Os Desafios das Cidades - Introdução

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Introdução

Na última década, assistimos a uma valorização do papel das cidades e ao reconhecimento da importância das instâncias locais e regionais por parte de vários organismos internacionais, nomeadamente a Organização das Nações Unidas (ONU), a União Europeia (EU), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE),

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a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e o Conselho Europeu de Urbanistas (CEU). Como é referido na Declaração das Nações Unidas sobre as Cidades no Novo Milénio, 2001. “Incentivemos o papel da economia e o progresso nas cidades, através das parcerias público/privado, num contexto globalizado, bem como o fortalecimento das pequenas e microempresas. As principais cidades e os polos urbanos têm o potencial de maximizar os benefícios e de compensar as consequências negativas da globalização. As cidades quando bem geridas proporcionam um ambiente económico capaz de gerar oportunidades de emprego, bem como de oferecer um vasto leque de bens e serviços”. Num dos seus trabalhos sobre a evolução da população mundial, esta organização evidencia a tendência de concentração da população nas cidades, passando de 13% em 1900, para 29% em 1950, 50% em 2010 e projetando para 2050 uma população urbana que pode ultrapassar os 70% da população mundial. Verifica-se atualmente no nosso país, um fluxo contínuo de pessoas, que trocam as áreas rurais por áreas urbanas, provocando uma concentração da população nas cidades. Em 1950, Portugal tinha menos de um terço da população a viver em áreas urbanas, e, atualmente, tem mais de 60 por cento da população nas cidades, estimando-se que essa percentagem chegue aos 80 por cento em 2050 (Mendes, 2011). O século XXI poderá ser considerado um século urbano. As cidades serão palco de grandes mudanças e acontecimentos, bem como protagonistas privilegiadas nas estratégias de modernização e desenvolvimento. Terão uma importância crescente como catalisadores de desenvolvimento das regiões, transformação das economias e criação de qualidade de vida. Os desafios e o futuro das cidades, bem como a procura dos melhores


caminhos de desenvolvimento e sustentabilidade, serão cada vez mais emergentes. É um facto consensualmente aceite e reconhecido que “a partir dos anos de 80, vem-se assistindo ao recrudescimento do interesse pela cidade, o que provocou reflexões científicas em torno desta questão e uma nova visão dentro do contexto internacional relativamente diverso. Hoje acredita-se que nenhuma região, nenhum país, pode ignorar o potencial de transformação de inovação e de difusão do conhecimento que se concentra nas cidades, qualquer que seja a sua dimensão e a sua posição relativa na hierarquia urbana europeia” (Conselho Económico e Social, 1997, p. 69). As cidades e as regiões de Portugal têm, igualmente, de se preparar para fazer face aos novos desafios da globalização e do incremento das tecnologias da informação, procurando adaptar-se aos mercados internacionais, quer pela flexibilidade das suas estruturas produtivas, quer pela capacidade de se inserirem em redes regionais e mundiais. Neste sentido, os diversos atores das cidades devem “pensar em todas as dimensões que permitam a articulação de estratégias locais e regionais no quadro das tendências globais “pensar globalmente, agir localmente” (CEU, 2003, p. 35). Nas próximas décadas, serão vários os desafios colocados às cidades, desde os fenómenos migratórios à integração de diferentes culturas, aos problemas ambientais e de segurança, às questões sociais, como o emprego e a habitação, aos desafios económicos provocados pelo desenvolvimento da economia digital, do empreendedorismo e inovação, da localização e deslocalização empresarial. Estarão também presentes as questões de planeamento urbano, recuperação urbanística, regeneração urbana, gestão e preservação dos solos, dos recursos naturais e especulação imobiliária. Estas questões vão contribuir para aprofundar o estudo do desenvolvimento local e regional. As cidades despertam cada vez mais a atenção dos diversos investigadores e das novas ciências: gestão, estratégia, planeamento e marketing. A gestão e o marketing estratégicos são fundamentais para promoverem a adaptação das cidades aos mercados internacionais e poderão dar um contributo eficaz para fazer face à resolução dos problemas locais, respondendo aos desafios e condições impostas pela globalização (Vainer et al., 2000). As cidades estão em permanente mudança. Por isso, são necessárias novas formas de pensar a cidade, refletir sobre metodologias, modelos, instrumentos e abordagens de gestão inovadoras que possibilitem uma visão estratégica do desenvolvimento. A aplica-

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ção desta atitude baseada no planeamento e com origem nas metodologias de gestão empresarial, aplicada às cidades, é considerada como muito vantajosa porque permite:

• “Oferecer uma visão global e intersectorial do sistema urbano a longo prazo; • Identificar tendências e antecipar oportunidades; • Formular objetivos prioritários e afetar os respetivos recursos; • Estimular o diálogo e o debate interno; • Gerar consenso e compromisso comunitário para a ação; • Promover a coordenação entre as diferentes entidades;

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• Fortalecer o tecido social e promover a sua mobilização” (Quinta, 2002, p. 3).

