestuoso de Fitzroy ocorreu ainda em terra, antes de o Beagle zarpar, numa ocasião em que o capitão quis trocar um artigo numa loja de loiças e o dono desta não acedeu aos seus desejos. Darwin considerava o comportamento de Fitzroy o resultado de uma educação tipicamente Britânica característica de uma classe aristocrática privilegiada pelo seu poder quase absoluto. Na altura deste primeiro incidente Darwin não teceu comentários uma vez que a sua partida a bordo do Beagle e consequentemente o seu futuro estavam nas mãos de Fitzroy. Mais tarde, já a bordo, Darwin verificou mais uma faceta dura de Fitzroy, no cargo de capitão do navio, quando se deparou com 4 marinheiros a ser violentamente castigados com chicotadas por terem abusado da bebida, desobediência a ordens, insolência e negligência nos seus deveres. A cena provocou em Darwin uma onda de simpatia pelos marinheiros castigados, no entanto, compreendia que Fitzroy estava sobre imensa pressão por parte da marinha Britânica. O HMS Beagle, para além dos objectivos publicamente conhecidos de obter mapas geográficos e hidrográficos de toda a costa sudoeste da América do Sul e Terra do Fogo, de modo a resolver as divergências entre medições Inglesas e Francesas e a serem comparados com os dados obtidos nos observatórios britânico, não hemisfério sul. O Beagle tinha ainda vários objectivos políticos. Ao aportar em portos estratégicos, o capitão deveria estabelecer alianças e acordos políticos e comerciais que garantissem boas relações entre os exportadores locais e Inglaterra. Assim, Fitzroy via-se obrigado a enviar relatórios detalhados com as actividades do navio e os avanços relativos aos objectivos da expedição. Além disto, a expedição era financiada pela marinha britânica para fazer a primeira circum-navegação com recurso a cronómetros. Mais tarde, entre Darwin e Fitzroy ocorram alguns conflitos ideológicos e Darwin não deixou de dar a sua opinião no assunto. O incidente mais importante e problemático ocorreu quando o Beagle aportou em Salvador na Bahia a 29 de Fevereiro de 1982 e Darwin se deparou com um regime esclavagista ainda em vigor pois o transporte de escravos entre

39

Fitzroy, R., Journal, Quoted from Browne, Jane –Charles Darwin Voyaging, Princeton Univ. Press,

Princeton, 1999

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” Portugal e o Brasil ainda era legal. Mais tarde Darwin terá dito a Henslow que a situação era “um escândalo para as nações cristãs”, escreve no seu diário. Darwin terá ficado especialmente escandalizado uma vez que fora criado num ambiente abolicionista. Os seus avós, Erasmus Darwin I e Josiah Wedgwood I, tinham sido figuras centrais em mover a opinião pública britânica durante os movimentos antiesclavagistas do fim do século XVIII. Um dos desenhos que constavam nas loiças de Wedgwood era um Negro em correntes e o moto “Am I not a man but a Brother” foi adoptado pela sociedade anti esclavagista. Fitzroy, pelo contrário, não se mostrou indignado nem escandalizado com a prática de escravatura, considerando-a normal. Darwin ficou profundamente ofendido com o comportamento de Fitzroy e considerou mesmo abandonar a expedição. Mais tarde, Fitzroy apresentou um pedido de desculpas formal a Darwin e o assunto escravatura não mais foi mencionado a bordo do HMS Beagle.

Fig. 1.2.5 - Augustus Earle (1793–1838). (http://www.nla.gov.au/pub/nlanews/2005/mar05/im ages/rFitzroy-200.jpg

4.3.

Augustus Earl

Em Março de 1832, o HMS Beagle chegava à costa Brasileira e, enquanto o capitão e a tripulação faziam medições cartográficas, ao longo da costa, Darwin alugou uma fazenda e aproveitou para continuar o seu trabalho de recolecção de espécimes. Durante este período de tempo, Darwin esteve acompanhado pelo desenhista Augustus Earle, Phillip G. King e também por Fuegia Basket, uma das Fuecianas a bordo do Beagle. Darwin alugou uma fazenda na região de Botofogo e como Earl conhecia bem a cidade do Rio de Janeiro, mostrou vários locais a Darwin e King: as melhores igrejas, a catedral católica e alguns palácios barrocos. Era 54 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” constante a passagem de carruagens com senhoras Latinas, procissões de negros e padres com chapéus em forma de cone. Sobre as senhoras latinas Darwin disse, numa carta a sua irmã Caroline, que: «Our chief achievement was riding about and admiring the Spanish ladies. – After watching one of these angels gliding down the streets; involuntarily we groaned out, ‘how foolish English women are, they can neither walk nor dress’. – And ten ow ugly Miss sounds after Signorita»40. Durante a estadia, Darwin continuou à procura de espécimes para a sua colecção concentrando-se especialmente em vertebrados, sempre na companhia de Earl e Phillip King. Quando Earl teve de deixar a expedição, Darwin relatou a Caroline: «Poor Earl has never been well since leaving England & now his health is entirely broken up, that he leaves us »41.

Fig. 1.2.6 - Vista do porto do Rio de Janeiro desenhado por Ausgustus Earl. (http://www.askart.com/AskART/photos/SSY20071126_5605/106.jpg (20/12/2008))

Após a partida de Augustus Earl, que se encontrava demasiado doente para prosseguir a expedição, Conrad Martens, discípulo de Copley Fieldings, juntou-se à tripulação do Beagle. Darwin considerava Martes uma pessoa muito agradável e um óptimo desenhista de paisagens, no entanto, faltavalhe o carácter excêntrico de Earl. Phillip King, no entanto, manteve-se junto de Darwin e era um rapaz de quem Darwin gostava muito «he is the most perfect, pleasant boy I ever met with & my chief companion»42.

40

Darwin, C., Correspondence, unpulished letter from Darwin to Caroline (Out 1832) (http://darwin-

online.org.uk/content/frameset?itemID=F1566&viewtype=text&pageseq=1 (2/01/2009)) 41

Darwin, C., Correspondence, 13 Nov.1833

(http://www.darwinproject.ac.uk/darwinletters/calendar/entry-230.html (20/12/2008))

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” Durante este período Darwin envia uma missiva para Cambridge relatando a Henslow ter encontrado novos géneros de aranha e espécies novas de planárias colori das, em ambi ente terre stre.

1.2.8 - Beagle na Terra do1.2.7 Fogo.– Ilustração Retrato dede Conrad Conrad Martens. Martens presente na primeira versão (http://www.nla.gov.au/exhibitions/country ilustrada de A Origem das Espécies de C.Darwin. andlandscape/images/Portrait-Martens.jpg (http://hmsbeagle.files.wordpress.com/2008/07/hms_beagle_tiera_del (20/12/2008)) _fuego_conrad_martens.jpg (4/01/2009))

4.4. MacCormick

Dr. Robert

Durante o séc. XIX, na Grã-Bretanha era frequente considerar os letrados que regressavam de uma viagem marítima prolongada, onde haviam estudado a flora e a fauna locais, especialistas na área em questão. MacCormick , o cirurgião oficial do navio, deveria também acumular as funções e naturalista. Ao embarcar, pensou que faria nome ao voltar a Inglaterra com uma enorme colecção e espécimes raros de terras distantes. No entanto, Charles Darwin, encontrava-se a bordo, a convite especial do Capitão Fitzroy. Para além do especial gosto de Darwin, por História Natural, este era também um cavalheiro abastado que caíra nas boas graças do capitão. Tinha-lhe sido dada primazia no cargo de Naturalista

42

Darwin, C., Diary (http://www.darwinproject.ac.uk/darwinletters/calendar/entry-

166.html (10/01/2009))

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” oficial da expedição e Darwin, tal como MacCormick desejada fazer nome na comunidade científica depois desta expedição. MacCormick sabia que, como era costume, as colecções recolhidas neste tipo de viagem seriam depois distribuídas por museus e órgãos centrais onde lhe fosse dada a maior atenção possível. Uma vez que Darwin reunia a cada dia mais exemplares e já os estava a enviar para Henslow onde estes começaram a ser alvo de atenções, MacCormick, abandonou a expedição e regressou a casa, poucos meses após ter partido com o Beagle do porto de Plymouth, a bordo do HMS Tyne. MacCormick abandonou o navio «very much disappointed in my expectations of carrying out my natural history pursuits, every obstacle having been placed in the way of my getting on shore and making collections»43. Para Darwin, não foi especial problema a perca deste elemento da tripulação, e numa carta á sua irmã Caroline chega a afirmar que «He is no loss». MacCormick não seria mencionado na autobiografia de Darwin.

4.5.

Syms Covington

Syms Convington tinha 15 anos quando o HMS Beagle iniciou a sua expedição. Ia a bordo do navio como simples marinheiro mas pouco tempo depois, Darwin contratou-o para as funções de ajudante pessoal, secretário e assistente de naturalista. Darwin encarregou-se de o vestir adequadamente e das suas despesas de alojamento e alimentação. Syms ficou com Darwin durante toda a viagem e depois de esta terminar permaneceu na sua companhia até este casar com a sua prima Emma Wedgwood. Nesta altura, em 1839, Covington emigrou para a Austrália e levou com ele uma carta de recomendação de Charles Darwin. Darwin recorda Syms como um rapaz surdo, muito dado a escapadelas ao trabalho e no entanto, com muito boa caligrafia e por isso mesmo bastante útil para as tarefas que lhe eram destinadas: « I do not very much like him; but he is, perhaps from his very oddity, very well adapted to all my purposes »44.

43

MacCormick, Personal journal (http://www.darwinproject.ac.uk/darwinletters/calendar/entry-

166.html (10/01/2009)) 44

Darwin, C., Correspondência ( http://www.darwinproject.ac.uk/darwinletters/calendar/entry-248.html

(20/12/2009))

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Fig. 1.2.9 – Retrato de Syms Covington. (http://www.begavalley.nsw.gov.au/Cultural%20Map/p eople/covington.gif (20/12/2008))

A bordo seguiam outras personagens com maior ou menor interferência nos trabalhos de Darwin, no entanto, todos estes, a partir de certo ponto tentavam ajudar Darwin, a quem carinhosamente apelidaram de Philos – de Natural Philosopher. Os marinheiros e oficiais, quando aportavam traziam para bordo vários espécimes que eles próprios recolhiam, uns para oferecer a Darwin, outros apenas pela curiosidade de saber o que eram os espécimes, na esperança que ele lhes contasse mais sobre eles. No entanto, a maior parte deles tinha algum interesse em história natural e muitos faziam as suas próprias recolhas para pequenas colecções particulares. O Primeiro-tenente Wickham era botânico e recolhia espécimes de plantas variados. O segundo tenente Sulivan tinha uma especial aptidão para ciências geológicas. Benjamin Bynoe, iniciou a viagem do Beagle como assistente do cirurgião Robert MacCormick. Quando MacCormick abandonou o navio, Byone foi promovido à categoria de Cirurgião oficial do navio e nos tempos livres explorava de acordo com os seus interesses em Botânica e Geologia. Os dois oficiais Arthur Mellersh e Phillip King, fizeram ambos recolecções variadas para colecções privadas. O próprio Fitzory tinha interesses a nível geológico. Recolheu vários pedaços de lava na Ilha da Ascenção e conchas fossilizadas na Patagónia. A bordo seguiam ainda Charles Musters, um voluntário de 12 anos, Harry Fuller, o imediato do Fitzroy, que foi assistente de Darwin, nos primeiros tempos de viagem, até Darwin ter contratado Syms Covington, James Harries, que pilotou temporariamente o Beagle e seguia ainda Edwad Hellyer, o contabilista do navio.

4.6.

Fuecianos

Um dos objectivos pessoais do capitão Fitzroy para a expedição do Beagle era a devolução dos 3 fuecianos à Terra do Fogo, de onde tinham sido retirados, anos antes, na anterior expedição do Beagle. Jimmy Button, York Minster e Fuegia Basket foram levados para Inglaterra para serem mostrados como se fossem animais a domesticar. Foram lavados e vestidos 58 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” como cavalheiros e dama e convertidos ao Anglicanismo. O objectivo seria devolve-los à sua aldeia, juntamente com o Missionário inexperiente Richard Matthews e ali criar um povoamento civilizado e católico.

