Pacta edição 10

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PACTA

MAIS QUE UMA REVISTA, UMA JANELA PARA O MUNDO

“Eu quando fundei esta casa há 30 anos, que mais concretamente fará dia 5 de Dezembro deste ano 30 anos, nunca tinha sonhado que pudéssemos ter alcançado as acções que alcançámos.“ Fernando Nobre

Edição especial dedicada às ONG’s

10ª Edição, Julho, 2014. Revista do Núcleo de Estudantes de Relações Internacionais – Especial ONG’s


CONTEÚDOS

A EQUIPA

do Tiaguistão 4 * Cadernos

Coordenadores da PACTA:

-­‐ Não basta a história ensinar, temos que querer aprenders

Miguel Brito, nº 210962

Sofia Ramos, nº 212430

* Da Casa 6

Colaboradores:

-­‐ População e desenvolvimento depois de 2014 um t estemunho de Estocolmo

Tiago Nobre, nº 216492

* Entrevista a Fernando Nobre 9

Gabriel Machado, nº 216387

* ONG’S 18

Filipe Gomes, nº 216427

João Pinto, nº 214903

-­‐ AID Global, Susana Damasceno

Edição de imagem:

-­‐ CPR, Mónica Frechaut

Miguel Brito

-­‐ Oikos, Pedro Krupenski

Responsaveis pelas redes sociais:

* Cronologia 26

Sofia Ramos, Tiago Nobre

* Experiência 30

Internacional, Sara Bernardo -­‐ Amnistia

Segue-­‐nos em:

https://www.facebook.com/PACTARI

http://ae.iscsp.utl.pt/

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EDITORIAL Preparando o ano lectivo que aí vem, a equipa da Pacta foi reestruturada. Para a última edição deste ano, foi decidido que seria uma edição de natureza não habitual mas original: uma edição temática exclusivamente dedicada às Organizações Não Governamentais (ONG’s), um importante vector da sociedade civil. Desde a segunda metade do século XX, a sociedade civil organizada tem assistido a um aumento progressivo do seu poder de acção e de mobilização. Aumento esse que, por consequência, é também qualitativo e quantitativo relativamente às questões propostas para discussão, debate e defesa bem como aos agentes que o passaram a conseguir e a poder fazer. Nada disto seria possível, sem o desenvolvimento, modernização e democratização do acesso às actualmente tão conhecidas tecnologias da informação e da comunicação (TIC). Nesta mais recente edição da Pacta apresentamos, como não podia deixar de ser, os habituais conteúdos, tanto oriundos do ISCSP como da restante comunidade académica, de investigação e de trabalho na área do resto do país. Neste contexto, decidimos entrevistar o Professor Fernando Nobre, o presidente da Assistência Médica Internacional (AMI), uma das mais proeminentes ONG’s portuguesas com uma relevante vertente internacional, a fim de perceber o papel da ONG em especial para um eventual ponte para a importância das ONG’s na generalidade. Em nome da equipa, a todos agradeço o apoio que não deixam nunca de manifestar e que é tão essencial à continuação deste projecto.

Sofia Ramos Coordenadora da Revista Pacta

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CADERNOS DO TIAGUISTÃO

NÃO BASTA A HISTÓRIA ENSINAR, TEMOS QUE QUERER APRENDER

É

interessante

o modo como a História dialoga com os Homens. Como se a História tivesse vida própria e, na ausência de palavras, nos desse algumas pistas sobre o nosso futuro próximo se estivermos dispostos a olhar para o passado. Como em tudo, não basta a História querer ensinar-­‐nos é preciso que queiramos aprender. Em 1505, enquanto Portugal estabelecia em Sofala (Moçambique) a sua primeira colónia em África Ocidental, Al-­‐Ashraf Qansuh al-­‐ Ghawri, Sultão do Egipto, ordenava uma expedição contra os portugueses estacionados em Aden (Iémen). Nesse mesmo ano, o Reino da Polónia transformou-­‐se numa “Commonwealth de Nobres” (iniciando o período da Liberdade DouradaI) e Moscovo ganhou um novo Grande Príncipe: Vasili III. Enquanto Portugal liderava, a par com a vizinha Espanha, a transformação da Europa acelerando as dinâmicas da globalização, na Ásia Central um espaço sociopolítico fragmentado pelas duas incursões mongóis (Genghis Khan no século XIII e Timur no século XIV) entrava numa fase de profunda reorganização interna. A ideia central era fechar um ciclo de conflitos fratricidas e de constante derramamento de sangue.

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Shaybani khan (Uzbeque), em 1505, conquista as importantes cidades de Khwarezm e Urgench (ambas no actual Uzbequistão) derrotando as forças turquemenas que dominavam a região e afastando os líderes Timuridas que haviam provado a sua incapacidade para pacificar a região, viciados que estavam em golpes palacianos com o objectivo de conquistar, ampliar ou recuperar poder. A Europa teria que esperar pelo século XIX para ser varrida pelo furacão bonapartista. No rescaldo, a Europa da Santa Aliança foi acossada por movimentos liberais, pela Primavera dos Povos, pela aceleração da independentização da América Latina, pela queda de algumas casas reais, por duas Guerras Mundiais, pelo aparecimento e desaparecimento de países e de projectos políticos. Em 1957, um grupo de seis países procurou fazer em conjunto o que Shaybani khan fizera sozinho, cerca 450 anos antes. E o Tratado de Roma surgiu. Em 1992, com Maastricht, o grupo passou a designar-­‐se de União Europeia. O objectivo mantinha-­‐se: pacificar, reconstruir e unir a Europa, especialmente após a implosão da União Soviética. Caberia à União organizar o Velho Continente. Durante o reinado de Shaybani khan uniram-­‐se uzbeques, nómadas turcófonos,


semi-­‐nómadas iranianos, semi-­‐nómadas mongóis e cazaques. Mais tarde até os turquemenos e alguns grupos étnicos de origem chinesa juntaram-­‐se ao “conforto pacifista” do khanato. A Ásia Central viveu um período de ligeira acalmia, antes da nova tempestade… A morte do khan e as desvirtuações, feitas pelos seus herdeiros, ao modelo de governação por ele criado levariam a uma rápida implosão do khanato. É certo que a pressão do poderoso Império Persa Safavida acelerou a destruição do espaço construído por Shaybani khan. É igualmente certo, contudo, que os herdeiros de Shaybani khan apostaram numa política de centralização do poder, que limitava a capacidade de inclusão, de representação, de ter voz. Os líderes locais, que contavam com os generosos favores das autoridades centrais, tentavam a todo o custo mascarar a realidade: o khanato reduzira-­‐se a uma cidade-­‐estado. A União Europeia, após a implosão da União Soviética, viu como obra sua a inclusão dos povos que, sem Moscovo, pareciam ter ficado num estado de semi-­‐orfandade. O “espaço protector” da União cresceu. A ideia de “Europeidade” deveria substituir a noção dos vários Nós nacionais… Mas enquanto se criava um Nós-­‐Europeu, ao nível psicossocial, espartilhava-­‐se o poder cada vez mais afunilado e concentrado numa única cidade. Os herdeiros de 1957 parecem ter esquecido o propósito inicial da União, embriagados pelo aparente sucesso do projecto que lideram, que recentemente até recebeu o galardão de Nobel da Paz (pronúncio de um

momento pré-­‐póstumo?), foram transformando o mesmo, sem respeito pela natureza desta: a inclusão. E, curiosa coincidência, no primeiro abalo sério, a tal Crise das Dívidas Soberanas, a Europa descobriu que não é nada Europeia… No topo da hierarquia o poderoso Norte Escandinavo; seguido pelo produtivo espaço Austro-­‐Germânico-­‐Francês; depois os relaxados e despesistas dos Latinos do Sul e em quarto lugar os pobrezinhos e corruptos dos Eslavos. No entremeio as repúblicas Bálticas acham-­‐se parte do segundo grupo, enquanto este as vê como pertença do quarto. A Europa unida não pela ideia de comum, mas por uma corrente esparvoada de estereótipos. No khanato de Shaybani khan as coisas não foram muito diferentes. Os Uzbeques logo se declararam herdeiros de Genghis Khan; os grupos Turcófonos viriam em segundo, seguidos de pertinho pelas tribos semi-­‐ nómadas Iranianas que não devotassem lealdade ao Xá; os Cazaques, mais próximos do futuro Império que aglutinaria todos, vinham em quarto. E no fim da cadeia, os Mongóis e os Turquemenos. Não levou muito a que a ausência de um sentido de pertença a algo comum, de facto partilhado, levasse ao surgimento de novos projectos sociopolíticos, menos ambiciosos no factor inclusivo, mas mais capazes de se tornarem representativos. A Europa da União corre o mesmo risco, enquanto o caminho trilhado for o de um centralização castradora que apenas empodera os já poderosos.

