JORNAL COMUNICAPAZ

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EDITORIAL

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intenção deste jornal-laboratório foi a construção de um produto que possibilitasse a prática do jornalismo entre alunos da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso e jovens estudantes do bairro da Vila Embratel. Esta experiência buscou, além de aproximar universidade da comunidade, fugir ao modelo imposto pela mídia tradicional em âmbito nacional e local que, geralmente, costuma se basear no lema “notícia boa é notícia ruim”. Nesse sentido, foi sugerido à equipe de trabalho seguir outro caminho, dando destaque aos aspectos positivos do bairro. Assim, foram mostrados perfis de pessoas que fazem a diferença em prol do progresso da comunidade, ou mesmo notícias ou reportagens revelando que valores do bom convívio e da cultura de paz, como a solidariedade e a generosidade, também fazem parte do cotidiano de seus moradores. Outro aspecto importante nesse processo foram as oficinas de produção de texto ministrada pelos alunos com a ajuda da jornalista Luana Camargo que tiveram como foco o jornalismo cidadão. Este se caracteriza por ser colaborativo e participativo e pela divulgação e discussão dos problemas de uma localidade que não são retratados ou agendados pela mídia em geral. Desta maneira, foi dada a oportunidade para que os jovens participantes gerassem conteúdos próprios, ao contarem o que acontece no bairro do ponto de vista deles próprios. Cabe ressaltar o entusiasmo com que esses jovens acolheram o jornal Comunicapaz revelando outra face da Vila Embratel, ao contrário da que é rotulada pela mídia local. É sempre gratificante acreditar e apostar que experiências como esta contribuem para acreditar que outra comunicação é possível. Profa. Vera Lucia Rolim Salles

EXPEDIENTE COMUNICAPAZ Uma publicação do Curso de Comunicação Social, Habilitação Jornalismo, Universidade Federal do Maranhão, Campus Universitário do Bacanga, Av. dos Portugueses, s/n, CEP.65085-580, São Luís –MA Reitor Natalino Salgado Vice-Reitor Antonio Oliveira

Alunos de jornalismo e jovens da Vila Embratel durante a oficina de produção do jornal

TROCA DE EXPERIÊNCIAS:

UNIVERSIDADE E COMUNIDADE O jornal Comunica Paz é resultado de um trabalho conjunto dos alunos do 7º período de Comunicação Social – Jornalismo – da UFMA com jovens moradores do bairro da Vila Embratel, numa demonstração da integração entre universidade e comunidade Toda a equipe se envolveu no processo de confecção do jornal, sugerindo e produzindo pautas, escrevendo matérias. Mas para chegarmos a esse produto, foi necessário um trabalho anterior que preparasse esses jovens para uma tarefa que eles iriam desempenhar. A partir do comprometimento com a cultura de paz, foram realizadas oficinas de Produção Textual, Jornalismo Comunitário e Jornalismo Cidadão, no Núcleo de Extensão da UFMA na Vila Embratel (NEVE). Essas práticas ofereceram as ferramentas necessárias para falar de uma realidade que poucos conhecem. São projetos, atividades espor-

Chefe de Departamento de Comunicação Social Francisco Gonçalves Coordenador do Curso Esnel Fagundes Coordenação Editorial Profa. Dra. Vera Lúcia Salles Produção Luana Camargo Planejamento Gráfico e Diagramação Jonilson Bruzaca

Edição Profa. Dra. Vera Lúcia Salles Izabel Almeida Pablo Habibe Redação Alunos do 7º período, Disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, e jovens participantes da oficina de Produção Textual, do bairro Vila Embratel Revisão Profa. Dra. Vera Lúcia Salles

Izabel Almeida

tivas, eventos, cursos, pessoas e personagens de uma comunidade vibrante, muito mais do que é divulgado na mídia local. O jornal buscou abordar os aspectos positivos do bairro, abrindo os olhos também para as boas notícias. Nas reuniões de pauta, as sugestões partiram de todos os lados, universitários e moradores que, orientados pela professora Vera Salles, escolheram os assuntos abordados ao longo do jornal. Tanto a apuração como a elaboração dos textos foram feitas por duplas ou trios, formados por estudantes de Jornalismo e jovens da comunidade, numa troca de experiências que enriqueceu a ambos os grupos. O Jornal Comunica Paz mostra que, apesar das dificuldades, é possível despertar vocações que contribuam para uma melhor qualidade de vida, promovendo uma reconstrução da identidade do bairro a partir de seus próprios moradores. Izabel Almeida Pablo Habibe Fotos Alunos da Disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso Projeto Grafiteiros Ecológicos Projeto Comunicapaz Impressão Unigraf Tiragem 1000 exemplares