Assim, no âmbito do presente livro, pretendemos analisar o fenómeno da gestão e marketing estratégicos no desenvolvimento das cidades, procurando respostas para os desafios e interrogações com que se deparam as cidades. Apesar de ser crescente o interesse na área da gestão, do marketing e do planeamento aplicado às cidades e da sua importância para o desenvolvimento e crescimento dos países, este é um tema ainda pouco explorado e investigado. Neste capítulo, vamos seguir um percurso que se inicia com a introdução ao tema em análise e a discussão da sua pertinência. De seguida, será formulado o problema, os objetivos da investigação e o objeto de estudo. Por último, apresentamos a abordagem metodológica e a estrutura do livro.

1.1. Conceito e Modelos de Cidades O conceito de cidade tem vindo a evoluir ao longo da história. Vários autores têm contribuído com as suas reflexões para a definição de cidade, desde Platão, Maquiavel, Lefebvre, até aos mais contemporâneos Jean Pelletier e Charles Delafante, Milton Santos entre muitos outros. Verificamos que esses contributos não podem ser dissociados no espaço e no tempo. Cada indivíduo apreende e define a cidade de forma diferente, de acordo com a sua visão, formação e reflexão. A dimensão, diversidade e as várias funções desempenhadas caracterizam a cidade de forma subjectiva, num processo interactivo em que cidade e homem se moldam.


Apresentamos de forma necessariamente sintética, algumas formulações introdutórias do conceito de cidade:

Quadro 1: Conceitos de Cidade Autores

Definição

Santos (2000)

Caracteriza a cidade como multidimensional e um lugar em que é possível uma mistura de interpretações mais ou menos corretas do mundo, do país e do próprio lugar.

Pelletier (2000)

A cidade é um lugar de troca de todas as naturezas, um local de prestação de serviços, quer à sua própria população, quer à do exterior. Estas funções são as do comércio de todas as dimensões, das atividades de serviços aos particulares e às empresas: bancos, escritórios, administrações, equipamentos de saúde, espetáculos e atividades lúdicas.

Lopes (2009)

As cidades são espaços naturais de acolhimento das instituições projetantes de inteligência e acumulação de saber – territórios estratégicos da inovação e criatividade; habitats da excelência da humanidade, centrados no conhecimento, na aprendizagem e na difusão do saber.

Estes autores defendem que, num mundo em movimento, a definição de cidade só pode ser evolutiva e fundamentada em vários critérios, população, função ou os sócio-culturais. A cidade pode ser entendida como um espaço social, onde os residentes têm direito a usufruir da cultura, do ambiente, da riqueza, dos bens e serviços, desfrutar do conhecimento coletivo, do direito ao trabalho e à participação nas decisões comunitárias. No que respeita à dimensão, a classificação das cidades tem vindo a evoluir para uma visão dinâmica que considera diversas variáveis: dimensão demográfica, qualidade das relações externas, especialização e diversificação económica, importância na região, organização espacial e índices de qualidade de vida. O cenário mundial, de profundas transformações estruturais e incertezas quanto ao futuro das cidades, tem proporcionado um campo fértil para a proliferação de modelos de gestão urbana e estratégias de desenvolvimento local. Com o objectivo de diversificar as

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alternativas viáveis para a resolução dos problemas urbanos, têm surgido diversos modelos de cidades, apresentados no quadro seguinte:

Quadro 2: Modelos de Cidades Cidade

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Coerente

Competitiva

Conhecimento

Digital

Autores

Definição

CEU (2003)

A cidade coerente integra um conjunto variado de mecanismos de coerência e de interligação que atuam a diferentes escalas; incluem tanto elementos de coerência visual e material das construções, como os mecanismos de coerência entre as diversas funções urbanas, as redes de infraestruturas e a utilização das novas tecnologias de informação e de comunicação.