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Não é preciso soarem as trombetas do apocalipse, porque a Europa da União caminha mesmo para a sua implosão com passo incerto, sem qualquer noção de ritmo. No final, restará apenas uma cidade-­‐estado-­‐ tecnocrática esvaziada de representatividade real, entupida em questões regulamentares e incapaz de travar a desagregação da ideia de um Nós Europeu.

implementação do Programa de Ação (PoA) da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo em 1994. Naquela que foi a sexta grande conferência internacional deste tipo, o/as 260 parlamentares debateram os sucessos, as limitações e, sobretudo, o futuro do PoA

Por Tiago Ferreira, Professor na Universidade Kirikkale e Investigador do Mas, ao contrário do que dizem as vozes dos Instituto do Oriente líderes locais favorecidos pela tal cidade-­‐ estado-­‐tecnocrática, a implosão do Nós Europeu não levará necessariamente ao abismo. O fim do khanato de Shaybani permitiu o florescimento dos khanatos de Khiva, Bukhara, Samarkand, Tashkent e Kokand; o fim da Europa da União conduzir-­‐ nos-­‐á a algo diferente, por certo; mas diferente não tem que ser necessariamente pior. Resta-­‐nos aguardar e olhar para trás, para saber o que veremos para a frente!

DA CASA

POPULAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DEPOIS DE 2014 UM TESTEMUNHO DE ESTOCOLMO

D

e 22 a 25 de Abril

260 parlamentares de 134 países de todas as regiões do mundo reuniram-­‐se em Estocolmo para avaliar o estado de

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cujo quadro temporal de aplicação (20 anos) termina em 2014. A Conferência do Cairo revolucionou a forma como governos, parlamentos, organizações internacionais e sociedade civil organizada olhavam para as dinâmicas


populacionais e a sua corelação com os processos de desenvolvimento. População, igualdade, direitos, educação, saúde, ambiente e desenvolvimento são entendidos como dimensões de um mesmo objetivo: o desenvolvimento humano. As ligações entre estes elementos e as suas sinergias foram plasmados no PoA do Cairo – com a definição de grupos-­‐alvo e ações prioritários: os jovens, as mulheres, a igualdade de género, a prevenção da gravidez adolescentes, das infeções sexualmente transmissíveis… De facto, o Cairo efetuou uma revolução paradigmática na forma como olhávamos para os indicadores populacionais e para a sua relação com o desenvolvimento. De uma perspetiva puramente demográfica passou-­‐se para uma perspetiva de direitos, isto significa, por exemplo, que em vez de nos perguntarmos como é que chegamos a este ou aquele valor populacional, devemos tentar perceber como é que podemos construir um mundo melhor para todas as pessoas e garantir a sustentabilidade dos direitos humanos… A redefinição do conteúdo operacional de saúde reprodutiva foi um dos resultados mais debatidos mas também mais esperados do Cairo. Quase 20 anos depois, não obstante os inúmeros sucessos trata-­‐se de uma agenda inacabada. Mesmo a inclusão de uma meta específica nos ODM sobre acesso universal à saúde sexual e reprodutiva (meta 5.b) não foi suficiente para garantir que a comunidade internacional no seu todo e os

estados individualmente reconheçam este acesso como um direito humano. Esta faceta do Cairo, a igualdade de género, o empoderamento de mulheres e raparigas, a eliminação do casamento forçado precoce, das práticas tradicionais nefastas como a mutilação genital feminina, a ratificação da Convenção de Istambul (Convenção do Conselho da Europa para a prevenção e combate à violência contra as mulheres), a agenda da cooperação para o desenvolvimento no pós-­‐2015 foram apenas alguns dos temas que marcaram os 3 dias de trabalho. Além de ter estado empenhada no Comité de Redação da Declaração Final enquanto representante da Europa (em conjunto com a minha congénere sueca), pude partilhar com colegas de outros países a experiência de Portugal na ratificação da Convenção de Istambul: Portugal foi o primeiro país da União Europeia a fazê-­‐lo e encontra-­‐se a ultimar alguns aperfeiçoamentos legislativos que decorrem da implementação da mesma. Tive ainda a honra de presidir à mesa que debateu e aprovou a declaração final de Estocolmo. A Declaração de Estocolmo, aprovada por unanimidade por todos os parlamentares presentes, foi negociada intensamente e constitui um forte apelo à implementação do Programa de Ação do Cairo, o mais forte algum dia aprovado por Parlamentares, no ano em que a Assembleia Geral da ONU decidiu prorrogar o seu quadro de vigência para além de 2014.

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Nesta declaração, comprometemo-­‐nos a mobilizar os nossos eleitores e governos para que os princípios do Cairo sejam integrados na agenda de desenvolvimento para o pós-­‐2015 e que esta agenda esteja centrada nos direitos humanos e na igualdade de género e que dê voz e visibilidade às necessidades e potencialidades de mulheres e jovens. Dito de outra forma: que as dinâmicas populacionais (e os movimentos populacionais), a visão do PoA do Cairo, e os valores perdidos na tradução da Declaração do Milénio para os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio que a implementam estejam ao centro e no topo da agenda pós-­‐2015. A Declaração não é um tratado internacional, mas vincula os deputados e as deputadas presentes à promoção d os compromissos nela plasmados. Alguns dos compromissos vêm já do Cairo e traduzem-­‐se no reconhecer e destacar as ligações evidentes entre a população de um país e a sua capacidade de atingir um patamar de desenvolvimento (económico, social e ambiental) sustentável – a tal revolução paradigmática a que já aludimos e que se centra não na demografia mas outrossim nos direitos. Isto implica que o/as parlamentares devem integrar as dinâmicas populacionais na elaboração de políticas públicas e pugnar para quer a nível nacional, quer a nível regional e local essa integração seja constante e efetiva.

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Claro está que os jovens estiveram no centro das atenções; os grandes negligenciados dos ODM devem ser vistos como um bónus/dividendo demográfico que deve ser aproveitado para alavancar os processos de desenvolvimento. As raparigas e mulheres – enquanto grupos vulneráveis – mereceram atenção em vários itens do nosso trabalho, desde a igualdade ao seu empoderamento, passando pelo reconhecimento das discriminações e violências a que estão sujeitas. O acesso à educação como fonte de emancipação e de liberdade, o acesso à saúde e à saúde sexual e reprodutiva, especificamente, e um apelo ao fim dos casamentos forçados precoces foram mensagens fortes e reiteradas até no encerramento da Conferência. A necessidade de dotações orçamentais suficientes para que estes compromissos sejam cumpridos, do reforço da monitorização parlamentar dos mesmos e da criação de mecanismos de governação que permitam a participação dos destinatários nos processo de decisão foram conclusões que também devem ser destacadas. Mas a Declaração termina com o mais forte compromisso que poderíamos ter assumido: “Expressamos a nossa determinação em garantir que todas as pessoas tenham todos os direitos e liberdades enunciados na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, sem qualquer distinção, incluindo os direitos e a saúde sexual e reprodutiva, a fim de tornar extensivos a


todos os princípios da igualdade, dignidade e direitos das gerações futuras e a garantir um desenvolvimento sustentável.” A dignidade constrói-­‐se garantindo a todo/as uma maior liberdade. E essa liberdade implica ação, implica empenho. E foi isso que fizemos em Estocolmo: comprometemo-­‐nos a fazer mais e a fazer do PoA do Cairo uma realidade. Esse é o meu compromisso diário. Por Mestre Mónica Ferro, Professora no ISCSP

ENTREVISTA A FERNANDO NOBRE Pacta: A próxima edição da nossa revista vai ser só dedicada à questão das ONG’s e decidimos fazer esta entrevista ao Professor para saber qual é concretamente o papel da AMI neste âmbito. Em primeiro lugar queríamos perguntar qual a importância da AMI e quais os factores e ferramentas desta organização na sua abordagem e na sua acção que a diferenciam das outras ONG’s. Fernando Nobre: Faz este ano 30 anos que fundei a AMI. Esta Fundação tem quatro eixos de intervenção distintos: 1. A sua missão humanitária internacional, a qual se distingue em três partes: a) as

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grandes missões de emergência, que foram muitas no historial destes 30 anos, nomeadamente o genocídio no Ruanda, a guerra no Golfo, aos refugiados Curdos no Irão e a Timor. A AMI, ao longo destes 30 anos, tem estado presente nas grandes catástrofes, tendo sido a última, o tufão que atingiu as Filipinas no final do ano passado. As nossas intervenções de grande urgência implicam, por vezes, o frete de aviões. b) Ajuda ao desenvolvimento com equipas médicas em permanência, como por exemplo na Guiné-­‐Bissau onde estamos há vinte e sete anos com equipas. c) Projetos internacionais em parceria com organizações locais, por exemplo na área da saúde ou na área social, porque entendemos sempre, por um lado, para a questão do desenvolvimento e da 3. democracia desses países, reforçar a sua componente civil e, por outro lado, essa rede extensa que temos pelo mundo de entidades com as quais colaboramos permitem-­‐nos em situações de grandes emergências ter já, in loco, parceiros locais. Tal aconteceu, por exemplo, no terramoto no Haiti, tal aconteceu nas Filipinas ultimamente, tal aconteceu também na Venezuela. Por isso, a área internacional tem essas três vertentes de intervenção. 2. A intervenção social em Portugal concretiza-­‐se através dos quinze equipamentos e respostas sociais que temos em todo o país (Continente e Ilhas), que se dividem por 9 Centros Porta Amiga (Lisboa Olaias e Chelas; Almada; Cascais; Coimbra; Porto; Vila Nova de Gaia; Funchal; Angra do Heroísmo), 2 Abrigos Noturnos (Lisboa e Porto), 1 Residência