De Timon à Vila Embratel,

missão de paz na comunidade Alessandra Dutra Ana Tatiana Marcos Soares Raquel da Silva Machado

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ma rede de pessoas preocupadas em disseminar a alegria e o bem-estar social é posta em prática por 55 pessoas - 20 articuladores e 35 meninos e meninas, entre 15 e 18 anos - moradores da comunidade Vila Embratel. Trata-se do projeto “JuPaz”-Juventude pela Paz- que, por meio de atividades lúdicas, como teatro e dança, além de palestras trabalham de acordo com as orientações dos jovens de Timon (MA): “o círculo de paz”. O círculo é composto por três grandes vertentes, Direitos de Paz, Direitos Humanos e Ecologia, que ganham força no interior do Estado do Maranhão. Com participação dos Missionários Cambonianos, esses princípios são seguidos também em outros estados do nordeste brasileiro, como Paraíba, Ceará, e Bahia. “Queremos ser construtores de um ambiente mais sadio, onde a violência não possa ter vez e voz. Precisamos fazer esse resgate dos bons valores e educar a população para uma nova Vila Embratel.” ressalta a educadora Maria do Carmo. Para Maria, integrante e educadora desde março de 2009, a utilização de ferramentas virtuais como o twitter, o orkut e o e-mail, assim como o contato direto com as pessoas, contribuem para criar um espírito de coletividade no bairro. Segundo ela, o patrocínio da província dos Cambonianos, da Conferência Episcopal Italiana e do Observatório da Juventude (grupo de universitários e professores da UFPI – Universidade Federal do Piauí) é importante, porém a arrecadação ainda se deve muito à mobilização de articuladores e demais membros. “Vendemos cremosinho e outros produtos para que não possamos depender única e exclusivamente dos nossos parceiros. Precisamos nos manter e temos meios para isso”, comenta. O ecumenismo, como semente a ser cultivada pela rede, desperta em estudantes como Wynielly dos Santos, 17 anos, do colégio CEMA (Unidade Dr. Francisco de Assis Ximenes Aragão Filho), um desejo de dias melhores. “Meu bairro é muito violento, projetos como este fazem com que minhas esperanças não morram. Só gostaria mesmo que mais pessoas estivessem engajadas”, desabafa a jovem. Ela nos conta, ainda, que antes era muito agressiva com seus familiares, inclusive com a própria mãe, mas as dinâmicas de grupo e o acompanhamento de representantes em sua escola, fizeram dela uma cidadã disseminadora da união e da fraternidade. A mesma preocupação pode ser notada no trabalho de outras denominações cristãs. Para o pastor Manoel, da Assembléia de Deus, área 5 da Vila Embratel, a igreja tem papel fundamental na socialização do jovem para tirá-lo do mundo da violência. “A igreja não deve se preocupar só em buscar a alma, mas também em cuidar dela. Pelo evangelho resgatamos o jovem e fazemos acompanhamento para que ele permaneça” enfatiza o Pastor. Outro aspecto no qual a religião contribui é em relação aos problemas sociais. A comunidade evangélica do bairro se une para distribuir cestas básicas e promover um sopão para as pessoas mais carentes da área.

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Religiosas apóiam jovens em atividades artístico-culturais

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o coração da Vila Embratel, existe uma das células da congregação das Irmãs da Redenção. O trabalho realizado pelas freiras e noviças que lá vivem e convivem ultrapassa em muito a simples (e muitas vezes necessária) orientação espiritual dos fiéis católicos. Essas religiosas organizam, há 27 anos, atividades e trabalho de intervenção no cotidiano, ajudando os segmentos mais vulneráveis do bairro na construção de uma vida digna por uma sociedade melhor. Prestes a completar três décadas de atuação na Vila Embratel, as Irmãs da Redenção já prestaram diversos serviços à população do local. Dentre eles, destaca-se a casa de apoio em que era oferecido auxílio a garotas que viviam em situação de risco de violência física, psíquica ou sexual. Apesar de

representar um trabalho de grande extensão, que apoiava, também jovens de outros bairros e cidades maranhenses, a casa de apoio teve que finalizar seus serviços por falta de verbas para manter as jovens sob a guarda provisória. No entanto, as irmãs decidiram deixar um trabalho que requeria maiores investimentos (já que manter jovens em tempo integral tem um custo bastante elevado) transformando a área em que antes funcionava o abrigo (localizado na rua 20) em espaço para atividades culturais dirigidas a toda a população, especialmente os mais novos. Com oficinas de bordado, aulas de teatro, música, balé clássico e capoeira, o pessoal do bairro pode aproveitar o tempo livre para ingressar no mundo da arte e do artesanato. O grupo Musicatear, que une música, capoeira e o teatro numa

