150 anos da imigração italiana no Brasil​

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ITÁLIA / BRASIL

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Oriundi Vittorio Medioli HÉLVIO

PRESIDENTE E FUNDADOR DO GRUPO SADA

“O Brasil, pelo seu tamanho continental e fartura, recebeu várias ondas de imigrantes, atraídos pelas necessidades e por muitas oportunidades.”

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“As marcas da civilização italiana, trazidas pelos imigrantes, se espalharam por todo o território, na cultura, indústria, agricultura, culinária, moda e muitas outras.”

Brasil é o maior exemplo de imigração dos últimos séculos. Aqui se mesclou uma centena de etnias pelos mais variados motivos. A partir do momento em que um ser humano deixa por vontade própria sua terra natal para morar em outro país, torna-se imigrante. Atrás de cada um deles, existe uma história de sofrimentos, sonhos, esperanças e muita saudade. Alguns foram arrancados pelas raízes, como mudas de plantas, para serem transplantados aqui. Outros vieram de forma mais “civilizada”, menos cruel do que aquela a que foram submetidos os que sofreram nos porões de navios negreiros. Mas ninguém muda sem uma pressão externa ou íntima; quem vive bem em sua terra natal, via de regra, não tem motivos para se mudar. O Brasil, pelo seu tamanho continental e fartura, recebeu várias ondas de imigrantes, atraídos pelas necessidades e por muitas oportunidades. Nos últimos anos, chegaram multidões de refugiados dos países limítrofes, não por falta de terras e potencial em volta do Brasil, mas por desajustes sociais decorrentes de fracassos políticos que provocaram crises humanitárias. O Brasil não tem uma cultura milenar, mas abriga partes daquelas que aqui aproaram, provenientes da Europa e da Ásia.

Entre elas, nesses dias comemoram-se 150 anos de imigração italiana. O continente americano deve seu descobrimento, em 1492, a um italiano, Cristoforo Colombo, um gênio da navegação que fez sucesso na corte espanhola, fora da sua terra, Gênova. Assim, um imigrante italiano na Espanha, à procura do caminho das Índias, pisou nas praias da pequena ilha caribenha, por isso chamada por ele de “San Salvador”, em 12 de outubro de 1492. Entretanto, coube a outro excepcional italiano, Amerigo Vespucci, por volta de 1499, demonstrar que as terras descobertas não eram as Índias Ocidentais, não representavam regiões do leste da Ásia, como inicialmente acreditou Colombo, mas uma imensa massa de terras totalmente separadas entre Europa e Ásia, até então nunca sonhadas. Esse Novo Mundo, esse supercontinente, passou a ser chamado de “América” em homenagem a Amerigo Vespucci. Contudo, passaram-se cerca de quatro séculos para que a presença italiana se fizesse relevante no novo continente e aqui, no Brasil. Isso aconteceu quando a Itália ficou pequena para tantos agricultores em litígio entre si e com os grandes proprietários agrícolas. A necessidade de encontrar novas fronteiras se casou, na segunda parte do século XIX, com a necessidade de povoar as férteis terras do Rio

Grande do Sul, ameaçadas de invasão uruguaia e argentina. Na Serra Gaúcha foram transplantadas milhares de famílias italianas, ditas na Itália de “oriundi”, provenientes dos territórios que apresentavam mais pressão dos movimentos de sem-terra, como da região vêneta, de parte da Toscana e do sul da Itália, em especial da Calabria e da Campania. O transplante se deu com sucesso, resolvendo o problema italiano e, ainda mais, o brasileiro. Esses imigrantes trouxeram a cultura camponesa italiana, dos artesanatos, da organização social das pequenas aldeias com a solidariedade social e a religiosidade. Também várias ondas de imigrantes chegaram a São Paulo, Santa Catarina, Paraná, trazendo pessoas sensacionais, como Francesco Matarazzo, aquele que implantou no começo do século XX as maiores indústrias metalúrgicas, navais, alimentícias, têxteis e outras. Estive no vilarejo de Castallabate, província de Salerno, para entender melhor essa lenda do italiano, que me inspirou quando aqui cheguei. Lá encontrei de sobra as razões da migração. Um cacho de casinhas coladas num penhasco, voltadas para o mar Tirreno. Terras de baixa fertilidade, onde apenas figueiras se adaptam ao clima seco e à salmoura levada pelos ventos.

O que poderia ter realizado naquele ambiente de árida miséria, mesmo com toda a sua perspicácia e inteligência, Francesco Matarazzo? Talvez nem uma milésima parte do que fez aqui, deixando a seus herdeiros, em 1937, mais de 350 indústrias, frotas de navios, um império que o levou a ser considerado dono da quinta maior fortuna econômica do planeta. Mais do que isso, ele trouxe inovação, tecnologia, exemplos, coragem para transformar em oportunidade e riquezas o potencial, ainda adormecido, do gigante brasileiro. Em escala menor se contam centenas de casos parecidos com o daquele do moço que aqui chegou de Castellabate, para se tornar uma lenda, vivendo todas as etapas próprias do imigrante. Sofrimentos, necessidades, pressões, dores da partida e uma explosão de vontade e dedicação para passar por tudo e não ter medo de ser grande. As marcas da civilização italiana, trazidas pelos imigrantes, se espalharam por todo o território, na cultura, indústria, agricultura, culinária, moda e muitas outras. A presença italiana se ensinou, se mesclou sem traumas, pacificamente, como duas correntes que têm tudo a somar uma à outra. E a essa corrente sinto que me rendi com imenso prazer e gratidão.


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¬ GABRIEL RODRIGUES Imigrantes contribuíram ¬ Uma história de 150 anos que começa com uma viagem de cersignificativamente de um mês e meio em condipara cultura, economia ca ções precárias, nos fundos de um e sociedade brasileiras navio, agarrando-se à família e à

dia, com diferentes povos em conflito no território cujos limites ainda se consolidavam. Ao mesmo tempo, a Revolução Industrial e o turbilhão de um capitalismo em formação empurravam milhares de pessoas para a pobreza. “A instabilidade gera o desejo da imigração. Outro contexto é o hábito de migrar internamente na Europa. Muitos imigrantes italianos tinham tido experiências de trabalhar temporariamente na França, na Suíça, na Inglaterra”, pontua a historiadora. Os italianos foram pioneiros e abriram caminho para outros fluxos de migração em massa no Brasil, enfatiza o coordenador de formação do Museu do Café, Henrique Trindade. “Eles foram responsáveis por transformar o fenômeno migratório em um movimento de massa. São os italianos, de fato, a enfrentar em conjunto os primeiros grandes obstáculos das fazendas de café no interior de São Paulo, por exemplo, e que come-

FOTOS MUSEU DA IMIGRAÇÃO/REPRODUÇÃO

No dia 21 de fevereiro de 1874, chegava ao Brasil o vapor La Sofia, com cerca de 400 imigrantes italianos

esperança de um futuro do outro lado do oceano. Assim, partindo de Gênova, chegavam cerca de 400 italianos à costa brasileira em 21 de fevereiro de 1874, pioneiros de um movimento que atraiu 1,4 milhão de pessoas em 50 anos. A travessia, realizada no navio La Sofia rumo ao Espírito Santo, alterou para sempre não somente a vida de cada um desses desbravadores, mas a cultura e a

economia brasileiras, que ganharam contornos italianos inegáveis desde então. “Há um processo muito profundo nas imigrações, uma amálgama, uma mudança entre aqueles que estão no local e aqueles que chegam, caso eles se permitam se transformar”, introduz a professora de história da Universidade de Caxias do Sul (USC) Terciane Ângela Luchese. A decisão de sair de seu país, especialmente numa época em que a travessia era tão perigosa e precária, não se explica por simples capricho dos migrantes, sublinha a pesquisadora. Foram abalos profundos nos dois países que abriram caminho para esse movimento. A imigração italiana para o Brasil não é um deslocamento isolado, mas parte de um momento que historiadores chamam de “grandes migrações internacionais do século XIX”, explica a docente. Como outras nações europeias, a Itália vivia um processo de unificação tar-

Os italianos foram pioneiros e abriram caminho para outros fluxos de migração em massa no Brasil

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Italianos chegaram há 150 anos e influenciaram a formação do Brasil

çam a se organizar para tentar melhorar de vida, a ter certa poupança para enviar aos parentes que ficaram na Itália ou para reconstruir sua vida no Brasil”, elabora. Deste lado do Atlântico, o Brasil vivia sua própria revolução. O tráfico de pessoas escravizadas estava proibido desde 1850, e a abolição se aproximava. Assim, o país procurava uma nova mão de obra e estimulava a vinda de imigrantes. Um dos programas de incentivo prometia terras aos italianos sob uma espécie de financiamento que se arrastava pelos anos. “O pagamento durava 15, 25 anos. Encontramos diferentes modos de contrato e de sobrevivência”, completa Terciane Luchese. “Há um dissenso muito grande entre aquele sonho e desejo de se tornar proprietário de terra e ter uma vida melhor e a realidade. Havia o mito da prosperidade. Era uma terra com vegetação subtropical ou Mata Atlântica, sem nenhuma referência habitacional próxima, e assim muitas permaneceram por anos”. Nesse processo, os imigrantes começavam a se perceber, eles próprios, como um grupo unido. “Muitos se enxergavam como lombardos, sicilianos, tinham muitas identidades. Quando chegam ao Brasil, começam a ser chamados de ‘italianos’”, menciona a historiadora. Se, naquela época, a identidade italiana estava sendo construída, hoje é um alicerce herdado inclusive pelos descendentes de imigrantes. A Embaixada da Itália no Brasil estima que 32 milhões de brasileiros tenham ascendência italiana, e são tantos os pedidos de cidadania que o Judiciário de municípios italianos já se diz sobrecarregado.