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Social (S. Miguel), 2 equipas de rua (Lisboa, Porto e Gaia) e 1 serviço de apoio domiciliário (Lisboa). Estes equipamentos e respostas sociais desenvolvem um conjunto de 36 serviços sociais (entre outros, atendimento/acompanhamento social, apoio ao emprego, 12 centros de distribuição alimentar, 11 refeitórios sociais) por todo o país. Essa é a nossa intervenção social em Portugal, em que todos os anos, com a ajuda alimentar que também fazemos, somos a entidade responsável pela ajuda alimentar em todo o distrito do Porto. Permite-­‐nos ajudar todos os anos entre 35 mil a 40 mil pessoas no país. A vertente ambiental foca, como vocês sabem, talvez o maior desafio para a vossa geração, entre outros desafios, que é a questão das alterações climáticas, e que está a levantar uma grande preocupação global: daí a AMI ter um departamento de Ambiente bastante ativo. Além disso, considerando que a saúde, de acordo com a definição da Organização Mundial de Saúde, é um estado de completo bem-­‐estar, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade, uma das preocupações da AMI é a proteção do ambiente, como forma de prevenir os potenciais danos resultantes da degradação ambiental, através do desenvolvimento de projetos, que visam promover as boas práticas ambientais das empresas, das instituições e dos cidadãos, como reciclagem de radiografias, recolha de óleos alimentares usados, reutilização de consumíveis


informáticos e telemóveis, energia solar, entre outros. 4. Depois, temos uma quarta vertente que, para mim, até é talvez a mais importante em termos de futuro, que é a vertente Alertar Consciências, ao fim e ao cabo, dos direitos humanos, da cidadania, da intervenção cívica, da responsabilização de todos nós. Essas são as quatro ações da AMI. Nestas quatro ações, intervimos lá fora e cá dentro. Porquê? Em missões de emergência, quando ocorreram as grandes cheias, por exemplo, na Madeira, nós interviemos e até fornecemos muitos equipamentos aos bombeiros do Funchal, demonstrando que estamos prontos também a intervir em território nacional, se for necessário, nas grandes emergências. Ao nível Social, embora predominantemente seja em Portugal, fazemos muitas intervenções lá fora. Ao nível ambiental, atuamos cá dentro, preferencialmente, e também atuamos na Guiné-­‐Bissau e em outros países em parceria com organizações locais. A vertente de Alertar consciências acaba por ser uma missão transversal que nos ocupa a todos e hoje é uma das áreas que mais me incentiva nas múltiplas conferências que profiro. Aliás, no final de Agosto irei falar nas Nações Unidas sobre a questão justamente da proteção ambiental e das parcerias locais para o desenvolvimento. E, por isso, acredito que não há outra instituição em Portugal (e isso é o que nos diferencia das demais) que tenha um leque tão vasto de atividades, e que nós somos, sem dúvida nenhuma, no quadro das

organizações não-­‐governamentais portuguesas que incluem associações, institutos, fundações e organizações não-­‐ governamentais, seguramente a entidade, em termos humanitários internacionais, com maior impacto. Não há outra que faça o que nós fazemos. Em termos sociais, em Portugal, e em termos ambientais, sem falsas humildades, podemos ombrear com qualquer uma e isso faz com que esta casa esteja em permanente tensão. Utilizando uma palavra que está na moda, nós temos uma visão holística do mundo, daí que tenhamos mudado o nosso logotipo. Hoje, por baixo do logotipo da “AMI” está escrito “Por uma Ação Humanitária Global”. P: Em relação mais concretamente à AMI, esta organização tem conseguido alcançar os seus objetivos, aqueles a que se propõe? Não tem conseguido alguns, tem conseguido todos? FN: É evidente que nunca conseguimos tudo. Quando fundei esta casa que fará dia 5 de Dezembro deste ano 30 anos, nunca tinha sonhado que pudéssemos ter alcançado as ações que alcançámos. Para quem não saiba, mas é bom talvez saber, eu, embora português, nasci no Ultramar em Angola, depois estive no Congo, estive 20 anos em Bruxelas e quando vim da Bélgica para aqui não conhecia ninguém. Por isso, tive que criar uma instituição do zero, do absoluto zero, abrindo muitas portas e às vezes abrindo portas a pontapé, como eu costumo dizer. Agora, se fizemos tudo o que tínhamos planeado? Com certeza que não. E por isso, a pouco e pouco, fomos adaptando a instituição aos

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desafios mais contemporâneos. Quando eu fundei a AMI, a instituição tinha só um eixo de intervenção, que era a assistência médica internacional. Porque antes de ter fundado a AMI, eu tinha estado 6 anos nos Médicos Sem Fronteiras e fui administrador do movimento, por isso, trouxe para Portugal uma intervenção que eu já conhecia lá fora. Depois, à medida que fomos vendo os desafios presentes, nomeadamente a questão da exclusão social em Portugal e da nossa pobreza estrutural, decidimos abrir o departamento de Ação Social. A AMI foi criada em 1984 só com a vertente da assistência médica internacional, 10 anos depois, em 1994, criámos o Departamento de Ação Social, que começou então a abrir os vários equipamentos sociais espalhados pelo país, e só 10 anos depois, em 2004, criámos o Departamento Ambiental. À medida que fomos compreendendo os mecanismos que levam a que o nosso mundo esteja hoje na situação em que está, pareceu-­‐nos importante, e isso foi algo que se foi interiorizando em nós quase por osmose com o nosso mundo contemporâneo, focar cada vez mais no alertar das consciências, perante os desafios que avistávamos e que era importante começar a focar nas conferências, nos folhetos, nas cartas, nas intervenções nas escolas, nas faculdades, na televisão, cá, no estrangeiro, em qualquer parte do mundo. Mas não há nenhuma entidade, a menos que esteja cega, que possa dizer que conseguiu fazer aquilo que pretendia fazer. Porquê? Uma casa como esta, embora tenha estatuto fundacional, com um orçamento anual de cerca de 10 milhões de euros, é obrigada a

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um esforço permanente para encontrarmos os meios para poder manter um tão grande leque de atividades e faz com que obrigatoriamente, por exemplo, na área internacional (excluindo as grandes emergências que acontecem de forma pontual), na vertente de ajuda ao desenvolvimento, fomos dando mais primazia a financiamentos a parceiros locais do que a manter equipas próprias no terreno. Porquê? A relação custo-­‐eficácia parece-­‐nos mais elevada, e temos constatado isso, depois de selecionados os parceiros locais e aprovados os seus projetos, para além de que, indo ao terreno uma vez por ano, o resultado é mais eficaz, tendo em conta essa relação, do que ter em permanência equipas médicas no local. E, por isso, em função dos constrangimentos, inclusive financeiros, que vão surgindo no país, talvez a única vantagem desta casa em relação a outras, que já morreram ou que irão morrer, é termos tido sempre a preocupação de tentar ver mais além para podermos antecipar as dificuldades e podermos adaptar-­‐nos a elas. Uma instituição que não se adapta é uma instituição destinada a desaparecer. E numa época que é a vossa, cada vez mais acelerada, menos perene, mais instável e porque não, talvez com maiores desafios, é importante que uma instituição se adapte rapidamente. E foi o que nós fomos tentando fazer. Na falta de capacidade financeira, por exemplo, nas missões de intervenção humanitária, preferimos nessa altura passar o testemunho aos nossos parceiros locais e continuar a nossa ação através deles. E na área social, no nosso país, é evidente que os desafios são


tremendos. A pressão nos centros sociais está muito grande: desde 2008 a esta parte temos tido um aumento das solicitações na ordem dos 20-­‐25% todos os anos e isso faz com que, se até hoje nunca rejeitámos ninguém que nos batesse à porta, estejamos no limite da capacidade de resposta que delineámos e da capacidade financeira para o fazer porque simultaneamente também é verdade que, com a crise económico-­‐social no país, os donativos diminuíram, o que é normal, porque a classe média e média baixa, que é aquela que contribui em geral, está hoje com os constrangimentos conhecidos. Para terem uma ideia, globalmente, a AMI ajuda todos os anos diretamente, na área internacional e na área nacional, cerca de 700 000 pessoas e indiretamente, tendo em conta os agregados familiares, cerca de 2 milhões de pessoas. Não deixa de continuar a ser uma gota de água porque, repito, nós estamos num planeta que já tem mais do que 7 mil milhões de habitantes dos quais 1/5 vive na miséria absoluta, 1/4 na pobreza, mas não obstante isso, acreditamos que temos feito o que tem sido possível fazer, embora haja sempre mais a fazer. P: De uma forma geral, qual pensa ser hoje em dia a importância das ONG’s? FN: Eu acho que continua a ser muito importante e a sua importância até tem vindo a ser reforçada devido à situação internacional e nacional que estamos a viver e os desafios que se perspetivam. Permita-­‐me focar só em dois, que é a questão ambiental que já tinha referido, e a