só oficina, apoiado pelo grupo de religiosas, mantém duas turmas que funcionam quatro vezes na semana, nos turnos matutino e vespertino. Crianças e adolescentes entre oito e dezesseis anos participam das reuniões que acontecem às terças e quintas-feiras, trabalhando na perspectiva do Teatro do Oprimido. Este método teatral foi criado no Brasil em meados do século passado e, tem, por objetivo, discutir os problemas sociais, possibilitando a todos a entrada no espetáculo artístico. Uma das coordenadoras da oficina teatral, Naiana Coimbra Amorim, confessa que se sente bastante realizada em ajudar os mais moços da comunidade na construção de uma nova realidade. Há um ano no grupo, Naiana já participou da montagem de cinco peças com mais 25 adolescentes, com a ajuda

Aline Queiroga Dayane Furtado de outros tres educadores. Os ensaios também acontecem no galpão do centro de apoio das Irmãs da Redenção e as montagens buscam sempre englobar assuntos religiosos e de relevância social. Roelson Gomes, de 16 anos, entrou no grupo em 2007 e afirma que desde então o seu desempenho escolar melhorou e a timidez que o atrapalhava nas relações com os amigos diminuiu bastante. Há um ano ele passou a coordenar outro grupo de teatro na Igreja Nossa Senhora da Esperança com a experiência obtida nas oficinas das quais participou. “No começo nem sabia o que era o teatro, mas depois fui vendo que o palco é o meu lugar e hoje penso em seguir a carreira artística”, afirmou o jovem.


BIBLIOTECA OFERECE ESPAÇO PARA LEITURA E CAPACITAÇÃO A biblioteca do SESI, localizada na Rua da Estrela está à disposição de todos os moradores do bairro. Inaugurada em novembro de 2008, com um acervo de aproximadamente 1000 livros, incluindo enciclopédias, livros didáticos, paradidáticos, literatura infantil e infanto-juvenil. Possui também uma dvdteca com vários filmes, gibiteca para a criançada, além de oferecer capacitação em várias áreas. Para os que não querem ficar de fora da informática, ela dispõe um curso de inclusão digital gratuito. A idade mínima para participar é de sete anos, a criança só tem que

saber ler. Outra atividade oferecida são os cursos online, que têm duração de 20 dias e podem ser feitos em casa, basta ter um computador, apresentar os documentos de identidade, CPF, possuir idade mínima de 14 anos e ter concluído o Ensino Fundamental. Entre eles estão o de Empreendedorismo, Legislação Trabalhista, Tecnologia da Informação e Comunicação, Segurança do Trabalho, Propriedade Intelectual e Educação Ambiental. Para os maiores de 16 anos existem os cursos de qualificação que oferecem uma oportunidade de entrada no mercado de trabalho. São

Educadora é exemplo de

Ana Carolina Neves, Geane Santos e Janaina Martins

eles: carpinteiro de forma, armador de ferragem, bombeiro hidráulico, pedreiro e caldeireiro. Várias empresas como a Odebrecht, Canopus e Franere costumam contratar os alunos. A biblioteca do SESI é monitorada por uma bibliotecária, Luzane Frazão e por uma pedagoga, Josilene Cruz, que dão toda a assistência necessária aos usuários. Toda a comunidade da Vila Embratel pode sentir-se convidada a fazer parte das atividades da biblioteca, que funciona com acesso livre das 8h às 12h, das 13h às 17h e das 18h às 21:30h, somente para os maiores de 16 anos.

perseverança e amor à escola Neilson Viana

A educação é a base para o desenvolvimento e a escola deve preparar o aluno para a vida, com força de vontade para ensinar. Esse é o principio que move Margarida Soares Nogueira conhecida como uma das primeiras educadoras do bairro da Vila Embratel. A professora foi uma das fundadoras da Unidade Integrada Henrique de La Roque, no dia 2 de maio de 1966 que, na ocasião, tinha aproximadamente 70 alunos de 1ª a 4ª, no local denominado Piancó. Esta escola chegou a ser construída com a ajuda das pessoas da comunidade. “Ela é um exemplo a ser seguido, muitos agradecem pela sua insistência e perseverança,” disse o ex-aluno Francisco Pereira. Margarida nasceu no dia 24 de setembro de 1929, na cidade de São Bento e chegou a São Luís com 39 anos. De origem humilde, encarou os desafios e conseguiu superá-los. Casou e teve seis filhos, foi professora de 1ª a 4ª série na cidade de origem onde lecionou na escola Menino Jesus. Depois que veio para São Luis, com esforço e determinação concluiu o ensino médio com 55 anos, na escola Henrique de La Roque, no Centro. Em 1976, a Universidade Federal do Maranhão tomou posse do terreno no Piancó onde ficava