Enlace histórico

Afinidade entre os países vem desde antes de 1874

Não raro, brasileiros que visitam a Itália dizem que se sentem em casa, rodeados por um povo tão caloroso quanto o do Brasil. Para o embaixador da Itália, Alessandro Cortese, a afinidade vem de séculos, antes mesmo de 1874. “Não podemos esquecer que a imigração italiana para o Brasil começou anos antes. Por

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exemplo, a última imperatriz do Brasil, Teresa Cristina, era italiana (napolitana), e entre os imigrantes ilustres, antes mesmo dos anos 70 do século XIX, destaca-se certo Giuseppe Garibaldi”, comenta, em referência ao chamado “herói de dois mundos”, que lutou tanto na unificação da Itália quanto na Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul. (GR) .

Após desembarque, família de imigrantes italianos foi para um núcleo colonial em lavoura do interior de São Paulo


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FOTOS FCA/DIVULGAÇÃO

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Com 248 empresas, economia de MG tem DNA italiano

Fiat veio para Minas em 1976 e desenvolveu uma importante cadeia produtiva

“Com a força das pessoas que já estavam com a gente, crescemos e nos transformamos em um grupo sólido e diversificado, que caminha para os seus 50 anos de história.” Vittorio Medioli Presidente e fundador do Grupo SADA

Gigantes decolaram; Fiat, por exemplo, atraiu constelação de outros negócios, como Grupo SADA

Minas e Itália é íntima e de longa data. O Estado é o que mais exporta para o país e é, também, seu segundo maior importador. Para além dessa balança comercial, que em 2023 alcançou US$ 62,9 milhões, segundo a Secretaria de Estado de Fazenda, a aliança entre mineiros e italianos está no DNA de ambos. Minas é casa de pelo menos 110 empresas de matriz italiana, como a Fiat, que geram 27 mil empregos diretos. Somadas as gigantes sem matriz na Itália, mas de raiz ítalo-brasileira, como o Grupo SADA e a Eurofarma, o total de companhias chega a 248. As informações são listadas pelo presidente da Câmara de Comércio Italiana de Minas Gerais e do Grupo Esponenti Italiani (GEI), Valentino Rizzioli. “Há influência muito forte de imigrantes italianos na economia de todo o Estado”, pontua. A cônsul da Itália em Belo Horizonte, Nicoletta Gomiero, detalha que as empresas italianas espalham-se pelos mais diversos setores da economia mineira: “Os investimentos italianos não param de crescer no Estado. Os setores com maior presença italiana são – em alinhamento com a tendência brasileira – aqueles de maquinário, au-

tomobilístico, logística, metalúrgico, construção civil, farmacêutico, agroalimentar e serviços”. A Itália está no centro do desenvolvimento industrial de Minas, capitaneado pela Fiat na década de 1970 e, hoje, fortalecido por uma constelação de empresas que chegaram ao Estado na esteira dela. Numa época em que o setor automobilístico do Brasil concentrava-se em São Paulo, a chegada da Fiat a Minas foi pioneira. Rizzioli, que já ocupou a vice-presidência do grupo no Brasil, foi um dos responsáveis pela vinda da empresa. “Quando ela chegou a Minas, praticamente implantou um setor industrial que, antes, era reservado quase exclusivamente à mineração”. A unidade de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, hoje a maior planta da Fiat no mundo, foi uma aposta alta em 1976, quando foi inaugurada. A decisão era ancorada no sucesso da fábrica de tratores industriais da empresa, implantada em Contagem no começo da década de 1970. Além disso, na disputa pela atração da companhia, foi costurado um acordo com o governador

A marca guarda algumas características originais da Itália, reforça: “O design italiano é um exemplo de algo de lá que sempre esteve presente em nossos carros, mesmo quando são desenvolvidos aqui, no Brasil. Além disso, claro, a expansividade e a paixão dos italianos também estão presentes em nossa forma de trabalhar desde que a marca chegou ao Brasil até hoje”. No encalço da Fiat (que atualmente faz parte do grupo Stellantis), vieram diversas empresas, também de raízes italianas, para atender às novas necessidades da indústria. A entrada da SADA no Brasil, em 1976, marcou também a chegada do seu presidente e fundador, Vittorio Medioli. Ele veio, ainda jovem, com a missão de iniciar a operação da matriz italiana no Brasil. Até que, em meados dos anos 1980, ela decidiu descontinuar a operação. Medioli recusou-se a desistir da empresa, mesmo em um ambiente complexo, num período em que o Brasil caminhava para o fim do regime militar e de estagnação

Valentino Rizzioli, presidente da Câmara de Comércio Italiana de Minas Gerais NEREU JR/DIVULGAÇÃO

¬ GABRIEL RODRIGUES ¬ A relação econômica entre

mineiro Rondon Pacheco para que o Estado fizesse parte de uma sociedade com a empresa nos primeiros anos de operação. “Todas as decisões eram tomadas em conjunto. Minas foi um ambiente muito bom. Com a similaridade entre mineiros e italianos, tivemos um diálogo muito fácil”, relembra Rizzioli. Ainda hoje, com todas as letras, o vice-presidente da marca para a América do Sul, Alexandre Aquino, afirma que o Brasil é o “mercado mais importante para a marca no mundo” e enumera: “Em 2023, a Fiat alcançou 21,8% de participação de mercado com mais de 475 mil unidades emplacadas”.

econômica, com retração de sua produção industrial, inflação descontrolada, volatilidade de mercados e aumento da desigualdade social. “Nesse cenário eu tinha duas opções: me reinventar ou retornar para a Itália, frustrado. Mas desistir não faz parte do meu jeito de ser. Assim, permaneci e, com a força das pessoas que já estavam com a gente, crescemos e nos transformamos em um grupo sólido e diversificado, que caminha para os seus 50 anos de história”, diz Vittorio Medioli. Hoje, o grupo conta com mais de 8.000 pessoas em suas operações no Brasil e está presente em mais de 50 cidades do país. Daquela pequena transportadora, os negócios se expandiram para dez segmentos: transporte e logística, indústria, energia, comunicação, concessionárias, silvicultura, reciclagem, esporte, serviços e atuação no terceiro setor. Também na órbita da Fiat, desenvolveu-se a fornecedora de autopeças Aethra. O fundador, Pietro Sportelli, chegou ao Brasil no final da década de 1950. Primeiro com o nome Hammer, sua empresa começou pequena, produzindo estruturas metálicas e esquadrias de alumínio. Quando a Fiat começou a se instalar em Betim, foi Sportelli que fez as esquadrias da fábrica, por exemplo.