Fig. 1.2.10 - Jimmy Button. (http://darwinonline.org.uk/converted/scans/1839_voyage_F10.2 (online)/1839_voyage_F10.2_181.jpg (15/12/2008))

Darwin gostava bastante de Jemmy ou Orundeliko, o seu nome original, achava-o simples e simpático, com um bom humor e um temperamento calmo. Tinha uma estatura baixa e era bastante prestável para com os outros membros da tripulação. Já York Minster ou El’Leparu, tinha 30 anos e um carácter muito mais forte e vincado, difícil de manipular, e era bastante reservado e taciturno. Durante o tempo que passou em Inglaterra, nunca gosto de aprender o quer lhe foi tentado ensinar, nomeadamente a ler. Possuia um corpo forte, musculado e imponente, que intimidava alguns membros da tripulação. Dizia-se que estava noivo de Fuegia Basket ou Yokcushlu e a cada dia que passava, tornava-se mais possessivo e ciumento. Fuegia tinha 13 anos quando embarcou, era muito simpática e reservada e tinha uma especial facilidade para aprender línguas. No espaço de tempo que esteve longe da sua aldeia aprendera Inglês, Português e Espanhol.

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Fig. 1.2.11 – York Minster. (http://darwinonline.org.uk/converted/scans/1839_voyag e_F10.2(online)/1839_voyage_F10.2_181.j pg (20/12/2008))

Fig.1.2.12 - Fuegia Basket. (http://darwinonline.org.uk/converted/scans/1839_voyag e_F10.2(online)/1839_voyage_F10.2_181.j pg (20/12/2008))

Para Darwin, a tribo de Jimmy era tão selvagem que achava que se faltasse comida primeiro comeriam as mulheres mais velhas e só depois os cães. No entanto, considerava Jimmy uma pessoa fascinante especialmente pela sua capacidade de adaptação à civilização. Quando foi devolvido à sua tribo, Button, já não se lembrava da linguagem que estes usavam e mostrou sinais de vergonha pelo comportamento dos seus familiares. No entanto, Darwin notou, que estes Fuecianos, tinham as suas capacidades instintivas, como a audição e a visão muito mais apuradas do que qualquer um dos seus companheiros e compatriotas. Foi com bastante tristeza e desilusão que Darwin encontrou Jimmy, quando passou novamente pela Terra do Fogo, um ano depois, completamente desprovido de sinais de civismo e totalmente integrado na tribo, em estado selvagem.

Por último, mas não menos importantes, seguiam a bordo do navio, vários animais. Duas tartarugas das Galápagos, tendo uma delas sido recolhida por Darwin para ser oferecida a Fitzroy. A bordo seguiam ainda uma raposa de Falkland e alguns coelhos sul americanos e alguns cães selvagens da Ilha do Fogo. A Inglaterra, chegaram apenas os cães e uma das tartarugas, Harrieta, que viveu até aos 176 anos, tendo morrido, de ataque cardíaco, em 2006, num zoo australiano.

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

1.2.13 – Harrieta, tartaruga de estimação de Darwin durante a viagem. Faleceu em 2006 com 176 anos.(http://gargles.net/wpcontent/uploads/2006/06/capt.sge.jsg72.230606103238.photo00.ph oto.default-512x397.jpg (10/01/2009))

Nota Final Quando partiu a bordo do HMS Beagle, Charles Darwin não tinha o mais pequeno vislumbre da imortalidade que alcançaria nos sonhos e desejos de progresso de toda a comunidade científica, pelo mundo fora, apaixonada pelo Evolucionismo. Até aos dias de hoje, Darwin, a sua viagem e as suas teorias fazem correr rios de tinta na tentativa de as demover, mas também em ovações e obras de tributo. Celebrando este ano, os 200 anos do seu nascimento e 150 anos da primeira publicação da Origem das Espécies, pelo mundo fora, são organizadas exposições, teatros e toda uma parafernália de acontecimentos que gritam o quão importante esta personagem histórica foi para a evolução de uma sociedade que se torna a cada dia mais conhecedora das suas origens e curiosa sobre o seu futuro. Tudo isto se deve, em grande parte a este homem que influenciou e continua a influenciar gerações de cientistas e pensadores, interligando Ciência e Filosofia. Dado que a expedição que imortalizou o HMS Beagle não foi apenas mais um capítulo na vida de Darwin, mas sim um dos mais importantes capítulos de uma vida recheada de memórias, todos os acontecimentos destes 5 61 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” magníficos anos estão retratados em cada uma das obras de Darwin, desde A Origem das Espécies ao Descendant of Man. Retratar a viagem do Beagle e as relações interpessoais de Charles Darwin com a tripulação que o acompanhou durante os 5 anos da expedição foi uma escolha pessoal do grupo. Considerámos indispensável mostrar que por detrás de um grande cientista há também um grande homem e como tal, repleto de sentimentos e emoções que influenciam a sua maneira de pensar e ver o mundo que o rodeia.

Bibliografia Referências Bibliográficas Darwin, C., The Voyage of the Beagle, Chapter 1 - St. Jago to Cape de Verd Islands (http://www.literature.org/authors/darwin-charles/the-voyage-ofthe-beagle/chapter-01.html (28/01/2009)) Darwin, C., The Voyage of the Beagle, Chapter 2 - Rio de Janeiro (http://www.literature.org/authors/darwin-charles/the-voyage-of-thebeagle/chapter-02.html (28/01/2009)) Darwin, C., The Voyage of the Beagle, Chapter 12 - Central Chile (http://www.literature.org/authors/darwin-charles/the-voyage-of-thebeagle/chapter-12.html (08/01/2009)) Darwin, C., The Voyage of the Beagle, Chapter 14 - Chiloe and Concepcion: Great Earthquake (http://www.literature.org/authors/darwin-charles/thevoyage-of-the-beagle/chapter-14.html (28/01/2009))

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” Darwin, C., The Voyage of the Beagle, Chapter 18 - Tahiti and New Zealand (http://www.literature.org/authors/darwin-charles/the-voyage-of-thebeagle/chapter-18.html (07/01/09)) Morris, S.,Wilson,L. 1998. “A Voyage of Discovery” In DOWN HOUSE, The Home of Charles Darwin. Pág.21-23. English Heritage. Sites consultados http://www.aboutdarwin.com/voyage/voyage01.html (18/12/08) http://www.amnh.org/exhibitions/darwin/trip/five.php (24/01/09) http://darwinhp.vilabol.uol.com.br/darwin.html (18/12/08) http://darwin-online.org.uk/ (07/01/09) http://darwin-online.org.uk/graphics/Zoology_Illustrations.html (07/01/09) http://darwinonline.org.uk/converted/scans/1890_Voyage_F59(online)/1890_Voyage_F5 9_002.jpg(28/01/09) http://darwinonline.org.uk/converted/published/1967_DarwinHenslow_F1598/1967_Dar winHenslow_F1598_fig003.jpg(20/01/2009) http://www.aboutdarwin.com/voyage/Chart.gif (16/01/2009) http://ebooks.adelaide.edu.au/d/darwin/charles/beagle/complete.html (10/12/2008) http://www.dropbears.com/l/links/images/beagle.gif (20/01/2009) http://www.nla.gov.au/pub/nlanews/2005/mar05/images/rFitzroy-200.jpg (10/01/2009) http://www.askart.com/AskART/photos/SSY20071126_5605/106.jpg (20/12/2008) http://www.nla.gov.au/exhibitions/countryandlandscape/images/PortraitMartens.jpg (20/12/2008) http://hmsbeagle.files.wordpress.com/2008/07/hms_beagle_tiera_del_fueg o_conrad_martens.jpg (4/01/2009) http://www.begavalley.nsw.gov.au/Cultural%20Map/people/covington.gif (20/12/2008) http://darwinonline.org.uk/converted/scans/1839_voyage_F10.2(online)/1839_voyage_F 10.2_181.jpg (15/12/2008)

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” http://darwinonline.org.uk/converted/scans/1839_voyage_F10.2(online)/1839_voyage_F 10.2_181.jpg (20/12/2008) http://darwinonline.org.uk/converted/scans/1839_voyage_F10.2(online)/1839_voyage_F 10.2_181.jpg (20/12/2008) http://gargles.net/wpcontent/uploads/2006/06/capt.sge.jsg72.230606103238.photo00.photo.def ault-512x397.jpg (10/01/2009)

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Capítulo 5

Darwin em Londres – 1836-1842 Notebooks de Darwin Marino Santos, Rui Portela, Tânia Leandro, Tânia Perestrelo

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

5. Darwin em Londres – 1836-1842; Notebooks de Darwin

Charles Darwin (Figura 1), naturalista inglês, é amplamente reconhecido pela sua contribuição decisiva no âmbito da elaboração e divulgação da Teoria da Selecção Natural. Deste modo, é comum o grande público associar o nome de Darwin à sua grande obra: A Origem das Espécies (do título completo em inglês: On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or The Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life), publicada a 24 de Novembro de 1859 (Fig. 2).

Fig. 1 – Charles Darwin

(in http://darwinonline.org.uk/timeline.html)

(in http://darwinonline.org.uk/EditorialIntroductions/Freeman_OntheOrigino fSpecies.html) Fig. 2 – A Origem das Espécies

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” Contudo, a vida de Darwin não se pode resumir unicamente a um livro. Sem dúvida que A Origem das Espécies levou a uma das maiores, senão a maior, controvérsias na Biologia, mas Darwin não ficou por aqui. http://darwinonline.org.uk/content/frameset?itemID=F373&viewtype=side&pageseq=1ht tp://darwinonline.org.uk/content/frameset?itemID=F373&viewtype=side&pageseq=1

(in http://cienciahoje.uol.com.br/materia/resources/i mages/che/darwin9.jpg) Fig. 3 – Rota do Beagle

Deste modo, torna-se importante aprofundar o estudo de outros períodos da vida de Darwin e entre estes a sua estadia em Londres (de 1836 e 1842), após a chegada do Beagle, constitui um dos mais importantes. Conforme mencionado anteriormente, o começo da aventura de Darwin em Londres tem início com o desfecho de outro dos maiores capítulos da sua vida: a viagem a bordo do Beagle (Figura 3) que, segundo o próprio Darwin, contribuiu grandemente para a sua formação científica.

Embora este ensaio não pretenda aprofundar a temática da viagem do Beagle, é importante fornecer alguns dados de modo a contextualizar a sua chegada. Darwin, então com 22 anos, foi convidado a ocupar o lugar de naturalista a bordo do navio oceanográfico HMS Beagle, tendo partido a 27 de Dezembro de 1831. Ao visitar a costa africana (com destaque para Cabo Verde na altura integrado no Império Português) e sul-americana (a paragem nas Ilhas Galápagos é a mais conhecida), Darwin recolhe variados 67 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” dados que, numa fase posterior da sua carreira, serviram de suporte para a construção da Teoria da Selecção Natural. Embora tenha sida planeada para uma duração de cerca de 2 anos, a expedição prolongou-se por 5 longos anos, tendo retornado a Inglaterra, ao porto de Falmouth, apenas no dia 2 de Outubro de 1836. Inicia então uma viagem de dois dias até à casa paterna em Shrewsbury em que vai apreciando a beleza e a alegria das ricas e cultivadas terras de

Inglaterra45. Chegou a casa já de noite, tendo-se dirigido directamente para o seu quarto. Na manhã seguinte, apareceu de surpresa ao pequenoalmoço gerando um enorme entusiasmo por parte do pai e das três irmãs (numa nota curiosa, alguns dos empregados da casa chegaram a ficar embriagados no decurso da festa de chegada). Darwin passou o resto do dia a escrever cartas para vários amigos e outros familiares. Poder-se-ia pensar que após uma viagem tão demorada, Darwin aproveitasse o tempo para descansar e apreciar a companhia da família, mas, depois de apenas 10 dias em casa, já estava a empreender nova jornada. Rapidamente as pessoas verificaram o quanto a viagem no Beagle tinha mudado o carácter e a personalidade do jovem Charles; longe dos tempos da faculdade, Darwin tinha agora o objectivo fixo de se integrar na comunidade científica46. O seu pai, Robert Darwin, ficou satisfeito com a mudança de atitude e decidiu proporcionar-lhe meios financeiros suficientes para uma carreira científica autónoma (400 libras anuais, valor substancialmente elevado) o que, como é óbvio, iria ter grande relevância na estabilidade financeira de Darwin e na sua própria carreira: podia agora dedicar-se exclusivamente à ciência, sem necessidade de outras ocupações para a própria subsistência47. Deste modo, a 15 de Outubro, Darwin partiu para Cambridge para consultar John Henslow sobre o destino a dar às várias colecções de exemplares recolhidos na sua viagem.

