Jornal Sem Terra - 310

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ANO XXIX– Nº 310 – FEVEREIRO/MARÇO 2011

8 de março

Em frente, companheiras!

Entrevista com Marisa de Fátima e retrospectiva das ações das mulheres Páginas 4, 5, 8 e 9

ESTUDO

REALIDADE BRASILEIRA

LITERATURA

A luta dentro

A organização e os

Aluísio Azevedo

e fora da ordem, por

interesses da nova

e o naturalismo

Ademar Bogo

bancada ruralista

em “O Cortiço”

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EDITORIAL Temos o desafio de denunciar a destruição da natureza pelo agronegócio

É tempo de seguir organizando o povo INICIAMOS O ANO com mais um Encontro da Coordenação Nacional do nosso Movimento. Procuramos compreender o momento histórico que vivemos, avaliando nossa caminhada até aqui e apontando os próximos passos frente a um conjunto de desafios, que não são apenas nossos, mas de toda a classe trabalhadora. Segue-se um cenário onde se aprofunda o projeto das elites brasileira e internacional, em velocidade acelerada, inclusive com o uso do Estado. No Brasil, a representatividade das bancadas da burguesia no Congresso Nacional explicita esta situação. São grandes e permanentes as investidas para aprovar suas propostas, contrárias aos anseios e necessidades dos trabalhadores. Exemplo disso é a forte articulação para barrar um aumento decente no salário mínimo e a redução da jornada de trabalho para 40 horas, ou no total

É necessário investirmos em novas referências, fortalecendo espaços formativos como a escola, a agroecologia, as rádios e as lutas unificadas

empenho para aprovar o novo Código Florestal, que privilegia o agronegócio. É inicio de um novo governo, mas o Estado é o mesmo! Dilma é a continuidade do projeto de fortalecimento de um Estado pautado no crescimento econômico com um discurso de prioridade na redução das desigualdades sociais. É preciso que a classe trabalhadora ocupe as ruas e as praças e reivindique seus direitos para a superação da desigualdade e pela distribuição das riquezas. O agronegócio segue como uma prioridade e se desenha como as águas da forte enxurrada que, ao descer morro abaixo, devasta e destrói o que encontra pela frente. A Reforma Agrária continua não sendo prioridade, nem para o assentamento das famílias acampadas nem na garantia de melhorias sociais e estruturais às condições de vida nos assentamentos. A CPMI para investigar o MST e a Reforma Agrária acabou, e nada foi comprovado de desvios. Mas precisamos ter vigilância permanente, pois as investidas vão continuar! Assim, é necessário investirmos em novas referências, fortalecendo espaços formativos como a escola, a agroecologia, as rádios e as lutas unificadas. Logo os principais desafios colocados para a nossa militância são:

1. Massificar os diversos processos de participação popular, ocupações, marchas, mobilizações. Buscando os SemTerra, desempregados, sem-teto, sindicatos, estudantes, donas de casas, operários, numa ampla articulação da classe, lutando e dialogando com a sociedade. 2. Seguir organizando os assentamentos, enquanto espaços de articulação política na construção de alianças com outros setores, urbanos e rurais, para resolver os problemas do povo. Reivindicando e acessando políticas públicas. Produzindo alimentos. Potencializando a agroecologia como matriz produtiva. Lutar por escola: Fechar escola é crime! – a importância de termos as escolas no campo para garantia do direito ao acesso, territorialização e da conquista de tê-la como um espaço de formação que contribua para a luta de classes na constituição de novos sujeitos sociais, novos homens e novas mulheres. Enfim, fazer com que a luta entorno do assentamento seja uma ferramenta de mobilização, articulação e elevação da consciência e da emancipação humana. 3. Internacionalmente temos como desafio duas grandes campanhas que estão diretamente ligadas ao campo por sua relação dos impactos que o capital fez e faz com superexploração da nature-

Palavra do leitor

Fiquei profundamente emocionado com essa noticia: ocupação da Usina em Minas Gerais. Por quê? Minha família e eu ficamos escravos dessa fazenda por dois anos de 1963 a 1965. Eu tinha 13 anos de idade. Era trabalho “escravo” mesmo, ninguém tinha direitos trabalhistas, só capatazes

armados controlando os trabalhadores, carregados em caminhão “pau de arara”, uma terrível humilhação. Fico orgulhoso como nunca pela ação do MST. É pra nunca mais sair de lá, para honrar as lágrimas de centenas ou mais trabalhadores (as) que sofreram naquela Usina que se chamava na época “Monte Alegre”, mas era uma pura tristeza.

Um abraço companheiros(as), todo o meu apoio daqui do Pará. PAULINHO (pjoanil@oblatos.com.br)

Exemplo do Egito Está na hora de nos unirmos e ir às ruas, fazer greve geral. Temos de acabar com o sistema. Vamos fazer aqui o que está sendo feito no Egito!!! Convoque a todos!! GEOVANI BRAZ Mande sua mensagem para o Jornal Sem Terra

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za. A campanha “Contra a Crise Climática” e a campanha “Contra os Agrotóxicos e pela Vida”, ambas dialogam com a saúde do povo do campo e da cidade, suas condições de vida, ao mesmo tempo em que colocam em discussão os grandes lucros das empresas internacionais. Sejamos criativos e sigamos organizando as diversas lutas, desde a Jornada das Mulheres, pautando na sociedade a importância e a necessidade da Reforma Agrária, denunciando a destruição da natureza e o uso intensivo de agrotóxicos pelo agronegócio. Buscando mudanças estruturais para o Brasil, que garantam direitos sociais e avanços significativos aos trabalhadores e trabalhadoras para termos vida digna. BOA LUTA PARA TODOS NÓS! PÁTRIA LIVRE, VENCEREMOS!!

DIREÇÃO NACIONAL DO MST

FRASE DO MÊS

É pra nunca mais sair!

Foto: Arquivo MST

É início de um novo governo, mas o Estado é o mesmo. Dilma representa a continuidade de um projeto

Edição: Joana Tavares. Revisão: Igor Felippe Santos. Edição de imagens: Marina Tavares. Projeto gráfico e diagramação: Eliel Almeida. Assinaturas: Mary Cardoso da Silva. Impressão: Taiga Gráfica e Editora. Tiragem: 10 mil exemplares. Endereço: Al. Barão de Limeira, 1232 – CEP 01202-002 – São Paulo/ SP – Tel/fax: (11) 2131-0840. Correio eletrônico: jst@mst.org.br. Página na internet: www.mst.org.br. Todos os textos do Jornal Sem Terra podem ser reproduzidas por qualquer veículo de comunicação, desde que citada a fonte e mantida a íntegra do material.

Sua participação é muito importante. As correspondências podem ser enviadas para jst@mst.org.br ou para a Alameda Barão de Limeira, 1232, Campos Elíseos, São Paulo/SP, CEP 01202-002. As opiniões expressas na seção “Palavra do leitor” não refletem, necessariamente, as opiniões do Jornal sobre os temas abordados. A equipe do JST pode, eventualmente, ter de editar as cartas recebidas.

“[Eu apoio o MST] primeiro por uma profunda identificação com o Movimento em todos os sentidos, pela importância da bandeira da Reforma Agrária. O MST desenvolveu um trabalho de organização do campo, um trabalho criativo, que transpôs as fronteiras. Apoio o MST por coerência no posicionamento político, mas também por paixão.” SERGIO MAMBERTI, ATOR

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ESTUDO É na luta entre as classes que se provocam as mudanças estruturais na sociedade

ADEMAR BOGO COORDENAÇÃO NACIONAL

APRENDEMOS NOS ESTUDOS de filosofia que a sociedade capitalista funciona pela combinação de duas partes interligadas. Na primeira, está a “infra-estrutura” onde funciona a base econômica, a produção concreta dos bens e da riqueza. Sobre ela se eleva a segunda estrutura, que é chamada de “superestrutura”, onde funciona a política, os parlamentos, a justiça, as leis, a força policial, a produção cultural, a religião, as escolas, os meios de comunicação, enfim, tudo aquilo faz funcionar a sociedade no cotidiano. As forças dominantes que controlam o capital e o poder são conhecidas como forças hegemônicas. A hegemonia é um conceito criado para explicar a situação em que as forças dominantes se reúnem e são capazes de impor suas decisões e garantem a direção política para o rumo que pretendem seguir. Sempre ficam imensos setores sociais de fora – operários, camponeses, trabalhadores dos serviços e as massas populares. Estes lutam em movimentos populares, sindicatos e também partidos políticos, formando um conjunto de forças que se opõe ao poder dominante. Desta maneira é fácil perceber que, assim como na base econômica predominam as relações entre patrões e empregados, na superestrutura política e jurídica, acontecem as relações entre dominantes e dominados. Logo, há dois caminhos a serem seguidos pelos trabalhadores e as massas populares: entrar na hegemonia dominante e aliar-se a ela, iludindo-se que assim poderá melhorar de vida; ou organizar as forças contra-hegemônicas para lutar contra o poder das forças dominantes.