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FOTO/MUSEU HISTÓRICO CONDE FRANCISCO MATARAZZO

Imigrantes viram oportunidades em setores ainda embrionários

GLADSTONE CAMPOS/DIVULGAÇÃO

Presidente da Eurofarma, Maurizio Billi conta a emocionante história da empresa

¬ GABRIEL RODRIGUES ¬ As relações comerciais entre

Brasil e Itália são de cifras bilionárias – a balança comercial entre os países chegou a US$ 9,8 bilhões em 2023. Os laços econômicos entre os dois vão além disso e guardam uma história de mais de um século. Gigantes da indústria italiana encontraram no Brasil um de seus terrenos mais férteis, e imigrantes, ao longo desses 150 anos, escolheram o país para erguer do zero seus negócios. O empreendedorismo italiano no Brasil tem raízes na necessidade e em uma visão de oportunidade, explica a professora de história da Universidade de Caxias do Sul (USC) Terciane Ângela Luchese. “Na agricultura, famílias de imigrantes percebiam que faltava um moinho, por exemplo, ou uma serraria, alguém que fizesse sapatos, e acabavam se

Francesco Matarazzo morreu em 1937 como o homem mais rico do Brasil

tornando proprietários de negócios também”, conta. Nas áreas urbanas, como São Paulo, a veia empreendedora de alguns imigrantes também sobressaiu: “Rapidamente, abriram hotéis, restaurantes, produziram massas adaptadas ao Brasil”, cita a pesquisadora. O exemplo máximo do empreendedorismo italiano em terras brasileiras é Francesco Matarazzo, que morreu em 1937 como o homem mais rico do Brasil. Como outros con“Famílias de imigrantes terrâneos, ele percebiam que faltava um imigrou para o país no fimoinho, por exemplo, ou nal do sécu-

uma serraria, alguém que fizesse sapatos, e acabavam se tornando proprietários de negócios também.” Terciane Ângela Luchese Professora de história da Universidade de Caxias do Sul (USC)

lo XIX. Começou com uma pequena casa de comércio em Sorocaba (SP). Enxergando oportunidade após oportunidade – de moinhos de farinha de trigo a fabricação de tecidos –, tornou-se o pai da indústria moderna no Brasil. Os pontos em comum entre histórias de sucesso do empreendedorismo italiano não são coincidência, destaca a professora Terciane Ângela Luchese: “o vínculo da ascendência, da tradição e da herança familiar são até um apelo comercial para vários produtos e narrativas”. Um exemplo de tradição que desembarca da Europa e floresce no Brasil é a Eurofarma – cujo nome é, ele próprio,

homenagem ao Velho Continente. Ela surgiu com o casal Galliano e Maria Teresa Billi. Em um novo momento da imigração italiana no Brasil, no pós-guerra, eles desembarcaram em 1957, graduados pela Universidade de Bolonha. Galliano Billi trabalhou por quase 20 anos em laboratórios no Brasil, até que decidiu dar vazão ao espírito empreendedor e iniciar o seu próprio negócio, em Interlagos (SP). Hoje uma gigante do setor farmacêutico, a Eurofarma continua na família. O presidente da empresa, Maurizio Billi, rememora que sua mãe já estava grávida, esperando-o, quando cruzou o Atlân-

Vocação para a transformação social e também econômica

Outro case clássico de aliança entre a tradição italiana e a inovação em terras brasileiras é a Bauducco. Conta a história da marca que a ideia surgiu quando o fundador, o comerciante italiano Carlo Bauducco, visitou um fornecedor de café em São Paulo em 1948 e quis presentear os Bauducco colegas brasileiros com surgiu por causa um panetone, porém não da tradição encontrou o produto. italiana de “Foi então que ele perpanetones cebeu uma grande oportunidade de negócio, pois muitos italianos já estavam morando as condições do país”, narra o dipor aqui. No ano seguinte, ele re- retor de novos negócios da Bautornou com a minha avó Marghe- ducco, neto e homônimo do criarita e o meu pai, Luigi, disposto a dor da empresa. empreender. Ele trouxe a nossa Hoje, a empresa tem cerca tradicional massa madre e come- de 7.000 funcionários, espalhaçou um trabalho de adaptação dos em seis fábricas. A expansão da produção do panetone para não a afastou de suas origens,

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O empreendedor Francesco Matarazzo é um caso extremo do sucesso ítalo-brasileiro nos negócios. A historiadora Terciane Ângela Luchese ressalta também as pequenas conquistas, que, para cada imigrante, foram imensas: “A propriedade de terra, uma vida farta, a oportunidade de os filhos estudarem. Foram desejos nutridos, e penso se não são eles os desejos de cada pessoa que parte para outro país”, reflete ela.

tico para chegar ao Brasil. “Para meu pai, para minha mãe, para toda a minha família, o Brasil representa muito. Tudo o que minha família tem, tudo que nós conquistamos, devemos a este país, que nos deu a chance de nos tornarmos alguém. O Brasil deu muitas chances para todos esses imigrantes, que não teriam condições de sobrevivência no país de onde eles vieram. E, ao mesmo tempo, essas pessoas ajudaram a construir o Brasil”, diz. Hoje, a Eurofarma também investe alto em Minas Gerais. Aquela que deve se tornar sua maior unidade está sendo construída em Montes Claros, no Norte do Estado.

Herança do Velho Continente

ACERVO BAUDUCCO

Conquistas

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Visão empresarial ergueu impérios no país

defende Bauducco: “Fazemos questão de manter uma equipe de confeiteiros italianos, e muitas de nossas receitas arquivadas em nosso Centro de Documentação Histórica estão escritas à mão em língua italiana”. Mais uma característica em

Acesse o QR Code e leia depoimentos na íntegra. Também em otempo.com.br

comum das gigantes com raízes italianas no Brasil é a vocação para a transformação social. O Grupo SADA, por exemplo, investiu mais de R$ 8 milhões só em 2022 em seu programa de voluntariado, que engaja os colaboradores em ações sociais da empresa. Foram beneficiadas 450 mil pessoas, de 125 instituições, em sete Estados no país. “Esse é um diferencial muito importante em nossa história. Desde o início, nossos esforços se direcionaram no propósito da construção de um grupo que se tornasse útil para a sociedade. E seguimos com esse direcionamento a cada novo negócio”, afirma Vittorio Medioli, fundador e presidente do Grupo SADA. (GR)


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SÉRGIO COIMBRA/DIVULGAÇÃO

Chefs em BH mesclam em receitas o melhor das referências das duas culturas

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Fusão ítalo-mineira à mesa

Tiramisù é sucesso no Ninita, restaurante de Leo Paixão

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O ÇÃ GA UL V DI

DAVI VIEIRA/DIVULGAÇÃO

¬ LORENA K. MARTINS ¬ As malas puídas dos italianos

FRED MAGNO - O TEMPO

que chegaram a Minas Gerais na virada do século XIX para o século XX não carregavam quase nenhum ingrediente. Afinal, toda a comida que os imigrantes conseguiram acumular foi devorada nas longuíssimas viagens de navio que os traziam da Europa para o Brasil. Mas, se faltavam insumos, as bagagens

Cantina Piacenza. Chef Américo apresenta receita de pappardelle

trouxeram técnicas, receitas, preparos e práticas que se mesclaram à gastronomia que já existia aqui, altamente influenciada pelas cozinhas indígena, tropeira e colonial. Portanto, não é absurdo reconhecer e reverenciar a existência de uma cozinha ítalo-mineira, que funde o que de melhor existe nos dois territórios. “É uma cozinha italiana feita da forma que os mineiros gostam de comer e com os melhores produtos mineiros que temos disponíveis”, explica o chef Leo Paixão, à frente do restaurante Ninita, que ele define como uma cozinha autêntica ítalo-mineira, em homenagem à sua bisavó de ascendência italiana, mas nascida e criada em Diamantina (MG). “Ninita era uma mineira legítima, com uma pitadinha de nonna”, relembra o chef. A união dos dois territórios é vista em pratos disponíveis no menu, como polenta cremosa de queijo meia-cura com ragu de galinha à moda pinga e frita, quiabo e ora-pronóbis, risoni de mocotó com língua na brasa e o tiramisù de bombocado com creme de queijo do serro e mousse de chocolate. Neto de italianos, o chef Américo Piacenza inaugurou a Cantina Piacenza, em Belo Horizonte, em 2008. Ele conta que a sua cozinha é um reflexo da vinda da sua avó paterna, da região da província de Salerno, ao Brasil. “Quando ela chegou e começou a cozinhar, não tiO ITALIANO. Costela de porco assada em baixa temperatura, com polenta cremosa e couve grelhada do restaurante