a escola comunitária. Sem espaço para um novo prédio as aulas foram transferidas para uma casa alugada mantida pela Secretaria de Educação. Em 1983, finalmente, foi construída pela Prodasec, no terreno comprado por dona Margarida, passando a funcionar nos turnos matutino e vespertino, de 1ª a 4ª serie. Quando o estabelecimento foi reformado tiraram a professora Margarida da direção, pois achavam que ela não tinha mais competência para dirigir e nem forças para trabalhar. “Para mim estava terminando a vida na escola Henrique de La Roque”, desabafa a educadora. Já em 1995, Margarida foi aposentada pela prefeitura de São Luís. “Fiquei uns três meses chorando foi muito difícil aceitar” confessa à educadora, mas, ela não quis saber de descanso, trabalhou voluntariamente por mais seis meses na escola América do Norte, que fica próximo a sua casa. Sua filha Mariana Tereza, resolveu comprar uma linha de crochê e outros materiais de artesanato para que ela ficasse mais um pouco em casa. Dona Margarida continua sendo uma figura importante no bairro,constantemente é convidada para eventos escolares. Ela reclama que muita coisa mudou,

tudo é muito diferente do seu tempo. “Hoje os alunos não querem mais estudar e só faltam bater nos professores”. A educadora aproveita para mandar uma mensagem para todos do bairro: “Deus proteje a quem deseja o bem estar da escola e que tem forças para dirigir, são os votos que desejo a todos os funcionários, dirigentes e alunos”.

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Conhecendo o Núcleo de Extensão da

UFMA

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o chegar ao NEVE ( Núcleo de Extensão da Universidade Federal do Maranhão)localizado na Vila Embratel se percebe, de imediato, que as pessoas freqüentadoras do local tem algo diferente, talentos especiais e muitas coisas boas para oferecer. Dentro desse ambiente, donas de casa como Maria Benedita encontram no NEVE uma oportunidade e uma opção de vida. “Estou aqui há cinco anos e nesse tempo cresci muito como mãe, mulher e esposa. Neste espaço fiz cursos como pintura, corte e costura, moda íntima, são tantos que nem consigo lembrar. Hoje estou na oficina de bijuterias e tento passar as minhas colegas tudo que aprendi”. Assim como a Maria Benedita, Maria Dolores que trabalha com biojóias (bijuterias feitas com sementes) encontrou um sentido para sua vida. “Depois que entrei no NEVE, senti que posso fazer várias coisas, me alegro bastante quando alguém elogia e valoriza o meu trabalho”. Outras pessoas também tiveram suas vidas transformadas para melhor, graças as possibilidades de capacitação oferecidas pelo NEVE. A história do NEVE começou com o Programa Rio Bacanga, em janeiro de 1999, que tinha por objetivo promover ações para o desenvolvimento da educação, saúde, cultura e qualidade de vida das comunidades que se situam

Daniela Julian Arison Nascimento nos arredores da UFMA Um dos primeiros projetos desse programa “Prevenção e Assistência à Gravidez na Adolescência”, coordenado pelo Departamento de Medicina III, teve o apoio da UNICEF (Fundo das Nações Unidas pela Infância). A partir daí, outras atividades foram se desenvolvendo no bairro. Logo após, surge o projeto de extensão “Iniciação desportiva: futebol de campo”, que nasceu do interesse dos alunos do curso de Educação Física, o “Jovens de bem com a Vida”. Além de dar atenção integral à saúde dos adolescentes, oferecia uma série de atividades artísticas e culturais, através da parceria com a Fundação da Criança e do Adolescente (FUNAC), bem como oficinas de capoeira, artes plásticas, teatro, serigrafia e dança de rua. Também foram implantados os projetos “Ambulatório de Cuidados Primários em Pediatria” e “Ambulatório de assistência ao “Pré-natal de Gestantes e Adolescentes”, “Planejamento Familiar”, “Aconselhamento e Tratamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST/AIDS)” e o “Coreografando o Cotidiano: a dança um caminho para a reconstrução da cidadania das adolescentes” Em julho de 2001, a Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Estudantis reabriu o NEVE fechado desde 1996. A partir daí todas as coordenações de projetos se transferiram para o referido Núcleo. Além de consolidar todos esses programas, reativa a Horta Comunitária, implanta o Projeto CriAção, em parceria com a Sociedade de Puericultura e Pediatria do Maranhão, a Biblioteca Comunitária/ Escolar da Vila Embratel, o Projeto Vida Vôlei, Dom Quixote,Cardiologia para a 3ª Idade, o Telecentro Comunitário.