questão das migrações das populações que vão ser um enorme desafio, nomeadamente para o continente europeu. Assim, a sociedade civil organizada, representada pelas organizações não-­‐ governamentais que, ao fim e ao cabo, repito, incluem associações, institutos e fundações, tem permitido, tanto ao nível europeu como ao nível de Portugal, que a famosa bomba social não tenha explodido. O chamado terceiro sector, representa seguramente, embora não hajam estudos estatísticos exaustivos, cerca de 7% do PIB e contrata possivelmente 7 a 8% dos assalariados na Europa e em Portugal. Por isso, é um sector importante para a contratação e é um sector sobretudo fundamental na ação de ajuda, da solidariedade, que tem sido feita em termos nacionais e internacionais. Mas uma coisa é certa, tanto na proteção como na prevenção da exclusão social, como na cooperação internacional, como na intervenção ambiental, como na intervenção dos direitos humanos, da proteção das crianças, da questão do género, no combate ao armamento, o papel da sociedade civil tem sido vital. Como diz um grande conhecedor do tema, que é o Jacques Attali, que foi não só conselheiro durante muitos anos do antigo presidente francês François Mitterrand e presidente do Banco Europeu da Reconstrução e Desenvolvimento: “A sociedade civil organizada, nós todos, é a última muralha contra o apocalipse”. É a expressão dele. Estamos todos conscientes que, se esse terceiro sector, essa sociedade civil organizada, esse mundo não-­‐ governamental ativo viesse a ter um

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colapso, veríamos acontecer nas nossas sociedades, ditas desenvolvidas, explosões sociais de grande dimensão. Trata-­‐se de um sector que seria preferível não ser preciso existir, porque isso quereria dizer que teríamos encontrado um outro paradigma de desenvolvimento e de gestão das questões humanas. Porém, também é verdade, e é bom que se diga que não há nenhum governo, por melhor estruturado e gerido que seja, que só por si possa dar resposta a todas as questões. Mesmo nos países nórdicos, que são aqueles que têm uma governação mais eficaz e mais transparente, o mundo da sociedade civil está lá bem presente e atuante. É preciso conseguir fazer a melhor simbiose, e é o que se tenta fazer nesta casa, nas parcerias entre nós, entre a sociedade civil organizada, e neste caso concreto, a Fundação AMI, o mundo empresarial, com espírito de cidadania e o mundo governamental, também com maior transparência e equidade na sua gestão. Só assim será possível levar este mundo, e o nosso país em concreto, para um outro futuro. Este é o grande desafio: essas três forças colocarem no vértice das suas preocupações o ser humano e não a acumulação de capital. Portanto, sem uma sociedade civil organizada, corremos o risco de colapsar, mas a sociedade civil organizada, para sobreviver, tem de ser particularmente ativa, imaginativa, criativa, inclusive na procura dos meios da sua sobrevivência, porque da mesma maneira que não há nenhum Estado-­‐Social num Estado falido, também a independência da sociedade civil não

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existe se ela não encontrar os meios para a sua subsistência financeira. P: Quais considera serem as características fundamentais para uma ONG ter sucesso? FN: Antes de mais, ONG é uma apelidação de que não gosto muito, embora eu tenha sido presidente da plataforma das ONGD’s em Portugal, há muitos anos. Prefiro falar hoje em dia de sociedade civil organizada. Para que uma ONG tenha sucesso, primeiro, é preciso que os seus objetivos estejam em sintonia com os grandes desafios que a humanidade tem e que esses objetivos não sejam estáticos, pois eles evoluem e é preciso que a instituição em si saiba adaptar-­‐se às exigências e ao movimento da sociedade e do mundo. É preciso ter objetivos que coincidam com as exigências da sociedade contemporânea, adaptabilidade, é preciso ser uma instituição flexível, que antecipe as dificuldades e as questões na medida do possível e que encontre os meios da sua atuação. Por não terem sabido anteciparem-­‐se às mudanças e adaptarem-­‐ se atempadamente, muitas organizações da sociedade civil morreram na Europa. Eu fiz parte de grandes conglomerados de organizações europeias. Há muitas que morreram, porque a EU que via até há uns 15 anos, no mundo das ONG’s um privilegiado e verdadeiro parceiro para o desenvolvimento, foi mudando a sua abordagem para ver neste momento o mundo das ONG’s como apenas mais um parceiro, como um parceiro empresarial,


exigindo que responda a concursos semelhantes aos das empresas. Muitas dessas ONG’s dependiam 80 a 95% de uma única fonte de financiamento, que era a UE. Quando essa torneira se foi fechando ou foi dificultado o acesso, muitas também foram desaparecendo. E, por isso, como dizia há pouco, da mesma maneira que não pode haver um Estado Social credível e sustentado num país em pré-­‐ falência ou em falência, pois isso é uma falácia, também não pode haver uma ONG atuante e livre de defender os seus pontos de vista e a sua atuação se ela não souber encontrar os meios da sua subsistência. De contrário, quando nós criticamos quem nos financia, a resposta é muito simples: estanca-­‐se o financiamento. Assim, esta casa tem conseguido ter a atuação que tem e a voz que tem porque, desde o início, foi sempre a sua filosofia, não só criar meios de auto-­‐subsistência próprios, mas também de diversificação máxima das suas fontes de financiamento (e, atualmente, estamos num mundo em que as empresas hoje existem e amanhã deixam de existir). Por isso, quanto mais se distribuírem “os ovos pelos cestos” todos, possíveis e imagináveis, mais temos a garantia, não de sermos perenes, porque nada é perene neste mundo, mas de, pelo menos, perspetivarmos a nossa atuação num certo espaço temporal. P: O Professor pensa que continua a ser viável criar uma ONG em Portugal? O que falta são os recursos ou a vontade por parte da sociedade civil?

FN: Há espaço, há muito espaço. Porque há várias maneiras de ver uma instituição, uma ONG. Pode-­‐se criar uma ONG de âmbito puramente local, no Município, na Freguesia, no bairro. Agora, uma coisa é certa: quanto mais cidadãos participarem no mundo da sociedade civil organizada, maior é o desenvolvimento, maior é a democracia do país. E se nos países mais avançados sabemos que 1 em cada 3 cidadãos ou em cada 2 participa, desde a associação de bairro, desde a associação desportiva, desde a associação quase da rua, no que diz respeito ao seu embelezamento, ao seu desenvolvimento e à sua segurança. No que diz respeito ao desenvolvimento da sociedade civil, nos países mais desenvolvidos -­‐ Canadá, Finlândia, Noruega, Dinamarca, Suécia -­‐ calcula-­‐se que possivelmente 1 em cada 2 cidadãos está inscrito numa associação, seja ela de que dimensão for. Nos países menos desenvolvidos, em termos de democracia, em termo socioeconómicos, há possivelmente 1 em cada 100 ou 1 em cada 1000, nós estaremos 1 em cada 6 ou em cada 10. Porém, uma coisa se sabe, é que há uma pirâmide da evolução social, que mostra que quanto mais a situação é miserável, mais as pessoas tendem primeiro a satisfazer as suas necessidades básicas, que são simples: é a alimentação, senão, uma pessoa morre, é a habitação, a criação dos seus filhos, os estudos dos seus filhos, e isso é a primeira exigência de uma família, criar uma estabilidade mínima na própria comunidade. Depois, quando está satisfeita, liberta a mente para olhar e desenvolver outras coisas. Começam-­‐se a preocupar. Mas só podemos fazer isso se,

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efetivamente, à partida, temos satisfeitas, algumas das nossas necessidades básicas. Agora, ainda há espaço, muito espaço, tanto na questão das crianças como na questão da violência das mulheres e dos direitos e deveres cívicos. Vejam o que está a acontecer no nosso país, quantas mulheres são mortas à pancada todos os anos. Intolerável! Como na questão da intervenção cívica dos cidadãos, como na questão da preservação do nosso património, seja ele local, regional, nacional, como na ajuda internacional e nos desafios que se avizinham. Há muito espaço. Haja vontade, haja criatividade, mas há que manter os pés no chão e há que ter a cabeça nas nuvens, os ideais. Sem ideais e sem utopias é difícil viver, mas quando se é responsável por algo que se cria, também temos de ter os pés no chão. Se nós não soubermos criar as condições da nossa sobrevivência enquanto instituição, nós nunca seremos independentes. Estamos sempre condicionados por alguma coisa, é evidente, não há ninguém 100% independente nesse mundo, ou então é o maior egoísta de todos. Contudo, a instituição, ao ser criada, tem que pensar em objetivos concretos e estes podem ser locais, regionais, nacionais, europeus ou globais, e tem que ser criativa, transmitindo exemplaridade e transparência na gestão de recursos, porque ninguém, à partida, vai ajudar. Esta casa começou quando eu tinha a minha atividade clínica, com os meus cheques pessoais. Quando arrancámos com a primeira missão para a Guiné não havia dinheiro, e, ou arriscava-­‐se ou não se