VICTOR SCHWANER/DIVULGAÇÃO

Cozinha da Vó Anna. Ravióli de taioba recheado com queijo canastra

nha os mesmos ingredientes, os mesmos tomates que existiam na Itália. Ela foi adaptando as receitas desenvolvidas com os ingredientes encontrados aqui”, conta Américo, que segue, há 16 anos, as mesmas tradições. “Minha cozinha é sazonal, local e com a procura de tudo que está próximo de nós”, diz. O chef e gastrônomo Eduardo Maya, à frente da Pitza 1780, contextualiza sobre a realidade do rótulo. “Cozinha ítalo-mineira é uma realidade em Minas, principalmente em BH, devido à forte imigração italiana que tivemos. Com a dificuldade de encontrar produtos italianos por aqui, tiveram que improvisar e construir uma fusão gastronômica entre os dois países. Um exemplo é a pizza de bolonhesa com palmito, que é típica de BH e não existe na Itália”, explica. HERANÇAS. Na Cantina Piacenza,

essa fusão é vista em pratos co-

mo o pappardelle com carne de sol, requeijão e crocante de couve; risoto de queijo canastra com redução de aceto e rapadura; e o ravióli de queijo e espinafre ao molho sugo, receita que é lembrança da própria avó. Além das técnicas, os italianos trouxeram a tradição da mesa cheia, da fartura e da comida afetiva. “Quando os italianos vêm até aqui, que é um restaurante italiano fora da Itália, eles chegam com esse desejo de comer uma comida de mãe, de família. E o que eles encontram aqui é uma cozinha de mãe, só que é a da minha mãe, que é mineira”, resume Américo. A Cozinha da Vó Anna, outro reduto inspirado na matriarca da família de Fernanda de Lazari, idealizadora do estabelecimento, se vale das memórias da matriarca da família para oferecer pratos autorais no restaurante, que fica dentro do Mercado Novo. Fernanda conta que An-

na, sua avó, casouse com Zé, seu avô, italiano, e, desse casamento, o reflexo veio na comida. “Eles tinham a tradição de produzir a própria massa para o almoço de domingo. Era o famoso macarrão com ‘franguinho suado’, feito na panela de pedra”, relembra ela. Ao falar sobre a cozinha que se propõe a fazer, passada de geração em geração, ela menciona ingredientes, técnicas e pratos tradicionais, que se entrelaçam nessa fusão culinária entre Itália e Minas Gerais. “A culinária italiana é simples e conseguiu se democratizar no Brasil. Sua principal característica é a utilização de ingredientes frescos e de fácil preparo. Já a culinária mineira, com toda a sua simplicidade, oferece pratos extremamente saborosos. A união das duas resulta em pratos de cores e sabores marcantes”, explica Fernanda, que lança mão de ingredientes como taioba, costelinha e pernil de panela e o queijo canastra como base na criação dos pratos e massas artesanais. VALORIZAÇÃO DO LOCAL. O chef

Bruno Leonel Albergaria, do restaurante O Italiano, também concorda sobre a valorização do produto local e a sazonalidade dos ingredientes, que é um dos pontos de intersecção entre as duas culturas gastronômicas em Minas e na Itália. Apesar de trazer muitos produtos importados do próprio país da bota – como as autênticas trufas italianas – para a criação dos pratos, algumas receitas são reflexo da imigração em território mineiro, como a costela de porco assada em baixa temperatura, com polenta cremosa e couve grelhada.


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Tradições de família

FOTOS FRED MAGNO/O TEMPO

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Imigrantes e descendentes não dispensam costumes italianos, enquanto também se integram aos mineiros e aos hábitos locais ¬ JULIANA SIQUEIRA ¬ “Em BH, todo mundo tem

Integração. Em volta da mesa farta, a família Riccio mistura costumes italianos aos mineiros

um ‘pé na bota’”. A observação do historiador e especialista em imigração italiana Anísio Ciscotto traz à tona a forte conexão do país europeu com a capital e com Minas Gerais. Há 150 anos, quando os primeiros imigrantes desembarcaram no Estado, os sobrenomes daqui e de lá se entrelaçaram em bonitas histórias de amor. Costumes se mesclam e conexões se estabelecem na arte, na música, na gastronomia, nos detalhes cotidianos. Tudo isso faz com que o ‘pé na bota’, quando não pelo sangue ou pela descendência, exista por uma rica herança cultural e afetiva presente no dia a dia dos mineiros, que, por sua vez, também se doaram aos italianos. Segundo Ciscotto, entre 1874 e 1920, cerca de 80 mil italianos desembarcaram em Minas Gerais. O Estado foi o terceiro a receber mais imigrantes italianos do país, atrás apenas de São Paulo e Rio Grande do Sul. Após essa época, outros momentos registraram um fluxo ainda maior de pessoas vindas da Itália, como no fim da Segunda Guerra Mundial e também na década de 1970. Eles vieram, sobretudo, para trabalhar nas fazendas

de café e na construção de Belo Horizonte. Por aqui, muitos constituíram família e deixaram seu legado, recheando o Estado de esperança. “Eles trouxeram muitas contribuições na arquitetura, na gastronomia. Os descendentes se estabeleceram, compraram terras, fizeram negócios e trouxeram muito deles para cá”, detalha Ciscotto. Speranza Riccio, hoje com 68 anos, foi uma das italianas que vieram para Minas Gerais. Ela desembarcou em Belo Horizonte com a família aos 6 anos, quando o pai dela veio trabalhar no setor de padarias. Aos 17, Speranza viajou para a Itália e conheceu o marido, Nicola Riccio, hoje com 75 anos. Ele também veio para o Brasil, os dois se casaram e tiveram três filhos. Um deles é o designer gráfico Graziani Riccio, de 45 anos, que diz ter ganhado muito na vida por pertencer a Minas Gerais e ao Brasil e por viver de perto também a cultura de outro país. Segundo ele conta, as tradições italianas estão presentes na vida cotidiana de todos os parentes, como os grandes almoços aos domingos, com uma grande família em volta da mesa. Uma clara herança dos italianos e que muitos mineiros tomaram para si. ACOLHIMENTO. “A cidade nos

acolheu muito bem. Meus pais adoram aqui e não pretendem voltar para a Itália. Porém, ainda conservam diversas tradições italianas. Além das reuniões de família, meu pai mantém uma casa onde tem uma parreira, planta manjericão, entre outras coisas. Ainda tem a participação em festas religiosas. To-

dos esses hábitos são fruto de uma memória muito forte da Itália. Não perdemos o vínculo”, conta Graziani, que é casado com a publicitária brasileira Claudia Cordeiro, 45, e tem uma filha de 5 anos, Cecília. RAÍZES. As grandes reuniões na “casa da avó” são também um hábito que a professora Patrizia Collina ressalta como um dos costumes italianos perpetuados pelas famílias mineiras. Hoje com três filhos e cinco netos, ela mantém a tradição reunindo a família. Patrizia chegou ao Brasil em 1972, com os pais e o irmão, após o pai, que trabalhava no Consulado da Itália na Suíça, ter sido transferido para o Estado. Poucos meses depois, ela entrou na faculdade e cursou letras. Também fez mestrado e doutorado, se tornou docente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ensinou italiano por 30 anos, mantendo vivas as suas raízes. Foi em Minas também que Patrizia viu alguns comportamentos dos brasileiros se transformarem, o que aponta para o intercâmbio cultural. Em algumas situações, essas mudanças no Estado tiveram muita relação com o que já se via na Europa e na Itália na época em que aconteceram, mostrando mais uma conexão entre diferentes povos. “Quando cheguei aqui, muitas mulheres não trabalhavam fora de casa, diferente do que eu via lá fora. Dez, 15 anos depois, vimos mulheres se tornando empresárias, médicas, cientistas. Houve uma rapidez dos acontecimentos. Admiro muito as mulheres brasileiras”, conta.

Patrizia ressalta a transformação a partir do intercâmbio das culturas italiana e mineira


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mantêm Itália em Minas Gerais FRED MAGNO - O TEMPO

Fundação Torino

Estudante cria logotipo para celebrar a imigração Um navio que simboliza a jornada dos imigrantes italianos ao Brasil. Um design com linhas minimalistas e cores que representam os dois países. Isso e muito mais é o que caracteriza o logotipo que celebra os 150 anos da imigração italiana, criado pelo aluno Joshua Azze Distel, 17, da Fundação Torino. O jovem, vencedor do concurso que contou ainda Descendente de italianos, com a participaJoshua Azze Distel, 17, ção das apostou na imagem de escolas um navio e nas cores dos Eugedois países para simbolizar n i o a jornada dos imigrantes Montada Itália para le e Dano Brasil te Alighieri, de São