Entrevistas Eu vejo como algo de muita imMaria de Fátima Lobão- Direportância, primeiro porque a Vila tora do NEVE Como e quando você chegou ao Neve? Eu vim para ser coordenadora do Núcleo em 2003. Sou pedagoga e sempre estive envolvida com trabalhos comunitários, trabalhei na Igreja, em fundações que promoviam ações em localidades carentes, inclusive me envolvi com projetos de alfabetização na zona rural do estado. O Reitor da Universidade, na época Fernando Ramos, me convidou e estou aqui até hoje. Quais foram os maiores desafios que você enfrentou ao chegar à comunidade? Tive muitas dificuldades, o primeiro obstáculo foi o da aceitação, eu nem era conhecida, então ninguém me queria aqui, eles estavam acostumados com o outro coordenador, confiavam muito nele, mas hoje temos uma relação muito boa com a comunidade. Qual a importância desse núcleo para comunidade?

Embratel é um local bem preparado, é um dos bairros mais bem atendidos em São Luís. Aqui são oferecidas medidas na área da saúde, segurança e formação acadêmica. O NEVE é uma espécie de abre portas, pois têm um leque de opções e dá ao bairro a oportunidade de crescimento. Ao longo desse trabalho que você realiza no Neve o que você observou de mudança na comunidade? Nesses seis anos em que estive aqui, eu já vi muitos jovens que ultrapassaram os muros do bairro e hoje estão na universidade. Depois que terminam a maioria volta para dar aulas neste núcleo. A capoeira também exerce uma força muito grande, além de tirar os jovens da rua, prepara-os para vida. Quais são as perspectivas para o futuro do NEVE? Eu acredito que ele ainda tem muito a crescer. Se a UFMA e os cursos continuarem a incentivar seus projetos de extensão, todos vão ganhar alguma coisa, os acadêmicos e os professores e a população.

Juvenal Ferreira- Professor de muito importante, sobretudo para aqueles que nos procuram. Tenho capoeira Como você chegou no NEVE ? Cheguei aqui através de um projeto de assistência à gravidez precoce. Eu já era capoerista e o NEVE precisava de um educador para dar uma oficina. Fiz o teste e comecei a trabalhar. Depois, com a ampliação das atividades, viemos para este prédio, e, mais tarde, fui contratado como funcionário. Quais as atividades que você desenvolve aqui? Durante o dia trabalho como auxiliar administrativo e, à noite, nas terças, quintas e sábados, dou oficina de capoeira para crianças, adolescentes e adultos. Como é sua relação com a capoeira? Hoje eu diria que a capoeira é parte da minha vida. É minha profissão, esporte e lazer para mim e minha família. Quais mudanças esse esporte trouxe aos meninos da Vila Embratel? Eu vejo que é um processo

atendido adolescentes que já tiveram contato com drogas, estão na ociosidade, na rua. A partir do momento que eles começam freqüentar as aulas, trabalhamos o processo de ressocialização.Buscamos a conscientização, a auto-estima e a valorização da família dos jovens. Qual o episódio mais inusitado que você já vivenciou aqui dentro? Houve um caso em que fui chamado para ir atender um adolescente que estava se drogando. Consegui desarmá-lo e fazer com que ele saísse daquele local. Hoje ele está se formando na UFMA em História, e esse, para mim, foi um momento muito importante, ele deu a volta por cima. Qual a relação da capoeira com o combate à violência? É uma prática muito importante. Antes era uma arte mal interpretada até pelos próprios praticantes. Hoje esse esporte é um elo de atração para jovens e pode servir como ferramenta no processo educacional.