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arriscava. Lembro-­‐me que, quando reuni o primeiro grupo que estava comigo, dizia: “A equipa tem que partir para a Guiné e é preciso eles comerem, é preciso alugar um jeep, é preciso gasolina para o jeep... enfim, vamos começar de pequenino, mas é preciso também comprar alguns medicamentos. Nós não tínhamos nenhuma garantia que viéssemos a recuperar o nosso dinheiro, a instituição podia morrer. E, por isso, é preciso saber arriscar, mas é preciso ser criativo, tendo bons objetivos, acreditando neles. Criar, repito, os meios da nossa ação e da nossa sobrevivência e da nossa independência, mesmo que não seja a 100%. Hoje, no quadro desta casa, 25% dos financiamentos são públicos, logo, eu sou livre de ter um discurso livre mas que não exclui o bom senso. Esta casa não é “subsídio-­‐dependente”. No entanto, existem instituições neste país que o são. Mas há espaço, há muito espaço e deixo-­‐ vos esse desafio: sejam criativos, olhem com atenção para as necessidades da sociedade. Não é preciso sonharem logo com uma instituição de cariz internacional, mas podem fazê-­‐lo. Eu sonhei e pronto, não sabia que isto ia resultar, mas até hoje resultou e já faz 30 anos. Mas pode ser só na sua rua, bairro, vila, aldeia... Há sempre coisas para fazer se uma pessoa se mantiver de olhos abertos. E, mais do que isso, eu acho que é fundamental, embora nada seja perene, para a democracia. Vocês nasceram em democracia, eu não, mas não quer dizer que morram em democracia. Assistiram aos resultados das eleições para o Parlamento Europeu e a Europa nos próximos 10 anos pode mudar


rapidamente e o pêndulo da História pode voltar a bater no outro lado. Não adormeçam, não se acomodem, pensando que a nossa democracia está garantida, que é perene e que vai passar para os vossos filhos, que não temos nada com que nos preocupar. Todos temos de nos preocupar, e daí que, repito, as sociedades mais desenvolvidas e mais democráticas sejam as nórdicas, até hoje, porque são aquelas em que os cidadãos mais se empenham. Só quero dizer que o nosso civismo ainda está muito incipiente e que a nossa sociedade civil ainda é muito fraca, não só em percentagem mas também em independência, porque muitas são “subsídio-­‐dependentes”.

Entrevista por Tiago Nobre e Sofia

Ramos

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ONG’s

Desenvolvimento e Essentials Minds. Paralelamente, também em Moçambique, a AIDGLOBAL envolveu 30 mulheres em situação de vulnerabilidade num projeto de geração de rendimentos e de educação para a saúde e continua a apoiar o Centro Comunitário do Chimundo, onde se realizam atividades de Educação para a Infância.

A

AIDGLOBAL -­‐ Acção e Integração

para o Desenvolvimento Global é uma Organização Não Governamental sem fins lucrativos vocacionada para a promoção do acesso ao livro e para o combate à iliteracia, em Moçambique, através da construção e reforço de bibliotecas municipais e escolares. Até à data, viabilizou o equipamento de 4 bibliotecas municipais e 5 bibliotecas escolares, uma delas sob a forma de biblioteca móvel, a “Bibliotchova”, mais de 25 mil livros e 112 computadores, onde, também, realizou ações de formação para professores e atividades de dinamização da leitura, junto de crianças e jovens, no âmbito do programa “Passaporte para a Leitura”. Até junho de 2014, está prevista a chegada do quarto contentor com mobiliário, material escolar, obras de literatura infantil e livros técnicos para as bibliotecas, municipais e escolares, doados por membros e amigos da AIDGLOBAL, empresas e instituições, tais como a Editora LeYa, os CTT – Correios, a Fundação Portugal Telecom, a Associação Voluntários com Asas, a Família Laginha, a Fundação Luso-­‐Americana para o

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Em Portugal, tem vindo a aproximar crianças, jovens e adultos dos valores da Educação para a Cidadania Global, com o objetivo de consciencializar para as causas das desigualdades no mundo, suscitando a necessidade de agir em prol de um mundo mais justo e sustentável. A AIDGLOBAL tem vindo a atuar nesta área, com enfoque na Educação para o Desenvolvimento, promovendo atividades junto de professores e alunos de escolas de Lisboa e Loures, através do projeto “Educar para Cooperar” que já envolveu, até à data, mais de 2.300 alunos em 11 estabelecimentos de ensino. Esta área destaca a abordagem de temas como o Consumo Responsável, o Comércio Justo, os Direitos Humanos, a Solidariedade, a Interculturalidade, o Conflito e a Paz, o Acesso Universal à Educação, o Desenvolvimento Sustentável, a Igualdade de Género, os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, as Desigualdades Mundiais e a Saúde. Neste âmbito, a Organização abraçou o movimento moçambicano em torno da história da Formiga JUJU, para difundir os valores da interculturalidade, da inclusão, da diversidade, da participação e da defesa do meio ambiente, através da leitura do


conto em bibliotecas. Para o período de férias escolares, a AIDGLOBAL oferece os ateliês “O Mundo em Nós”, convidando os mais pequenos à descoberta de outras culturas numa “viagem intercontinental”. O projeto “Despertar para a Educação Global” aspira à concretização dos valores da Educação Global a nível europeu. O projeto, financiado pela União Europeia, é promovido pela ONGD alemã Dachverband Entwicklungspolitik Baden-­‐Württemberg (DEAB), em parceria com outras duas ONGD alemãs -­‐ Forum for International Development + Planning (FINEP) e Entwicklungspädagogische Informationszentrum EPiZ in Reutlingen –, uma organização romena APSD –Agenda 21e duas portuguesas Instituto Marquês de Valle Flôr e AIDGLOBAL. “Despertar para a Educação Global” tem como finalidade, não só dar formação aos membros das Organizações da Sociedade Civil (OSC) da Alemanha, de Portugal e da Roménia, que estejam envolvidos ou interessados na promoção dos projetos de Educação para a Cidadania Global (EG), numa perspetiva de Educação para o Desenvolvimento (ED), como também estruturar um curso de formação modelo, para ser replicado futuramente. O objetivo é que este curso, com foco na análise das questões relacionadas com o desenvolvimento sustentável e a dimensão social da globalização, seja divulgado com sucesso em toda a Europa. Nos três países alvo, existem várias Organizações da Sociedade Civil (OSC) e várias ONG que trabalham na área da sensibilização no

âmbito da Educação Global e da Educação para o Desenvolvimento, a nível local ou regional, organizando campanhas, apresentações, eventos públicos, workshops, etc. Dado que a maior parte deste trabalho é realizado por voluntários sem a formação adequada, o projeto visa colmatar as necessidades de formação. A AIDGLOBAL promoveu, em 2012, um intercâmbio sobre Meio Ambiente entre as Escolas Secundárias do Chibuto e Malehice, em Moçambique, e os agrupamentos de escolas de Bucelas e da Bobadela, âmbito do projeto “Educar para Cooperar” -­‐ Loures (2ª ed.). Alunos das Escolas Secundárias do Chibuto e de Malehice, em Moçambique, receberam materiais manufaturados pelos seus pares, em Portugal, feitos a partir de materiais reutilizados, complementando a troca de ideias e reflexões sobre as diferentes formas de tratamento do lixo, com o objetivo de sensibilizar as crianças para o respeito pelo meio ambiente e despertar para a interculturalidade. Ambas as escolas do Distrito do Chibuto, participantes no intercâmbio, fizeram parte do projeto “Rede de Bibliotecas Escolares do Distrito do Chibuto”, inserido no Programa “Passaporte para a Leitura” que pretendeu contribuir para a literacia de comunidades moçambicanas em situação de vulnerabilidade.

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Política de cooperação em portugal

O Camões – Instituto da Cooperação e da Língua (CICL) é a agência responsável pela implementação da política de Cooperação para o Desenvolvimento, em Portugal.

A política de Cooperação Portuguesa segue linhas de atuação que visam, maioritariamente, a paz, a solidariedade entre povos, o estabelecimento e a consolidação de um regime político democrático em todos os países, o respeito pelos direitos do homem, a promoção da língua portuguesa e a proteção do meio ambiente. O CICL dá prioridade à atuação nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa de forma a ajudá-­‐los nos mais diversos setores, sendo a Educação um dos principais.