Os processos dentro da ordem Todos os países têm suas constituições, formadas pelo conjunto de leis que determinam o funcionamento da ordem social. Nelas, dentre outras coisas, estão definidos os diretos e os deveres dos cidadãos. Quem deve vigiar as leis e aplicá-las corretamente são os políticos e os juízes. Sendo as sociedades desiguais, a aplicação das leis também é desigual.

Arquivo MST

Luta de classes e institucionalidade

Os movimentos reivindicam por meio da luta porque as sociedades são desiguais

Por esta razão é que há movimentos que reivindicam, através da luta, dentro da ordem dominante, os direitos que estão na lei. Estas lutas reivindicatórias ocorrem dentro da ordem dominante porque é direito dos cidadãos se mobilizarem-se pelo que está previsto na Constituição. Na luta pela Reforma Agrária é muito fácil perceber a relação entre luta social e institucionalidade. Está previsto na Constituição brasileira, no artigo 184, que a “terra deve cumprir função social”. Na realidade, sabemos que nem todas as propriedades respeitam a lei. Por outro lado, todo cidadão tem direito ao trabalho, à comida, moradia, escola etc., e as leis deveriam resolver o problema daqueles que nada disso possuem. A ocupação da terra é um ato de rebeldia contra a não-aplicação da lei. Logo, a reivindicação é que o Estado e os governos distribuam a terra. Depois da terra distribuída, a luta continua para a construção de casas, estradas, escolas e demais soluções. Depois vem a criação de associações e cooperativas. Os próprios trabalhadores criam as suas instituições reconhecidas pelo Estado e devem ser eficientes para garantir o desenvolvimento do assentamento. Há também possibilidades de organização que estão na lei como

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o “direito de reunião e organização”, que não precisa de registro. Esse é o caso de um movimento popular, que funciona dentro da institucionalidade e é aceito normalmente pela ordem. Assim pode ser uma escola de formação política ou uma igreja, por exemplo. A ilegalidade e a clandestinidade se dão quando o Estado e os governos não reconhecem os direitos dos trabalhadores de se organizar, fecham suas entidades e perseguem as lideranças para prendê-las.

Qual o lugar da luta? Um grande revolucionário italiano, Antônio Gramsci, disse no século passado que há uma relação muito próxima entre a “sociedade civil” - onde as pessoas vivem e atuam - e a “sociedade política”, esfera em que funcionam as instituições e o poder político. Esta linha divisória nem sempre é fácil de compreender e discernir. Isto porque a sociedade civil depende da intervenção da sociedade política para resolver os problemas sociais, garantir a segurança pública, etc. Já a sociedade política depende da aceitação, dos votos e da colaboração da sociedade civil. Esta íntima relação leva muitas vezes a confusões. Os movimentos populares e os partidos políticos contrários à ordem dominante, ao ver que

ela não funciona corretamente, decidem eles mesmos fazê-la funcionar e abandonam todos os tipos de pressão sobre o Estado e o capital. É verdade que existem muitos espaços dentro da ordem que podem ajudar as forças populares a acumularem forças, como, por exemplo: fazer as escolas dos assentamentos funcionarem bem; participar de determinados Conselhos Municipais ou participar também das disputas eleitorais para derrotar grupos oligárquicos e posições fascistas que dominam regiões, estados e o país. Mas é fundamental que se tenha claro que é na luta entre as classes e com a participação das forças populares que se consegue provocar as mudanças estruturais na sociedade. Logo, a pergunta que deve sempre estar em evidência é: o que vamos fazer para acumular forças na direção a que queremos chegar? Se não acumula, nem ajuda a organizar as forças, é desperdício de tempo envolverse em tais disputas.

A pergunta que deve sempre estar em evidência é: o que vamos fazer para acumular força? Isto nos compromete a achar saídas, para não cair no ceticismo e achar que nada pode ser feito. Se os Conselhos Municipais oficiais não são importantes, devemos criar conselhos paralelos que sirvam para a população pressionar as autoridades. Se as autoridades oferecem determinados benefícios à luta é para que estes sejam aumentados e estendidos a todos. Se não há Reforma Agrária, os interessados devem ocupar as terras que não cumprem função social. Acima de tudo, a luta pelo poder deve se dar sempre pelos enfrentamentos com as forças hegemônicas e não aliando-se a elas. As forças contra-hegemônicas devem ser incentivadas a multiplicar as suas formas organizativas e de lutas, e não apostar em uma única via da disputa eleitoral. Somente a força coletiva liberta. O sujeito coletivo surge das lutas coletivas, nunca da representatividade individual.

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Arquivo MST

ENTREVISTA Enfrentamento ao modelo de produção das grandes empresas é o foco da luta das mulheres

Mais um 8 de março, mais um momento de dizer em alto e bom som: somos militantes, somos lutadoras, queremos JOANA TAVARES SETOR DE COMUNICAÇÃO

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Reforma Agrária e igualdade. O acúmulo de tantas lutas já deixa claro: o foco das ações é o enfrentamento ao agronegócio. Neste 2011, os agrotóxicos ganham destaque. Um dos pilares do

JST: Qual o tema principal da jornada este ano? Marisa de Fátima: A jornada das companheiras é identificada a partir de alguns temas, vindos dos debates e das lutas. Fundamentalmente é a perspectiva de dar continuidade na luta ao enfrentamento do agronegócio no campo e para este ano com mais visibilidade à temática dos agrotóxicos. E também o debate da continuidade da formação das companheiras e a questão da violência contra a mulher. Esse é um tema que precisamos trabalhar no decorrer das jornadas do 8 de março. Mas fundamentalmente são ações de denúncia do agronegócio, especialmente dos malefícios dos agrotóxicos.

opinião do conjunto da sociedade, que pauta a soberania alimentar.

JST: Em relação aos agrotóxicos, quais são os tipos de ações previstas? MF: Temos construído diferentes formas de lutas e atividades nos estados: desde lutas contra empresas produtoras como ações de denúncia para a sociedade. Faremos debates amplos sobre o tema, que aglutina a

JST: Que tipo de ações serão realizadas? MF: A partir do levantamento dos estados, a avaliação é que possamos construir a partir de experiências que os estados e o Setor de Gênero vêm acumulando. Então teremos lutas de enfrentamento direto contra as empresas.

modelo de exploração capitalista da agricultura, os venenos são utilizados em larga escala em nosso país. Larguíssima: o Brasil tem o triste título de “campeão” no consumo desse tóxico. As mulheres querem denunciar essa realidade, assim como denunciar a violência, que também pode ficar escondida por trás de belas fotografias ilusórias. Confira a entrevista com Marisa de Fátima da Luz, assentada na região do Pontal do Paranapanema (SP), e integrante da Coordenação Nacional do MST. JST: A Jornada é construída com outros movimentos? MF: Sim, temos buscado consolidar o 8 de março como um espaço de construção conjunta. Para nós mulheres do MST é muito importante garantir que as atividades e lutas das mulheres sejam articuladas com a Via Campesina. É uma necessidade política, organizativa. Buscamos não só garantir a participação das companheiras de outros movimentos,

mas que elas efetivamente participem do planejamento e construção das ações. Essa é uma orientação nossa, garantir a luta de forma unitária. JST: Qual o recado que as mulheres camponesas têm a dar na questão dos agrotóxicos? MF: Para nós é uma necessidade fazer a denúncia do avanço do capital no campo. E a temática dos agrotóxicos deixa clara essa realidade. É um tema que dialoga com nossa realidade, e que também precisa ser colocado para o conjunto da sociedade, que afeta a todos. A produção em grande escala com venenos traz consequência para a vida das pessoas, seja no campo, seja na cidade. Temos necessidade de consolidar esse debate na cidade, que é um debate para a humanidade. JST: Dá para colocar a Reforma Agrária e a agricultura familiar como um contraponto à produção em larga escala, à base de venenos? MF: Esse tema coloca um desafio para nós. Enfrentar um modelo tecnológico e político da agricultura convencional hoje é muito difícil. Precisamos caminhar pri-