Lopes (2009)

A cidade competitiva associa uma gestão qualificada, aberta, dinâmica, estimulada pelos atores e agentes, ignorando a obsessão de tudo definir de forma definitiva e, pelo contrário, mobilizando à elaboração de projetos de cidade aberta à novidade, à incerteza, à oportunidade, flutuando com princípios, medindo para corrigir, retroagindo com nova informação, operacionalizando sobre as oportunidades, convocando em permanência a negociação e a produção de compromissos úteis ao projeto, uteis à cidade.

Loupa (2004)

É segundo a definição de alguns autores e dentro do contexto da nova economia do conhecimento, uma síntese entre a cidade que é criativa e a cidade científica e digital. Ou seja um mix onde a ciência e a cultura se unificam, onde se exprime uma ecologia urbana com base no desenvolvimento tecnológico.

Besselaar (2000)

A cidade digital pode ser vista como um recurso prático para a organização da vida diária que pode contribuir para o comércio eletrónico local, para o fornecimento de serviços públicos on-line e como suporte para as atividades económicas regionais.


Cidade

Empreendedora

Incubadora

Global

Autores

Definição

Borja (1994b)

O empreendedorismo no âmbito das cidades indica uma tendência de redefinição do papel e atuação dos governos locais relativamente à economia, com o objetivo de atingir uma maior eficiência na gestão urbana, permitindo às cidades um aumento da competitividade no mercado global. Esse novo estilo significa que o governo local assume um papel de facilitador e coordenador de um conjunto de forças mobilizadas, procurando parcerias público-privadas, novos financiamentos e investimentos externos, bem como outras formas de cooperação e de concertação entre governo, instituições, empresas e agentes sociais. O sentido de empreendedor é catalisar forças para a construção de projetos estratégicos procurando usar os recursos de forma inovadora, de modo a obter maior eficiência.

Mendes (2011)

É uma cidade que atrai talentos, que estimula a inovação, que está sempre conectada, que procura um funcionamento sustentável e que assume a sua autenticidade. A cidade incubadora diferencia-se pela originalidade e intensidade do processo de incubação generalizado em cada uma das suas dimensões. A cidade incubadora pode ser a cidade intelectual, a cidade inovadora, a cidade conectada, a cidade sustentável, a cidade autêntica; ou algo de todas elas, dependendo da forma como aposta e respira em cada uma destas dimensões.

Sassen (2003)

Uma cidade global tem uma função de produção económica e uma outra política. A função de produção económica é aquela que é mais evidente e tem em consideração o seguinte: “Uma cidade global tem recursos e competências necessárias para a gestão de operações globais relativas a empresas e mercados, quer sejam nacionais ou internacionais”. À função de produção política compete a “criação e facilitação de culturas de gestão e profissionais, frequentemente num sentido especializado, que são, em parte, desnacionalizadas, que facilitam a radicação de elites profissionais e empresariais nacionais e estrangeiras”.

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Cidade

Saudável

Sustentável

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Autores

Definição

Hancock (1988)

Uma cidade saudável é aquela que de forma contínua melhora o seu ambiente físico e social assim como potencia os recursos comunitários que permitem à população realizar todas as funções da vida e auto desenvolver-se até ao seu máximo potencial a partir de uma perspetiva de apoio mútuo.

Conselho Internacional para as Iniciativas Ambientais Locais (1994)

O desenvolvimento sustentável é o que disponibiliza serviços ambientais, sociais e económicos de base a todos os residentes numa comunidade sem ameaçar a viabilidade dos sistemas naturais, construídos e sociais de que dependem esses serviços.

De uma forma resumida abordamos os principais conceitos e modelos desenvolvidos por diferentes autores e discutidos no seio de diversos organismos internacionais, nos últimos anos1. São apenas alguns exemplos que nos permitem uma reflexão sobre o desenvolvimento urbano no presente e que, ao mesmo tempo, possibilitam algumas pistas importantes para o futuro das cidades. As cidades são interpretadas de acordo com diferentes pontos de vista, o que resulta em distintas abordagens relacionadas com o conhecimento, o capital humano, a inovação, a saúde, o urbanismo, a sustentabilidade, novas formas de gestão e novas tecnologias, procurando um(a):