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Hip Hop transforma

a realidade das ruas

Andréa Barros Wesley da Silva

Grupo de rap “Instinto Cruel”

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ila Isabel, Riacho Doce, Vila Embratel aqui tem sangue bom atitude muito mais preto guerreiro mirim é só chegar na paz / já vi muitas coisas que me dão até medo, já vi muitos malucos no desespero, só que vou estudar”. Com esses versos, Jorge Luís Silva, de apenas 12 anos, passa para a comunidade da Vila Embratel que a cultura do Hip Hop não é marginal nem violenta. Muito pelo contrário, há mais de três anos o estudante que é b.boy, mc e compositor encontrou no hip hop uma alternativa para um mundo rejeitado e esquecido. “Eu conheci o movimento observando o Arison, dançar no NEVE e logo me empolguei para criar e compor versos de rap”, afirma Jorge Luís. Considerado uma das grandes influências da cultura Hip Hop no bairro da Vila Embratel, Arison Ro-

bert Nascimento, conhecido como Careca, desabafa que o início de sua trajetória no movimento de rua foi marcado pela não-aceitação dos pais. Aos 12 anos, Careca percebeu que o hip hop contribui para uma cultura de paz e para um novo pacto de convivência nas comunidades. “A rua é um lugar de aprender muita coisa ruim, mas também um local que a pessoa tem para se autoafirmar e trabalhar a autoestima”, ressalta. “A cultura de rua tem dois lados, o jovem precisa apenas discernir e diferenciar o que pode levar à violência ou não”, completa. Para quem não sabe, o Hip Hop é um movimento cultural iniciado no final da década de 1970 nos Estados Unidos. O principal objetivo da cultura que nasceu nas ruas era reagir aos conflitos sociais e à violência sofrida pelas classes menos

favorecidas da sociedade urbana. Mais que uma simples combinação de música e dança, o Hip Hop na Vila Embratel representa um movimento que reivindica espaço e voz, traduzido em letras questionadoras, num ritmo peculiar e em imagens grafitadas nos muros da comunidade. O grupo de rap “Instinto Cruel” é um ótimo exemplo de que o Hip Hop também pretende mudar o olhar que a sociedade tem sobre a favela. “Os jovens geralmente se interessam pelo movimento porque observam um pessoal aí que costumava ‘trombar’ nas ruas, nas esquinas e hoje estão aí no palco, nas ruas mandando um som, dançando”, explica o Mc Jaksuel Nunes, conhecido como Ciel. Mesmo não recebendo apoio de órgãos públicos ou demais entidades, o grupo realiza oficinas e

trabalhos que promovem a cultura Hip Hop entre crianças e jovens. “Algumas famílias não apóiam a participação dos filhos nas oficinas por achar que o Hip Hop tem ligação com brigas de gangues e fazem com que os jovens desistam do movimento”, afirma o street dancer Edimilson Pinheiro. Apesar do preconceito encontrado na própria comunidade, ainda existem pessoas que enxergam nos grupos uma alternativa para quem convive com os problemas da periferia. “As mães chegam e já falam com a gente para conversar com os filhos, pois eles estão meio desorientados, então algumas delas percebem uma alternativa melhor para a vida dos filhos”, completa o Mc Antonio de Jesus Fiel, reforçando a capacidade de transformação do Hip Hop.


Grafite pinta a Vila Embratel com outras cores Aline Alencar e Edileuza Ribeiro

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m muitos bairros de São Luis é comum observar a arte do grafite. Na Vila Embratel não é diferente. Essas pinturas dão vida e cores ao que já foi manchado pelo estigma da violência, uma constante na mídia local. Para quem faz parte da comunidade, a prática do grafite também é uma transmissão de idéias. “Ali passamos nossos conceitos políticos e culturais às pessoas, contribuindo muito para o acesso a informação dos moradores”, afirma o grafiteiro Joelson. Apesar de não contar com a iniciativa da própria comunidade,

o bairro recebe ajuda de ONG’s estabelecidas nas proximidades. Estas divulgam a arte como forma de cultura e conhecimento, popularizando o grafite. Em seu primeiro ano de existência (2009), o Projeto Grafiteiros Ecológicos, da área Itaqui- Bacanga, fez uma intervenção na Vila Embratel. O intuito foi ensinar alunos de uma escola municipal a grafitar, junto a noções de ecologia, como sugere o nome do projeto. “Foram cerca de 10 alunos que aprenderam a preservar o ambiente e a colorir sua escola”, informa o coordenador, Ulisses. O Ministério da Educação já implantou nas escolas públicas de todo o Brasil o projeto “Mais Educação”,que desenvolve atividades voltadas para diversos as-

suntos, entre elas o grafite. Na Vila Embratel, esse projeto funciona na escola municipal Rosa Mochel. As aulas estão em fase teórica e acontecem todos os sábados, com duas turmas pela manhã. No curso estão inscritos 15 alunos, que também adquirem noções da história do grafite, suas ferramentas e ideologias. A importância do grafite ainda não é consenso.“Às vezes recebemos tinta ou spray dos donos dos muros onde pedimos para grafitar, mas não é sempre”, afirma Joelson. “Há alguns anos atrás a prefeitura da capital fez uma campanha divulgando o grafite, mas não durou muito e ficou por isso mesmo. Desde então, não houve mais nada. O que fazemos vem do nosso bolso e por puro amor”, completa.