45

MORRIS, S. et al; (1998); Down House – The Home of Charles Darwin; (1st

edition); English Heritage; p. 24 46

Ver nota 1 – p. 24

47

BROWNE, J., DESMOND, A. and MOORE, J.; (2007); Charles Darwin; Oxford

University Press; New York; p. 31

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Mais uma vez, Darwin não se demorou muito no seu destino e no dia 20 de Outubro, apenas 5 dias após a sua chegada a Cambridge, partia já para Londres para uma estadia de algumas semanas na casa do seu irmão Erasmus.

(in http://www.kcl.ac.uk/depsta/iss/a rchives/175th/faq40i.htm) Fig. 4 – Charles Lyell

Durante a visita, Darwin aproveitou para visitar vários museus e a 29 de Outubro de 1836 conhece pessoalmente o geólogo inglês Charles Lyell (Figura 4) que desempenha um papel fundamental no surgimento das teorias evolucionistas. Lyell, que viveu entre 14 de Novembro de 1797 e 22 de Fevereiro de 1875, desenvolveu a Teoria do Uniformitarismo que, de um modo resumido, defende que a maioria das alterações geológicas da Terra ocorrem de forma lenta e gradual devido a agentes geológicos como a chuva, a geada e os ventos que, por sua vez, conduziam a fenómenos de erosão, deposição e sedimentação, entre outros48. Por outro lado, afirma ainda que os fenómenos geológicos actuais são semelhantes aos do passado e consequentemente que as alterações do passado podem ser explicadas de modo semelhante às actuais.

48

SADAVA, D.; HELLER, H.; ORIANS, G. and PURVES, W.; (2003); Life – The

Science of Biology; (7th edition); Sinauer Associates, Inc.; E.U.A; pp. 442-443

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” Numa primeira abordagem, podemos ser levados a pensar que a teoria de Lyell não se relaciona com a Biologia nem com a Teoria da Selecção Natural. Contudo, não podemos ignorar que a Teoria do Uniformitarismo se opunha à Teoria do Catastrofismo que, de um modo geral, defendia a formação da superfície e outras estruturas terrestres a partir de eventos catastróficos (como dilúvios ou glaciações) e a sua estabilidade e imutabilidade na ausência desses mesmos eventos. Na época, as ideias catastrofistas dominavam e caso Darwin não tivesse aceite a teoria de Lyell, dificilmente teria elaborado a sua própria teoria uma vez que, segundo o Catastrofismo, a evolução não teria sentido. No entanto, é interessante assinalar o facto de, apesar de apoiar Darwin nas suas ideias e na própria publicação de A Origem das Espécies, Lyell nunca aceitou por completo a ideia de evolução por selecção natural e possuía alguma relutância em aceitar a transformação das espécies ou, como era então conhecida, transmutação.

(in http://www.abdn.ac.uk/~nhi708 /treasures/venus.php) Fig. 5 – Richard Owen

A verdade é que estabeleceram de imediato uma forte amizade e, ainda na mesma noite, Lyell apresenta a Darwin o anatomista comparativo inglês Richard Owen (Figura 5) que propõe examinar alguns dos animais e fósseis recolhidos na viagem do Beagle. Owen (1804-1892) não aceitava as ideias evolucionistas, mas o seu trabalho com os fósseis viria a dar consistência às ideias iniciais de Darwin. De facto, Owen concluiu que os fósseis em estudo pertenciam a roedores e preguiças já extintos e relacionou-os com espécies actuais que existiam na área onde os fósseis haviam sido recolhidos. Este dado sugeria fortemente a 70 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” existência de um mecanismo de evolução que Darwin soube interpretar correctamente. Entretanto, o desejo de Darwin de se integrar na sociedade científica de Londres ia ganhando forma quando, a 1 de Novembro, foi proposto como membro da Sociedade Geológica de Londres (Figura 6), a mais antiga sociedade de geologia a nível mundial fundada em 1807, tendo sido aceite posteriormente.49

Fig. 6 – Encontro da Sociedade Geológica de Londres5

No dia 4 de Janeiro de 1837, fez a leitura do seu primeiro artigo: Observations of proofs of recent elevation on the coast of Chile como membro da Sociedade50. Com vários geólogos consagrados na assistência, incluindo Lyell, Darwin encontrava-se extremamente nervoso pois esta constituía a oportunidade de se mostrar aos seus pares. De um modo resumido, o artigo defendia que simultaneamente à subida da costa se verificava o abaixamento do fundo oceânico e que os animais se iam adaptando às mudanças graduais da costa; mesmo que na altura ainda não soubesse explicar como se dava a adaptação, já nos transmite o início das suas teorias evolucionistas. O artigo foi bem recebido pela maioria do público e Darwin ganhou o respeito da sociedade científica que, no ano seguinte, lhe valeram a designação para secretário da Sociedade Geológica de Londres e para vice-presidente da Sociedade Entomológica51. Durante estes meses, Darwin viveu em Cambridge, primeiro na casa de Henslow e depois na sua própria casa, aproveitando para se dedicar aos

49

Ver nota 1 – p. 25

50

Ver nota 3 – p. 31

51

Ver nota 3 – p. 31

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” seus manuscritos e exemplares da viagem para além de participar em debates na Sociedade Filosófica de Cambridge52. Contudo, nos princípios de Março de 1837 (mais propriamente no dia 6), Darwin muda-se em definitivo para Londres, onde permanece até 1842, e dá início a grande actividade intelectual em que formula grande parte das teorias publicadas apenas nas décadas de 50, 60 e 70 do século XIX: selecção natural, reprodução e pangénese e ainda a visão das emoções no Homem e nos animais53. Esta actividade intelectual conduziu à elaboração de algumas obras importantes durante este período. Anteriormente, Darwin tinha já entregue a colecção de exemplares do Beagle a vários naturalistas conceituados de modo a retirar o máximo proveito da mesma. Deste modo, Owen recebeu os fósseis (conforme já referido), George Waterhouse estudou os mamíferos, Thomas Bell analisou os répteis, John Gould aceitou as aves (Figura 7) e, por fim, Leonard Jenyns examinou os peixes54.55

Fig. 7 – Desenho de John Gould11

Por outro lado, os contactos de Henslow permitiram arranjar uma bolsa de 1000 libras do Subsídio do Tesouro e, usando este dinheiro, Darwin pôde

52

Ver nota 3 – pp. 30-31

53

HODGE, J. and RADICK, G.; (2003); The Cambridge Companion to Darwin; (1st

edition); Cambridge University Press; New York; pp. 40-41 54

Ver nota 3 – p. 30

55

Ver nota 1 – p. 25

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” pensar em publicar o resultado das várias observações. Surge assim a obra Zoologia da Viagem do H.M.S. Beagle – The Zoology of the Voyage of H.M.S. Beagle. Publicada entre 1839 e 1843, encontra-se organizada em 5 volumes correspondentes a cada um dos temas distribuídos: fósseis, mamíferos (Figura 8), aves, peixes e répteis. Tratando-se de uma obra de grande utilidade com a descrição de numerosas espécies e ilustrada com belas gravuras à mão (Figura 9), contribuiu para a consolidação do prestígio de Darwin no panorama científico da época.

(in http://darwinonline.org.uk/content/frameset?itemID =F8.2&viewtype=image&pageseq=1) Fig. 8 – Capa do volume dos mamíferos

Fig. 9 – Ilustração de Zoologia da Viagem do H.M.S. Beagle (in http://www.sc.edu/usctimes/articles/200704/images/Darwin_mouse.jpg)

Já as plantas, os insectos e os invertebrados marinhos recolhidos na viagem foram descritos pouco a pouco noutras publicações56. A título de curiosidade, refere-se que Darwin entregou as plantas a Henslow que, por sua vez, as entregou a Joseph Dalton Hooker (Figura 10), outro amigo de Darwin e um dos mais acérrimos defensores da sua Teoria da Evolução, chegando a encorajar a publicação de A Origem das Espécies.

56

Ver nota 3 – p. 30

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

(in http://www.jdhooker.org.uk/) Fig. 10 – Joseph Hooker

Paralelamente, Darwin empenhou-se na composição de outra obra de reconhecida importância na sua carreira: hoje comummente conhecida por Viagem do Beagle (The Voyage of the Beagle) foi publicada em 1839 com o título original de Diário de Pesquisas (Journal of Researches). Este livro (Figura 11), que recebeu uma boa aceitação por parte do público e que consolidou o estatuto de autor de Darwin, consiste numa narrativa elaborada a partir do diário que o acompanhou nos cinco anos de viagem57. Darwin relata as memórias da viagem de modo estimulante, constituindo um importante e detalhado diário científico de campo (nas áreas de Biologia, Geologia e Antropologia) e, por outro lado, servindo de comprovação do seu elevado poder de observação. A importância de Viagem do Beagle torna-se ainda mais evidente ao pensar que posteriormente Darwin reutilizou as ideias citadas no livro no desenvolvimento da Teoria da Selecção Natural.

57

Ver nota 1 – p. 25

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Rio de Janeiro 1832 June 11th the forest. — A profound gloom reigns everywhere; it would be impossible to tell the sun was shining, if it was not for an occasional gleam of light shooting, as it were through a shutter, on the ground beneath; & that the tops of the more lofty trees are brightly illuminated. — The air is motionless & has a peculiar chilling dampness. — Whilst seated on the trunk of a decaying tree amidst such scenes, one feels an inexpressible delight. — The rippling of some little brook, the tap of a Woodpecker, or scream of some more distant bird, by the distinctness with which it is heard, brings the conviction how still the rest of Nature is. — I returned to the house; where I found several people collected after dinner; this day being one of their numerous feast-days. — The many contrivances for catching animals which my large pockets (not the least subject for surprise) contained, afforded ample grounds for curiosity & wonder. In both of which, with a great deal of good-nature they most freely indulged. — They assuredly thought me a greater curiosity than anything their woods contained. — Fig. 11 – Excerto de Viagem do Beagle (in http://darwinonline.org.uk/content/frameset?viewtype=text&itemID=EHBeagleDiary&key words=the+voyage+of+beagle&pageseq=289)

Deste modo, facilmente se percebe que os objectivos de Darwin de se integrar na sociedade científica foram alcançados com relativa facilidade e rapidez. Foquemo-nos agora nalguns aspectos da vida particular de Darwin. No início de 1838 (ou seja, durante a elaboração das suas obras), tinha chegado a altura de pensar no seu casamento e não foi fácil tomar uma decisão: casar ou não casar foi uma dúvida persistente que subsistiu no espírito de Darwin durante largos tempos. Por último, apelando ao seu espírito científico, seguiu um raciocínio puramente analítico e elaborou uma lista com vantagens e desvantagens (Figura 12) do casamento58. Certamente não é a forma mais comum de pensar no matrimónio, mas Darwin conseguiu resolver o seu dilema graças ao mesmo.

58 Ver nota 1 – p. 26

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” Entre as vantagens, incluíam-se os filhos, companhia constante no presente e na velhice (segundo palavras do próprio Darwin seria uma “companhia melhor que um cão”), ter uma boa dona de casa e, por fim, a perspectiva pouco animadora de uma vida inteira com trabalho e mais trabalho: uma esposa proporcionar-lhe-ia outro tipo de distracções (como visitar e receber amigos e familiares). Algumas das razões apresentadas podem parecer machistas nos dias de hoje, mas não nos podemos esquecer do contexto social da época.

Fig. 12 – Prós e contras do casamento de Darwin (in http://darwinonline.org.uk/content/frameset?viewtype=side&itemID=CULDAR210.8.2&pageseq=1)

Já entre as desvantagens, para além do oposto das vantagens já enumeradas, contam-se ainda a perda da liberdade de frequentar os seus sítios predilectos, a perda de tempo para o seu trabalho (seria difícil ler durante as noites), o aumento das suas responsabilidades e, por último, os custos financeiros de uma família que lhe tiraria dinheiro para outros fins (por exemplo, livros). Após uma profunda reflexão, Darwin opta pelo casamento levantando-se a questão da identidade da noiva. Rapidamente vê na sua prima Emma Wedgwood (Figura 13), as qualidades que pretendia para a sua futura esposa. Ainda assim, falou com o pai que aconselhou a escolher Emma; não é de estranhar que o casamento fosse incentivado devido ao casamento

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” entre Caroline (irmã de Charles) e Jos (irmão de Emma) dois anos antes e que contribuía para o bem-estar e alegria entre as duas famílias59. Emma, que nasceu a 2 de Maio de 1808 e faleceu a 7 de Outubro de 1896, era uma mulher amável, generosa e independente; tendo recebido uma boa educação, era fluente em várias línguas (francês, italiano e alemão), notável em trabalhos de costura e exímia pianista tendo tocado até quase ao fim dos seus dias60.