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Paulo, também tem raízes italianas e, assim como a própria Fundação Torino, traz à tona uma história de integração, conhecimento e conquistas. “Sou descendente de italianos por parte de pai e de alemães por parte de mãe. Por trás do logotipo que eu fiz, teve toda uma pesquisa. Professores expuseram o cenário da imigração, o porquê de os italianos terem saído do país. Existe todo um simbolismo”, explica Distel. Para o estudante, saber e representar essa história é muito enriquecedor. A integração entre as culturas italiana e brasileira rendeu bons frutos. “Os italianos trouxeram sua cultura, suas histórias e ajudaram a cons-

truir o Brasil. É muito importante entender, dar nome e significado a esses processos”, afirma. A integração entre as culturas italiana e brasileira é um dos pilares da Fundação Torino. Fundada em 1975, a instituição oferece uma educação multicultural, pautada por valores humanistas. Os alunos têm aulas de português e italiano, além de inglês, espanhol e latim. “Essa integração acontece de forma muito natural na Fundação Torino. Temos professores italianos e brasileiros, e os estudantes transitam naturalmente entre os idiomas, as culturas. Isso é muito enriquecedor, pois dá pos-

sibilidade de eles terem uma visão mais ampla”, diz o diretor pedagógico italiano da instituição, Umberto Casarotti. Idealizadora da Fundação Torino, a italiana Silvana Rizzioli ressalta o poder da educação e da integração. Segundo ela, sempre houve um trabalho para não ter um choque entre as duas culturas. “A Fundação Torino sempre teve uma boa receptividade da sociedade”, diz ela, lembrando que é importante unir culturas, sem substituir uma pela outra. (JS)


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ITÁLIA / BRASIL FOTOS FRED MAGNO

Casa D’Itália

In flu ên cia

Palacete Dantas, de 1915, localizado na região da praça da Liberdade, na capital mineira

Uma guerra no meio da história Para o professor e pesquisador Ulisses Morata, um dos principais marcos da presença italiana em Belo Horizonte foi a Casa D’Itália, edificação construída em 1935, que, por décadas, ocupou o número 341 na rua Tamoios, no centro – “um projeto que coroava e saudava essa relação”, diz. “De autoria conjunta do ítalo-brasileiro Luiz Signorelli e do italiano Raffaello Berti, que tiveram uma atuação muito significativa em BH, a Casa D’Itália tinha elementos do estilo art decó, que era o movimento arquitetônico da vez, e ocupou o lugar de outro belíssimo edifício eclético, que era a sede da Sociedade Italiana Beneficente em BH”, informa o estudioso. Ele reflete ser curioso que o prédio tenha sido um dos primeiros a vitimar outra construção em razão da ideia de progresso. “Anos depois, ironicamente, essa mesma construção seria vitimada por essa mesma mentalidade, dando lugar a um hotel de estrutura mais verticalizada”, pontua. Antes de ser demolida, o que aconteceu em 1988, a Casa D’Itália sofreria outros reveses. “Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial ao lado do grupo dos Aliados, o prédio passou a ser alvo de depredações, chegando a ser incendiado”, indica Morata, acrescentando que, depois disso, o lugar foi tomado pelo poder público, sendo sede, primeiro, da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e, depois, da Câmara Municipal de Belo Horizonte. “Com essa sucessão de acontecimentos, muitos acervos (documentos, fotos, registros e obras de arte) se perderam”, lamenta o arquiteto, sublinhando que, apesar da perda, muitas das marcas da influência italiana no desenho de BH seguem preservadas. (AB)

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Imigrantes atuaram no desenho do plano de BH Comunidade italiana deixa legado para arquitetura e identidade da capital ¬ ALEX BESSAS ¬ Basta circular por Belo Hori-

zonte com um pouco mais de atenção para perceber como a planejada capital mineira guarda em suas ruas, prédios e monumentos a influência da imigração italiana, que se intensificou no Brasil entre o final do século XIX e o início do século XX. Também, pudera: na cidade, as contribuições dessa população se fizeram presentes desde o seu nascimento. “Eu costumo dizer que as contribuições da cultura da Itália para a edificação de BH surgem já nos primeiros traçados do plano-piloto da cidade, quando o engenheiro Aarão Reis convida o arquiteto italiano Luiz Olivieri, em 1895, para participar da Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC)”, pontua o professor e pesquisador Ulisses Morata, docente na pós-graduação em conservação e gestão do patrimônio cultural da PUC Minas, acrescentando que a vinda dele foi de suma importância nesse processo. “Além da atuação na construção civil, ele abre um escritório particular de arquitetura em uma ruela colo-

nial do Curral Del Rei, onde, ironicamente, dedica-se a fazer projetos ecléticos – que era o que havia de mais moderno à época”, situa, acrescentando que o profissional trabalhou até sua morte, em 1937, deixando um legado de mais de 400 projetos, entre os quais estão o Palacete Dantas, de 1915, localizado na praça da Liberdade, e a antiga Estação Ferroviária Central do Brasil, de 1922, atual Museu de Artes e Ofícios. O pioneirismo de Olivieri transborda para outras iniciativas. “Em 1911, ele monta a primeira exposição de arquitetura em BH. No mesmo ano, lança o livro ‘O Architecto Moderno no Brasil’, que acaba funcionando como um manual e levando a linguagem do ecletismo para outros lugares de Minas”, lembra o estudioso. Morata ressalta que, evidentemente, para além do traçado, no papel, os imigrantes italianos foram fundamentais nos canteiros de obras. Informando que Minas Gerais foi o Estado que recebeu o terceiro maior fluxo desses imigrantes no país, atrás dos Estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul, ele classifica como natural o movimento dessa população rumo a BH. “Estamos falando de um território

Obra em estilo Art Déco, antigo Palácio da Municipalidade (1937), atual Prefeitura Municipal de BH

Sede da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte

com grande presença italiana, que chegou a contar com um preposto em Gênova para captação de mão de obra”, reflete. “Como era esperado, essas pessoas foram naturalmente atraídas para a nova capital, uma vez que a construção significou, à época, a abertura do maior canteiro de obras da América Latina desde a construção de La Plata, na Argentina”.

Savassi ¬ A Savassi, na região Centro-Sul, traz em seu nome a herança italiana. Conforme o historiador e especialista em imigração italiana Anísio Ciscotto, a família cujo sobrenome nomeou a região, provavelmente vivia no Sul do país europeu. Mudou-se para o município e começou a atuar no setor de padarias. O estabelecimento recebeu o nome Savas-

si. Ficou tão famoso que se tornou ponto de referência. “No início de Belo Horizonte, as padarias, o comércio de trigo, eram feitos pelas famílias italianas. É interessante que as praças pegavam os nomes das padarias, como a praça da Savassi”, diz. O estabelecimento deixou de funcionar na região na década de 1970. (Juliana Siqueira)


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a ez qu Ri

Influência na arquitetura atravessou as gerações FOTOS FRED MAGNO

Italianos também foram fundamentais para a formação intelectual em Minas ¬ ALEX BESSAS ¬ As influências de imigrantes

italianos para o desenho arquitetônico de Belo Horizonte se estenderam muito além do traçado e execução do plano-piloto – que contou com contribuições do arquiteto Luiz Olivieri, da Comissão Construtora da Nova Capital, a convite do engenheiro Aarão Reis, e com um grande volume de trabalhadores da construção civil de origem italiana, atraídos pelo imenso canteiro de obras que se abriu na região. Afinal, nos anos seguintes, grandes mestres da arquitetura de origem ou ascendência italiana continuaram legando a BH edificações que dialogavam com a vocação moderna e a escala de grandeza de seu projeto. “São obras de diferentes períodos que têm em comum a reco- nhecida importância, seja por abrigar instituições de poder,

Banco de Minas Gerais (1938), atual Belotur, na rua Espírito Santo, na área central de Belo Horizonte

seja por contar a história da cidade. Tanto que muitas foram tombadas pelo patrimônio – pelo menos, as que sobreviveram ao tempo e à sanha demolidora e autofágica de BH, que está sempre derrubando o que entende como velho para erguer algo mais novo, em um constante sacrifício da história em nome da modernidade”, reflete Ulisses Morata, PhD em arquitetura pela Universidade de Lisboa. A historiadora Hiliana Angotti-Salgueiro, no livro “Dicionário Biográfico de Construtores e Artistas de Belo Horizonte – 1894/1940”, escreve: “Sabe-se que a Itália foi o país de onde pro-

Antiga Secretaria de Estado da Segurança Pública (1930), atual Centro Cultural Banco do Brasil

veio o maior número dos profissionais ativos nos canteiros de obras de Belo Horizonte durante gerações. É pela construção civil e pelas atividades artísticas que o imigrante se inscreve na sociedade e se afirma na cidade”. “Um desses grandes mestres italianos da arquitetura com atuação em BH foi José Lapertosa, responsável pelo projeto do antigo Palacete Márcio Alves Ferreira, de 1912 (rua Sergipe), onde funciona a Associação Feminina de Assistência Social da Polícia Militar”, diz Morata. O trabalho foi continuado por seu filho, Octaviano Lapertosa, que deixou obras como a casa onde morou o escritor modernista Cyro dos Anjos, a antiga Residência Antônio Augusto Veloso, de 1916 (rua Bernardo Guimarães, hoje, Idea Casa de Cultura). O ítalo-brasileiro Luiz Signorelli deixou obras em estilo eclético, como a antiga Secretaria de Estado da Segurança Pública (1930), hoje Centro Cultural Banco do Brasil, na praça da Liberdade. Ele trouxe o arquiteto Raffaello Berti, que desenhou a Santa Casa (1941) e o edifício que hoje é a Belotur. Signorelli e Berti têm projetos conjuntos: sede social do Minas Tênis Clube (1940) e Palácio da Municipalidade, atual prefeitura (1937).