APENAS

No âmbito da Educação, a Cooperação Portuguesa deseja contribuir para o segundo Objetivo de Desenvolvimento do Milénio “Alcançar o Ensino Primário Universal” e apoiar projetos de capacitação e de investigação. “Pretende-­‐se, portanto, possibilitar às populações locais o acesso sustentável e de qualidade à educação”, de acordo com o documento “Uma Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa” (IPAD, 2006). No nosso país, as ONGD são as maiores aliadas de uma agenda de cooperação para o desenvolvimento mais justa, equitativa e eficaz. Por Susana Damasceno Presidente da AIDGlobal

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REFUGIADOS: NÃO SÃO

Refugiados

NÚMEROS

-­‐

Informação Pública do Conselho Português para os

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e o Conselho Norueguês para os Refugiados (CNR) publicaram recentemente um estudo onde revelam que a guerra civil na Síria obriga aproximadamente uma família a cada minuto a sair de casa por causa do conflito. Por dia, são cerca de 9 500 pessoas que são forçadas a deixar praticamente tudo para trás, sem saberem se algum dia poderão regressar a suas casas. Se em 2012 mais de 45,2 milhões de pessoas foram forçadas a deslocar-­‐se, 15,4 milhões de refugiados, 937,000 requerentes de asilo e 28,8 milhões de deslocados internos, a escalada de violência que teve lugar na Síria, no Sudão do Sul e na República Centro Africana no decurso de 2013 irá, certamente, elevar este número para valores nunca vistos. A estes, acrescem ainda os cerca de 10 milhões de apátridas que aguardam por uma cidadania, uma condição essencial para uma plena participação na sociedade. Os números do ACNUR revelam, igualmente, que os países em desenvolvimento são mais generosos em matéria de acolhimento, pois recebem


cerca de 80% dos refugiados do mundo, quando há uma década atrás acolhiam 70%. Estamos perante números verdadeiramente alarmantes que espelham duas realidades igualmente perturbadoras. Por um lado, os dados refletem o sofrimento individual numa escala que é difícil de imaginar e, por outro, revelam as dificuldades da comunidade internacional na prevenção de conflitos e na promoção de soluções atempadas para esta população tão vulnerável. Apesar de Portugal permanecer como um dos países da União Europeia com menos pedidos de proteção, apenas 50 por cada milhão de habitantes, tem-­‐se observado um aumento, nos últimos anos. Esta tendência de crescimento teve início em 2011 (mais 70% que em 2010), em 2012 (mais 9% que em 2011) e durante 2013, Portugal recebeu 506 pedidos de asilo, o número mais alto desde 1994, o que representa um aumento de 69% em relação a 2012 (299 pedidos de asilo), seguindo, assim, a tendência verificada globalmente. O Conselho Português para os Refugiados (CPR) assegurou alojamento e alimentação a cerca de 432 pessoas, em 2013, mais 71 pessoas que no ano anterior. No ano passado, as origens predominantes dos requerentes em Portugal foram a Síria (146 pedidos), a Guiné-­‐Conacri (80), a Nigéria (37), o Senegal (36) e o Mali (26), num total de 48 nacionalidades diferentes. Cabe ao ACNUR e aos seus parceiros, designadamente o seu representante em

Portugal, o Conselho Português para os Refugiados, proporcionar proteção internacional aos refugiados e encontrar soluções duradouras para que estes possam reconstruir as suas vidas com dignidade, justiça e paz. Especificamente, o CPR tem como principal missão defender e promover o direito de asilo em Portugal, através de atividades que visam o apoio jurídico e socioprofissional dos requerentes de asilo, refugiados, beneficiários de proteção humanitária, deslocados e apátridas, desde a fase do acolhimento até à sua integração na sociedade portuguesa. Dito isto, este Conselho, para além de gerir os seus dois centros de acolhimento (Centro de Acolhimento para Refugiados e Centro de Acolhimento para Crianças Refugiadas) e uma creche/ jardim de infância, procura assegurar o acesso desta população a um procedimento de asilo justo e eficaz; criar um ambiente favorável para a proteção dos refugiados; e promover soluções duradouras para os seus problemas, particularmente através da integração e da reinstalação. Não obstante, esforça-­‐se, continuamente, para que a temática do Asilo e Refugiados permaneça na agenda pública nacional, promovendo iniciativas de Informação Pública, como ações de sensibilização em estabelecimentos de ensino, cursos de asilo nas Universidades, presenciais e a distância, campanhas e iniciativas de advocacia, seminários e congressos internacionais, trabalho com os Media, etc., e, desta forma, criar uma

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sociedade mais consciente e informada para este tema. Perante uma realidade que muitas vezes se apresenta apenas em números, a necessidade de sensibilizar e promover a compreensão das razões pelas quais tantas pessoas são forçadas a abandonar os seus países é essencial. As atividades do Setor da Informação Pública deste Conselho oferecem a oportunidade de compreender que por trás de cada estatística anónima relacionada com as migrações forçadas há um rosto e uma narrativa pessoal de sofrimento e perda, mas também de coragem e determinação. É fundamental dar a conhecer estas histórias para que as pessoas saibam que os refugiados não são apenas números, são pessoas com necessidades concretas e que as soluções para os seus problemas não dependem só deles, mas de todos nós. Por Mónica Frechaut-­‐ Informação Pública do Conselho Português para os Refugiados

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LOBBY E A CIDADANIA COLECTIVA ORGANIZADA

O termo lobby em Portugal está pejado de preconceitos. É olhado – e muitas vezes alimentado, até pela comunicação social – como um conjunto de práticas obscuras, até mafiosas que visam defender de forma ilegítima, interesses sectoriais também eles obscuros, até mafiosos. Salvo os casos em que de facto lobby é tudo aquilo, é também provavelmente uma das formas mais eficazes de a Sociedade Civil organizada exercer, num Estado de Direito Democrático, a sua cidadania em defesa dos interesses daqueles que – os mais desfavorecidos – legitimamente representa. Com efeito, uma democracia saudável é aquela em que não só os partidos políticos fazem política. A língua portuguesa é rica mas não o suficiente para, como a britânica, distinguir politics de policy. Por cá, é tudo política e a política é quase só partidária. Fica pois de fora da nossa matriz fazer policy, provavelmente a forma mais directa de participar na definição, construção, implementação, monitorização e avaliação das políticas públicas que definem o rumo da coisa


pública, que uma democracia não directa permite. É esta policy que a Plataforma Portuguesa das Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD) que actualmente tenho a honra de presidir, entre outras funções (a de capacitar e empoderar as ONGD suas associadas, de potenciar entre elas a culturas de parceria e de partilha), tem como grande objectivo. Reconhecida pela lei (Lei n.º 66/98 de 14 de Outubro) como interlocutor do Estado para as áreas da Cooperação para o Desenvolvimento, Ajuda Humanitária e de Emergência e Educação para a Cidadania Global, a Plataforma procura potenciar o trabalho das suas associadas a nível político, legislativo e até económico. A Plataforma, junto dos decisores políticos, dos legisladores, dos potenciais financiadores procura que sejam adoptadas as melhores opções de acordo com as boas práticas internacionais e, mais importante, de acordo com as necessidades das várias comunidades com que, pelo mundo fora, as suas cerca de 70 associadas trabalham directamente. Na verdade, para resolver os problemas da pobreza no mundo não basta dar peixe, nem ensinar a pescar. É também e sobretudo preciso que a pesca tenha um enquadramento político coerente e persistente, um enquadramento legal, uma integração económica nos sistemas existentes. É para assegurar tudo isto que, como interlocutor público, a Plataforma vai despendendo do seu conhecimento e recursos.

Ao longo dos seus quase 30 anos de existência a Plataforma tem contribuído, entre outros, para a construção e implementação das estratégias nacionais da Cooperação e de Educação para o Desenvolvimento, Estatutos das ONGD, do Cooperante, do Voluntário, para a Lei do Mecenato, para as normas de cofinanciamento público aos projectos das ONGD, para a criação de parcerias com outras organizações e sectores, para a sensibilização e consciencialização da opinião pública para as questões relacionadas com a cooperação para o desenvolvimento, para o diálogo e debate público sobre os compromissos que Portugal assume bilateralmente com os países parceiros e com as organizações multilaterais, para a monitorização e avaliação (quantitativa e qualitativa) da Ajuda Pública ao Desenvolvimento. São ainda poucas as ONGD portuguesas que têm integrado na sua estratégia institucional participarem activamente em todos estes processos. Muitas, contudo, desde muito cedo incluíram na sua missão e visão e nas escolhas de acção esta preocupação de contribuir, a um nível mais macro, para a construção de um mundo mais justo e equitativo. A Oikos – Cooperação e Desenvolvimento de que tenho privilégio de ser o actual Director de Desenvolvimento, é uma delas: É uma ONGD portuguesa, voltada para o Mundo. Por isso trabalha com as comunidades e regiões de países mais pobres, independentemente da sua localização geográfica. Desde a