Fig. 13 – Emma Wedgwood (in http://darwinonline.org.uk/timeline.html)

Fig. 14 – Macaw Cottage18

Darwin pediu-a em casamento a 11 de Novembro de 1838 e, mais tarde, a 29 de Janeiro de 1839 casaram numa cerimónia discreta na casa dos Wedgwood em Staffordshire, mudando-se para uma nova casa em Londres (Figura 14) situada em Upper Gower Street, nº 12, e à qual chamaram “Macaw Cottage” 61. 62

Ao contrário de muitas outras uniões da época, o casamento de Charles e Emma manteve-se com amor até ao fim (mais de quatro décadas), formando um casal unido e feliz. Emma cuidou do marido nos momentos

59

Ver nota 1 – p. 26

60

Ver nota 1 – pp. 26-27

61

Ver nota 1 – p. 27

62

Ver nota 1 – p. 27

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” em que a sua misteriosa doença piorava: ainda hoje se discute o tipo de doença que atingiu Darwin. Para além disso, prestou apoio emotivo a Darwin e auxiliava-o na leitura da sua vasta correspondência.

De facto, e contra o conselho do pai, Charles confiou a Emma as suas ideias de transmutação. Apesar das suas fortes convicções religiosas, e mesmo receando que pudessem ser separados no Além por Darwin não seguir as mesmas, Emma revia os manuscritos do marido antes de serem enviados para os seus amigos. O casal Darwin teve dez filhos, três dos quais morreram prematuramente. Ainda em 1839, a 27 de Dezembro, nasce o primeiro filho: William Erasmus (Figura 15) o que proporcionou um momento de grande alegria a Darwin. Em 2 de Março de 1841, nasce Anne Elizabeth que viria a falecer em 1851. A morte da filha, a quem era muito chegado, levou Darwin a levantar ainda mais dúvidas quanto à existência de Deus e, a partir deste momento, deixa de acreditar em definitivo no mesmo63.

Fig. 15 – Darwin com o filho William19

Com Emma à espera do terceiro filho, “Macaw Cottage” deixa de ser um espaço adequado para a família em crescimento e Darwin compra a casa rústica de Down House (Figura 16), com aproximadamente 8 hectares de terreno, situada na aldeia de Downe, em Kent, a cerca de 25 quilómetros de Londres. A mudança deu-se em Setembro de 1842, e até à data da sua morte, Darwin permaneceu e trabalhou na Down House (Figura 17), tornando-se numa figura respeitável no seio da comunidade local.

63

Ver nota 1 – p. 27

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Fig. 16 – Down House (in http://darwinonline.org.uk/life17b.html)

Fig. 17 – Gabiente de trabalho de Darwin na Down House (in http://darwinonline.org.uk/life26.html)

Conforme referido anteriormente, Darwin contou a Emma as ideias que já então tinha sobre a transmutação o que nos leva ao último ponto deste ensaio e, porventura, um dos mais significativos episódios da vida de Darwin em Londres: a elaboração dos Notebooks nos quais esboçou grande parte dos fundamentos da sua teoria evolucionista.

(in http://www.mnscience.org/image.php?id =19) Fig. 18 – Tentilhões das Galápagos

Não se tem a certeza da data exacta em que Darwin começou a pensar no tema da evolução, mas podemos apontar o início de 1837 como um marco importante na construção da sua teoria. Em Março, aquando do seu estudo das aves do Beagle, John Gould classificou alguns tentilhões das Galápagos (Figura 18) em três espécies distintas. Embora com algumas diferenças (como a cor, o tamanho e a forma do bico que se adaptava à alimentação granívora ou insectívora), possuíam grande número de semelhanças entre si. 79 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Depois de consultar as notas do capitão do Beagle, Robert FitzRoy, Darwin fica a saber que cada espécie pertencia a uma ilha diferente64 e, com esta informação, pode reflectir seriamente sobre o assunto e formular uma hipótese que estaria na base de todo o trabalho futuro: as várias semelhanças verificadas entre as espécies de tentilhões seriam explicadas pelo facto de terem um antepassado comum e as diferenças resultado da evolução ocorrida a partir do mesmo? A partir deste momento, Darwin dedica-se seriamente a este tema e, além da análise dos dados recolhidos na viagem, lê igualmente os trabalhos do seu avô Erasmus, Grant e Lamarck. Deste modo, numerosas ideias e hipóteses surgem e, de maneira a melhor organizar-se, Darwin inicia a escrita dos Notebooks que, ao contrário das obras já referidas neste ensaio, permaneceram em segredo. De facto, Darwin decide não publicar as suas teorias evolucionistas no imediato. Como é do conhecimento geral, só avançou para a publicação de A Origem das Espécies muito mais tarde, graças à carta de Alfred Russel Wallace e à insistência dos amigos (nomeadamente Lyell e Hooker) para não abdicar do seu trabalho em favor do jovem naturalista britânico. Pode parecer estranho a aversão de Darwin à divulgação do seu trabalho, mas tal não sucede se considerarmos o contexto científico vigente. Na época, o Fixismo dominava largamente a opinião pública e todos os que haviam tentado apresentar alternativas foram alvo de chacota ou perseguição: as ideias transformistas estavam, inclusive, associadas a radicalismo político. Assim, Darwin rapidamente percebeu que a maioria dos naturalistas não aceitariam a sua teoria pela polémica que iria certamente despoletar. Por outro lado, ao recusar o papel de Deus na evolução, iria ter que enfrentar o poder da Igreja e não queria ser visto como ateu. Ainda assim, e mesmo trabalhando em segredo, avançou para a elaboração dos Notebooks de transmutação que, mais tarde, vieram a revelar-se extremamente úteis na publicação de A Origem das Espécies. Nos referidos Notebooks, que designou por B, C, D e E, Darwin desenvolve progressivamente o tema da evolução através de um pensamento contínuo e onde se percebe a acumulação de novos dados e considerações sobre a transmutação.

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Ver nota 3 – pp. 32-34

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Fig. 19 – Excerto do Notebook B – Árvore da vida (in http://darwin-online.org.uk/content/frameset?itemID=CULDAR121.-&viewtype=side&pageseq=1)

Não pretendemos apresentar uma visão exaustiva de cada um dos Notebooks visto considerarmos não ser essa a finalidade do ensaio. Ainda assim, iremos apresentar um breve resumo de cada um deles. No Notebook B, iniciado a Julho de 1837 e terminado a Fevereiro de 1838, Darwin apresenta uma primeira aproximação à sua teoria e, embora com algumas limitações65, explora conceitos mais básicos como a existência de provas da transmutação de espécies, o modo como esta ocorre e o mecanismo de adaptação das espécies a mudanças ambientais. Trata-se do Notebook mais conhecido nomeadamente pela inclusão do famoso esboço da árvore da vida que representa a visão de Darwin: uma ascendência comum a todas as espécies (Figura 19). No Notebook C (Figura 20), iniciado a Fevereiro de 1838 e terminado a Julho do mesmo ano, Darwin continuou a desenvolver a sua teoria, focando-se nos aspectos anteriormente formulados e simultaneamente na percepção das potencialidades e controvérsias que a teoria iria causar66.

65

DE BEER, G.; (1960); Darwin's notebooks on transmutation of species – Part I –

First notebook [B]; Bulletin of the British Museum (Natural History; Historical Series 2, no.2; pp. 27-30 66

DE BEER, G.; (1960); Darwin's notebooks on transmutation of species – Part II –

Second notebook [C]; Bulletin of the British Museum (Natural History; Historical Series 2, no.3; pp. 77-78

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

(in http://darwinonline.org.uk/content/frameset?itemID =CUL-DAR122.&viewtype=side&pageseq=1 ) Fig. 20 – Excerto do Notebook C

Fig. 21 – Excerto do Notebook D (in http://darwinonline.org.uk/content/frameset?viewtype= side&itemID=CUL-DAR123.-&pageseq=1)

No Notebook D (Figura 21), iniciado em Julho de 1838 e terminado em Outubro do mesmo ano, assiste-se ao aperfeiçoamento da sua teoria com ênfase na reprodução das espécies e na selecção artificial67. A questão da selecção artificial, ou seja, a selecção de características desejadas por parte do Homem através de cruzamentos controlados (e da qual Darwin possuía experiência visto ser criador de pombos), revela grande importância se considerarmos que o mecanismo de selecção natural se baseia na mesma, com a diferença a residir no agente seleccionador que é, neste caso, a Natureza. Por último, no Notebook E (Figura 22), iniciado a Outubro de 1838 e terminado a Julho de 1839, continuando as ideias de transmutação, Darwin introduz os conceitos de Malthus (Figura 23), extrapolando-as da população humana para a Natureza68. Thomas Malthus (1766-1834) foi um economista inglês que na obra Ensaio sobre a População defende que a população humana cresce de forma geométrica enquanto que os alimentos são produzidos segundo uma progressão aritmética; apenas a ocorrência de

67

DE BEER, G.; (1960); Darwin's notebooks on transmutation of species – Part III

– Third notebook [D]; Bulletin of the British Museum (Natural History; Historical Series 2, no.4; pp. 121-123 68

DE BEER, G.; (1960); Darwin's notebooks on transmutation of species – Part IV –

Fourth notebook [E]; Bulletin of the British Museum (Natural History); Historical Series 2, no. 5; pp. 153-154

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” factores externos (como a fome, miséria e epidemias) impedia a duplicação constante da população humana. Contornando os aspectos negativos de tal pensamento (seriam sempre os pobres e membros das classes baixas a sucumbir aos factores externos), Darwin conseguiu encontrar paralelismo entre esta situação e a verificada na Natureza: um ambiente com recursos limitados não poderia sustentar um número infinito de indivíduos pelo que a ocorrência de vários agentes (por exemplo, condições ambientais adversas, competição pela sobrevivência e doenças) iria levar à eliminação de parte de populações.

Fig. 22 – Excerto do Notebook E (in http://darwinonline.org.uk/content/frameset?itemID=CULDAR124.-&viewtype=image&pageseq=1)

Fig. 23 – Thomas Malthus (in http://www.ucmp.berkeley.edu/history/ma lthus.html)

Paralelamente aos Notebooks mencionados, Darwin elaborou ainda outros três cadernos que, embora não directamente relacionados com a transmutação, possuem ideias complementares e contribuem para o enriquecimento da sua obra. Entre 1838 e 1839, Darwin preparou os Notebooks M (Figura 24) e N (Figura 25) que, de modo resumido, abordam as consequências comportamentais, psicológicas e metafísicas da evolução para a Humanidade69 e ainda a expressão das emoções (comparação entre orangotango do Jardim Zoológico de Londres com os humanos). O Notebook M possui maior quantidade de considerações teóricas enquanto que o N é mais rico em definições.

69

Ver nota 3 – pp. 38-39

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Fig. 24 – Excerto do Notebook M (in http://darwinonline.org.uk/content/frameset?itemID=CULDAR126.-&viewtype=image&pageseq=1)

Fig. 25 – Excerto do Notebook N (in http://darwinonline.org.uk/content/frameset?itemID=CULDAR125.-&viewtype=image&pageseq=1)

Por último, o Notebook A (Figura 26), iniciado em 1837 e terminado em 1839, é o que menos se relaciona com os outros na medida em que é dedicado à geologia. Neste caderno, Darwin complementa um outro a que chamou Red Notebook (ainda elaborado a bordo do Beagle) e aborda, por exemplo, os movimentos verticais da crosta terrestre.

(in http://darwinonline.org.uk/content/frameset?itemID=CULDAR127.-&viewtype=image&pageseq=1) Fig. 26 – Excerto do Notebook A

Aquando da conclusão dos Notebooks, Darwin tinha já uma ideia bastante clara da evolução. Contudo, e de forma a estruturar e clarificar conceitos, preferiu reorganizar as suas notas através da criação de portfólios que foram aumentando ao longo dos anos de pesquisa e desempenharam um papel importante na formulação final da Teoria da Selecção Natural.