• Comunidade forte, solidária e constituída sobre bases de justiça e equidade social; • Ambiente limpo e seguro, favorável à saúde e à qualidade de vida; • Satisfação das necessidades básicas dos cidadãos, como alimentação, habitação,

trabalho, acesso a serviços de qualidade, educação e assistência social; • Vida cultural e desportiva ativa; • Economia forte, diversificada e inovadora; • Melhor participação dos cidadãos na democracia local; • Atração de pessoas, talentos, conhecimento, tecnologia, investimentos e eventos;


• Utilização das tecnologias de informação que podem contribuir para a redução da

burocracia, a generalização do comércio eletrónico e oferta de novos modelos

de lazer; • Utilização eficiente dos recursos naturais e da energia; • Regulação do uso e ocupação do solo.

De forma diferente, todas as abordagens aspiraram aos mesmos objetivos: o desenvolvimento da cidade e a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Neste sentido, constatamos, à luz dos diversos pensamentos analisados, que a única alternativa à cidade é uma cidade melhor e concluímos que o conceito de desenvolvimento sustentável é o mais abrangente, porque tem em conta os princípios da competitividade económica, justiça social e sustentabilidade ambiental. O conceito de desenvolvimento sustentável, aplicado às cidades, envolve preocupações com a qualidade de vida, com critérios de equidade entre as populações atuais, equidade intergeracional, bem como as dimensões sociais, económicas e éticas do bem-estar humano. O princípio da sustentabilidade consiste em criar condições urbanísticas, sociais, económicas, culturais e ambientais para se viver com qualidade nas cidades do futuro. “O conceito de cidade sustentável tem como objetivo fundamental o bem-estar da população a longo prazo. As cidades devem assim funcionar como centros estratégicos para difundir novos padrões de comportamento e novos valores de uma ecologia verdadeiramente humana. A cidade sustentável é assim um processo criativo, local e equilibrado, alargado a todas as áreas da administração local, em que a cidade é encarada como um conjunto orgânico, onde se tornam visíveis os efeitos das suas ações significativas possibilitando aos cidadãos escolhas refletidas que garantam a qualidade do viver urbano” (Lopes, 2009, p. 83). Nesta perspetiva “um dos principais contributos da Europa no séc. XXI será o novo modelo de desenvolvimento das cidades antigas e modernas: cidades verdadeiramente coerentes em todos os sentidos da palavra; cidades inovadoras e produtoras de riqueza, criativas nas ciências, na cultura e nas ideias, assegurando condições de vida e de emprego decentes, em quantidade e em qualidade; cidades que assegurem a coerência entre o passado e o futuro através do pulsar do presente” (CEU, 2003, p. 22).

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A cidade transforma-se no palco privilegiado de atuação dos diferentes atores que incrementam o complexo processo de desenvolvimento. É o lugar onde o homem moderno escolheu viver, trabalhar, divertir-se e transformar os sonhos em realidade. É o espaço da casa, da pessoa, da família, do lazer, do negócio, da empresa, do público e do privado, mas é também, o espaço da rua, do jardim, da praça, da multidão, do público e da política. A polis é a matriz da cidadania, o terreno fértil das mudanças sociais e de inúmeros desafios (Sequinel, 2002). Para poderem superar os desafios e se afirmarem num contexto de globalização, as cidades têm que ser capazes de gerar e acumular:

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• Qualidade de vida e sustentabilidade; • Economia e geração de riqueza; • Conhecimento, inovação e criatividade.

Uma cidade para ser bem-sucedida no futuro deve criar as condições para o seu desenvolvimento, competitividade e sustentabilidade, encontrando uma razão de ser, uma vocação, um caráter, um perfil próprios, uma atratividade, vários fatores de diferenciação e capacidade sustentada de oferta de serviços, capacidades e competências. Cada cidade tem de ter a sua política e procurar a sua estratégia de afirmação e desenvolvimento para poder ter êxito no atual contexto de competição global (Lopes & Esteves, 2011). Estes autores propõem uma nova missão e uma nova visão para as cidades portuguesas. “As cidades, enquanto sistemas urbanos dotados de racionalidade económica, são atores básicos de desenvolvimento, assumindo um papel ativo na dinamização e potenciação dos seus ativos estratégicos e na organização do espaço, para produção de riqueza e bem-estar, com vista ao desenvolvimento económico e social sustentável, e à afirmação, de si próprias e do país, no quadro global”. “As cidades portuguesas, enquanto sistemas urbanos, devem constituir-se como os motores da transformação e os centros de racionalidade do desenvolvimento económico e social sustentável e de afirmação da economia portuguesa e de Portugal no Mundo” (Lopes & Esteves, 2011, p. 16). Para poderem cumprir este desígnio são necessárias políticas territoriais que permitam ganhar escala e aumentar a massa crítica das cidades de média dimensão, desta