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meiro na resistência e também colocar a construção de outras alternativas para a agricultura camponesa, que possam avançar na perspectiva de uma produção agroecológica. É um desafio muito grande para toda a sociedade, porque a disputa é em torno do modelo de produção, o modelo da agricultura para o país. JST: A produção dos assentamentos, tendo condições de chegar até as cidades, poderia ser uma alternativa aos alimentos envenenados? MF: Temos buscado construir experiências que precisam estar presentes no conjunto da sociedade. Nossa forma de produzir precisa ser visível, precisa servir de exemplo. Não estamos só denunciando, temos propostas para contrapor o modelo de produção capitalista no campo. JST: O que está colocado em relação à violência contra a mulher? MF: Na sociedade em que a gente vive, a violência contra a mulher é escondida, não é posta à vista. Há uma necessidade de trazer essa temática, construir um debate interno nas organizações camponesas, no MST, e que nós mulheres possamos nos organizar. Há um diagnóstico que hoje, nos acampamentos e assentamentos, muitas mulheres sofrem inúmeras violências. E temos que colocar com muita seriedade esse debate, porque a questão da violência contra a mulher é uma questão de classe. Nesse sentido, precisamos construir espaços e ações para mostrar que precisamos nos ater a certas questões e situações que nos inquietam muito. Essa situação não está presente só nas áreas de Reforma Agrária, mas no conjunto da classe, na área urbana. Sem debater a violência contra a mulher é difícil pensar uma sociedade nova, um

homem e uma mulher nova. Isso não quer dizer que abandonamos a linha política central de enfrentamento ao capital no campo. Essa é nossa orientação geral, mas o tema da violência precisa ser considerado na realidade dos estados, que têm tentado construir suas formas de pautar o tema, seja em espaços de formação internos, seminários, etc. JST: O que vem sendo feito junto aos companheiros em relação a essa temática? MF: Estamos buscando construir alguns espaços de debates, por ora mais entre mulheres. Claro que é um tema que precisa ser debatido por todos, e queremos caminhar nesse sentido. Por isso pautar agora, para deixar claro que existe esse problema, e que precisamos aprofundar esse olhar. Os estados têm a orientação de trabalhar essa temática, também junto a outras organizações, da cidade. JST: O que as mulheres e o MST acumularam com as lutas do 8 de março? MF: O fato de as mulheres desenvolverem experiências todo ano, na perspectiva de garantir uma unidade e a luta, já é um acúmulo político. Esse processo histórico já um fator positivo. Outro avanço é a

Agressões: • A cada 2 minutos, 5 mulheres sofrem violência no Brasil. Há 10 anos, eram 8 mulheres a cada 2 minutos. • Embora apenas 8% dos homens

A partir de 2008, o Brasil se tornou o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, ultrapassando os EUA. Em 2010 foram utilizados 1 bilhão de litros nas lavouras. Isso equivale a um consumo médio de cinco litros por habitante. Estima-se que 50% desses números sejam de responsabilidade da lavoura da soja, seguida da cana de açúcar e do milho. A Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê que ocorra, no mundo, o consumo de cerca de três milhões de toneladas de agrotóxicos por ano, expondo apenas no espaço agrícola em torno de 500 milhões de pessoas. Os casos anuais de intoxicações agudas nos países do terceiro mundo são estimados em 1 milhão, com 20 mil mortes. As intoxicações crônicas chegam em 700 mil casos ao ano, com 37 mil casos de câncer em países em desenvolvimento como o Brasil, e 25 mil casos por ano de outras sequelas. Ainda segundo a OMS, cerca de 3% da

percepção da necessidade de as mulheres se organizarem, construírem suas lutas. O que a gente observa nesse último período é que as mulheres têm buscado, a partir de uma análise da realidade e da questão agrária, o enfrentamento do modelo do

população sofre com intoxicações por produtos químicos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estima que 15% dos produtos alimentícios consumidos no Brasil estão com níveis muito altos de taxas de venenos prejudiciais à saúde. Segundo a professora Raquel Rigotto, da Universidade Federal do Ceará, o quadro do uso de defensivos agrícolas no Brasil é preocupante. Em estudo realizado por ela sobre os efeitos dos agrotóxicos na saúde dos trabalhadores rurais, são ao menos 700 mil toneladas de agrotóxicos ao ano, ou uma média superior a três quilos por brasileiro, com perigosos resíduos nos alimentos consumidos no dia a dia. Um destaque negativo é a concentração desse tipo de substância na soja (300 mil toneladas/ano) e no milho (100 mil toneladas/ano). (Fontes: Jornal Sem Terra especial Agrotóxicos/São Paulo, Blog Vi o mundo, Rede Brasil Atual, Anvisa)

capital no campo, que é um acúmulo dos 8 de março. Esse é um fator que vem acumular para a luta política do MST. Nós enquanto Movimento temos que nos reposicionar para enfrentar essas lutas. JST: Houve um avanço na formação política das mulheres, as companheiras estão participando de mais espaços de direção ao longo dos anos? MF: Esse processo é um acúmulo de experiências organizativas. A ampliação da participação das mulheres dentro do MST é reflexo de um acúmulo de experiências organizativas das mulheres, que foram sendo construídas ao longo de toda a história do Movimento.

Agricultura camponesa é alternativa para produção de alimentos saudáveis

Violência contra a mulher Em agosto de 2010 a Fundação Perseu Abramo em parceria com o Sesc realizou uma pesquisa com alguns temas que envolvem a violência contra as mulheres no Brasil. O levantamento foi realizado em 25 estados. Foram entrevistadas 2.365 mulheres e 1.181 homens, com mais de 15 anos. Seguem algumas de suas conclusões:

Mais venenos nos alimentos, mais doenças

digam já ter batido “em uma mulher ou namorada”, 25% diz saber de “parente próximo” que já bateu e 48% afirma ter “amigo ou conhecido que bateu ou costuma bater na mulher”. Dos homens que assumiram já ter batido em uma parceira, 14% acreditam que agiram bem e 15% afirmam que o fariam de novo. • Cerca de 1 em cada 5 mulheres hoje (18%) consideram já ter sofrido alguma vez “algum tipo de violência de parte de algum homem, conhecido ou desconhecido”. • Duas em cada cinco mulheres (40%) já teriam sofrido alguma violência, ao menos uma vez na vida, sobretudo algum tipo de controle ou cerceamento (24%),

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alguma violência psíquica ou verbal (23%), ou alguma ameaça ou violência física propriamente dita (24%). Relações Conjugais: • Nas modalidades de violência sexual e de assédio, os patrões, desconhecidos e parentes como tios, padrastos ou outros contribuíram e em todas as demais, o parceiro (marido ou namorado) é o responsável por mais 80% dos casos reportados. Na página da Fundação na Internet você poderá acessar o conteúdo íntegro da pesquisa e outras modalidades pesquisadas. Segue o link: http://www.fpa.org.br/ galeria/perfil-da-amostra.

JST: Quais os desafios colocados para o Setor de Gênero e para as mulheres do MST? MF: Consolidar, reforçar, dar um caráter organizativo para as lutas das mulheres no MST. Essa é uma tarefa, e um desafio: construir espaços de participação, envolver as companheiras na efetivação do conjunto das lutas. Precisamos de mais experiências concretas de envolvimento das companheiras, de envolvimento orgânico, na base, nos setores, nas instâncias do Movimento. As companheiras precisam se considerar – e ser – parte do processo de construção. E dar continuidade à perspectiva de trabalhar na questão da formação política. (COLABORARAM SOLANGE ENGELMANN E MARY CARDOSO)

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ESTADOS Crime foi retaliação a cobranças de salários atrasados por três meses

Fazendeiro é preso por homicídio de trabalhadores REYNALDO COSTA SETOR DE COMUNICAÇÃO

EM UMA OPERAÇÃO das polícias Militar e Civil do Maranhão foi preso em Açailândia, no final de janeiro, o fazendeiro Adelson Veras, acusado de mandante do assassinato dos trabalhadores Gilberto Ribeiro Lima e Vanderlei Ferreira de Meireles. A operação prendeu ainda seus dois filhos, suspeitos de queimar, esquartejar e ocultar os corpos das vítimas. Ainda foram presos quatros capangas da fazenda. Um deles confessou a autoria do crime e que agiu

por ordem do fazendeiro Adelson. A justiça ainda tem mandado de prisão contra outros seis acusados. Ocorrido em maio de 2008 na fazenda Boa Esperança, de propriedade do acusado, o crime teria sido motivado a partir de uma dívida que Adelson teria com os trabalhadores, que trabalhavam há três meses sem receber. O fazendeiro não queria fazer pagamento, uma prática comum na região. Por isso, teria mandado executar Gilberto e Vanderlei, devido às constantes cobranças realizadas por eles. A operação encontrou no dia as ossadas dos dois trabalhadores na fazenda.

O “Gato Adelson”, como é conhecido na cidade, é temido por sua truculência e desrespeito às autoridades. Ele costuma punir os trabalhadores que desrespeitam seu código de trabalho com a morte. Adelson iniciou sua atividade profissional trabalhando como “gato” (aliciador de mão de obra escrava), para o fazendeiro Gilberto Andrade (escravocrata conhecido do grupo móvel e da Justiça). Arregimentador de trabalhadores no Piauí para as fazendas de Gilberto, ele grilou terras dentro da Reserva Biológica do Gurupi. Hoje ele é um dos principais acusados de desmatar a floresta. Todo o seu patrimônio vem de práticas ilícitas.

MST realiza encontro em berço do latifúndio ANA MARIA AMORIM JORNALISTA E MILITANTE DA CONSULTA POPULAR

CERCA DE 250 pessoas participaram do 23º Encontro Estadual, em Campo do Meio, dos dias 18 a 21 de fevereiro, para discutir os desafios do Movimento para este ano. O espaço também previu o Encontro dos Amigos dos Sem Terra, com apoiadores do MST em um momento de formação, confraternização e fortalecimento das parcerias.