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” Em conclusão, cremos que o período de Darwin em Londres foi fundamental para a construção do seu futuro reconhecimento enquanto homem e cientista. Contudo, não podemos simplificar tanto a questão; por exemplo, se é certo que foi durante a estadia na capital inglesa que esboçou grande parte da teoria evolucionista, não é menos verdade que a viagem no Beagle lhe proporcionou grande parte dos dados necessários para a sua construção. Devemos analisar a vida e obra de Darwin no seu conjunto e, deste modo, facilmente chegaremos a uma conclusão óbvia: sem Darwin, o rumo da Biologia teria seguramente seguido outro. Como tal, parece-nos justificado o interesse no estudo do legado de Darwin para a humanidade especialmente numa altura em que se celebram os 200 anos do seu nascimento e os 150 anos da publicação de A Origem das Espécies. Assim, chegamos ao epílogo do presente ensaio. Longe de ser um estudo exaustivo e aprofundado da vida de Charles Darwin durante a sua estadia em Londres, pensamos que, ainda assim, aborda os principais aspectos ocorridos durante a mesma. Naturalmente muito mais poderia ser dito e certamente alguns aspectos interessantes passaram em branco, mas consideramos igualmente que a leitura do ensaio despertará curiosidade aos leitores que, por sua vez, os levará a procurar fontes de informação alternativas sobre o assunto algo que, afinal de contas, deve ser sempre estimulado.

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Capítulo 6

O Período em Down House

Filipa Pereira, Marta Estrada

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6. O Período em Down House

6.1.

Introdução

Fig. 1 - Charles Darwin

WYHE, J., 2008. “DARWIN, The story of the man and his theories of evolution”, pág 58, Andre Deutsch, Londres.

Este trabalho integra-se na disciplina de História da Ciência C, para a qual nos foi pedido como avaliação um ensaio que integrasse o período da vida de Charles Darwin, passado em Down House. A primeira parte do trabalho aborda a vida de Darwin numa perspectiva mais pessoal onde, em primeiro lugar é referida a rotina diária de Darwin, sendo descritos os horários pelos quais este se regia. Os filhos e a família fazem parte do segundo ponto, onde é descrita a carreira e o tipo de vida que cada um levou. Em terceiro lugar, é feita referência à relação que Darwin tinha com a religião e a forma como esta “evoluiu” ao longo da sua vida. Por fim, abordamos de forma sucinta a doença crónica de que Darwin sofria e quais as implicações que teve na sua vida. A segunda parte do trabalho está mais focada na vida profissional de Darwin. Começamos então por referir quais as obras que publicou entre 1842 e 1859, ano em que foi publicada a teoria sobre A Origem das Espécies. A cada obra é feita um breve descrição do seu conteúdo e quais os colegas que também participaram na sua escrita. Num último ponto, são apresentadas algumas experiências feitas por Darwin, nomeadamente, as célebres experiências com pombos.

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” O final do trabalho culmina com a publicação da grande teoria A Origem das Espécies.

6.2.

A rotina de Darwin

A vida de Darwin era bastante regrada em Down. Levantava-se muito cedo e dava um passeio matinal às 7 horas. Às 7.45 horas tomava o pequenoalmoço e trabalhava até às 9.30 horas sendo esta a parte mais produtiva do dia. A correspondência era lida na “drawing room” das 9.30 horas às 10.30 horas. Retomando os estudos até às 12.15 horas. Posteriormente, ia dar um passeio na companhia do seu cão, passando pela “Green House” para ver como iam as suas experiências. Depois do passeio ia almoçar com a família, ao que se seguia a leitura do jornal e a escrita de cartas. Por volta das 15 horas a família reunia-se para ouvir as histórias lidas por Emma ou por uma das suas filhas. Depois deste momento lúdico, Darwin ia dar um passeio antes de tomar café, para depois trabalhar até às 17.30 horas. O jantar era às 19.30 horas. Após a refeição Darwin e Emma jogavam dois jogos de “Backgammon” e, sendo ambos muito competitivos, os jogos eram vividos intensamente. Como disse numa carta ao seu amigo Asa Gray: “(…) ela [Emma], pobre criatura, só ganhou 2.490 jogos e, eu ganhei, hurrah, hurrah, 2.795 jogos!”. Antes de ir para a cama, por volta das 22.30 horas lia um livro científico.

6.3.

Os filhos e a família

Darwin foi um pai afectuoso e dedicado. As primeiras palavras e certas características de cada filho foram sempre anotadas e cada vez que algum deles ficava doente, Darwin ficava perturbado, pois tinha receio que tivessem herdado certas fraquezas devido ao seu casamento consanguíneo com Emma. Darwin e Emma tiveram dez filhos. Os primeiros dois nasceram em Londres (William Erasmus e Anne Elizabeth) e os restantes em Down. Durante a infância três faleceram (Anne Elizabeth, Mary Eleanor e Charles Waring); a

88 de 113 Figura 2: Annie[2]


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” maioria dos restantes teve brilhantes carreiras, tornando-se membros notáveis da família Darwin-Wedgwood.

Fig.2 - MORRIS, S. et al OUTROS, 1998. “DOWN HOUSE, The home of Charles Darwin”, pág 37, English Heritage.

William Erasmus (1839-1914) foi educado no Christ’s College em Cambridge, tornando-se banqueiro em Southampton. Henrietta Emma (1843-1927) escreveu a vida e cartas de sua mãe publicadas em 1915. George Howard (1845-1912) foi educado no John’s College em Cambridge tornando-se matemático e astrónomo. Elizabeth (1847-1926) nunca se casou e pouco se sabe sobre ela. Francis (1848-1925) foi educado no Trinity College em Cambridge, formou-se em botânica e escreveu o livro “Darwin’s life and letters” (1887). Leonard (1850-1943) foi nomeado membro da Royal Engineers em 1971 e deu aulas na Escola Militar de Engenharia. Horace (1851-1928) foi engenheiro civil e fundou a Cambridge Scientific Instrument Company, em 1885. Em 1850, Anne Elizabeth (Annie) (figura 2), a filha preferida de Darwin, começou a mostrar sinais do que se pensava serem problemas de estômago. Durante o Outono e o Inverno a sua condição foi-se deteriorando. Em Março de 1851, Darwin, levou Annie para Malvern para ver se esta melhorava. Durante esta viagem Darwin levou consigo, além de Annie, a sua irmã Henrietta, a governanta e a enfermeira, deixando Emma grávida de oito meses, em casa com os outros filhos. Em meados de Abril regressaram a Down, mas a condição de Annie agravou-se bastante, o que os fez regressar imediatamente para Malvern. Após alguns dias Annie morreu. Durante este período Darwin e Annie estabeleceram uma relação muito próxima, o que provocou em Darwin, aquando da morte de Annie, uma tristeza tal que há quem afirme que foi o maior desgosto que sofreu.

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6.4.

Darwin e a religião

Segundo alguns autores, a perda de fé de Darwin é muitas vezes relacionada com a morte de Annie. No entanto, pensa-se que foi durante a viagem no Beagle que esta se desvaneceu. Como o próprio Darwin afirma, e passamos a citar: “Eu era ortodoxo na época em que estive abordo do Beagle. Lembro-me de provocar gargalhadas em vários oficiais por citar a Bíblia com autoridade incontestável (…).” (DARWIN, C., 2000) No entanto, com o passar do tempo, “(…) Fui tomado lentamente pela descrença, que acabou por ser completa. (…) nunca duvidei de que a minha conclusão foi a correcta. Aliás, mal consigo entender como é que alguém possa desejar que o cristianismo seja verdadeiro”. (DARWIN, C., 2000)

Como é possível ler no texto acima transcrito, Darwin acreditava plenamente em Deus e na fé Cristã, apesar de pouco conhecer a Bíblia. Durante a viagem no Beagle, Darwin tentou manter a fé através da invenção de provas de que Deus existia, de que o que estava escrito na Bíblia correspondia à realidade, mas não conseguiu. Assim, com o passar do tempo, a fé inicial foi esmorecendo até ao dia em que desapareceu por completo. Depois de regressar da viagem no Beagle e de se casar com Emma, a ausência de fé em Darwin causou, no casal, alguns problemas. Emma, católica fervorosa que frequentava semanalmente a missa com os filhos, teve sempre um enorme desgosto por Darwin não acreditar.

6.5.

A sua Doença Crónica

A doença crónica de Darwin foi um dos motivos que levou a família a mudar-se para Down. Apesar da mudança, Darwin continuava a sofrer ataques frequentes quando estava em estado de ansiedade, passando por isso, a evitar jantares e outros encontros sociais: “(…)a minha saúde quase sempre sofria com a agitação, que acarretava violentos ataques de tremores e vómitos. Assim, durante muitos anos, fui obrigado a abrir mão de todos os jantares, o que foi uma privação para mim (…). Pela mesma razão, pude convidar pouquíssimos cientistas a virem aqui”. (DARWIN, C., 2000) 90 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” A doença de que Darwin sofria obrigava a tratamentos frequentes em Marvern, onde várias vezes foi obrigado a passar longas temporadas. Estes levaram a interrupções nos seus estudos que, consequentemente, atrasaram algumas publicações. Entre 1846 e 1854, Darwin esteve dois anos parado devido à doença e, em 1848, passou alguns meses em Malvern nas termas. Em 1847, a sua saúde estava tão precária que nem ao funeral do pai pôde comparecer. Ainda hoje não se sabe ao certo qual a doença de que Darwin sofria.

6.6.

A correspondência de Darwin

Apesar do isolamento forçado, Darwin continuava ao corrente do que se passava na sociedade e na ciência, através da troca de cartas. Como escreveu uma vez para o Capitão FitzRoy: “I find most unfortunately for myself, that the little excitement of breaking out of my quiet routine so generally knocks me up, that I am able to do scarcely anything when in London, and I have not even been able to attend one evening meeting of the Geological Society” (1843) (MORRIS, S. et al OUTROS, 1998) A escrita de cartas fazia parte da sua rotina diária, sabendo-se ainda que durante a sua vida terá escrito cerca de 7000 cartas. Era com o primo William Darwin Fox que Darwin trocava mais cartas, desenvolvendo-se assim uma grande amizade que começou nos tempos de escola de ambos. Foi também com Fox que Darwin trocou algumas das primeiras ideias sobre a sua teoria da evolução das espécies (figura 3). Outro cientista e amigo com quem Darwin se correspondia era Charles Lyell. Em Maio de 1856, Lyell aconselhou Darwin a publicar um livro com as suas ideias, sobre a origem das espécies.

Fig.3 - Carta de Darwin endereçada ao primo Fox, onde são referidas as suas ideias relativamente à teoria.[6]

Fig. 4 - Escritório de Darwin em Down House (WYHE, J., 2008. “DARWIN)

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6.7.

The Zoology of the Voyage of H.M.S. Beagle

No entanto, durante a estadia de Darwin em Down House, o seu tempo não foi apenas dedicado à elaboração da teoria das espécies. Também publicou vários livros e realizou várias experiências. Na primeira obra a que se dedicou, “The Zoology of the Voyage of H.M.S. Beagle” (figura 5), Darwin pretendia abordar as descobertas zoológicas da viagem do Beagle. Para tal, pediu a colaboração de cinco cientistas de renome para classificarem e descreverem os espécimes encontrados na viagem. Este livro teria uma introdução escrita por si e cinco partes, incluindo uma escrita por Richard Owen, professor de anatomia, que se chamaria Fóssil Mammalia. Neste trabalho foi catalogado e descrito o fóssil gigante, Macrauchenia, encontrado por Darwin na América do Sul. Owen descobriu que todos os fósseis pertenciam a animais grandes e herbívoros, muito semelhantes aos encontrados hoje em dia na América do Sul.

Fig.5 - Capa do livro Zoology (WYHE, J., 2008. “DARWIN)

A segunda parte do livro Mammalia, foi escrita por George Robert Waterhouse, presidente da Sociedade de Zoologia. Nesta parte foram descritos os mamíferos que habitavam os locais visitados por Darwin, os seus hábitos, nichos ecológicos e habitat natural. Waterhouse descobriu que os molares de roedores da América do Sul eram diferentes dos roedores Euro-asiáticos, separando-os assim em diferentes categorias. John Gould, ornitologista, escreveu o capítulo Birds, onde classificou os fringilídeos, que Darwin recolheu nas Galápagos, em treze espécies distintas.

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” O capítulo que descreve os peixes (Fish) foi redigido por Leonard Jenyns e foi a única ocasião em que Darwin se debruçou sobre o estudo dos peixes. O dentista cirurgião e naturalista Thomas Bell, escreveu a parte final: Reptiles, que também incluía os anfíbios. Esta última parte demorou quase dois anos a ser realizada. Este foi o trabalho mais rico em ilustrações feito por Darwin, pois possuía 166 figuras de entre as quais 82 coloridas de pássaros e mamíferos. No entanto, a verba disponibilizada pelo governo não lhe permitiu escrever o volume sobre invertebrados marinhos.

