TESTE TESTE

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CADERNO DE PROJETO

O R Q U Í D E A

L I B E R T Á R I A


INTRODUÇÃO O projeto Orquídea Libertária integra a Rede de Comunidades Autogestionárias, um espaço de articulação dos territórios autônomos e de suas economias com fim na organização social para a resistência (urbana e rural). Foi fundada em 20 de julho de 2013 e, em maio de 2015, está composta por Assentamento Autônomo Utopia e Luta e Movimento Autônomo Utopia e Luta, que tem como ferramenta de trabalho a Cooperativa Mista de Trabalho Solidária utopia e Luta (COOPSUL) – Porto Alegre; Movimento Nacional dos Catadores(as) de Materiais Recicláveis (MNCR) e Cooperativa de Trabalhadores Carroceiros e Catadores de Materiais Recicláveis, Industrialização e Comercialização (COOTRACAR), Comunidade Orquídea Libertária – Gravataí; Comuna Pachamama – São Gabriel; Atelier Casa 9 – Santa Maria; e ONG Cidade – Porto Alegre). O projeto visa combater os problemas sociais mais graves que podemos encontrar na sociedade capitalista, tais como a falta do alimento (ou falta da qualidade do alimento), da moradia, do trabalho e sua consequência direta, a falta da dignidade. Formando um novo território e organizando sua economia em rede com os demais pontos da Rede de Comunidades Autogestionárias, buscamos a organização social que nos foi negada pela precariedade e embrutecimento do cotidiano, que nos mantém sem recursos para que possamos crescer como seres humanos e sermos livres.

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FICHA DO PROJETO Número de atendidas/os: 50 famílias Terra: Secretaria de Patrimônio de União, CDRU (Concessão do Direito Real de Uso); Financiamento: Minha Casa, Minha Vida - Entidades (sem fins lucrativos); Organização da obra: administração direta dos recursos e mutirão; Regime de funcionamento interno: condomínio (mais próximo de propriedade coletiva); Estrutura do território: moradias e bens comuns (equipamentos de uso coletivo e geração de renda) e área ambiental preservada. Anteprojeto participativo: ONG Cidade e Extensão UFRGS Organização interna: - Comissão de Obras (CAO), Comissão de Representantes/finanças (CRE) - exigidas pelo financiamento via Caixa Econômica e Federal; - Comissão de Mulheres e Comissão de Mobilização e Organização Social - organização autônoma.

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TRAJETÓRIA A organização da comunidade de 50 famílias, em sua maioria ligadas à COOTRACAR - Cooperativa de Trabalhadores Carroceiros e Catadores de Materiais Recicláveis, começou em maio de 2014 com a ocupação provisória de uma terra da União, sob guarda da COOPSUL, em Gravataí. Parte do grupo se consolidou com o processo de anteprojeto arquitetônico e urbanístico participativo e colaborativo do território do conjunto Orquídea Libertária, iniciado em 23 de agosto e terminado em 02 de novembro do mesmo ano. Este projeto foi feito sem recursos próprios, com a assessoria da ONG Cidade – Centro de assessoria a organizações populares, componente da Rede de Comunidades Autogestionárias. O projeto foi selecionado pelo Ministério das Cidades em dezembro de 2014. O projeto foi importante para decidir como seria o território, sendo as

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famílias responsáveis pela decisão do programa arquitetônico, das linhas gerais de desenvolvimento do projeto e do desenho das casas, com método assessorado pela USINA - Centro de trabalhos para o ambiente habitado, organização paulista que trabalha há 27 anos com projetos participativos de conjuntos populares. O processo serviu, ainda, para o início de um trabalho social realizado pelas organizações envolvidas na Rede com os futuros moradores do conjunto. Neste processo foram organizadas as comissões de Obras e Finanças exigidas pelo financiamento da Caixa Econômica Federal, além de duas com caráter totalmente militante e com funções de organização social: Comissão de Mobilização e Organização Social e de Infraestrutura.


A partir daí as comissões passaram a organizar mutirões semanais de manutenção da terra e construção de estrutura provisória para a tomada de decisões, onde acontecem as assembleias mensais deliberativas e de formação e reuniões diversas. A partir da Concessão do Direito Real de Uso (CDRU) da terra, em dezembro de 2014, um aspecto importante passou a ser a rotação de famílias para a guarda, o que significa que a comunidade ainda não está instalada no local, mas trabalha para que isto aconteça o mais rápido possível. A comunidade foi batizada em memória a Tatiana Aparecida Zomer Almeida, companheira de trabalho da COOTRACAR assassinada pelo marido em 2014. Em razão do grande número de orquídeas encontradas em mata a ser preservada, o local também é chamado de “comunidade das orquídeas”.

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ACORDOS INICIAIS Em um primeiro momento, realizou-se uma reunião com a comunidade buscando entender as diferenças entre a lógica de gestão empresarial e a prática autogestionária. Foi apresentado o objetivo imediato do projeto, que seria criar condições para a melhoria da qualidade de vida através da coletivização.