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Transformar para uma nova forma de conviver em Paz

O Oficina de vídeo

s moradores do bairro da Vila Embratel convivem diariamente com o estigma, mais do que com a violência propriamente dita. Essa imagem foi construída principalmente pela mídia local, que abusa do sensacionalismo e destaca os aspectos negativos do lugar. O projeto Comunicapaz se propõe a modificar essa percepção não só externamente como na autovalorização da identidade dos jovens da comunidade, propagando a cultura da não-violência. “Agora posso entender a chegada da cultura de paz, a não-violência, na Vila Embratel como uma coisa positiva, porque ajuda as pessoas a perceberem a comunidade de outro jeito, diferente do que vemos diariamente, passamos a vê-la de uma forma boa.” Essa frase é de Elizandra Ribeiro, jovem de 16 anos que faz do bairro seu mundo. Como ela, aproximadamente 40 jovens já participaram do projeto de pesquisa Comunicapaz, promovido pelo Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Professores e alunos da UFMA se uniram, desde janeiro de 2010, a moradores da comunidade, se utilizando da linguagem audiovisual para promover a cultura de paz, por meio de valores como o respeito ao outro, o diálogo e a so-

Arison Nascimento e Paola Botelho lidariedade. Para a professora Vera Salles, coordenadora do grupo de pesquisa “o foco do projeto é o protagonismo juvenil, dando oportunidade para que os jovens construam suas próprias mídias e transformem suas realidades, sempre é claro, buscando o entendimento da cultura de paz”. Wesley Reis, de 14 anos, também morador da Vila Embratel, está começando a entender o que significa a cultura de paz. “Na minha família acho difícil ter cultura de paz, porque ela é meio desunida. O que temos de melhor pode ser o diálogo”. Por meio do projeto, ele já participou de oficinas de produção textual, rádio e vídeo, adquirindo também novas perspectivas profissionais. Durante o primeiro semestre, foram realizadas oficinas de vídeo em celular, fotografia, rádio, produção textual, teatro do oprimido e produção de vídeo em máquina fotográfica. Não são só os moradores da Vila Embratel que têm percebido novas perspectivas de vida, os professores e estudantes da Universidade, também. ”O Comunicapaz, tem conseguido agregar valores humanos muito importantes para a minha vida e, principalmente, para a profissão que escolhi, muitas vezes vista como individualista e

desinteressada da questão humanitária. Não vejo obstáculos para minha participação, na verdade, o que há é um prazer em estar dedicando um pouco do meu tempo aos jovens da Vila Embratel. Eu também começo a entender esse mundo de paz pela primeira vez”, disse o estudante Pedro Aragão, 25 anos, do 6º período de Jornalismo. Apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão - FAPEMA, em parceria com a Agência de Notícias pela Infância-MATRACA, bem como pela École de La Paix – França, o grupo de pesquisa realiza suas atividades, geralmente, aos sábados das 8 às 12h, no Núcleo de Extensão da UFMA na Vila Embratel, o NEVE. O próximo passo é perceber em quais modalidades os jovens se identificam e proporcionar cursos intensivos de maior carga horária para capacitação dos participantes. A meta do projeto é transformar a realidade e mostrar que há em cada espaço da Vila Embratel, uma forma de contribuir para a construção da paz. Visite o blog comunicapaz.blogspot. com e saiba mais sobre o projeto.

Oficina de produção de jornal Oficina de fotografia

Oficina de teatro do oprimido


O esporte a favor do BAIRRO

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o bairro da Vila Embratel, a prática de esportes é mais do que diversão ou atividade física: é uma forma de mudar vidas para melhor. Em toda a comunidade, grupos de futebol de campo, futebol de salão e capoeira ajudam crianças e jovens a adquirir perspectivas de um futuro promissor. A maioria dessas iniciativas parte de moradores da própria Vila, e nem sempre contam com o apoio de que necessitam para continuar seu trabalho. Por trás de cada grupo, histórias de jovens que superaram dificuldades e encontraram, no esporte, o caminho para vitória na vida.