Ó Minas Gerais! Inspiração italiana. A melodia italiana “Vieni Sul Mar”, popularizada no Brasil no início do século XX, influenciou a composição do hino não oficial de Minas. Eduardo das Neves criou “O Minas Gerais”, em 1910, inspirado por um encouraçado brasileiro homônimo. A música ganhou versões ao longo dos anos, incluindo a mais famosa: “Ó Minas Gerais/quem te conhece não te esquece jamais”, do mineiro De Moraes com Manezinho Araújo (1942). Em 1945, Paulo Roberto, então locutor da Rádio Nacional, cunhou novos versos. A alteração no refrão foi mínima: “Ó Minas Gerais!/ Quem já te viu/ Não te esquece jamais”. (Raphael Vidigal Aroeira) Antiga Residência Antônio Augusto Veloso, atual Idea Casa de Cultura

Educação

Primeira escola do gênero no país Ulisses Morata, professor e pesquisador, ressalta que, mais do que no exercício do ofício em si, muitos desses personagens de origem ou ascendência italiana contribuíram para a sistematização do ensino de arquitetura em Belo Horizonte. “Luiz Signorelli, Raffaello Berti e Octaviano Lapertosa fizeram parte do grupo de intelec-

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tuais por trás da fundação, em agosto de 1930, da Escola de Arquitetura, considerada a primeira do tipo em toda a América do Sul”, informa Morata, detalhando que, até então, não existiam instituições inteiramente dedicadas à formação em arquitetura, apenas cursos vinculados às escolas de belas-artes. “O Signorelli foi, inclusive, diretor do lugar”, complementa.

O trio, aliás, é homenageado dando nome a vias públicas de Belo Horizonte e da região metropolitana. No bairro Mangabeiras, na região Centro-Sul da capital, fica a rua Arquiteto Raffaello Berti; no bairro Cruzeiro, na mesma região, a rua Luiz Signorelli; e no Vista Alegre, em Lagoa Santa, na região metropolitana de BH, a rua Octaviano Lapertosa. (AB)


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EN TR EV IS TA

G Há pouco mais de um ano à frente do Consulado da Itália em

Nicoletta Gomiero Belo Horizonte, Nicoletta Gomiero destaca que o forte vínculo do seu país de origem com Minas Gerais auxilia a integração Diplomata, cônsul da ITÁLIA EM BELO HORIZONTE e os resultados do trabalho desenvolvido no Brasil.

Comemorações vão fortalecer relação bilateral

¬ CYNTHIA CASTRO

São 150 anos de imigração italiana para o Brasil. Como começou a relação com Minas Gerais e quantos italianos vivem aqui? Temos cerca de 48 mil cidadãos italianos residentes em Minas Gerais inscritos neste consulado, mais de 21 mil estão em Belo Horizonte. Estima-se, na região, um número superior a 2 milhões de descendentes de italianos, levando o Estado a ocupar a sexta posição em relação à maior população italiana e ítalo-descendente no Brasil. Minas foi uma das principais regiões a receber a população italiana nas ondas migratórias nos últimos 150 anos. Uma história de impacto sobre a cultura local, construída por trabalhadores que trouxeram a identidade italiana, a riqueza e a diversidade cultural. Vamos valorizar mais essa potente ligação, na programação dos 150 anos da imigração italiana no Brasil. Qual é o papel do consulado nesse trabalho de integração? Em um Estado tão grande, onde reside uma importante comunidade italiana e ítalo-descendente, o papel do consulado é, antes de tudo, atender à comunidade aqui presente, realizando com eficiência os serviços consulares, os procedimentos de registro civil e a emissão de documentos de identidade e viagens, serviços eleitorais e serviços notariais. São exemplos dos vários procedimentos administrativos oferecidos. O papel é também fortalecer as relações entre Minas Gerais e Itália e promover nosso país, o ensino da língua italiana e a cooperação bilateral em todos os setores. O forte vínculo de Minas Geraiscom a cultura italiana auxilia a integração? Quais resultados citaria? Essa forte presença é a base das excelentes relações entre Minas Gerais e Itália e uma alavanca poderosa para o consulado na integração entre os países. Um ano após minha chegada a Belo Horizonte, considero os resultados muito positivos. O papel principal do consulado é atender à comunidade italiana, realizando com eficiência os serviços consulares. Por exemplo, aumento de 25% dos passaportes emitidos e missões para levar os serviços ao interior de Minas. Os prazos para conclusão dos procedimentos de cidada-

Como está o interesse dos mineiros em obter cidadania italiana? Os números são impressionantes. Como dizia, o número estimado de ítalo-descendentes é superior a 2 milhões. Não é possível estabelecer exatamente a quantidade de pedidos. Não trabalhamos com lista de espera, e sim com número limitado de vagas, conforme a capacidade de atendimento. Pedidos de cidadania, sobretudo de passaportes, estão crescendo, em Minas e no Brasil.

O MP TE A/O T S CO EY DN RO

Qual a programação dos 150 anos da imigração italiana no Brasil? Com colaboração do Comites-MG, das associações italianas em Minas Gerais e dos parceiros institucionais, estamos preparando uma programação especial. A agenda começa em 21 fevereiro, data simbólica escolhida pelo Legislativo brasileiro como Dia Nacional do Imigrante

nia foram reduzidos, e uma série de procedimentos foi agilizada. Outra importante função, já mencionada, é o fortalecimento das relações entre Minas Gerais e Itália. Novos acordos também foram assinados para fortalecer a cooperação acadêmica, além de iniciativas culturais e artísticas e de investimentos anunciados por empresas italianas. A cooperação política e cultural é excelente, e 2024 abre-se com excelentes perspectivas para essa relação. Minas é um Estado estratégico para a Itália economicamente. Como a senhora resumiria essa relação? Minas Gerais e Itália têm longa tradição de relacionamento, com intenso diálogo político, intercâmbio de visões, proximidade social, cultural e comercial. Os investimentos italianos não param de crescer, e temos cerca de 110 empresas italianas em Minas Gerais. Os setores com maior presença são – em alinhamento com a tendência brasileira – maquinário, automobilístico, logística, metalúrgico, construção civil, farmacêutico, agroalimentar e serviços. Minas é o maior Estado brasileiro exportador pa-

ra a Itália e, nas importações brasileiras, é o segundo maior Estado importador da Itália. O Estado oferece grandes oportunidades, e há possibilidades de maior crescimento do comércio em setores novos e estratégicos, como mobilidade e moda sustentáveis, tecnologias agrícolas e inteligência artificial. O consulado está ao lado de empresas italianas e mineiras e apoia parcerias de empresas e universidades para pesquisa e inovação. Sobre o intercâmbio cultural e esportivo, o que a senhora destacaria? Minas Gerais sempre apresentou forte relação de trocas culturais com a Itália. Há significativa influência italiana na arquitetura, na moda, na gastronomia, no design e em tantas outras manifestações culturais e esportivas. Nosso objetivo é manter e expandir cada vez mais essa vital relação. O interesse pela cultura italiana não se encerra no aspecto histórico. Existe uma tendência e um desejo de fortalecer o intercâmbio. Nosso maior objetivo é

alcançar cada vez mais a população mineira, não só a ítalo-descendente, mas todos que se interessam por nossa cultura.

“As excelentes relações bilaterais refletem-se na esfera política. O diálogo com as instituições e com os partidos políticos é aberto e construtivo, graças à elevada consideração com que a Itália conta em todos os níveis.”

No âmbito político, como ocorre a troca bilateral MinasItália? As excelentes relações bilaterais refletem-se na esfera política. O diálogo com as instituições e com os partidos políticos é aberto e construtivo, graças à elevada consideração com que a Itália conta em todos os níveis. Recebi com muita satisfação e emoção a recente notícia da criação da Frente Parlamentar Minas-Itália na Assembleia Legislativa, que visa à aproximação e à valorização da comunidade italiana estabelecida no Estado. Além de ser um esplêndido testemunho do forte vínculo com a Itália também na esfera política, esta oferece uma ferramenta válida para fortalecer ainda mais as já excelentes relações bilaterais, o que certamente produzirá resultados.