Observações geológicas da Viagem no Beagle (DARWIN, C., 2000) (MORRIS, S. et al OUTROS, 1998)

Uns anos mais tarde, em 1846, Darwin, publicou mais um livro. Neste estavam redigidas as observações geológicas observadas nos diversos locais que visitou, aquando da viagem no Beagle. Este livro ficou dividido em três volumes: Teorias sobre a Formação de Corais e Bancos de Areia; Ilhas Vulcânicas; e Observações Geológicas da América do Sul. O primeiro volume descreve a teoria de Darwin sobre a formação de recifes de coral e de bancos de areia, conforme indica o título. Estas curiosas formações em anel em torno das ilhas e a ainda mais fascinante formação de ilhas em forma de anel com lagoas interiores, foram desde sempre um enorme mistério para os homens do mar e geólogos. Alguns geólogos, como por exemplo Lyell, pensavam que estes cresciam em crateras vulcânicas subaquáticas, mas Darwin não conseguia perceber a razão de muitas crateras pararem de crescer imediatamente antes da superfície da água. Darwin, com os vastos conhecimentos que possuía em biologia marinha de invertebrados, formulou uma brilhante teoria: se os corais crescessem em torno da ilha formariam um tipo de recife característico e se o fundo do mar for sedimentando ao longo do tempo, os corais deveriam continuar a crescer para a superfície. Ilhas Vulcânicas, foi o nome do segundo volume desta colecção onde é descrita a formação destas ilhas e qual a sua aparência. A teoria vigente afirmava que as ilhas vulcânicas cresciam como um monte de terra cujo topo abatia, formando uma cratera. Darwin defendia que os vulcões cresciam devido a repetidas erupções. A cada erupção a lava jorrava do centro do “monte” levando à acumulação de rochas vulcânicas em torno do mesmo. Darwin acreditava que as áreas vulcânicas eram zonas onde havia 93 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” formação de crosta terrestre. Mais tarde, esta explicação veio a ser comprovada com a teoria das placas tectónicas. No terceiro volume, Observações Geológicas na América do Sul, Darwin afirmou que muitas das elevações da América do Sul eram recentes e que eram causadas por grandes tremores de terra que provocavam alterações permanentes nas elevações. Este tipo de alterações faz parte de um processo contínuo que ainda hoje ocorre. Darwin observou também que a água da chuva ia desgastando a superfície das rochas, arrastando consigo muitos dos fósseis existentes, destruindoos, sendo que os resistentes não são mais do que registos isolados da História. Darwin descobriu e enumerou inúmeros fósseis de mamíferos, como por exemplo o dente de um cavalo que provou que estes animais já tinham sido extintos nesta região muito antes da sua recolonização pelos espanhóis. Os três volumes de Geologia e os cinco de Zoologia, juntamente com inúmeros artigos científicos e o Journal of Researches foram as principais publicações que Darwin elaborou da viagem do Beagle.

Fig. 6 - Caracterização morfológica das cracas (WYHE, J., 2008. “DARWIN)

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6.8.

Cracas

Ainda em 1846, Darwin, iniciou um estudo sobre invertebrados marinhos, que deveria fazer parte do último capítulo do livro Zoologia. No entanto, por ter atingido o orçamento atribuído a esta obra, teve de optar por escrever uma série de artigos científicos com as descobertas que ia fazendo. Darwin começou por escrever sobre lesmas-do-mar (MORRIS, S. et al OUTROS, 1998). Quando esteve na costa do Chile descobriu uns novos seres fascinantes que como o próprio afirma: “Em Outubro de 1846, comecei a trabalhar com os Cirripedia [cracas]. Quando estive na costa do Chile descobri uma forma curiosíssima, que se escondia nas conchas de moluscos e diferia tanto de todos os outros Cirrípedes que tive que criar uma nova sub ordem apenas para acolhe-la. (…) Para compreender a estrutura dos meus novos cirripedes, tive que examinar e dissecar muitas formas comuns: o que me levou, gradativamente, a estudar o grupo inteiro”. (DARWIN, C., 2000) Darwin, inicialmente estava extremamente entusiasmado com o seu novo trabalho, pois nos últimos dez anos tinha apenas escrito livros e agora voltava ao trabalho prático. A princípio pensou que este trabalho ira demorar apenas dois anos, no entanto, o trabalho mostrou-se mais complexo levando-lhe oito longos anos. “Trabalhei sistematicamente neste assunto durante os oito anos seguintes e acabei por publicar dois grossos volumes, que descrevem todas as espécies vivas conhecidas, e dois livros finos, em cadernos de oito páginas, sobre as espécies extintas. (…) dois anos desse período foram perdidos por causa de doenças”. (DARWIN, C., 2000)

Fig. 7 - Vários tipos de cracas WYHE, J., 2008

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Este trabalho foi tão intenso e moroso que Darwin perdeu o interesse, chegando mesmo a ficar saturado: “Eu odeio as cracas como nenhum homem algum dia odiou (…)”.[13] A 9 de Setembro de 1854 encerrou o “capítulo” das cracas e, no mesmo dia, iniciou o trabalho para começar a escrever a teoria da origem das espécies.

6.9.

Experiências realizadas

Depois de ter observado a grande variedade intra-específica e a excepcional adaptação ao meio ambiente das cracas, Darwin quis estudar outra espécie que corroborasse essas conclusões. Nesta nova experiência Darwin estudou o cruzamento de pombos. Nesta época esta actividade era prática comum e, por isso, pediu ajuda a criadores de pombos. Estes enviavam-lhe as carcaças dos pombos em vários estados de decomposição para que Darwin comparasse os esqueletos. Não satisfeito em documentar as experiências de outros, resolveu construir a sua própria casa de pombos no jardim, onde o próprio também realizava os cruzamentos. Darwin seleccionava determinados animais com certas características e cruzava-os entre si, na esperança de que a sua descendência as herdasse. A esta técnica é dada o nome de selecção artificial (figura 6). Com o passar do tempo Darwin apercebeu-se que Down se estava a tornar na “casa dos horrores”, devido ao número de carcaças que chegavam diariamente em vários estados de decomposição. Para o evitar, decidiu enviar as aves a especialistas para que as analisassem.

Fig. 6 - Selecção artificial de pombos, realizada por Darwin (MORRIS, S. Et al OUTROS, 1998)

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6.10.

Conclusão

Depois de todo o tempo investido em publicações e experiências, Darwin finalmente publicou o livro sobre “A Origem das espécies” em 1859. E em 1876 escreveu na sua Autobiografia: “Assim, o meu sucesso como homem da ciência, qualquer que tenha sido o seu tamanho, tanto quanto posso julgar, foi determinado por qualidades e estados mentais complexos e diversificados. De entre eles, os mais importantes foram: o amor à ciência, a paciência ilimitada na longa reflexão sobre qualquer assunto, o empenho na observação e na compilação de factos, e uma dose razoável de criatividade e bom senso. Com as moderadas habilidades mentais que possuo, é realmente surpreendente, portanto, que eu tenha influenciado, em medida considerável, as crenças dos cientistas sobre algumas questões importantes.” Como muitos outros, Darwin, foi um grande homem e cientista que sofreu ao longo da vida grandes “sortes e azares”. Foi com a sua grandeza e brilhantismo que conseguiu ultrapassar tudo isto e desenvolver a teoria que mais revolucionou o mundo. Com esta nova perspectiva a mente humana e o mundo científico, iniciaram uma nova forma de pensar e de olhar o passado e o futuro.

Bibliografia

DARWIN, C., 2000. “Autobiografia 1809-1882”, Residência em Down, págs 98-99, Meus trabalhos publicados (pags100-118), Contraponto, Rio de Janeiro. MORRIS, S. et al OUTROS, 1998. “DOWN HOUSE, The home of Charles Darwin”, págs 18-37, English Heritage. WYHE, J., 2008. “DARWIN, The story of the man and his theories of evolution”, págs 40-47, Andre Deutsch, Londres.

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Capítulo 7

A publicação de A Origem das Espécies Francisco Simões, Luís Pereira, Marta Carneiro

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7. A publicação de A Origem das Espécies

Após regressar da viagem no Beagle, a 2 de Outubro de 1836, e com a ajuda de vários naturalistas da época (nomeadamente Lyell, Owen e Gould), Darwin começa a estudar os espécimes recolhidos durante a viagem. Os indícios de que vários espécimes que ele pensava serem de espécies diferentes eram na realidade variedades da mesma espécie levam Darwin, em Julho de 1937, a formular as primeiras ideias sobre transmutação das espécies, que anota no Notebook B. Cerca de um ano mais tarde, ao ler as ideias de Malthus, concebe a base da teoria da selecção natural. Assim, ao longo dos 20 anos seguintes, o principal hobby de Darwin torna-se o desenvolvimento da teoria e a escrita de um longo manuscrito, o qual planeava chamar Natural Selection. Em Junho de 1858, quando Darwin recebe a carta de Wallace, o seu livro Natural Selection já estava bastante avançado. Dada a semelhança das teorias de Darwin e Wallace, é então acordada a apresentação de um artigo duplo, que tem lugar a 1 de Julho de 1858. A publicação do artigo conjunto levou ainda Darwin a alterar os seus planos de publicação da obra que vinha desenvolvendo. Assim, a 24 de Novembro de 1859, é publicada A Origem das Espécies, um resumo do longo manuscrito (Natural Selection) que Darwin tencionava terminar e publicar um dia mais tarde (mas nunca o chegou a fazer). A teoria de Darwin gerou grande controvérsia em todas as camadas sociais logo após a sua publicação: a obra punha em causa a existência de um plano divino. Criaram-se assim dois grupos antagonistas: um grupo refutava as ideias evolucionárias ao passo que outro, mais coeso e organizado, as defendia. Este último contava com o apoio de vários cientistas amigos de Darwin, como Asa Gray, Joseph Hooker, Charles Lyell e Thomas Huxley. Seguiram-se assim vários debates entre elementos destes dois grupos, tendo sido o mais famoso o debate Huxley - Wilberforce em 1860.

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Fig. 1 - Wallace e Darwin (www.thesecondevolution.com/wallace&darwin.jpg)

Darwin e Wallace tiveram o primeiro contacto no inicio de 1854, no British Museum, pouco antes de Wallace partir para Singapura. Em Novembro de 1854, Wallace chega a Sarawak (Malásia). Infelizmente a sua chegada coincide com o inicio da época das chuvas impedindo-o de recolher espécies. Assim, começa a escrever o que se tornaria o seu primeiro grande artigo: On the Law which has regulated the introduction of New Species. Neste afirma que todas as espécies se encontram na proximidade geográfica de espécies afins. É publicado em Setembro de 1855 no Annals and Magazine of Natural History e causa grande impressão em Charles Lyell que recomenda a sua leitura a Darwin. A 10 de Outubro de 1856, Wallace escreve a primeira carta a Darwin informando-o do recente envio dos seus espécimes a partir de Singapura e discutindo o conceito de domesticação. Iniciou-se assim uma troca de cartas através das quais debatiam vários aspectos que pudessem afectar a variabilidade das espécies. Em Março de 1858, no arquipélago Malaio, Wallace sofre de malária. Febril, Wallace tem um “momento maltusiano” (à semelhança de Darwin), durante o qual descortinou grande parte da teoria:

(…) something led me to think of the “positive checks” described by Malthus in his Essay on Population. (…) war, disease, famine and the like-must, it occurred to me, act on animals as well as man. Then I thought of the enormously rapid multiplication of animals, causing these checks to be much more effective in them than in the case of man; and while pondering 100 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” vaguely on this fact there suddenly flashed upon me the idea of the survival of the fittest. (…) the same evening I sketched the draft of my paper, and in the two succeeding evenings wrote it out in full, and sent it by the next post to Mr. Darwin. (The Joint Essay of Darwin and Wallace, The Linnean 1995, Volume 11, pp. 6)

Também durante este período, Darwin dedica-se a estudar o problema da distribuição geográfica das plantas, tendo publicado no Botanical Journal of the Linnean Society, a 6 de Maio de 1856 On the action of Sea-water on the Germination of Seeds, onde demonstra a possibilidade de dispersão de espécies vegetais através do mar. Paralelamente a este e outros trabalhos, Darwin continua a desenvolver as suas ideias sobre transmutação das espécies: inicia o seu primeiro notebook sobre este tema em Julho de 1837, e escreveu um primeiro resumo de 35 páginas em 1842, que estendeu para 230 páginas em 1844. Mostrou este manuscrito a Charles Lyell e Joseph Hooker. Dada a originalidade da teoria, e provavelmente devido à leitura do artigo de Wallace de 1855, Lyell encoraja Darwin a apressar a escrita e a publicação das suas ideias. Desde modo, aquando da chegada do artigo de Wallace, em Maio/Junho de 1858, Darwin já tinha escrito sensivelmente metade do livro que planeava publicar. O trabalho de Wallace causou uma profunda impressão em Darwin devido á semelhança com a sua própria teoria:

I never saw a more striking coincidence. If Wallace had my M.S. sketch written out in 1842 he could not have made a better short abstract! (The Joint Essay of Darwin and Wallace, The Linnean 1995, Volume 11, pp. 9)

A pedido de Wallace, Darwin reenvia o artigo para Lyell. Ao mesmo tempo, escreve a Hooker contando-lhe o conteúdo da carta de Wallace e revelando que pensa abandonar qualquer tentativa de reclamar a prioridade da teoria. No entanto, Hooker rebateu que tanto ele como Lyell haviam lido 14 anos antes o resumo de Darwin e, como tal, não podiam ignorar a prioridade de Darwin. Os dois sugeriram a publicação simultânea das ideias de Darwin e Wallace. Assim, Hooker e Lyell submeteram na Linnean Society um duplo artigo com o título On the Tendency of Species to Form Varieties; and on the Prepetuation of Varieties and Species by Natural Means of Selection, constituído por extractos do resumo de Darwin de 1844, um resumo de uma carta enviada por Darwin a Asa Gray em Outubro de 1857 e o artigo de Wallace, intitulado On the Tendency of Varieties to depart indefinitely from the Original Type. 101 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Fig. 2 – Frontispício do artigo conjunto de Darwin e Wallace (ecologiaevolutiva.blogspot.com)

Tanto Hooker como Lyell estavam cientes da necessidade de publicar o duplo artigo o quanto antes, conseguindo agendar a sua apresentação para uma reunião extraordinária da Linnean Society (marcada devido à necessidade de eleger um novo presidente, dada a morte do anterior) a 1 de Julho de 1858. Nem Darwin nem Wallace estiveram presentes nesta apresentação; o primeiro encontrava-se doente e abalado com a morte recente do filho mais novo, o segundo estava na costa norte da Nova Guiné. Apesar de o artigo ter suscitado bastante interesse e excitação não houve discussão, principalmente devido ao facto de Bell (o presidente) não querer prolongar uma reunião já longa (para além do artigo conjunto foram lidos mais cinco artigos nessa reunião). O artigo foi publicado dois meses após a sua apresentação, no jornal da Linnean Society. A chegada da carta de Wallace provocou não só a antecipação da publicação das ideias de Darwin mas também uma brusca alteração na obra que planeava publicar e na qual já trabalhava há dois anos. A ideia inicial de Darwin era juntar toda a informação recolhida durante a viagem do Beagle e enviá-la a todos os seus amigos e colaboradores e redigir um longo manuscrito que planeava chamar Natural Selection. Ao perceber que outros cientistas se poderiam estar a aproximar das suas ideias, como acontecera com Wallace, Darwin decidiu publicar um livro que considerava ser um resumo da obra que tencionava escrever. Para tal, em 13 meses compactou o seu manuscrito numa única obra. Deste livro viu-se forçado a excluir muitos dados científicos que tinha adquirido e coleccionado

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” ao longo dos anos e que considerava essenciais. Darwin tencionava mais tarde continuar a obra Natural Selection, projecto que nunca concluiu. Para além de considerar a evolução, algo que havia já sido proposto, a principal novidade na teoria de Darwin consistia no facto de esta evolução ocorrer gradualmente ao longo do tempo, através do acaso, reprodução e luta pela sobrevivência. Uma das razões pelas quais a obra foi tão difundida prende-se com o facto de Darwin ter um estilo literário muito característico. Apesar de tratar um tema difícil, de extrema importância e bastante teórico, Darwin consegue transportar as suas ideias para um plano acessível à comunidade em geral. Para tal, apresenta-se como um autor de grande reputação mas que demonstra ser amigável e de confiança. Ao mesmo tempo que preza o senso comum, não menospreza a relevância das questões que levanta e abomina a mera especulação. Ao longo da obra, Darwin mantém-se coerente na análise dos dados de que dispõe e demonstra ter feito uma investigação rigorosa e aprofundada de todas as variáveis em questão. Este estilo era extremamente apelativo ao público da época, na linha da melhor tradição literária britânica e permitiu a Darwin criar um efeito de ligação entre o autor e o leitor, através do qual aquele parece explicar pessoalmente a este o conteúdo da obra. Este facto permitiu também a Darwin, no debate que sucedeu à publicação da obra, não criar demasiadas querelas pessoais, tendo inclusivamente os principais detractores da sua teoria admitido quase sempre a honestidade pessoal e científica do autor e a utilização de rigorosos métodos de investigação por parte do mesmo. A estrutura de A Origem das Espécies também permitiu uma fácil compreensão do seu conteúdo. A obra encontra-se dividida essencialmente em duas partes. Na primeira, mais pequena, Darwin expõe as suas observações, culminando esta sequência de ideias com a apresentação do mecanismo da selecção natural. Na segunda parte, o autor descreve como esta teoria se poderia aplicar a diversas áreas da biologia, como embriologia, distribuição geográfica, classificação e paleontologia. No final, Darwin faz o apelo a que o leitor tente fazer uma leitura imparcial das ideias apresentadas e dedica um capítulo chamado Dificuldades surgidas contra a hipótese de descendência com modificações a responder a questões que poderiam ocorrer ao leitor e que reflectem os principais problemas com os quais o próprio Darwin se deparou. O sucesso da obra dependeu em muito desta estrutura, uma vez que a selecção natural não é uma teoria que se consiga demonstrar inequivocamente e que o próprio Darwin só conseguia explicar através de exemplos. Ao expor primeiro vários exemplos da variedade de espécies por si estudadas e apenas depois propor o mecanismo que as relaciona e que 103 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” explica a sua origem, Darwin consegue apelar à imaginação do leitor, de modo a que ele consiga conceptualizar a sua teoria. Apesar de Darwin incluir um capítulo dedicado às dificuldades apresentadas pela sua teoria, apenas abordou aquelas para as quais tinha resposta, deixando de parte algumas questões fundamentais. De entre estas destacam-se a ausência de registos fósseis de transição, a dificuldade em explicar a origem das variações e os mecanismos responsáveis pela transmissão das características resultantes da evolução às gerações futuras, a falta de referência a uma influência divina no mundo natural e omissão de uma teoria para a origem da vida bem como para a origem do ser humano. Relativamente à ausência de registos fósseis de transição, Darwin defende que esses organismos seriam raros e transitórios, e a sua preservação seria muito pouco provável e ocasional. Para além disso, a ausência destes fósseis não poderia legitimamente e por si só contrariar a sua teoria. Uma vez que na época de Darwin não existiam conceitos de genética, este tinha dificuldade em explicar a origem das variações e os mecanismos responsáveis pela transmissão das características resultantes da evolução às gerações futuras. No entanto, Darwin tentou resolver esta lacuna da sua teoria propondo a existência de gémulas produzidas pelos diversos órgãos dos progenitores e acumuladas nos seus órgãos reprodutores. Esta teoria, a que foi dado o nome de pangénese, foi descartada desde o início pelos contemporâneos de Darwin, mais especificamente por Thomas Huxley, seu amigo pessoal e defensor da teoria proposta em A Origem das Espécies e pelo seu primo Francis Galton, que realizou experiências que demonstraram a falibilidade desta proposta. No entanto, Darwin estava correcto ao assumir que a chave da transmissão residia na hereditariedade. Tendo em conta a grande controvérsia causada pelo livro Vestiges of the Natural History of Creation, da autoria de Robert Chambers, mas publicado anonimamente, que punha em causa a origem divina da organização do mundo natural, Darwin escusou-se a fazer referência ao papel que o divino poderia (ou não) desempenhar no mundo natural. Deste modo, conseguia evitar uma controvérsia desnecessária e que se localizaria sempre num plano subjectivo. Pelas mesmas razões, Darwin absteve-se de abordar cientificamente a origem da vida. No final do seu livro propõe a existência de um organismo ancestral, do qual todos os outros descenderiam. No entanto, não oferece nenhuma explicação quanto à sua origem, uma vez que considerava tal organismo demasiado distante para poder ser explicado. Na primeira edição de A Origem das Espécies Darwin sugere que esta origem seria um processo natural, mas a partir da segunda edição é incluída uma terminologia religiosa, que admite a possibilidade de existir um

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” “criador” que criasse este primeiro organismo, permitindo-lhe posteriormente uma evolução por meios de selecção natural. Quanto à origem do ser humano, Darwin também se abstém de propor uma teoria. As únicas referências ao ser humano aparecem num contexto de exemplo de características e detalhes biológicos. Deste modo, Darwin evita ser demasiado revolucionário ou irreverente, dando mais um exemplo do seu carácter apaziguador e não conflituoso. Ao mesmo tempo que finalizava a sua obra, tornava-se necessário arranjar modo de a publicar. Para tal, Darwin recorre a Charles Lyell para contactar John Murray, editor que tinha já publicado vários livros de Lyell e uma obra de Darwin. Murray era um editor virado para as ciências, descendia de uma importante família de editores e tinha especial apetência para publicar obras mediáticas e de ruptura. Darwin e Murray chegaram rapidamente a acordo, sendo que seriam publicadas 500 cópias e que Darwin receberia dois terços das receitas. Em Maio de 1982, a saúde de Darwin encontrava-se bastante debilitada, e este raramente conseguia trabalhar sem sofrer de dores. As suas dúvidas relativamente ao conteúdo e ao seu estilo literário intensificaram-se também nesta fase crucial. No entanto, com a ajuda da sua mulher Emma, de Murray e de Lyell, que ajudaram na revisão final do manuscrito, Darwin acabou a sua obra a 1 de Outubro de 1859. Também durante este período Murray definiu que a data de lançamento seria em Novembro, com uma tiragem aumentada para 1250 cópias. Enquanto Murray ultimava a impressão, Darwin retirou-se com a sua família para as termas de Ilkley para recuperar a sua saúde. A última alteração a ser feita veio por sugestão de Murray: o título proposto por Darwin, An Abstract of an Essay on the Origin of Species and Varieties through Natural Selection, foi alterado para On the Origin of Species by means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in Struggle for Life.

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Fig. 3 – Lombada (à esquerda; v. Wyhe, J.; Darwin – The Story of the Man and his Theories of Evolution; 2008; Carlton Publishing Group, London, GB) e frontispício (à direita; www.library.usyd.edu.au) do livro A Origem das Espécies

Finalmente, a 24 de Novembro de 1859, é publicada a obra. A primeira edição esgotou no próprio dia do lançamento. A segunda edição foi lançada no dia 7 de Janeiro de 1860 com uma tiragem de 3000 cópias. Durante a vida de Darwin A Origem das Espécies foi publicada em seis edições diferentes, sendo a última lançada a 19 de Fevereiro de 1872. Cada uma das edições continha pequenas alterações ou adições, que permitiam a Darwin responder às críticas que foram sendo feitas nos debates que se seguiram.

7.2.