Capoeira

Kleane da Silva foi uma dessas crianças e, atualmente, é estudante universitária. Ela começou a praticar capoeira aos 7 anos, e considera o esporte um fator muito importante para seu sucesso. “Adquiri não só conhecimento sobre a capoeira, como a ter disciplina no esporte e na sala de aula. Hoje sou uma capoeirista e cidadã respeitada na comunidade”, diz, se referindo à Associação de Capoeira Gegê Nagô. Um dos grupos mais antigos da comunidade é o Grupo Gegê Nagô, criado em 1994 e coordenado pelo mestre Juvenal Ferreira. Formado inicialmente por jovens da igreja católica do bairro, o projeto buscava o resgate e a valorização da cultura afro-brasileira por meio do esporte.

Izabel Almeida e Cláudio Ferreira

Com o apoio da UFMA (Universidade Federal do Maranhão) e do NEVE (Núcleo de Extensão da Vila Embratel), o grupo se tornou uma associação em 1999, e de lá para cá ajudou centenas de jovens em situação de risco a serem verdadeiros capoeiras. Atualmente, são 56 crianças e adolescentes contemplados somente em São Luís, além dos núcleos da associação que atuam em outros municípios do estado, como Pastos Bons e Barra do Corda. Juvenal, coordenador da associação, era marceneiro antes de se dedicar à capoeira e hoje se sente realizado ao colher os frutos do trabalho de mais de 15 anos. “Nosso objetivo maior não é formar capoeiristas, mas, antes de tudo cidadãos. Não consigo dormir feliz sabendo que formei um esportista que não fosse comprometido com a comunidade”. Os títulos nas competições nacionais e regionais são consequências do trabalho. Em maio deste ano, o Gegê Nagô foi campeão estadual de capoeira, pela classificação geral, além de ter quatro títulos seguidos na categoria conjunto.

ral do Menor da Vila Embratel, que incluem futsal masculino e feminino, além de dança de rua e capoeira. De acordo com a coordenadora da Pastoral, Fábia Rachel Pinheiro, “os esportes são acompanhados das chamadas ‘formações’, encontros que abordam assuntos como sexualidade, drogas, cidadania, e outros relacionados à realidade desses jovens”. O mesmo caminho que Erison tem a percorrer já foi trilhado por Diogo Sousa, ex- participante do SEVE (Sport Educativo Vila Embratel) e hoje jogador profissional do Iape, time de São Luís. Criado em 1995 com o nome de Meninos Bons de Bola, o projeto atende hoje 130 crianças e é coordenado por Adilson Aranha de Jesus. Adilson, graduado em Enfermagem, resolveu se dedicar ao futebol. “É um trabalho muito gratificante, pois era um sonho que eu tinha. Amo muito o que faço”, declara. O grupo foi vice-campeão da primeira edição da Copa Itaqui Bacanga com o time sub-15, campeão da segunda edição do evento, com Futebol de campo e de salão o time sub-17, e já participou de Já Erison Pereira, 17 anos, é praticante de futebol de salão há torneios em outros municípios. Esses projetos vem ajudando apenas sete meses, e pretende ir mais longe. “Por enquanto, quero a reescrever muitas outras históapenas praticar, mas com o passar rias de crianças e adolescentes, do tempo penso em criar uma es- que serão agentes de mudança do colinha também”, afirma. Ele é um lugar onde vivem, pois encontrados 200 jovens que participam dos rão no esporte a afirmação da sua projetos desenvolvidos pela Pasto- própria identidade.

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Brincadeiras de criança

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las estão por todos os lugares da Vila Embratel, nas casas, ruas, escolas e praças. Na verdade elas nem ligam para o que as outras pessoas possam pensar e se concentram apenas em brincar. São apenas crianças sem nenhum tipo de preocupação, irradiam alegria e depois da escola, a única obrigação do dia é juntar os amigos e fazer a maior folia. As brincadeiras são diversas, vão desde as tradicionais cantigas de roda, pula corda, elástico, casinha, peteca e boneca, até os mais modernos jogos de computador e PlayStation.

Bolinha de gude

Concentração, estratégia, pontaria. O jogo de bolinha de gude desperta nos pequenos jogadores o que a vida exige de todos os adultos. Mas agora, o que vale é se divertir é aumentar a coleção.

Futebol de rua

Se o Maracanã não fica na rua ao lado, eles criam seu próprio estádio e fazem do chão batido o palco de verdadeiros clássicos, onde todos os jogadores já começam heróis.

Fotos: Daniela Julian Textos: Daniela Julian e Izabel Almeida


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