Italiano, e contará com cursos, concertos, produções artísticas e encontros. No dia 21, teremos o lançamento do curso online “Italianos no Brasil e italiano do Brasil: emigrantes, imigrados e ítalodescendentes”, com o professor Emilio Franzina. No dia 22, um recital realizado pelo Comites- MG em parceria com a Secretaria de Cultura e Turismo do Estado. Em março, a série documental “Figli del Lavoro”, que vai relatar lembranças e histórias vivenciadas e/ou transmitidas por 26 descendentes de 19 famílias de imigrantes italianos residentes em São João del-Rei, e, já no ar, o site do Museu Virtual da Imigração Italiana em Minas Gerais. O programa se desenvolverá ao longo do ano.


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REPRODUÇÃO/ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL

s ho in m Ca Mapas de região brasileira atribuídos ao italiano Francesco Tosi Colombina

Genovês fez estudos essenciais para povoamento do Brasil sultar na construção de Brasília, inaugurada em 1960. Antes de desembarcar na América portuguesa, Tosi Colombina, que nasceu em 1701, foi tenente da Guarda Real da Prússia – o principal Estado ¬ RENATO ALVES do império alemão –, tendo O TEMPO BRASÍLIA participado de duas campa¬ Mais de 200 anos antes de re- nhas militares na Itália. Ele ceber a nova capital do país, du- também lecionou geografia rante a gestão do mineiro Jusce- na Academia Militar da corte lino Kubitschek, a região Cen- alemã. Então engenheiro, geótro-Oeste foi desbravada por um grafo e cartógrafo com certo italiano. Engenheiro militar, geó- renome na Europa, acabou grafo e cartógrafo, Francesco To- sendo contratado pelo reino si Colombina, nascido em Gêno- de Portugal para atuar no cenva, apresentou aos europeus, tro do Brasil, onde desembarpor meio de mapas, relatórios e cou em 1723. Profissionais itadesenhos, as belezas e riquezas lianos dessas áreas eram tidos do interior brasileiro. Seus estu- como os melhores à época. dos serviram a integrantes de exTosi Colombina foi incumbipedições designadas para fazer do de ensinar os novos avanços levantamentos que viriam a re- da cartografia, iniciativa financiada com o ouro extraído nas Minas Gerais, depois em Mato Grosso e Goiás. A corrida pelo ouro já havia ajudado a povoar o inteExpedição rior do Brasil, com gente saída de toO engenheiro militar, geógrafo e dos os cantos do cartógrafo italiano Francesco Tosi país, de Portugal Colombina ficou no Brasil até 1756. Em e outras colônias pouco mais de uma década de missões mundo afora. pelo Brasil, o genovês explorou ainda a Mas a administraregião Sul. Ele dirigiu a expedição que ção portuguesa marcou a descoberta portuguesa do rio queria estruturar Tibagi e da serra de Apucarana, no as novas capitanias Paraná, tendo, inclusive, sugerido de Goiás e Mato Groscomo ocupar o território e pacificar so, para consolidar o os indígenas de forma menos território obtido pelo violenta que a dos Tratado de Madri em trobandeirantes paulistas. ca da colônia de Sacramento

Mapas de Francesco Tosi Colombina subsidiaram a construção de Brasília

(Uruguai) e das Filipinas. PRIMEIRO MAPA. Como era costu-

me naquele período, Tosi Colombina viajou em lombo de burro durante os dois anos de sua missão na capitania de Goiás. Além de possibilitar o transporte de ouro e mercadorias, as precárias estradas de terra do século XVIII levavam os viajantes a um Brasil quase inexplorado, muito diferente do já bastante ocupado litoral. Nas estradas, a paisagem mostrava a dimensão e a riqueza das terras sob domínio português. Historiadores dizem que essa jornada gerou o “Mapa da Capitania de Goyaz e Capitanias Circunvizinhas”, que ele teria começado a desenhar em 1749 e concluído em 6 de abril de 1751. O documento mostra com detalhes os caminhos de Goiás, os arraiais e, principalmente, os rios. “Retrata o epicentro das nascentes dos maiores sistemas hidrográficos brasileiros”, como destacou o historiador italiano Riccardo Fontana. Também analista político e econômico, Fontana publicou, em 2004, o mais completo estudo sobre a vida e obra de Tosi Colombina. No livro, que leva o nome do explorador italiano, Fontana evidenciou a importância dos mapas de regiões brasileiras desenhados pelo compatriota. O do Centro-Oeste é o primeiro dos limites de Goiás, Mato Grosso, Pará, Maranhão, Pernambuco e do sul do país.

Plano de transferência da capital O mapa de Tosi Colombina foi feito oficialmente para servir de base técnica ao Tratado de Madri, em que portugueses e espanhóis delimitaram seus territórios na América do Sul. Também fazia parte de um plano secreto do marquês de Pombal, que pretendia levar a capital do litoral para o interior do país. Tornaria o Rio de Janeiro uma capital temporária, até que fosse erguida uma cidade nova nessas regiões interioranas. Mas esse plano só seria concluído mais de 200 anos depois, com a construção de Brasília, uma cidade de traços modernistas, pensada como símbolo de um país novo, livre e promissor.


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Es po rte

A paixão da torcida que forjou um clube Fundação do Palestra Itália, hoje Cruzeiro, foi essencial para consolidação identitária da colônia italiana em BH ARQUIVO/CRUZEIRO

¬ RODRIGO RODRIGUES

¬ “O Palestra Itália não

Um registro antigo; imagem revela o primeiro time do Palestra Itália, fundado em BH, no ano de 1921

“Os italianos jogaram em vários clubes de BH (Americano, Yale, Scratch Italiano e Palestra Brasil), mas não existia um grande clube que representasse a colônia. Por causa desse desejo de representatividade, a demanda pela construção de um clube que representasse essa necessidade popular ganha mais força”, enfatiza Chaves. Em reunião ocorrida em 2 de janeiro de 1921, na fábrica de artigos esportivos e calçados de Agostinho Ranieri, na rua dos Caetés, nascia a Società Sportiva Palestra Itália, que hoje é o Cruzeiro Esporte Clube. “O Palestra é a comunidade italiana. Nasceu da vontade da comunidade, não de uma pessoa ou de um grupo. Era um sentimento muito represado. Houve essa junção de interesses dos italianos que se fortaleceu”, exalta Ciscotto.

Palmeiras

‘Sobrevivente’

Palestra resistiu à guerra e fez nascer o Cruzeiro Os entraves encontrados pelos imigrantes italianos no Brasil e em Minas Gerais foram potencializados pelos conflitos mundiais da primeira metade do século XIX. No futebol, não foi diferente. “É preciso entender que a formação dos maiores clubes de Belo Horizonte ocorre no contexto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Por isso, existia certa tensão sobre o que a presença desses italianos significava”, argumenta o historiador Geovano Moreira Chaves. Após 18 anos de atividade do Pales-

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Primeiro carrasco Attilio Turci nasceu em BH, em 5 de março de 1905. Seus pais, Giovanni Turci e Ester Serra, chegaram ao Brasil em 1896. Em 17 de abril de 1921, Attilio fez dois gols para o Palestra na vitória sobre o Atlético (3 a 0), no primeiro clássico da história. “Mesmo tendo parado de jogar jovem para cuidar da família, ele nunca perdeu a paixão pelo Cruzeiro. Sentimento herdado por filhos, netos e bisnetos”, conta Maria Izabel Sannazaro Turci, nora de Attilio. (RR)

Quando foi fundado em Belo Horizonte, o Palestra Itália já tinha um coirmão em São Paulo, nascido em 26 de agosto de 1914 e com os mesmos propósitos: congregar os imigrantes italianos daquele Estado. Com isso, foi solicitado o estatuto daquele clube para servir de base ao recém-criado. Em 14 de setembro de 1942, a agremiação paulista também se viu obrigada a mudar de nome, em função da Segunda Guerra, e, desde então, passou a se chamar Sociedade Esportiva Palmeiras.