Reforma Agrária parada Os dados da Reforma Agrária em Minas Gerais são alarmantes. Já faz dois anos que o Estado não consegue assentar nenhuma família do Movimento e, para as famílias que foram assentadas, não há assistência técnica. “No ano de 2010, tivemos o menor número de assentamentos por ano no Brasil”, afirma Valdir. Na

600 pessoas ocuparam a usina Ariadnópolis

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região do sul de Minas Gerais um assentamento ilustra bem essa realidade: há quatro anos que as famílias do assentamento Santo Dias vivem como nos acampamentos, pois não chegam as verbas para efetivar o assentamento no local, obrigando as famílias a viverem sem água encanada, saneamento, educação e transporte. A atuação do órgão do governo para cuidar da Reforma Agrária, o Incra, é praticamente inexistente. “Há anos que o Incra está com um superintendente provisório e sem verbas. O Incra está propositalmente congelado”, diz o Sem Terra Geraldo Magela Santos. Nos arredores do assentamento 1º do Sul, onde se organizou o encontro, a história da luta pela terra é marcada por conflitos e descaso. Nestas terras também está o “maior conflito de terras do MST em Minas Gerais”, analisa Sílvio Netto, da Direção Estadual. Netto se refere às terras da antiga usina Ariadnó-

polis, desativada em 1992. Os proprietários da usina e das terras, que somam um total de 6,6 mil hectares, deixaram uma dívida de R$ 5 milhões com os trabalhadores e mais R$ 392 milhões com bancos públicos e privados. Os próprios ex-trabalhadores da antiga usina ocuparam as terras, devido a uma imensa dívida trabalhistas que não foi paga. “Esta ocupação foi em 1997. De lá pra cá, milhares de famílias, tanto dos extrabalhadores como famílias pobres que queriam um pedaço de terra passaram por aqui. Não há, porém, uma postura do Estado para fazer destas terras área de Reforma Agrária. Essa luta denuncia a falência da Reforma Agrária em Minas Gerais”, completa Netto.

Luta O último dia do encontro foi de luta. Cerca de 600 Sem Terra se uniram às famílias acampadas na antiga usina reivindicando aquela área. A decisão sobre a desapropriação do imóvel está congelada há anos no Incra. Enquanto isso, segundo o MST, os proprietários utilizam uma família como “testas de ferro” dos proprietários. Ou seja, uma família, em acordo com os antigos donos da usina, mora ilegalmente na terra e se apresenta como os efetivos donos de 6 mil hectares da fazenda. Já aconteceram seis despejos na área e há onze acampamentos, com 180 famílias resistindo nas terras. O conflito de Ariadnópolis se arrasta há 14 anos e não se resolverá enquanto a terra não estiver nas mãos dos trabalhadores.

Entidade lança estudo sobre trabalho escravo no Maranhão O Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH) lançou no dia 27 de janeiro o Atlas Político-Jurídico do Trabalho Escravo Contemporâneo no Maranhão. O livro, em sete capítulos, analisa diversos fatores entorno deste fenômeno chamado trabalho escravo, como questões econômicas, sociais e culturais, aliadas à questão da migração e, principalmente, aos conflitos agrários, já que muitos

trabalhadores são resgatados em fazendas. Organizado pelo advogado Nonnato Masson, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MA, Antonio Filho, bacharel em direito e coordenador jurídico da entidade e pelo Setor de Comunicação do MST-MA. “O objetivo do Atlas não é vir falar da existência de trabalho escravo, pois está já é de conhecimento da sociedade, o básico deste material é trazer uma análise das fiscalizações e dos processos que correm na justiça e outros documentos oficiais relacionado ao tema”, afirma Nonnato Masson. A idealização do livro saiu a partir dos 15 anos de atuação do CDVDH que reúne em sua sede centenas de processos e relatos de trabalhadores fugidos de fazendas no estado. “Com base nestes documentos e tendo em vista que muitos destes processos ficam impunes, que nossa entidade resolveu construir este estudo, que é uma análise de processos que envolvem dezenas de fazendeiros maranhenses com este crime”, explica Antonio Filho. (RC)

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ESTADOS Música, poesia, samba e carnaval fazem parte da luta

Mutirão de Cantoria da ENFF celebra cultura popular AO SOM da viola caipira, do tambor e de outros instrumentos musicais, a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) celebrou, no dia 28 de janeiro, a cultura popular brasileira no “1º Mutirão de Cantoria da ENFF”, em Guararema (SP). Entoando em coro a música “Cálix Bento”, de autoria do folclore mineiro, diversos poetas e cantadores deram início ao que seria uma tarde de música, poesia e valorização da cultura popular. Dentre os diversos cantadores, estiveram presentes Zé Mulato e Cassiano, representando a essência da música caipira, Pereira da Viola, presidente da Associação Nacional de Violeiros e Violeiras do Brasil (ANVB) e o grupo Ciranda Violeira, de São Bernardo do Campo, que organiza diversos encontros de violeiros em São Paulo. Aproveitando o momento de cantoria, a escola de samba Unidos da Lona Preta, do MST de São Paulo, apresentou o samba enredo com o qual desfila pelas ruas do munícipio de Jandira,

O espaço em Mutirão

Douglas Mansur

MARIA APARECIDA E SOLANGE ENGELMANN SETOR DE COMUNICAÇÃO

A viola caipira é um movimento de resistência da cultura camponesa

no carnaval 2011 (ver letra na contracapa desta edição). Na tarde de poesia e cantoria, estiveram presentes cerca de 500 pessoas, entre artistas, amigos do MST e trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra de diversas regiões do país. O cantador e construtor de instrumentos musicais, Levi Ramiro, que acompanha o MST desde meados da década de 90, ressalta que o Mutirão de Cantoria é fundamental para fortalecer a parceria entre o Movimento, os cantadores e a própria

Mulheres militantes do MST no Pará colocam bloco na rua no carnaval JOÃO MÁRCIO SETOR DE COMUNICAÇÃO

*“Vai em frente mulher, companheira, segue sempre o teu caminhar deixando para traz as mazelas rotineiras para um novo tempo alcançar”... (Sirlene Ferraz da Luz - Cici) *Trecho do Samba que será cantado pelas mulheres do Pará

COM O TEMA “O Grito das mulheres pela vida e contra o agronegócio na Amazonas”, as militantes no Pará fazem uma grande festa na região sul e sudeste para o dia internacional da mulher, que cai justamente no dia 08 de março, carnaval. O nome do bloco, batizado de Guerreiras do Araguaia, traz à tona a historicidade de uma região marcada pela resistência feminina, desde Helenira Rezende e Dina Teixeira, que lutaram na Guerrilha do Araguaia, até as ações camponesas travadas na década de 70

aos dias atuais, com as militantes do MST no Pará. “Aproveitaremos o ensejo para botar nosso bloco das militantes no Pará na rua”, diz Maria Raimunda, dirigente estadual. “As mulheres no Pará sempre participaram de ocupações, mobilizações e decisões políticas no MST”, completa. Como ocorreu na ocupação da Fazenda Rio Vermelho, de umas das famílias de latifundiários do Sul do Pará, os Quagliato, justamente no dia 8 de março de 2006, com a participação efetiva das mulheres, que fizeram uma marcha até o local, no município de Sapucaia. Ou como relembra Maria Raimunda, o acampamento Helenira Rezende, em Canaã dos Carajás, que foi consolidado por uma brigada feminina que “organizou as famílias, o espaço e montou os barracos provisórios”. Assim, do dia 5 ao dia 8 de março, nas ruas do Pará, as marcas resistentes dessas mulheres serão entoadas pelos muitos sambas e marchinhas que falam sobre a história e os temas centrais que as oprime nos dias de hoje na região.

JORNAL SEM TERRA • FEV/MAR 2011

Associação de Violeiros. “A viola caipira no Brasil é um movimento de resistência. Como um movimento social, o MST acaba sendo também esse símbolo e por isso ajuda a romper barreiras relacionadas à cultura popular e a música caipira”, argumenta. O encontro surgiu por meio de um trabalho de valorização da arte e da cultura popular no Movimento, no processo de formação da consciência, como afirma Geraldo Gasparim, da Coordenação Pedagógica da ENFF: “Uma das dimensões da formação humana, das dimensões do conhecimento passa, obrigatoriamente, pela arte, pela cultura. É um elemento fundamental na formação da consciência das pessoas. Um povo sem cultura, sem raiz, sem tradição é um povo morto”.