forma estarão melhor preparadas, proativas e interativas para contribuir para o desenvolvimento equilibrado do país, evitar a desertificação de grande parte do território nacional e ajudar a projetar Portugal em termos internacionais. Neste sentido, estamos a contribuir para a construção de cidades mais fortes, catalisadoras do desenvolvimento regional e do crescimento e prosperidade do país, ao mesmo tempo que se adaptam às rápidas mutações do mundo global nas suas dinâmicas sociais, económicas e ambientais (Mendes, 2012).

1.2. Conceito de Gestão e Planeamento Estratégicos das Cidades As organizações que querem obter posições de liderança no futuro, têm que saber pensar estrategicamente. Pensar estrategicamente, significa antecipar o futuro, que mais não é do que estar em transformação permanente, escolher, num contexto de turbulência permanente, quais os caminhos a percorrer (formulação estratégica), mas também como serão percorridos (implementação estratégica), sem ignorar os esforços desenvolvidos para obter o melhor desempenho (avaliação e controlo estratégicos) e talvez começar tudo de novo. A gestão estratégica envolve a formulação, a implementação e o controlo da estratégia, “enfatiza a análise e avaliação das oportunidades e ameaças do ambiente dadas as forças e fraquezas da organização, tendo em vista desenhar o seu futuro, definir os seus objetivos e estratégias, em contexto dinâmico e incerto” (Cardoso, 1998, p. 36). Por sua vez, a gestão estratégica de uma cidade é aquela que promove e canaliza a cooperação entre os atores da cidade, para definirem uma estratégia partilhada e sobretudo sinérgica da cidade, no sentido de impulsionar a realização dos principais projetos motores e estruturantes da cidade, procurando partilhar os critérios de atuação e o conhecimento sobre as principais oportunidades e desafios da cidade. Assim, um plano estratégico de uma cidade deve entender-se como a etapa de planificação de uma nova gestão urbana e identificar as principais vias para os governos locais poderem conseguir uma transição eficaz para a gestão estratégica (Esteves, 2001). Deste modo, o planeamento estratégico utiliza determinados meios para atingir as me-

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tas previamente delineadas. Este é habitualmente encarado, nas organizações, como um instrumento de formulação, avaliação e seleção das decisões estratégicas. Com efeito, “como filosofia de intervenção, o planeamento estratégico tem como objetivo a procura de soluções pragmáticas, tendo em consideração os recursos disponíveis, face aos resultados que se pretendem alcançar. Na prática, não se trata verdadeiramente de um plano (no sentido tradicional do termo) mas de uma metodologia de planeamento que propõe num contexto de relativa incerteza e imprevisibilidade, a gestão da mudança, explorando potencialidades e contrariando bloqueamentos. Neste caso o “plano”, ou seja o documento final constitui o quadro de referência para a ação dos diversos agentes (públicos e não públicos), que a

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cada momento será avaliado e legitimado num processo contínuo” (CES, 1997, p. 74). As cidades, tal como as empresas, têm necessidade de pensar estrategicamente, recorrer ao planeamento estratégico para fazer face à dinâmica e mudanças ao nível da envolvente, ao aumento do nível de concorrência, à evolução tecnológica e à competitividade dos mercados e territórios. A gestão estratégica e o planeamento estratégico serão os instrumentos das cidades competitivas, no seu processo de transição, para o desenvolvimento sustentável, com vista a uma qualidade de vida superior (Azevedo, Magalhães & Pereira, 2010). “Espera-se, assim da gestão estratégica e do planeamento estratégico em particular, um projeto global de desenvolvimento sustentável, a longo prazo, para o território, que seja suficientemente ambicioso e exigente, que permite superar as limitações e tirar partido das potencialidades diagnosticadas, bem como antecipar e promover as mudanças estratégicas desejadas” (Azevedo et al., 2010, p.51). Em síntese, as cidades constituem, hoje, espaços e territórios de gestão exigente, de flexibilidades operativas nunca antes verificadas e que se obrigam à consideração permanente dos melhores e mais eficientes processos de gestão e estratégia (Lopes, 2009).