Controvérsia

O livro de Darwin gerou grande controvérsia logo após a sua publicação. Ao contrário do que era normal na época, o debate sobre as ideias propostas por Darwin provocou uma reacção transversal a todas as camadas sociais, desde intelectuais a teólogos, de governadores a mercadores, de artistas a pessoas comuns e que não se limitou à Grã-Bretanha, tendo sido feitas 106 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” traduções em 11 línguas diferentes até à data da morte do seu autor (1882). A globalidade do debate deve-se essencialmente a dois factores, de natureza distinta, para além do já referido estilo literário. Em primeiro lugar, as circunstâncias socioeconómicas da época eram propícias à difusão de textos e obras científicas. A indústria editorial encontrava-se em grande expansão e uma vez que eram tempos de paz, prosperidade e estabilidade política, a população podia-se dedicar à leitura. Para além disso, obras anteriores como Vestiges de Chambers e o poema In Memoriam AHH de Lorde Alfred Tennyson tinham já despertado os leitores para os grandes assuntos da origem e existência humana. O facto de o livro de Darwin abordar e sugerir reflexão sobre estes temas é a segunda razão pela qual criou uma discussão tão ampla. Todas as pessoas, independentemente da sua posição social, foram afectadas, uma vez que a obra podia pôr em causa a existência de um plano divino e de um sentido da vida, ideias que até ao século XIX nunca tinham sido postas em causa. A controvérsia gerada criou essencialmente dois grupos antagonistas, uma vez que ninguém era indiferente à teoria darwinista. De um lado, existia uma facção que refutava as ideias propostas em A Origem das Espécies, composta por membros do clero e outras personalidades religiosas, bem como por pessoas ligadas à ciência, principalmente detentores de cargos públicos de relevo e que viam com maus olhos a mudança de paradigma. No entanto, esta oposição não foi tão coesa como a defesa da teoria, à excepção de um momento de união entre diferentes anti-darwinistas no debate Huxley - Wilberforce de 1860, do qual falaremos mais adiante. Darwin, devido ao seu feitio, nunca defendeu em público e em pessoa as suas ideias, uma vez que não lhe agradava o confronto directo e preferia manter-se nos bastidores, sempre próximo do que era debatido, através do contacto constante com os seus defensores. A partir da sua casa de Down House, Darwin correspondia-se incessantemente com os intervenientes directos das discussões, informando-se do ocorrido, trocando ideias, respondendo às críticas, esclarecendo dúvidas e encorajando os que o defendiam. Como referido, os pró-darwinistas formaram desde o início um grupo coeso e sólido. Os principais impulsionadores deste movimento eram, para além de amigos pessoais de Darwin, importantes cientistas em diferentes áreas de relevo. Tendo Darwin a coordenar os esforços da defesa a partir de casa, estes homens colocaram-se no epicentro dos debates e uniram-se de modo a recrutar novos apoiantes, principalmente entre novos e promissores cientistas, que estavam à partida mais receptivos a ideias que quebrassem

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” os dogmas vigentes na época. Entre eles destacam-se Asa Gray, Joseph Hooker, Charles Lyell e Thomas Henry Huxley.

Fig. 4 – Retrato de Asa Gray com a respectiva assinatura b(images.virtualology.com)

Asa Gray era considerado um importante botânico norte-americano. A botânica era a ciência mais significativa do século XIX, uma vez que era responsável pelas plantações de produtos exóticos, como o açúcar, algodão, chá, entre outros, que eram uma das mais importantes fontes de rendimento desta altura. Anteriormente à publicação de A Origem das Espécies Gray tinha fornecido a Darwin informação sobre plantas sulamericanas que lhe permitiu confirmar algumas ideias para a sua teoria. Nos Estados Unidos da América, Gray mantinha uma grande rivalidade com Louis Agassiz, um importante naturalista, que se opunha à teoria proposta por Charles Darwin. Nos anos de 1859 e 1860 estes dois cientistas discutiram frequentemente em debates públicos o Darwinismo, sendo que Gray era considerado o único homem na América capaz de levar a melhor sobre Agassiz num debate. Apesar da sua defesa pública de Darwin, Gray manteve uma posição bem definida no que diz respeito a uma existência divina. Assim, propôs a Darwin ajustar a sua teoria de modo a incluir Deus como criador das diferentes variações sobre as quais a selecção natural iria actuar. Apesar de não concordar com esta proposta, Darwin respeitava-a, chegando a considerar que Asa Gray era a pessoa que melhor o compreendia, tendo dito “If ever I doubt what I mean myself, I think I shall ask him!”( Darwin, C. R. to Wyman, Jeffries, 3 Oct 1860). Joseph Hooker era também ele botânico. Seguindo a tradição familiar, Hooker era director dos Kew Gardens, o maior e mais importante centro de pesquisa na área da botânica naquela altura, sendo também responsável pela organização e implementação das plantações de todo o Império 108 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” Britânico. Deste modo, Hooker detinha um enorme prestígio político e social, podendo exercer uma grande influência a vários níveis.

Fig. 5 – Joseph D. Hooker (www.gutenberg.org)

Já antes da publicação da obra de Darwin que Hooker colaborava com este. Logo após a viagem do Beagle Darwin pediu-lhe para classificar as plantas que tinha recolhido na sua viagem, iniciando deste modo a sua amizade. Hooker foi, juntamente com Charles Lyell, uma das pessoas que após Darwin ter recebido a carta de Wallace, o incentivou a escrever o paper que seria apresentado na Linnean Society, tendo mesmo sido Hooker a apresentá-lo, uma vez que, como já foi referido, Darwin não pôde comparecer devido à morte do seu filho Charles. Sendo um homem da confiança de Darwin, Hooker foi o primeiro cientista a quem este falou na sua teoria e foi o primeiro a defendê-la publicamente no livro Introductory Essay to the Flora Tasmaniae, último volume da sua Botany of the Antarctic Voyage, publicado apenas um mês após A Origem das Espécies.

Fig. 6 – Charles Lyell (www.gutenberg.org)

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Charles Lyell foi o mais importante geólogo britânico da sua era. Lyell tomou conhecimento das ideias evolucionistas muito cedo, uma vez que em 1827 se interessou pela teoria proposta por Jean-Baptiste Lamarck. No entanto, aquando da primeira edição do seu livro Principles of Geology, Lyell descarta publicamente estas ideias, pondo mesmo em causa a possibilidade de evolução e alterações fisionómicas em espécies vivas. No entanto, sabemos hoje através de cartas que a nível pessoal Lyell mantinha um espírito aberto relativamente à evolução. Sendo o mais velho dos apoiantes de Darwin, Lyell teve uma grande influência nas ideias de Darwin a partir do momento em que este tomou conhecimento do seu principal livro Principles of Geology, que leu durante a viagem a bordo do Beagle. Ao verificar nesta viagem a proposta de Lyell de que existe uma evolução geológica, Darwin transpôs essa ideia para a evolução de organismos vivos. Como já foi referido, Lyell teve um papel fundamental na apresentação conjunta do paper de Wallace e Darwin. Outro papel fundamental desempenhado por Lyell foi a proposta da teoria de que o planeta Terra era muito mais antigo do que se pensava na altura, utilizando dados geológicos, que permitia a existência de evolução desde a formação do planeta proposta por Darwin. Após a publicação de A Origem das Espécies, Charles Lyell defendeu as ideias propostas por Darwin, sem no entanto se coibir de criticar certos aspectos. Devido à sua forte crença religiosa Lyell tinha uma grande dificuldade em aceitar que o principal motor da evolução fosse a selecção natural e o acaso. À medida que os anos passaram a relação entre Darwin e Lyell deteriorou-se, tendo este último considerado a teoria Darwinista apenas uma modificação das ideias lamarckistas.

Fig. 7 – Thomas Huxley (www.lib.utexas.edu)

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies”

Thomas Henry Huxley foi provavelmente o mais famoso de todos os defensores de Darwin. Este zoólogo e anatomista comparativo autodidacta, apelidado de “Darwin’s Bulldog”, mostrou-se inicialmente reticente a ideias evolucionistas. Criticou publicamente o livro Vestiges de Chambers e o lamarckismo. Ao ter conhecimento deste ponto de vista de Huxley, Darwin fez questão de o convencer das suas ideias. Darwin concretizou este seu objectivo, levando Huxley a concluir: “How extremely stupid not to have thought of that!” ( http://www.ucmp.berkeley.edu/history/thuxley.html (consultado em 28-01-2009)). No decorrer do debate que se seguiu à publicação, Huxley foi determinante na defesa e aceitação da teoria de Darwin. Travou várias discussões com Richard Owen, renomeado anatomista que considerava impossível o Homem descender do macaco, devido à anatomia do cérebro destes. O momento mais relevante da defesa desempenhada por Huxley ocorreu a 30 de Junho de 1860 no Oxford University Museum.

Fig. 8 – Caricaturas de Thomas Huxley e Samuel Wilberforce publicadas na revista Vanity Fair em 1869 (esquerda; evolvingwithdarwin.blogspot.com) e edifício principal do Oxford University Museum (direita; upload.wikimedia.org, invertida)

Neste debate o filósofo John William Draper deu uma palestra sobre a evolução da sociedade humana, na qual referiu a obra de Darwin. Em resposta a esta palestra, o bispo de Oxford Samuel Wilberforce defendeu como teólogo a criação divina da humanidade. Como apoio científico para os seus argumentos Wilberforce recorreu a informação anatómica fornecido por Owen. O bispo era conhecido pelos seus dotes de orador eloquente, sendo deste modo um opositor de peso às ideias darwinistas. No entanto, Huxley refutou os dados anatómicos apresentados por Wilberforce e defendeu o trabalho de Darwin. No decorrer da troca de argumentos entre 111 de 113


Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” os dois, reza a história que Wilberforce questionou Huxley se este descendia dos macacos do lado do avô ou do lado da avó. Como resposta, Huxley afirma que prefere descender de um macaco do que de um homem que introduz o ridículo numa séria discussão científica. O debate foi “ganho” pelos defensores da teoria de Darwin e os espectadores ficaram com a sensação de terem assistido a um debate que marcaria um ponto de viragem na história da ciência. Após o debate, a discussão com Owen sobre a relação entre humanos e macacos prolongou-se durante os próximos anos. Apesar de Huxley ter sido o mais acérrimo defensor de Darwin, manteve ao longo de toda a sua vida dúvidas relativamente à selecção natural ser o mecanismo principal de evolução dos seres vivos. A publicação de A Origem das Espécies não gerou discussão apenas nos meios científicos e religiosos. A área da sociologia foi também abalada, principalmente de duas maneiras. Em primeiro lugar, a noção de “sobrevivência do mais apto”, utilizada na 5ª edição do livro, justificava cientificamente uma economia desregrada em que o mais apto sobrevivia, legitimando assim um capitalismo feroz. Em segundo lugar, influenciou Francis Galton, seu primo, a cunhar o termo Eugenismo, que viria a desempenhar um papel de grande influência em movimentos racistas, nacionalistas e colonialistas.

Ao longo da história da humanidade poucos foram os livros que alteraram por completo o modo como o Homem percepciona o Universo e a Natureza e o seu lugar nestes. A grande obra de Charles Darwin, “A Origem das Espécies”, ocupa um lugar de destaque nesta pequena lista, devido ao impacto da teoria nele contida no contexto não só científico como também social tanto aquando da sua publicação como ao longo dos anos, até aos dias de hoje. No entanto, um livro e uma teoria não surgem apenas e só da genialidade de um homem. Desde que a ideia surge até ao momento em que se torna numa verdade aceite pela maior parte da sociedade são precisos anos de trabalho, discussões, ânimo e desânimo, certezas e dúvidas. Passaram mais de 20 anos entre o momento em que Darwin, após escrever as palavras “I think”, desenhou a sua famosa árvore evolucionária e a publicação do seu livro. Antes mesmo do referido desenho foi necessária uma viagem de barco em que Darwin desenvolveu um enorme trabalho de recolha de espécimes e observações, troca de correspondência com outros cientistas, investigação e experimentação, leitura de diversos autores, etc.

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Charles Darwin: O percurso até à publicação da “Origem das Espécies” E mesmo tendo conseguido os resultados que necessitava após todos os seus esforços, foi necessária vontade pessoal, muitas vezes encorajada por colegas e amigos, para ultrapassar dúvidas pessoais e sociais, foi preciso sentir a pressão causada pelo facto de outros cientistas estarem a chegar a conclusões semelhantes às suas e foi necessário escrever um livro que não era senão uma parte do planeado para que a revolucionária teoria fosse publicada. E após esta entrar no domínio da discussão pública, só após longos anos de debate, apoiado por novas investigações e descobertas não só por parte de Darwin como também de colegas e amigos seus, um conjunto de pessoas unidas pela vontade de demonstrar a verdade contida nas ideias Darwinistas, foi possível que esta teoria, tão única no modo como diz respeito às origens do ser humano e de cada um de nós e que desse modo não nos pode deixar indiferentes, fosse finalmente aceite e vista como um dos marcos da história da ciência e do pensamento humano.

Bibliografia

The Joint Essay of Darwin and Wallace, The Linnean 1995, Volume 11, pp. 6

The Joint Essay of Darwin and Wallace, The Linnean 1995, Volume 11, pp. 9

Letter 2936 — Darwin, C. R. to Wyman, Jeffries, 3 Oct 1860; in http://www.darwinproject.ac.uk/darwinletters/calendar/entry-2936.html (consultado em 28-01-2009)

http://www.ucmp.berkeley.edu/history/thuxley.html (consultado em 28-012009)[15] DARWIN, C., 2000. “Autobiografia 1809-1882”, Residência em Down, pág. 127, Contraponto, Rio de Janeiro.

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