A construção da atividade no espaço da ENFF tem grande simbologia. “O próprio nome Mutirão está relacionado à essência da escola, que foi construída a partir de mutirões de solidariedade e trabalho voluntário”, relata Felinto Procópio, o Mineirin, integrante do Coletivo de Cultura do MST. “É através de mutirões também que cantadores e poetas trazem presente a musicalidade e a poesia popular que tem de melhor no Brasil, consolidando assim um sonho de ter a cantoria de resistência nesse espaço de formação”, completa. A escola foi construída com o esforço coletivo de centenas de pessoas que passaram por cursos e atividades. “Assim é também o conhecimento, um esforço, uma tarefa coletiva de todos que pensam em mudanças. A música também se insere aí. Por isso esse Mutirão tem o sentido de construir uma nova percepção da arte, da cultura, como elementos fundamentais para formação e animação da luta”, relata Gasparim. Com base em diversos gêneros da música e da cultura popular, o caráter do Mutirão de Cantoria é um pouco mais amplo que o encontro de violeiros, porque permite ser ocupado por outros gêneros, como o samba, que fazem parte da nossa gigantesca e diversificada cultura brasileira. Arquivo MST

Unidos da Lona Preta

(Veja letra na contra-capa deste edição) Batucada do povo brasileiro “a luta fazendo o samba; o samba fazendo a luta” “Cara amiga, caro amigo: a Unidos da Lona Preta é a escola de samba do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Todos os anos nos reunimos para fazer um carnaval diferente, onde o estudo da nossa realidade, a diversão e a cultura de nosso povo se encontram. Nesta brincadeira todos podem participar: crianças, adultos, idosos, homens e mulheres. Seja morador de Jandira ou seja morador do mundo, o importante é ter samba na veia.” (Rosana Santos, da Grande São Paulo)

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Fotos: Arquivo MST

ESPECIAL Livro fotográfico registra lutas em defesa do rio e dos povos

2007

2006 Em todo o país milhares de mulheres saíram às ruas para lutar contra a guerra, o militarismo, a discriminação, a mercantilização do corpo, o machismo e o preconceito. Trabalhadoras do campo e da cidade mostraram no Dia Internacional da Mulher, que não querem homenagens ou presentes, mas sim respeito e igualdade, todos os dias do ano. Para isso, se organizaram em marchas, manifestações e acampamentos reivindicando seus direitos e mostrando que a luta feminista é parte fundamental na construção de uma nova sociedade, baseada em valores como solidariedade e justiça. Ganhou o mundo a ação corajosa no horto florestal da Aracruz Celulose, em Barra do Ribeiro (RS), que denunciou a invasão do deserto verde, fruto do monocultivo de eucaliptos. As mudas romperam o silêncio!

As mulheres da Via Campesina levaram às ruas de diversas cidades o lema da “Luta pela Soberania Alimentar e Contra o Agronegócio”. Manifestações e protestos com esse lema foram realizados por todo o país. A presença do presidente estadunidense George W. Bush no Brasil esquentou ainda mais os protestos, unificando a esquerda brasileira e os movimentos sociais em torno de um mesmo lema: Fora Bush! A pauta anti-imperialista foi marcada principalmente pela luta contra a expansão do agronegócio e, consequentemente dos agrocombustíveis.

As mulheres da Via Campesina realizaram manifestações, protestos e ocupações em diversos estados contra o agronegócio e em defesa da Reforma Agrária. Nesse ano, algumas questões foram centrais, como a decisão do governo em liberar o milho transgênico da Monsanto e Bayer, os prejuízos ambientais e sociais da Vale na região de Minas Gerais e Maranhão,

2009 Cerca de 10 mil militantes se mobilizaram em todas as regiões do Brasil na semana do 8 de março. Em um momento em que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), na figura do seu presidente Gilmar Mendes, perseguia o MST e as lutas,

Arte: Marina Tavares

A “Jornada de Luta contra o Agronegócio e contra a Violência: por Reforma Agrária e Soberania Alimentar” mobilizou 16 mil mulheres em 20 estados brasileiros. As mulheres da Via Campesina se somam à luta feminista durante a celebração do centenário do 8 de março e denunciaram os malefícios do agronegócio contra a vida e o trabalho das camponesas. Em Pernambuco, cerca de 350 mulheres ocuparam a sede da Secretaria de Agricultura em Recife. As camponesas lembraram que Pernambuco é um dos estados com maior quantidade de conflitos agrários, mas que em dois anos nenhuma nova desapropriação foi efetivada.

JORNAL SEM TERRA • FEVEREIRO 2011

mais de 900 mulheres ocuparam a área da usina Cevasa, dia 7. A usina Cevasa é a maior do Brasil e teve parte de seu capital vendido para a transnacional Cargill, líder do agronegócio mundial.

2008

2010

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Além das manifestações nas ruas, a Via Campesina promoveu ocupações de empresas transnacionais ligadas ao agronegócio. Na região de Ribeirão Preto, interior de São Paulo,

JORNAL SEM TERRA • FEV/MAR 2011

a jornada mostrou aos inimigos da Reforma Agrária e dos trabalhadores que vamos continuar enfrentando o agronegócio, colocando um projeto como alternativa para o campo brasileiro. Denunciamos as monoculturas, e ocupamos uma usina da Cosan, e fazendas. Denunciamos as condições precárias de trabalho, que chegam ao cúmulo da exploração escrava. Por isso ocupamos engenhos em Pernambuco e realizamos marchas. Denunciamos o projeto de transposição do Rio São Francisco. Denunciamos o modelo agroexportador, que prioriza o lucro das grandes empresas e ocupamos o Portocel, da Aracruz Celulose, Ocupamos em Brasília o Ministério da Agricultura, ocupamos escritórios do Incra e do Banco do Brasil. Apostamos na formação e no estudo. Protestamos em frente ao Supremo Tribunal

os danos dos monocultivos de eucalipto, além de protestos contra a Syngenta. Houve ação nos experimentos da Monsanto em São Paulo e companheiras foram agredidas no Rio Grande do Sul. Mais de mil mulheres ocuparam os trilhos de uma das principais ferrovias da mineradora Vale (antiga Vale do Rio Doce), que corta o município de Resplendor, na região do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais.

Federal. Deixamos o compromisso de seguir mobilizadas e não vamos nos curvar aos setores mais reacionários, às empresas transnacionais e ao capital financeiro. Enquanto a terra, a água e as sementes estiverem ameaçadas, estaremos de prontidão.

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REALIDADE BRASILEIRA A força dos ruralistas está na ramificação por todos os partidos

A bancada do agronegócio: quem são eles? MAYRÁ LIMA SETOR DE COMUNICAÇÃO

MAIS UMA VEZ SE inicia uma nova legislatura dentro do Congresso Nacional, em Brasília, e todos os olhares se voltam para a formação da mais conservadora das bancadas de parlamentares: a chamada bancada ruralista, composta por deputados e senadores que defendem o agronegócio, tem caráter informal e pluripartidário, sem um programa definido, mas extremamente competente quando o assunto é a defesa de seus interesses e privilégios. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), apesar de apenas 147 deputados terem sido reeleitos, dos iniciais 241, a bancada pode agora contar com mais 50 novatos que são identificados como potenciais membros da bancada ruralista. “A conta nos leva a ter entre 159 a 227 deputados”, disse o assessor do Núcleo Agrário do PT, Uelton Fernandes. No Senado, identificam-se 18 senadores ligados ao agronegócio. De acordo com o assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Edelcio Vigna, a força ruralista está justamente na sua capacidade de ramificação por todos os partidos e até mesmo dentro de bancadas estaduais. “É por esta via que interferem e, às vezes, pautam a posição política de um partido ou de uma bancada. Os ruralistas, desde sua criação, aprimoraram a divisão de trabalho entre eles, conseguindo manter uma média de agregar cerca de um terço dos 513 deputados federais”, explica. Saber qual a força dos ruralistas é importante para medir a resistência que projetos ligados à execução da Reforma Agrária, à defesa do meio ambiente e à promoção da soberania alimentar podem sofrer dentro do Parlamento. Segundo Fernandes, mesmo que a bancada dos defensores da Reforma Agrária e da agricultura familiar tenha crescido, elegendo representantes de vários partidos de esquerda e centro-esquerda, ainda continua sendo insuficiente em termos de contabilização de votos. “Também é importante considerar que a correlação de forças no Parlamento depende diretamente dos movimentos que acontecem nas cidades e no campo.

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Neste sentido, se os movimentos sociais e sindical conseguirem, ao menos em algumas questões mais sensíveis, como é caso da Reforma Agrária, produzirem ações conjuntas, acredito que se poderão criar condições favoráveis não só no parlamento, mas também junto ao governo”, avalia Fernandes.

Perfil ruralista De acordo com os gastos de campanha declarados ao TSE, os deputados e senadores ruralistas foram financiados em pelo menos R$ 6,46 milhões por grandes propriedades rurais, usinas de álcool, cooperativas agrícolas, laticínios, indústrias de celulose e papel, frigoríficos, laticínios, fabricantes de

Número de parlamentares ruralistas por partido PMDB DEM PP PSDB PR PTB PDT

36 24 24 22 15 10 9

PPS PSC PSB PMN PRB PT do B Total

biodiesel que querem ver seus interesses representados. Para Fernandes, é possível observar uma mudança qualitativa nas representações ruralistas. Mesmo que as lideranças que personificam a figura do fazendeiro tradicional devido a redutos eleitorais mais conservadores diminuam a cada ano, aumenta o número de parlamentares que se identificam com a agroindústria, com o mercado internacional e até mesmo a pequenos agricultores. “Processa-se paulatinamente, a modernização conservadora que vive o setor agropecuário brasileiro. Considerando-se o Parlamento como um dos espaços institucionais onde a luta de classes se expressa, tem-se cotidianamente a disputa em torno dos modelos de produção, da propriedade da terra, do projeto de sociedade”, sintetiza.