tra Itália, eclodiu a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Em 1942, o então presidente Getúlio Vargas entrou no conflito contra os países do Eixo (Itália, Alemanha e Japão), e os reflexos foram sentidos. Qualquer referência à Itália passou a ser combatida, e o governo decretou a nacionalização dos nomes. O Palestra Itália se transforma em Palestra Mineiro e, depois, em Ypiranga Esporte Clube. Nenhum dos dois vingou. CONSTELAÇÃO. O presidente do

conselho, Oswaldo Pinto Coelho, sugeriu Cruzeiro Esporte Clube, em alusão ao principal

símbolo do país, a constelação do Cruzeiro do Sul. A ideia foi aprovada e, no dia 7 de outubro de 1942, surgiu o Cruzeiro. “A mudança de nome não foi demérito, vergonha. Na verdade, isso é uma das coisas mais lindas da história do Cruzeiro, motivo para a torcida se orgulhar. A mudança de Palestra para Cruzeiro é a de um clube que sobreviveu a um planejamento de destruição em função de guerra”, enaltece o historiador, ao ressaltar que o clube sobreviveu aos conflitos da Segunda Guerra Mundial. (RR)

Maria Turci (à esq.), neta de Attilio, e sua mãe, Maria Izabel, nora do ex-jogador ARQUIVO PESSOAL

é um clube que deu origem a uma torcida, mas uma torcida que deu origem a um clube”. A conclusão é de Geovano Moreira Chaves, doutor em história pela UFMG. A exaltação dirigida à parcela que enche de paixão as arquibancadas em Belo Horizonte e pelo país afora é fruto de minuciosa pesquisa, que remonta ao fim do século XIX e às primeiras décadas daqueles que seriam os cem anos seguintes. O período é relativo à imigração de italianos que vislumbraram em terras tupiniquins ambiente propício e solo fértil para vida digna e próspera. “O projeto de construir Belo Horizonte demandava mão de obra que atuasse na construção civil. Com isso, surgiu a possibilidade de atrair trabalhadores italianos, que já estavam em regiões onde se cultivava café, por exemplo, no Sul de Minas, no Vale do Paraíba, no leste do Estado. Porque existia a crença de que esse italiano era mais conhecedor do trabalho na construção civil, e também havia o fato de ser um ofício barato e fácil de ser explorado”, explica Chaves. O historiador aponta que poucos italianos que vieram para o Brasil eram pessoas com condições financeiras razoáveis. Por outro lado, a pobreza era a tônica da maioria dos imigrantes que se mudaram para a capital mineira. O futebol belo-horizontino daquela época estava inserido no mesmo contexto social. A colônia italiana na capital mineira se utilizou da criação de associações para o fortalecimento no novo território como forma de ajuda mútua. “Aliás, era um movimento que o governo italiano implementou nessa época, nas décadas de 1910 e 1920. Houve o incentivo para a criação de associações que valorizassem o sentimento da pátria italiana, porque a Itália tinha sido unificada havia poucos anos (entre 1848 e 1871)”, esclarece Anísio Ciscotto, historiador e conselheiro do, hoje, Cruzeiro. Na esteira dessas associações, o futebol se apresenta como elemento essencial para construção e consolidação identitária da colônia que fincou raízes naquela que viria a se tornar a capital de Minas Gerais, a partir de 12 de dezembro de 1897.


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ITÁLIA / BRASIL

AGÊNCIA I7/SADA CRUZEIRO - 16.2.2024

ria tó Vi

REPRODUÇÃO INSTAGRAM @VITTORIO.MEDIOLI

Time do Sada Cruzeiro reunido na celebração do décimo título do Sul-Americano, conquistado em 2024

“São inúmeros os componentes do sucesso, e o fato de ser Cruzeiro é um deles, que tem essa energia, essa coisa de se superar, o amor do torcedor pelas cinco estrelas.” Vittorio Medioli

Multicampeão

8 4 10 15

Superligas conquistou o Sada Cruzeiro

Mundiais tem o clube do Barro Preto

Sul-Americanos soma o time mineiro de vôlei

campeonatos mineiros de vôlei

Mão italiana dos gramados para as quadras do mundo HEDGARD MORAES/MINAS TÊNIS CLUBE

Parceria entre a Sada e o Cruzeiro fez nascer um dos maiores times de vôlei da atualidade ¬ RODRIGO RODRIGUES ¬ Oitenta e oito anos após a fun-

dação do Palestra Itália, outra iniciativa desportiva com DNA italiano surgiu em Belo Horizonte. Originado da parceria entre o Grupo Sada, do empresário ítalo-brasileiro Vittorio Medioli, vivendo no Brasil desde 1976, e o Cruzeiro, nasceu o Sada Cruzeiro, time de vôlei que, em pouco tempo, tornou-se um dos principais expoentes da modalidade no Brasil e no mundo. O projeto iniciou-se em 2006, com o Sada Betim, até se unir ao clube do Barro Preto. A exemplo do Palestra, a equipe chegou às quadras com grande torcida, herdada do time de futebol. Do mesmo modo, de lá para cá, empilhou uma série de títulos e se tornou “campeã de tudo”. Entre outras conquistas, ostenta em sua sala de troféus o octacampeonato da Superliga, 15 Mineiros, sete Copas Brasil, cinco Supercopas, dez Sul-Americanos e quatro Mundiais de Clubes. “Desde o início, nunca deixamos de pensar no melhor possível para o time. Nasci em Parma, cida-

de que consagrou o primeiro time campeão do mundo de clubes de vôlei, e o esporte, de certa forma, sempre me acompanhou. Nós, do Sada Cruzeiro, sempre estivemos atentos à inovação, em termos um ambiente focado, de olhar os detalhes, adotar princípios firmes, enxergar longe, preparar condições, respeitar o adversário, ter a vitória como um ideal e um grupo que acredita no que estamos fazendo. Escalar o cume da montanha e não parar no meio da encosta sempre foi a nossa meta. E, algumas vezes, conseguimos alcançá-la”, avalia Medioli. MISTURA PERFEITA. O fundador

do Sada Cruzeiro também destaca a parceria de sucesso com o clube do Barro Preto. “Acredito que são inúmeros os componentes do sucesso, e o fato de ser Cruzeiro é um deles. O Cruzeiro tem essa energia, essa coisa de se superar, o amor do torcedor pelas cinco estrelas. Isso tudo é muito lindo e é um incentivo a mais para a nossa equipe”, diz o empresário. Lidson Potsch, presidente do Cruzeiro, aponta que o espírito visionário que deu origem ao Palestra Itália também contagiou o time de vôlei. O dirigente ressalta que o clube nunca parou de se reinventar, de se tornar referência também em outras modalidades. “Em 2009, foi iniciada a par-

Amor por MG

Técnico rival já é ‘mineiro’ de coração O Minas Tênis Clube não foi fundado por italianos, mas, desde 2019, tem no comando do vôlei feminino um profissional natural de Treviso, na região de Vêneto. “Já tive várias experiências longe da Itália. Trabalhei quatro anos na seleção da Turquia, quatro na Liga Polonesa, além de Azerbaijão, Romênia e Eslovênia. Conhecendo muitas realidades, posso dizer que Minas tem o estilo de vida e a mentalidade esportiva mais parecidos com a Itália”, conta o técnico Nicola Negro, 44. Minas é o lugar mais distante da Itália onde o técnico trabalhou, mas, aqui, ele diz sentir-se em casa. “Amo Minas, amo Belo Horizonte e construí a página mais importante da minha carreira aqui”, revela Negro. Pelo Minas, o treinador conquistou duas Superligas (2020/2021 e 2021/2022), duas Copas Brasil (2019 e 2021) e um Sul-Americano (2024). (RR)

7 “Amo Minas Gerais, amo Belo Horizonte e construí a página mais importante da minha carreira aqui. Tivemos muitos sucessos nesses anos e vamos por mais.” Nicola Negro

ceria muito bem-sucedida com o time de vôlei e o Vittorio Medioli, um grande italiano. Representantes da ala italiana no Cruzeiro na época, como o Anísio Ciscotto, auxiliaram nessa interlocução. Acredito que foi a mistura perfeita, unindo a tradição do Cruzeiro com a força de um time que também tinha o DNA azul da Itália. O Sada Cruzeiro hoje é um clube que ultrapassou fronteiras e que leva a imagem do Cruzeiro para o mundo”, comemora Potsch.


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Um intercâmbio valioso, que trouxe para o Brasil, e para Minas Gerais, muita diversidade na cultura, culinária e arquitetura, além de fortes investimentos na economia e incentivo ao esporte e a tantas outras áreas. No dia 21 de fevereiro de 1874 desembarcava no Espírito Santo o navio que trazia os primeiros italianos imigrantes. Era o início concreto de uma potente relação bilateral que se fortalece a cada ano.


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