1.3. Conceito de Marketing e de Marketing Estratégico das Cidades O marketing é definido pela American Marketing Association (AMA, 2007) como a “atividade, o conjunto de instituições e processos para criar, comunicar, entregar e trocar ofertas,


que tenham valor para os clientes, parceiros e para a sociedade em geral”. Ao analisar as diversas definições de marketing é possível aferir que este conceito tem como objetivo principal a satisfação das necessidades das pessoas, das organizações e da sociedade em geral. Esta satisfação pressupõe a existência de uma troca com valor, o qual é reconhecido pelas partes envolvidas. Segundo Lambin (2000), a concretização da filosofia de marketing implica um duplo trabalho:

• A análise sistemática e permanente das necessidades do mercado, o desenvolvimento de conceitos e de produtos com bom desempenho destinados a grupos de compradores específicos e que apresentam qualidades distintivas, que os diferenciam dos concorrentes imediatos. • A organização de uma estratégia de desenvolvimento, cujo objetivo é dar a conhecer e valorizar junto dos compradores potenciais as qualidades distintivas reivindicadas pelos produtos oferecidos, reduzindo, assim, os custos de prospeção dos compradores.

Uma das áreas de aplicação do Marketing, com crescente importância para o desenvolvimento das cidades, das regiões e dos países, é o Marketing Estratégico das Cidades, como um processo de gestão que é desenvolvido nas cidades para atender à satisfação das necessidades e dos desejos dos indivíduos e das organizações (Almeida, 2004). Em relação ao marketing das cidades, Sánchez enfatiza que o “city marketing constitui-se na orientação da política urbana à criação ou ao atendimento das necessidades do consumidor, seja este empresário, turista ou o próprio cidadão” (1999, p. 115). As diversas regiões devem oferecer os respetivos produtos locais de uma forma eficiente e acessível, promover os valores e a imagem, de tal modo que os potenciais utentes interiorizem as vantagens diferenciadoras (Cardoso, 2003). Este autor refere, ainda, que cada cidade e cada região têm características próprias dignas da melhor promoção. Neste âmbito, devem desenvolver as ações e parcerias necessárias à constituição de uma oferta diversificada e harmoniosa. A diferenciação das cidades ou dos lugares é também referida por Kotler et al. (1993) e por Kanter (1995). Para Kotler et al. (1993) esta diferenciação é possível através do marketing dos lugares que inclui quatro atividades: 1. Desenvolver a combinação certa de recursos e serviços da comunidade;

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2. Criar condições para atrair os atuais e potenciais compradores e utilizadores dos bens e serviços desse lugar; 3. Trocar os produtos e serviços do lugar de um modo eficiente e acessível; 4. Promover os valores e a imagem dos lugares, de forma a salientar as suas vantagens distintivas aos potenciais utilizadores.

Veltz (1999) afirma que o processo de globalização concede um novo valor aos territórios, que devem converter-se em atores sociais de desenvolvimento. Neste novo contexto económico as cidades e as regiões ganham mais protagonismo e estas devem

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delinear uma estratégia em relação aos produtos onde pretendem ser líderes. Como qualquer outro produto, também as cidades e as regiões podem ser vendidas de acordo com as suas características. Como refere Otto os lugares “são classificados e avaliados em todas as dimensões possíveis: onde iniciar um negócio, onde planear uma reforma, onde criar uma família, onde passar umas férias, onde realizar uma convenção ou onde fazer uma refeição. Leva-se tudo em consideração, desde a qualidade de vida até ao charme, a cultura e ao ambiente; a procura de um local onde se possa viver, investir e visitar é uma busca constante do novo e do visitante” (Otto, 1996, p. 28). Kotler et al. (1993) referem, também, que o marketing pode ajudar a preparar as cidades para um futuro cada vez mais concorrencial. De igual modo, Kanter (1995) considera que esta preparação é cada vez mais necessária face a uma conjuntura instável, resultante das constantes influências do meio envolvente e dos efeitos da globalização. Neste contexto, Almeida (2004) considera que o marketing e as suas ferramentas possibilitam uma adaptação mais rápida às condicionantes externas, equacionando uma diferenciação das cidades em relação a outras cidades concorrentes. Acrescenta, ainda, que as diversas regiões deverão oferecer os respetivos produtos locais de uma forma eficiente e acessível, promover os valores e a imagem, de tal modo que os potenciais utentes interiorizem as vantagens diferenciadoras. Deste modo, surge a presente abordagem de marketing, o Marketing Estratégico das Cidades. A implementação de uma política de marketing territorial, integrada e sistemática, é uma decisão estratégica importante para uma cidade aumentar a sua competitividade, sustentabilidade e, assim, atrair mais fontes de riqueza, pessoas e turistas. (Azevedo et al., 2010).