Pautas prioritárias 6 5 4 2 1 1 159

Fonte: Diap

Para Vigna, os ruralistas, neste primeiro semestre, estarão voltados para a votação do substitutivo do Código Florestal, onde há o interesse criar uma legislação que permita a expansão da fronteira agrícola, principalmente na região Norte do País, descriminalizando as infrações ambientais cometidas pelos grandes proprietários rurais e

agroindústrias. “Para a bancada ruralista é uma questão vital, pois se forem derrotados começam a perder a áurea midiática de serem imbatíveis quando defendem seus interesses”, disse. O fim do índice de produtividade, que define a produtividade dos imóveis rurais, uma das funções sociais da propriedade rural para fins de Reforma Agrária, segundo Vigna, também é um ponto da agenda ruralista. “Outros pontos que possivelmente estão na agenda dos ruralistas é a compra de terras por estrangeiros, a legislação trabalhista no campo e a questão da mudança climática”, completa. Fernandes lembra que, apesar do crescimento do agronegócio, demandas antigas devem se expressar, como é o caso do endividamento rural e a flexibilização na importação de insumos, principalmente agrotóxicos. O assessor do Núcleo Agrário do PT ainda alerta para os casos em que a bancada, espertamente, faz disputa ideológica ao adotar bandeiras camponesas dentro do seu rol de interesses. “Exemplo deste tipo de ação é fato de lideranças desta bancada já terem anunciado que terão como prioridade a aprovação de um seguro de renda familiar, bandeira história dos movimentos camponeses”, alerta Fernandes.

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REALIDADE BRASILEIRA A culpa pelas catástrofes não é a natureza, mas o modelo de urbanização e a falta de RA

Darwinismo social qualquer jovem latino-americano disposto a alistar-se em suas Forças Armadas encontrará as portas escancaradas.

FREI BETTO ESCRITOR E ASSESSOR DE MOVIMENTOS SOCIAIS*

A CATÁSTROFE na região serrana do Rio de Janeiro é noticiada com todo alarde, comove corações e mentes, mobiliza governo e solidariedade. No entanto, cala uma pergunta: de quem é a culpa? Quem é o responsável pela eliminação de tantas vidas? Do jeito que o noticiário mostra os efeitos, sem abordar as causas, a impressão que se tem é de que a culpa é do acaso. Ou se quiser, de São Pedro. A cidade de São Paulo transbordou e o prefeito em nenhum momento fez autocrítica de sua administração. Apenas culpou o excesso de água caída do céu. O mesmo cinismo se repetiu em vários municípios brasileiros que ficaram sob as águas. Ora, nada é por acaso. Em 2008, o furacão Ike atravessou Cuba de Sul a

Nossas vastas extensões de terra estão tomadas pelo latifúndio ou pela especulação fundiária Norte, derrubou 400 mil casas, deu um prejuízo de US$ 4 bilhões. Morreram 7 pessoas. Por que o número de mortos não foi maior? Porque em Cuba funciona o sistema de prevenção de catástrofes naturais. No Brasil, o governo promete instalar um sistema de alerta... em 2015! O ecocídio da região serrana fluminense tem culpados. O principal deles é o poder público, que jamais

Tortura cotidiana

O principal culpado pelo ecocídio é o poder público

promoveu Reforma Agrária no Brasil. Nossas vastas extensões de terra estão tomadas pelo latifúndio ou pela especulação fundiária. Assim, o desenvolvimento brasileiro se deu pelo modelo saci, de uma perna só, a urbana. Na zona rural faltam estradas, energia (o Luz para Todos chegou com Lula!), escolas de qualidade e, sobretudo, empregos. Para escapar da miséria e do atraso, o brasileiro migra do campo para a cidade. Assim, hoje mais de 80% de nossa população entope as cidades. Nos países desenvolvidos, como a França e a Itália, morar fora das metrópoles é desfrutar de melhor qualidade de vida. Aqui, basta deixar o perímetro urbano para se deparar com ruas sem asfalto, casebres em ruínas,

Municípios não têm plano diretor ou planejamento

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pessoas que estampam no rosto a pobreza a que estão condenadas. Nossos municípios não têm plano diretor, planejamento urbano, controle sobre a especulação imobiliária. Matas ciliares são invadidas, rios e lagoas contaminados, morros desmatados, áreas de preservação ambiental ocupadas. E ainda há quem insista em flexibilizar o Código Florestal! Darwin ensinou que, na natureza, sobrevivem os mais aptos. E o sistema capitalista criou estruturas para promover a seleção social, de modo que os miseráveis encontrem a morte o quanto antes. Nas guerras são os pobres e os filhos dos pobres os destacados para as frentes de combate. Ingressar nos EUA e obter documentos legais para ali viver é uma epopéia que exige truques e riscos. Mas

Os pobres não sofrem morte súbita (aliás, na Bélgica se fabrica uma cerveja com este nome, Mort Subite). A seleção social não se dá com a rapidez com que as câmaras de gás de Hitler matavam judeus, comunistas, ciganos e homossexuais. É mais atroz, mais lenta, como uma tortura que se prolonga dia a dia, através da falta de dinheiro, de emprego, de escola, de atendimento médico etc. Expulsos do campo pelo gado que invade até a Amazônia, pelos canaviais colhidos por trabalho semiescravo, pelo cultivo da soja ou pelas imensas extensões de terras ociosas à espera de maior valorização, famílias brasileiras tomam o rumo da cidade na esperança de uma vida melhor. Não há quem as receba, quem procure orientá-las, quem tome ciência das suas condições de saúde, aptidão profissional e escolaridade das crianças. Recebida por um parente ou amigo, a família se instala como pode: ocupa o morro, ergue um barraco na periferia, amplia a favela. E tudo é muito difícil para ela: alistar-se no Bolsa Família, conseguir escola para os filhos, merecer atendimento de saúde. Premida pela sobrevivência, busca a economia informal, uma ocupação qualquer e, por vezes, a contravenção, a criminalidade, o tráfico de drogas. É esse darwinismo social, que tanto favorece a acumulação de muita riqueza em poucas mãos (65% da riqueza do Brasil estão em mãos de apenas 20% da população), que faz dos pobres vítimas do descaso do governo, da falta de planejamento e do rigor da lei sobre aqueles que, ansiosos por multiplicar seu capital, ignoram os marcos regulatórios e anabolizam a especulação imobiliária. E ainda querem flexibilizar o Código Florestal, repito. Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu email. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)

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INTERNACIONAL Lutas no Egito são fruto do descontentamento com o imperialismo e o empobrecimento

Mais um presidente caiu! DOUGLAS ESTEVAM SETOR DE CULTURA

OS POVOS ÁRABES estão vivendo um dos períodos mais importantes de sua história, de grandes transformações e revoluções. Esse processo, resultado de lutas sociais que vinham amadurecendo no seio de sistemas políticos conservadores e autoritários, sustentados pelos Estados Unidos e União Européia, tomou uma nova dimensão depois que as manifestações sociais provocaram a queda de Zine El-Abidine Ben Ali, presidente da Tunísia. Em pouco tempo, o Egito iniciou seu processo de intensas mobilizações, que culminaram na renúncia do presidente Hosni Mubarak, no poder há quase 30 anos. As mobilizações dos povos árabes continuam em vários países do norte da África e do Oriente Médio, como na Argélia, Marrocos, Líbia, Iêmen e na Muritânia. O processo que vive o Egito é decorrência do descontentamento de vários setores da sociedade face a um longo histórico de empobrecimento do país e submissão ao imperialismo. A partir dos anos 80, as políticas neoliberais provocaram uma maior concentração da riqueza, um aumento da pobreza e do desemprego. Com mais de 80 milhões de habitantes, estima-se que dois terços da população sejam jovens de até 30 anos, dos quais quase 90% não tem trabalho. Os jovens tiveram uma participação importante na organização das manifestações que levaram à queda do presidente. As estatísticas apontam que mais de 40% da população egipiciana vive na pobreza.