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Emergência ao Desenvolvimento, até à Educação, Mobilização Social e Influência Pública, o trabalho da Oikos estende-­‐se atualmente por Costa Rica, Cuba, El Salvador, Guatemala, Honduras, Moçambique, Nicarágua, Peru e Portugal. Fundada em 23 de Fevereiro de 1988, em Portugal, a Oikos quer erradicar a pobreza e reduzir as assimetrias económicas e de conhecimento, através do envolvimento e corresponsabilização dos actores sociais e do desenvolvimento de soluções sustentáveis, para que todas as pessoas usufruam do direito a uma vida digna. Para tanto, a Oikos age em continuum, isto é, aquilo que faz ao nível da ajuda humanitária e de emergência deverá ser a base do que faz a nível da cooperação para o desenvolvimento e o que angaria como capital de conhecimento e de experiência naquelas áreas são o fundamento e a legitimação do trabalho que faz a nível de educação para a cidadania global e influência pública. Alguns dos exemplos mais recentes de que a Oikos tem feito a este último nível é a Campanha “Pobreza Zero”. A Oikos, como representante da GCAP (Global Action Against Poverty) em Portugal levou a cabo dezenas de acções junto de diferentes públicos para a sensibilização sobre o papel de cada um na luta contra a pobreza no contexto dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM). Outro bom exemplo tem sido a intervenção constante da Oikos na promoção do Desenvolvimento

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Sustentável. Na convicção de que não há desenvolvimento sem um equilíbrio entre as dimensões económicas, sociais e ambientais das sociedades, tem participado activamente na promoção deste conceito desde na Cimeira de Joanesburgo até à mais recente Cimeira Rio + 20. Nesta, juntamente com outras organizações europeias, desenvolveu uma campanha para a criação à escala global da figura do provedor dos direitos das gerações futuras: Alguém que, ao nível das Nações Unidas, monitorize e obstaculize todas as decisões políticas, legislativas, económicas, outras, que ponham em causa os direitos das gerações vindouras de viverem num mundo equilibrado. O Secretário-­‐geral das Nações Unidas assumiu publicamente reflectir sobre este assunto e levá-­‐lo a debate na próxima Assembleia-­‐geral. Outros bons exemplos são os vários projectos que a Oikos tem desenvolvido em Portugal sobre tráfico de seres humanos. Contribuímos para a inclusão deste tema na agenda política pública. Actualmente trabalhamos mais a nível da prevenção, junto das empresas e outros agentes que, mesmo inadvertidamente, podem contribuir para incentivar estas práticas de tráfico humano. Mais exemplos são o envolvimento da Oikos na representação da campanha “Right to Water” em Portugal, a primeira Iniciativa de Cidadãos Europeus (figura criada e prevista do Tratado de Lisboa que consiste na recolha de pelo menos um milhão de assinaturas para vincular a


Comissão Europeia a legislar no sentido do apelo) que consistiu no pedido à União Europeia que, à semelhança do que fez a ONU, declare o direito à agua (e saneamento básico) como um direito humano e no espaço europeu seja proibida a privatização deste recurso. A campanha foi um sucesso na medida em que superou largamente o número mínimo de assinaturas. A UE terá que olhar agora para este assunto doutra forma. Também recentemente a Oikos tem impulsionado uma campanha contra adesão da Guiné Equatorial à CPLP como membro de pleno direito na medida em que, além de não ser um país lusófono, são violados quase todos os direitos humanos conforme o que se encontra plasmado nos seus padrões internacionais, o que colide com os próprios estatutos da CPLP. A entrada deste país nesta comunidade dará força ao regime corrupto de Obiang de continuar a apropriar-­‐se dos recursos do país que tem riqueza suficiente para ter um PIB per capita equiparável ao de Itália e actualmente mais de metade da população vive abaixo do limiar da pobreza. Um outro exemplo ainda é o trabalho que a este nível de influência pública a Oikos tem feito sobre a segurança e soberania alimentar: desde a dinamização de uma campanha europeia para o estabelecimento de limites à especulação financeira dos bens alimentares que causam a volatilidade dos seus preços e a

consequente inacessibilidade aos alimentos a muitas pessoas no mundo, gerando enormes crises de fome, passando pela promoção da luta contra o desperdício alimentar na produção 1 , acabando na promoção da adopção de estratégias integradas de segurança e saúde alimentar e nutricional em Portugal, tem sido este o trabalho que a Oikos tem desenvolvido nesta área. Estamos também actualmente envolvidos no debate para a construção dos objectivos pós-­‐2015, isto é, dos sucessores dos ODM, ao mesmo tempo que insistimos que até 2015 estes sejam cumpridos como previsto. É disso exemplo a campanha “Continuamos à Espera!”

Por Pedro Krupenski Director de Desenvolvimento da Oikos – Cooperação e Desenvolvimento Presidente da Plataforma Portuguesa das ONGD

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CRONOLOGIA

01/05

06/05

Negociações de Paz assombradas pelo acordo entre a Fatah e o Hamas – Publico

Ucrânia: Parlamento rejeita referendo sobre descentralização – Euronews

33 killed in Homs airstrikes, Syrian opposition group say – CNN News

Egito: Al-­‐Sissi promete acabar com Irmandade Muçulmana – Diário de Notícias

02/05 Rendidos ao cerco, rebeldes sírios aceitam abandonar a cidade velha de Homs -­‐ Público 03/05

Venezuela acusada de “abusos sérios” e “violações sistemáticas” dos direitos humanos – Publico

Ukraine moves towards civil war as Kiev hits back at pro-­‐Russia rebels – Guardian

Separatistas pró-­‐russos libertam observadores da OSCE – Público

Eslovénia prepara-­‐se para antecipadas -­‐ Euronews

eleições

04/05 Dois atentados no Quénia em dois dias – Público Yemeni army in heavy fighting: six soldiers die in suicide blast – Reuters 05/05 Virus da Poliomielite já ameaça Europa -­‐ Público Venezuela accused of human rights violation – Aljazeera

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“A Human Rights Watch denunciou a actuação das forças de segurança da Venezuela” REUTERS/CHRISTIAN VERON

07/05 UE e Japão reforçam cooperação estratégica e comercial – Diário de Notícias Tribunal Constitucional destitui primeira-­‐ ministra da Tailândia – Publico 08/05 Rasmussen: NATO está preparada para aumentar a segurança dos países aliados – Euronews


Lebanon deports Palestinians back to Syrya – AlJazeer

Separatistas declaram independência em Donetsk e Lugansk já a sonhar com “Nova Rússia” – Publico

Syrian rebels blow up Aleppo hotel used by army -­‐ Reuters 09/05 Ucrânia: 21 mortos durante tiroteio em Mariupol– Euronews 62% dos eleitores europeus “não estão interessados” nas eleições – Público 10/05

“Autoproclamado governador de Lugansk, Valeri Bolotov, no comício em que foi declarada a independência” DIMITAR DILKOFF/AFP

Nigeria ramps up search for missing girls – Aljazeera Líderes europeus consideram referendo deste Domingo na Uncrânia ilegítimo – Euronews Venezuela’s Maduro rails at “stupid” U.S. sanctions calls – Reuters 11/05 Vitória esmagadora do “sim” no referendo de Donetsk – Público

13/05 Turquia: Desastre em mina provoca 157 mortos – Diário de Notícias Nigéria aceita negociar libertação de alunas sequestradas – Euronews Oposição venezuelana rompe negociações com Governo de Nicolás Maduro – Publico 14/05

Líder supremo iraniano apela ao fabrico de mais misseis – Euronews

Nigeria villagers kill Boko Haram fighters – AlJazeera

12/05

Vietname: Multidões atacam empresas em protesto contra a China – Euronews

Embarcação com 400 imigrantes ilegais naufraga ao largo da ilha de Lampedusa – Euronews

15/05 Rússia alerta para “guerra civil” na Ucrânia – Diário de Notícias

Uma dezena de mortos em naufrágio no Bangladesh – Euronews

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16/05

24/05

Isrel calls for UN recognition of Yom Kippur -­‐ Aljazeera

Al-­‐Shabab attacks Somali parliament complex -­‐ Aljazeera

17/05

26/05

Casa Branca pede «calma» ao Vietname após «provocação» da China – Público

Russos dizem-­‐se prontos a dialogar com novo presidente da Ucrânia -­‐ Público

30/5

Egyptions protests after Sisi election victory -­‐ Aljazeera

01/06

Cameron diz que escolha de Juncker pode levar Reino Unido a sair da UE -­‐ Público

“Ultra-­‐Orthodox Jews stand next to bonfires during Lag Ba'Omer celebrations to commemorate the end of a plague said to have decimated Jews in Roman times, in Bnei Brak, Israel” Picture: AP Photo/Oded Balilty

02/06 Palestinian unity government sworn in by Mahmoud Abbas – BBC News

18/05

Obama defends new carbon emission rules in face of mounting backlash – Guardian

Balcãs submersos pelas piores cheias de que há memória -­‐ Euronews 19/05

Juan Carlos abdica para abrir caminho a um futuro decididamente melhor – Público

Putin ordena retirada de parte das tropas estacionadas junto à Ucrânia -­‐ Público

03/06

21/05

Onu considera abrir centros para refugiados no Norte de África e Médio Oriente – Público

US sends troops to research for Nigerian girls -­‐ Aljazeera 23/05

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Syrians Vote in wartime election to extend Assad’s rule – Reuters