“O objetivo final do marketing de cidades é o aumento da atratividade e o desenvolvimento de uma imagem positiva da cidade” (Azevedo et al., 2010, p.6). Dentro destas áreas de aplicação, a Gestão Estratégica e Marketing Estratégico das Cidades evidenciam uma ideia de futuro associada à necessidade de uma visão para as organizações e para as cidades, com crescente importância para o desenvolvimento dos países.

1.4. Formulação do Problema e Objetivos do Estudo Nos pontos anteriores abordaram-se o conceito e modelos de cidades, de gestão e planeamento estratégicos, de marketing e de marketing estratégico das cidades. Foi salientada a sua importância crescente e mencionado que, no âmbito teórico, esta área de investigação não se encontra muito desenvolvida devido à insuficiência de investigações científicas. Na figura 1 podemos observar os diferentes níveis da gestão e marketing estratégicos, que iremos desenvolver no presente estudo.

Figura 1: Níveis da Gestão e Marketing Estratégicos Gestão estratégica das cidades

Marketing estratégico das cidades

Planeamento estratégico das cidades

Marketing das cidades

Estratégia

Marketing

Gestão e marketing estratégicos das cidades

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Considerou-se, assim, relevante aprofundar o estudo, quer em termos teóricos quer em termos práticos, da gestão, do marketing e do planeamento estratégicos das cidades, como uma ferramenta que permite responder aos atuais desafios das cidades e contribuir para o seu crescimento sustentável. Face aos novos desafios da globalização, os diversos atores das cidades devem pensar em todas as dimensões que permitam identificar tendências e antecipar oportunidades numa visão estratégica do desenvolvimento integrado a nível local e regional e promover a sua adaptação aos mercados internacionais. “O Planeamento Estratégico e o Marketing das Cidades são instrumentos que visam otimizar resultados na competição

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entre cidades, utilizando para o efeito a transferência do modelo estratégico e dos planos de Marketing do mundo das empresas para o universo urbano” (Vainer et al., 2000, p. 99). É neste contexto que aparece o problema de investigação: Qual o modelo estratégico que as cidades devem seguir, num contexto global de competitividade entre as cidades, para atingirem um desenvolvimento sustentado? Face ao exposto, os principais objetivos deste estudo consistem em: (1) Descrever os instrumentos/modelos de gestão e marketing estratégicos e analisar a sua possível aplicação à gestão estratégica/desenvolvimento das cidades; (2) Identificar os principais desafios e paradigmas do desenvolvimento das cidades; (3) Analisar o planeamento estratégico das cidades capitais de distrito da Região Centro e de algumas cidades de referência mundial, utilizando o benchmarking; (4) Elaborar um modelo propiciador de desenvolvimento integrado das cidades; (5) Testar o modelo através da sua aplicação ao caso concreto da cidade de Viseu para: a) Analisar a consistência empírica do modelo; b) Analisar a cidade de Viseu face ao modelo teórico desenvolvido; c) Contribuir com propostas para a formulação estratégica da cidade de Viseu.

1.5. Abordagem Metodológica Tendo em conta os objetivos e a natureza do nosso estudo, optou-se por uma metodologia de investigação que consiste numa análise descritiva e de carácter qualitativo. O estudo de um fenómeno complexo como as cidades, em que estão em causa inúmeras variáveis e fatores que se interligam e se influenciam a todos os níveis, parece-nos ser


esta a melhor estratégia de investigação. Neste sentido, recorremos ao tratamento de dados através de uma análise qualitativa, uma vez que é impossível à priori identificar os fatores mais relevantes para a nossa investigação. De acordo com Yin (2003), cada estratégia de investigação tem vantagens e desvantagens, dependendo do tipo de pesquisa, do controlo que o investigador tem sobre os fenómenos quer sejam contemporâneos quer sejam históricos. No âmbito da estratégia de investigação descritiva recorremos ao método do “estudo de caso”, que para Yin (2003) é o método mais aconselhado quando se pretende responder a questões do tipo como e porquê e quando o investigador tem pouco controlo sobre os acontecimentos ou o fenómeno em estudo é contemporâneo. Tal como refere Yin (2003), nem todas as técnicas de recolha de dados são relevantes para todos os estudos de caso. Por esse facto, optamos também pelo recurso à análise documental, juntamente com a realização de entrevistas individuais, conversas informais e a observação participante.