Um povo em luta As manifestações no Egito vinham aumentando nos últimos anos. Depois de um período de forte repressão contra os sindicatos e os movimentos sociais durante os anos 80 e 90 - que tinham como justificativa a luta contra o fundamentalismo islamista -, no ano 2000 as lutas começaram a tomar uma nova amplitude. A partir de 2005, um movimento político de contestação ao presidente havia começado, pedindo eleições democráticas. Esse movimento conseguiu ampliar o debate sobre os direitos sociais e reformas do sistema. Em 2006, o movimento ganha mais amplitude, quando são realizadas algumas das maiores greves dos últimos

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Os jovens tiveram participação importante na organização das lutas no Egito

60 anos no Egito. O centro foi a indústria têxtil da região de Mahalla, um dos maiores pólos de trabalho do Oriente Médio, com mais de 28 mil trabalhadores. Essas greves resultaram na criação de dois novos sindicatos livres do controle governamental e uma ampliação da pauta de lutas. Durante o ano 2009 o número de manifestações e os setores envolvidos foram mais expressivos. Mais de 40 mobilizações ocorreram em 17 regiões do país. Entre os setores envolvidos, destacam-se os jornalistas, mineiros, pescadores, motoristas, funcionários dos correios, empregados de hotéis, a indústria têxtil. A crise alimentar que explodiu no mundo inteiro em 2008 teve graves dimensões nos países árabes, onde 60% da alimentação é importada. Depois das manifestações contra a fome, durante o ano de 2009, houve lutas de camponeses em órgãos públicos reivindicando expropriações de terras, contra os altos valores de arrendamento, por irrigação e acesso à água. Esse conjunto de mobilizações está na base do grande movimento que derrubou o presidente Hosni Mubarak.

Geopolítica do Oriente Médio O Egito é um dos países mais importantes do mundo árabe e conta com um dos maiores exércitos da região, com 450 mil soldados na ativa, número que chega a 711 mil com membros da reserva. Existem outros 400 mil paramilitares, entre os quais a polícia e a guarda nacional.

O Egito é o segundo país em importância de investimentos dos Estados Unidos na região, atrás apenas de Israel. A maior parte dos investimentos é utilizada no exército. O país também é consumidor de armas de guerra dos Estados Unidos e da Europa. Para a política da Casa Branca na região, a posição do Egito pode ser decisiva. Desde que assinou o Tratado de Paz com Israel, em 1979, o Egito tornou-se um dos principais meios de proteção desse país. O Egito controla as fronteiras da faixa de Gaza, por onde passam os suprimentos para abastecimento do povo palestino e os grupos de resistência. O Egito também tem um papel importante no enfrentamento contra o Hamas na Palestina. Além da forte influência que o país representa no mundo árabe, seu exército pode ter um papel fundamental no enfrentamento a possíveis conflitos na região. Outro aspecto da relevância do Egito é sua localização geográfica. A história recente do país esteve ligada ao Canal de Suez. O Canal é fundamental para o transporte marítimo internacional, pois

permite que se alcance o mercado asiático sem fazer todo o contorno do continente africano. São mais de 34 mil navios que atravessam o canal a cada ano, sendo 2.700 navios petroleiros. As receitas do Canal são uma das maiores fontes de renda do Estado egipiciano.

O futuro do Egito A situação continua indefinida. Apos a renúncia do presidente Mubarak, um Conselho Supremo das Forças Armadas assumiu o controle do país. As primeiras medidas anunciadas foram a suspensão da Constituição e a dissolução do Parlamento, que havia sido eleito por meios fraudulentos ainda sob o governo de Mubarak. Há a previsão de novas eleições para os próximos meses. Essas medidas não foram suficientes para desmobilizar a sociedade. As greves nas indústrias continuam, manifestações de vários setores sociais em lugares públicos e nas ruas não pararam. Diferenças no interior do Exército podem influir no futuro da revolução. Uma parcela das Forças Armadas controla parte da economia do país e mantém vínculos estreitos com os Estados Unidos. Outra parte, principalmente os oficiais e soldados dos baixos escalões, reconhecem a legitimidade da revolução. Nos confrontos com os manifestantes, que fizeram mais de 360 mortos, o Exército não interveio. A formação de novas forças políticas e proposições de projetos para o país ainda não estão definidas. A revolução continua em movimento.

JORNAL SEM TERRA • FEV/MAR 2011


LUTADORES DO POVO Participante ativo das lutas dos indígenas no México, contribuiu com os Zapatistas

Dom Samuel Ruiz: o Bispo Vermelho JOAQUIN PIÑERO SETOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A BELA SELVA de Lacandona, localizada ao leste do estado mexicano de Chiapas, amanheceu silenciosa no dia 24 de janeiro passado. Em meio à chuva fina e um vento frio, a notícia do falecimento de Tatik Samuel – nome carinhoso dado pelos índios maias ao bispo emérito de San Cristóbal de las Casas, Dom Samuel Ruiz García, se espalhou com tristeza pelas montanhas e comunidades da região. Muito presente em todas as discussões em defesa dos direitos humanos e principalmente em defesa dos direitos indígenas de Chiapas, do México e de toda América Latina, Dom Samuel Ruiz se tornou mais conhecido por outros povos do mundo ao participar das negociações entre os zapatistas e o governo mexicano, durante a rebelião de 1994. Sua atuação evitou um massacre por parte do governo às comunidades indígenas que participaram do levante.

O Levante A rebelião do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), de primeiro de janeiro de 1994, marcou o início da vigência do Tratado de Livre Comércio (TLC) ou NAFTA – como ficou conhecido pela mídia internacional. Foi uma surpresa para o governo e o país. Dois a três mil indígenas insurgentes, em movimento armado, tomaram o controle de San Cristóbal de Las Casas, Ocosingo, Altamirano e Margaritas.

Apoderaram-se de uma estação de rádio e atacaram um quartel do exército. Em seguida, lançaram um manifesto aos mexicanos pedindo apoio à sua luta por “trabalho, terra, moradia, alimentação, saúde, educação, independência, liberdade, democracia, justiça e paz”. Em poucos dias o Exército Mexicano em Chiapas se reforçou, reunindo em torno de 15 mil homens para enfrentar os zapatistas. Durante duas semanas de combate, 400 pessoas foram mortas (aproximadamente dois terços deles insurgentes) e outras 70 foram capturadas e presas. Após seus estudos de teologia na Universidade Gregoriana de Roma, foi ordenado sacerdote e, 12 anos mais tarde,

em 1959, chega a Chiapas, como bispo da Diocese de San Cristobal de las Casas. Membro ativo na Conferência Episcopal Latino Americana, Dom Samuel teve participação intensa nos debates teológicos do Concilio Vaticano II, de Medelín, Puebla e Santo Domingo. O bispo dedicou sua vida na formação das comunidades eclesiais de base e na consolidação de uma igreja verdadeira, com opção preferencial pelos pobres. Suas ações e atitudes foram combatidas implacavelmente por setores reacionários da Igreja Católica e pela direita mexicana. Ataques, calúnias e difamações eram constantes em sua caminhada. Mas nem mesmo um atentado contra sua vida, em 1994, e sua prisão, em 1995, impediram sua luta em favor dos miseráveis, marginalizados, despossuídos e oprimidos. Dom Samuel era parte de um grupo de profetas de nosso tempo do calibre de Dom Hélder Câmara, Dom Oscar Romero, Dom Pedro Casaldáliga, Dom José Gomes, Dom Tomas Balduíno, entre outros protagonistas da chamada Teologia da Libertação.

México Sob o império espanhol e mesmo depois de o México se tornar independente, a prática social e política submetia os indígenas ao trabalho intenso nas minas, plantações e fazendas. Essa prática se intensificou nos tempos da ditadura de Porfírio JORNAL SEM TERRA • FEV/MAR 2011

Diaz (1875-1910). Com a revolução mexicana, em 1910, os indígenas se libertaram da servidão nas fazendas, mas continuaram submetidos ao controle político e econômico dos donos das terras. Assim como aconteceu em nossos países, o modelo neoliberal aprofundou o processo do êxodo rural ao excluir os camponeses do grupo de agentes produtivos. Com a reforma na Constituição, o governo do México não apenas anulou juridicamente a possibilidade de fortalecer a produção camponesa, tornando ilegal a luta pela terra, como acentuou a repressão seletiva e a exclusão das organizações camponesas pobres ou indígenas dos espaços de negociação. Para os indígenas, na prática, isso significou humilhações, torturas, encarceramento e ordens de prisões injustas, além de outras violações dos direitos humanos e das garantias individuais. Tudo dentro da dinâmica de discriminação racial, social e política. Em Chiapas, essa antiga prática escravista ainda persiste nas fazendas, onde indígenas vivem e trabalham em condições semelhantes às existentes no sistema feudal: trabalham três ou quatro dias por semana, de forma obrigatória e gratuita, dedicando-se nos demais dias ao cultivo de um pedaço de terra na mesma fazenda, para consumo próprio e se colocando obrigatoriamente à disposição do patrão para qualquer atividade. É nessa realidade ainda presente em muitos países do nosso continente, recheada de conflitos pelas crescentes desigualdades sociais, políticas neoliberais e governos repressores, que a estatura humana do bispo Samuel semeava, juntamente com sua equipe de pastoral, a coragem, altivez e principalmente a esperança de um mundo melhor, mais igualitário através da prática de um evangelho vivo e atuante. A fundação do Centro de Direitos Humanos “Frei Bartolomé de las Casas” ampliou esse trabalho com as comunidades e passou a ser uma referência de denúncia contra os direitos humanos e atuação do trabalho social. Com a partida de Dom Samuel Ruiz, muitos de seus filhos adotados ao longo de sua caminhada ficaram órfãos, mas seguramente as sementes deixadas ao longo desse caminho continuarão a brotar lutas transformadoras de uma nova Chiapas e uma nova América Latina.