En Ukraine, combats et tensions précèdent la présidentielle – Le Monde


05/06 Juncker: I won’t beg Uk to back my bid for European commission presidency – The Guardian Renamo põe fim ao cessar-­‐fogo e anuncia novos ataques em todo o território de Moçambique – Público D-­‐Day 70th anniversary: Ceremonies and staged landing held – BBC News 06/06 Russia and Ukraine discuss ceasefire – Aljazeera Ucrânia: Refugiados pedem ajuda ao Governo – Euronews 08/06 Sucessão de Durão Barroso coloca governos e instituições da UE à beira de uma grave crise – Público Egypt’s Sisi vows tough line to bring security – BBC News 09/06 Iran says six-­‐month extension of nuclear talks may be necessary – Reuters Israel presses ahead with law allowing force-­‐feeding of Palestinian prisoners – The Guardian

South Sudan rivals vow to end fighting – BBC News 11/06 Iraque: Rebeldes tomam consulado em Mossul e raptam cônsul – Diário de Notícias EUA: Tea Party derruba “tubarão” republicano no congresso – Euronews Gaza rocket hits Israel, first time since Palestinian unity government formed -­‐ Reuters 14/06 Separatists down military transport jet, killing 49 in Eastern Ukraine – NY Times O pior estava para vir, chama-­‐se ISIS e prepara-­‐se para destruir de vez o Iraque – Público 15/06 Santos wins Colombia’s presidential vote – Aljazeera Rússia pede demissão do ministro ucraniano dos Negócios Estrangeiros -­‐ Euronews

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Iraque: Primeiro-­‐Ministro pede estado de emergência para travar ofensiva islamita em Mossul – Euronews

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Experiência No contexto do mundo globalizado, a Sociedade Civil Transnacional é um sector social de relevo e em crescimento no sistema internacional. Assistimos desde o final da II Guerra Mundial a um acentuar da preocupação em equilibrar o poder dos estados com o poder do povo, a par do desenvolvimento de uma comunidade internacional apoiada em valores democráticos e numa legislação internacional resultante da cooperação que veio substituir as tradicionais relações diplomáticas. Em termos de linguagem das relações internacionais, poder-­‐se-­‐á dizer que há uma procura cada vez maior em conter o realismo dos estados soberanos com o idealismo dos demais centros de poder espalhados pelas organizações internacionais, bem como com o reforço do poder dos organismos que representam a sociedade civil, que são as ONG e os grupos de pressão. A Amnistia Internacional surge neste contexto. Em 1961, numa altura em que a Guerra Fria ainda ia nos seus primeiros anos, Peter Benenson, um advogado britânico, revoltado com o caso de dois estudantes portugueses que tinham sido presos por brindarem à liberdade, publica o artigo “The Forgotten Prisoners” no jornal “The Observer”. A noção de que noticias como esta eram frequentes, levou a que o

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sentimento de impotência perante estes casos se transformasse num sentimento de união contra as transgressões de Estados soberanos. No mesmo ano, Benenson publica um livro onde regista mais nove casos de prisioneiros de consciência e tem a primeira reunião internacional com delegados de mais países (Bélgica, França, Alemanha, Irlanda, Suíça e EUA), decidindo formar um movimento permanente pela defesa dos direitos de livre expressão, opinião e religião, consagrados nos artigos 18º e 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Baseando-­‐se sempre na investigação e divulgação de casos, o movimento rapidamente se espalha e é organizado numa rede (“Rede dos Três”) em que cada grupo trabalhava em 3 casos, das três áreas geográficas em que dividiram o mundo: capitalismo, comunismo e zonas subdesenvolvidas. A eficácia do método verificou-­‐se e a rede rapidamente se espalhou pelo mundo, sendo que o número de prisioneiros libertados chegou aos 2000 em 1969, o que valeu à organização o estatuto consultivo na UNESCO. Ao longo do tempo, muitos foram os prémios e as conquistas, como o Prémio Nobel da Paz em 1977, ou a Declaração contra a Tortura da ONU, em 1975, assinada depois de vários anos de campanha contra as práticas degradantes em prisioneiros. Hoje, a Amnistia Internacional é um movimento presente em mais de 150 países, com cerca de 3,2 milhões de membros, com uma estrutura e funcionamento


democraticamente distribuído mundo, com sede em Londres.

pelo

É neste grande movimento que me insiro, porque acredito que cada vez mais as fronteiras são uma barreira burocrática e que, portanto, antes de sermos cidadãos portugueses ou europeus, todos somos cidadãos do mundo. Acredito também que, com a complexidade que a globalização trouxe ao sistema internacional, o Direito Internacional é crescentemente importante e útil como base da anarquia que impera entre os estados soberanos, pelo que os Direitos Humanos são a salvaguarda de cidadãos de estados falhados e corruptos. A minha experiência começa em Março de 2013, quando estava a ter a cadeira de Protecção Internacional dos Direitos Humanos e decido fazer alguma coisa com estas convicções, candidatando-­‐me para voluntariado na sede da Amnistia em Lisboa. Contudo, o que me esperava não era bem o que eu esperava: digitalizar milhares de queixas de há 10 anos e destruir papel. Depois de algum tempo naquele ambiente descontraído e acolhedor do staff, converso com o Coordenador de Activismo e Formação, Daniel Oliveira (ex-­‐iscspiano), e ele sugere-­‐me outras formas mais activas de voluntariado: entrar na ReAJ (Rede de Acção Jovem da Amnistia Internacional) e/ou formar um grupo de estudantes no ISCSP. A minha vontade de me envolver na organização era cada vez maior, por isso escolhi os dois. Assim, juntamente

com alguns colegas de turma e com o incentivo da professora Maria Francisca Saraiva, formamos o actual Grupo de Estudantes da AI do ISCSP, com o objectivo de divulgar as campanhas e os casos de violações de Direitos Humanos na comunidade iscspiana. Desde aí, multiplicam-­‐se as iniciativas em que participei. Com o grupo do ISCSP, tive a oportunidade de organizar uma mostra de curtas-­‐metragens com debate sobre Direitos das Mulheres, em parceria com a ReAJ; bem como alguns dias dedicados à recolha de assinaturas de petições, relativas a casos individuais. Com a ReAJ, participei numa acção de rua para assinalar o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, em que algumas voluntárias se caracterizaram de mulheres agredidas de várias formas e posicionaram-­‐se em fila, inertes, de forma a suscitar curiosidade nos “passantes”, que depois eram alvo de abordagem explicativa de outros voluntários (como eu). Em Dezembro, foi altura da Maratona de Cartas, que é uma acção a nível global, simbolizante do trabalho conjunto da organização em torno do método das petições (embora haja possibilidade de escrever uma carta pessoal) como forma de pressão política, onde 4 prisioneiros de consciência são escolhidos para ser “salvos”. O Grupo do ISCSP recolheu mais de 2000 assinaturas e marcou presença na Faculdade de Arquitectura, nossa vizinha. Esta acção global resultou na libertação de Yorm Bopha, um dos casos

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de prisão injusta, por ter protestado pacificamente contra a lei que permitia despejos de famílias inteiras das suas habitações, numa zona onde se pretendia construir um empreendimento de luxo, perto de de Phnom Pen, Cambodja.

é notável que ao fim de 20 anos de campanha, a Amnistia Internacional veja uma mudança significativa na legislação internacional, o que mais uma vez mostrou a importância da organização enquanto voz da Sociedade Civil Transnacional.

Como a Yorm, muitos foram os casos de sucesso resultantes do esforço de milhões de activistas espalhados pelo mundo, em anos anteriores. Em 2013, ultrapassou-­‐se a meta dos 2 milhões de cartas mundialmente. É por isto que o método da petição é um dos mais utilizados e, no Verão passado, a Amnistia Internacional portuguesa lançou um micro-­‐site que funciona como newsletter, em que o objectivo é fazer chegar directamente novos casos de petições ao e-­‐mail dos inscritos na dita plataforma, tornando o processo de divulgação e de recolha de assinaturas muito mais fácil e rápido. O nome da campanha é “Dá o teu nome à liberdade” e foi o tema central da presença da Amnistia no Festival Músicas do Mundo de Sines (Julho de 2013), em que estive presente como voluntária.

São estes grandes e pequenos êxitos que me motivam a continuar a fazer parte deste movimento, apesar da fraca aderência que o conformismo português demonstra nestes assuntos. É visível hoje uma enorme falta de interesse pelas práticas cívicas e políticas em benefício das práticas económicas e ociosas, e isso obviamente afecta negativamente o campo dos Direitos Humanos e solidariedade social, que não traz lucro e requer um pouco tempo dedicado aos outros. Contudo, o activismo jovem e a vontade de fazer melhor acabam por prevalecer perante a indiferença dos “passantes” e até daqueles que têm poder para permitir que isto aconteça.

O maior sucesso que testemunhei desde que sou voluntária foi a assinatura do Tratado de Comércio de Armas. Fez no passado dia 2 de Abril um ano desde a adopção do documento pela ONU, com apenas três votos contra (Irão, Síria e Coreia do Norte). Até hoje, 112 países assinaram o Tratado e nove já o ratificaram, sendo que só entra em vigor após 50 países ratificarem. Apesar disso,

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“It is better to light a candle than to curse the darkness.” Por Sara Bernardo, 3º ano de Relações Internacionais


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