1.6. Estrutura do Livro A estrutura deste livro desenvolve-se ao longo de sete capítulos, que apresentamos de forma esquemática na figura seguinte.

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Figura 2: Estrutura do Livro Agradecimentos Resumo/Abstract Capítulo 1. Introdução Capítulo 2. Enquadramento e Revisão Teórica Capítulo 3. Desenvolvimento do Modelo Teórico Capítulo 4. Metodologia de Investigação

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Capítulo 5. Estudo de Caso Capítulo 6. Análise e Discussão dos Resultados Capítulo 7. Conclusões, Recomendações e Reflexões

Anexos Bibliografia

Neste capítulo introdutório abordámos o desenvolvimento das cidades no contexto da globalização e a importância da gestão e do marketing para atingir um desenvolvimento sustentável. Apresentámos, de uma forma genérica, o conceito e modelos de cidades, de gestão e planeamento estratégicos, de marketing e de marketing estratégico das cidades. Procedemos à formulação do problema e concretizámos os objetivos do nosso estudo. Posteriormente, apresentámos os métodos de investigação, a estrutura e o conteúdo do livro. O segundo capítulo destina-se à revisão teórica dos conceitos e dos estudos desenvolvidos por diversos autores na área da investigação da gestão e marketing estratégicos das cidades, analisando o estado da arte no que se refere a esta temática. Neste capítulo é nosso objetivo apresentar as megatendências, os principais desafios que se colocam ao futuro das cidades, a evolução e desenvolvimento da gestão e marketing estratégicos das cidades, alguns contributos e perspetivas, destacando as escolas de estratégia: do planeamento, do desenho, do posicionamento e dos recursos. É igualmente referido o marketing estratégico dos lugares, de Kotler, e a vantagem competitiva das cidades, através dos clusters de Porter e dos 3 C´s3 de Kanter. Estudamos, também, as temáticas


da envolvente, análise SWOT, atores, marca, fatores de marketing e públicos-alvo das cidades. Procedemos ainda a uma análise do processo de planeamento estratégico das cidades capitais de distrito da Região Centro e por fim efetuamos o benchmarking de duas cidades de referência, em planeamento estratégico, Barcelona e Curitiba. No terceiro capítulo, apresentamos o modelo teórico elaborado, “Modelo de Desenvolvimento Integrado das Cidades” através do qual selecionamos os principais conceitos teóricos a aplicar neste estudo. Os métodos de investigação utilizados, bem como as técnicas de recolha e tratamento de dados, fazem parte do conteúdo do capítulo quarto. O quinto capítulo consiste no “estudo de caso”. Procura-se aí validar o modelo construído no capítulo terceiro através da sua aplicação ao caso concreto da cidade de Viseu e elaborar uma estratégia para esta cidade. O capítulo sexto destina-se à análise crítica do que foi exposto nos capítulos anteriores, onde, através de uma análise de dados, essencialmente qualitativos, é feita a confrontação dos resultados do “estudo de caso” com a teoria. Aqui verificamos em que medida esta se ajusta à realidade, avaliando a consistência do modelo através da aplicação à cidade de Viseu. No capítulo sétimo são apresentadas as conclusões finais retiradas da análise efetuada e são apresentadas algumas sugestões relativamente ao “estudo de caso”, no sentido de melhorar o modelo em termos globais e, em particular, quando aplicado à cidade de Viseu. Para finalizar, são apresentadas algumas reflexões sobre o tema, ou subtemas do livro, escritos por autores especialistas na área de investigação.

Notas [1] Encontramos diversa bibliografia que faz referência a outros modelos de cidades: Cidades Criativas, Cidades Intergeracionais, Cidades Modelo, Cidades Verdes. [2] A sigla SWOT dá nome à análise que leva à identificação dos pontos fortes (strengths) e fracos (weaknesses), oportunidades (opportunities) e ameaças (threats). [3] Conceitos, Competências e Conexões

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