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LITERATURA Autor se misturava às pessoas que inspiravam seus personagens

Aluísio Azevedo: um escritor em busca do retrato da vida do povo humilde MARIA DIVINA LOPES SETOR DE EDUCAÇÃO

ALUÍSIO TANCREDO GONÇALVES de Azevedo nasceu em São Luís, Maranhão, em 14 de abril de 1857 e faleceu em Buenos Aires, Argentina, em 21 de janeiro de 1913. Sua origem portuguesa influenciou suas obras ao retratar a situação do imigrante no Brasil. Viveu a infância em São Luís, cidade que já se destacava pelo acervo artístico e arquitetônico, em um estado que foi a última província a aderir à independência do Brasil e onde ainda hoje o povo traz as marcas da submissão às metrópoles externas. Em São Luís, estudou até a adolescência e trabalhou como caixeiro e guarda-livros. Interessou-se por desenho e pintura desde

muito cedo, o que mais tarde o possibilitou caracterizar os personagens dos seus romances e garantir sua sobrevivência. Ao se mudar para o Rio de

Janeiro, em 1876, matriculou-se na Academia de Belas Artes, e, para se manter, fazia caricaturas para os jornais. Em 1878, a morte de seu pai o obrigou a voltar a São Luís e a responsabilizarse por sua família. Iniciou sua carreira de escritor, tendo em suas primeiras obras influência do romantismo. Pensador bastante preocupado em evidenciar as questões sociais de sua época, defendia a abolição da escravatura, contrapondo o poder do clero, colaborando e ajudando a lançar um jornal anticlerical. Ao lançar “O Mulato”, em 1881, escandalizou a sociedade maranhense, por tratar das questões raciais. O romance foi bem aceito na Corte, motivando-o a voltar para o Rio de Janeiro em 1881, disposto a ganhar a vida como escritor.

As explorações e safadagens em “O Cortiço” Retrata a história de um homem trabalhador e sovina que adquire fortuna, junta-se a uma negra e sente cada vez mais sede de riqueza. João Romão chega a roubar para construir o que tanto almejava: um cortiço com casinhas e tinas para lavadeiras. Prosperou em seu projeto.

A obra trata da exploração dos trabalhadores, de relacionamentos – inclusive homossexuais – e da influência do meio sobre todos. Por vezes, o cortiço parece um ambiente vivo, um animal, assim como as pessoas também são levadas por instintos, pouco racionais, também animalizadas, cheias de vícios e mau comportamento.

Trecho da obra:

O cotidiano da vida no cortiço vai de acordo com a rotina e a realidade de seus habitantes, onde lavadeiras são o tipo mais comum. Aos poucos, os novos moradores, ainda que sérios e respeitáveis, vão sendo influenciados pelo meio em que vivem e, como os demais personagens do cortiço, acabam com características de devassidão e degradação.

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Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas. Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia. A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punhalhe um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos

azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas. Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ainda não andam. No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De alguns quartos saiam mulheres que vinham pendurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à semelhança dos donos, cumprimentavam-se ruidosamente, espanejando-se à luz nova do dia.

Muitos estudiosos dizem que com esta obra Aluísio inaugurou uma nova corrente estética e literária no Brasil: o naturalismo. Essa escola é conhecida por radicalizar o realismo, apresentar a realidade tal qual ela é, com uma linguagem direta e crua, bem próxima da língua falada. Há liberdade para tratar de sexo e uma visão de que o indivíduo é produto da hereditariedade e seu comportamento fruto do meio social. Um dos principais autores dessa escola é o francês Émile Zola (1840-1902). Escritor que criticou duramente a sociedade brasileira e as imposições de suas instituições, Aluísio se preocupou em observar e analisar minuciosamente como viviam os humildes, retratando a situação de degradação das casas de pensão. A exploração dos imigrantes foi inspiração para escrever duas obras bastante significavas: “Casa de pensão” (1884) e “O cortiço” (1890). Suas obras nos ajudam a compreender a história do Brasil e a perceber que questões como preconceitos raciais, vícios e diferentes formas de degradação humana. Questões bastante atuais que ainda precisam ser enfrentadas nos dias de hoje.

Pobre Amor Calcula, minha amiga, que tortura! Amo-te muito e muito, e, todavia, preferira morrer a ver-te um dia merecer o labéu de esposa impura! Que te não enterneça esta loucura, que te não mova nunca esta agonia, que eu muito sofra porque és casta e pura, que, se o não fôras, quanto eu sofreria! Ah! Quanto eu sofreria se alegrasses com teus beijos de amor, meus lábios tristes, com teus beijos de amor, as minhas faces! Persiste na moral em que persistes. Ah! Quanto eu sofreria se pecasses, mas quanto sofro mais porque resistes!

JORNAL SEM TERRA • FEV/MAR 2011


Para não esquecer

Para não esquecer

Março

Fevereiro

1 Nasce o pedagogo socialista ucrâniano, Anton Makarenko, 1889. Defendeu a relação entre educação, trabalho e coletividade na formação de personalidades novas, próprias de uma sociedade socialista. 4 Nasce João Pedro Teixeira, principal líder das Ligas Camponesas no Nordeste, 1918. 5 Nasce Rosa Luxemburgo, 1871. Intelectual socialista polonesa, que em 1893 colaborou na fundação do Partido Social Democrata Polaco. Segundo Rosa, os trabalhadores deveriam lutar por reformas através da atividade sindical ou no Parlamento, mas isso nunca bastaria para abolir as relações capitalistas. O movimento operário jamais poderia perder de vista a conquista do poder pela Revolução.

Confira o filme: Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho

Esse Mosaico foi criado por Sônia Piatti, aluna de Serviço Social, que esteve no Encontro Estudantes em Movimento, organizado pelo MST Alagoas em 2010.

Inconveniência artística

“A massa não é apenas objeto da ação revolucionária; é sobretudo sujeito”.

Hoje eu quero contemplar uma arte inconveniente, criadora, surpreendente! Uma arte dos artistas loucos, que são poucos. Dos que perguntam, interrogam, incomodam. Dos que produzem com encanto e sensibilidade. Dos que decompõe a historia, despertam a memória e recriam o cotidiano. Desejo uma arte que expresse beleza, Que produza riso e fúria. Que questione o caos e revele a riqueza universal.

5 Nasce Patativa do Assaré, 1909. Poeta cearense, que chamava atenção pela criatividade nas poesias e repentes, baseados na oralidade, registrando a vida do sertanejo, suas alegrias e tristezas. 8 Dia Internacional da Mulher. 14 Dia Internacional de Luta Contra as Barragens. Data definida no Primeiro Congresso dos atingidos de todo o Brasil, em 1991, onde se organiza o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Saiba mais: www.mabnacional.org.br

Setembro de 2010- Divina Lopes

Uma visão popular do Brasil e do Mundo

www.brasildefato.com.br Elogio da Dialética ...Os caídos que se levantem! Os que estão perdidos que lutem! Quem reconhece a situação como pode calar-se? Os vencidos de agora serão os vencedores de amanhã. E o “hoje” nascerá do “jamais”.

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3 Nascimento de Camilo Torres, 1929. Lutador colombiano, criou o Movimento Universitário de Promoção Comunal e participou do movimento guerrilheiro Exército de Libertação Nacional (ELN). 5 Morre Adão Pretto, fundador do MST, da CUT, do PT e parlamentar, 2009. 6 Nascimento de Camilo Cienfuegos,1932. Revolucionário cubano que se destacou na luta de guerrilhas. 7 Nasce Dom Hélder Câmara, arcebispo, fundador da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e das Comunidades Eclesiais de Base, 1909. 9 Nasce Apolônio de Carvalho, 1912. O brasileiro foi um grande militante socialista do século XX, que lutou no Brasil, Espanha e França. Confira o filme “Vale a pena sonhar”. 10 Nascimento de Bertold Brecht, 1898. Bercht foi um importante militante político, poeta e dramaturgo, perseguido pelo governo alemão pela sua posição crítica da sociedade capitalista. 12 Nasce Olga Benário, 1908. Lutadora alemã, referência na luta comunista. Em 1934 é designada pela Internacional Comunista para viajar ao Brasil com Luís Carlos Prestes, que depois se tornaria seu companheiro. Entra no Partido Comunista do Brasil, é presa pelo governo de Getúlio Vargas e depois deportada para a Alemanha nazista, onde é executada na câmara de gás. Confira o livro: MORAIS, Fernando. Olga. São Paulo: Cia das Letras. 16 Nasce Francisco Julião, advogado, deputado federal e líder das Ligas Camponesas do Nordeste, 1915.

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