Lógica de gestão empresarial: distanciamento QUEM DECIDE

QUEM FAZ

Prática autogestionária: aproximação QUEM DECIDE

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QUEM FAZ

AUTOGESTÃO QUEM DECIDE = QUEM FAZ


Diferenças da moradia Tamanho que as construtoras fazem

40m² CONSTRUTORA: Povo passivo

Não tem lucro + 10m² Autoconstrução + 5m² AUTO-ORGANIZADO: Direitos e qualidade

Bom projeto + 5m²

ORGANIZAÇÃO SOCIAL E QUALIDADE ESPACIAL

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ENCONTRO 1 Nos apresentamos, fizemos uma rápida dinâmica desinibitória e partimos para a proposição de alguns acordos: trabalharíamos sem empreiteira, administrando diretamente os recursos e a qualidade da obra e faríamos o projeto juntos. Todos tendo aceitado, perguntamos: como será este projeto? Sabendo de antemão que cada um gostaria de um jeito, propusemos que falassem sobre fotos e imagens que levamos impressas, com o objetivo de chegarmos a um acordo mínimo e criar um imaginário comum de projeto. Local: Sede da ATRACAR, Gravataí / Duração: 4h / Data: 23 de agosto de 2014

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ACORDOS E IMAGINÁRIO COLETIVO


ENCONTRO 2 Relembramos a reunião anterior. Fizemos uma apresentação de reconhecimento do terreno in loco (no próprio terreno), para depois iniciar a distribuição das casas de 60 m² e dos outros programas sobre o território disponível. Não sendo possível colocar todas as casas isoladas em terrenos individuais, partimos para a negociação de como se daria o “empilhamento”, preservando as qualidades de intimidade e convivência, ao mesmo tempo. Local: terreno, Gravataí / Duração: 4h / Data: 31 de agosto de 2014

ENTENDENDO O TERRENO

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ENCONTRO 3 Relembramos a reunião anterior. Debatemos, esclarecemos e alocamos itens estruturantes do território, tais como lavanderia, cozinha industrial, ciranda infantil, serigrafia, entreposto de triagem, entre outros. Logo depois partimos para o desenho das moradias com método colaborativo com os futuros moradores, através do qual foram responsáveis, com assessoria direta dos técnicos, pelo desenho de dois tipos de plantas de casas. Local: Assentamento Utopia e Luta, Porto Alegre / Duração: 4h / Data: 28 de setembro de 2014 RUAS PEDESTRES*

CHURRASQUEIRAS APP ÁREA VERDE

SERIGRAFIA

ED. INFANT RUAS PEDESTRES* BICICLETÁRIO RUAS VEÍCULOS* ESP. REFERÊNCIA JUVENTUDE

TELECENTRO/ BIBLIOTECA*

T B

PRAÇAS*

ADMINISTRAÇÃO

ESTACIONAM.

ESTR SALÃO COMUNITÁRIO

ATEND. MÉDICO COZINHA COMUNITÁRIA*

CHURRASQUEIRA

VIZINHAN

COMUNITÁRIO RUAS VEÍCULOS*

RUAS

PR


TELECENTRO/ BIBLIOTECA*

GALINHEIRO ÁREA VERDE*

TIL ENTREPOSTO

COCHEIRAS RUAS VEÍCULOS* BIODIGESTOR

LAVANDERIA

UTURANTES ALIMENTAÇÃO

MULTIUSO ÇA

- SERIGRAFIA; - COSTURA; - SERRALHERIA; - CARPINTARIA; - ETC.

RUAS VEÍCULOS*

RUAS VEÍCULOS*

COZINHA COMUNITÁRIA*

O PRODUÇÃO PEDESTRES

RAÇAS*

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COMEÇANDO A DESENHAR O TERRITÓRIO

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ENCONTRO 4 Relembramos a reunião anterior. foram expostas três propostas de organização territorial através de três desenhos diferentes. Optou-se por um deles com modificações: criou-se o núcleo central com uma horta mandala e alguns itens estruturantes do território foram relocados por questões técnicas e de facilidade de acesso e de utilização. Local: Sede da ATRACAR, Gravataí / Duração: 4h / Data: 19 de outubro de 2014

APROVAÇÃO PRÉVIA DA PROPOSTA DE PROJETO


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ASSEMBLEIA DE APROVAÇÃO Retomamos o processo oralmente e apresentamos o desenho final, ainda inacabado, mas já demonstrado em linhas gerais com algum nível de precisão. Foi aprovado por unanimidade e seguiu para projeto arquitetônico. Local: Sede da ATRACAR, Gravataí / Duração: 4h / Data: 02 de novembro de 2014 BICICLETÁRIO

BICICLETÁRIO

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ESTARES

MATA

PRACINHA

5 CANCHA

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HORTA

PRAÇA

2

1

ESTACIONAM

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ANTEPROJETO APROVADO!


PRODUÇÃO

HABITAÇÃO COMUNITÁRIO

ENTREPOSTO

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ENTREPOSTO

C. COMUNIT.

BICICLETÁRIO

PERSPECTIVA AÉREA GERAL

PRAÇA

HORTA


BICICLETÁRIO

ESTACIONAM

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ORGANIZAÇÃO DOS BLOCOS COM PLANTAS TIPO 1 E 2

bloco 2


bloco 1

AMPLIAÇÃO DAS PLANTAS NA PÁGINA SEGUINTE

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AP. TIPO 2


AP. TIPO 1

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ORGANIZAÇÃO DOS BLOCOS COM PLANTAS bloco 4 BLOCOS TIPO 3 E 4

AMPLIAÇÃO DAS PLANTAS NA PÁGINA SEGUINTE

bloco 3


bloco 5

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AP. TIPO 4 AP. TIPO 3 30


PERSPECTIVA DOS BLOCOS 2, 3 E 4


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ÁREA DE CONVIVÊNCIA ENTRE BLOCOS


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PERSPECTIVA HORTA MANDALA


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RÁPIDA AVALIAÇÃO DO PROJETO Para projetar 50 unidades habitacionais em um terreno de 1,2 hectares em Gravataí, buscou-se inserir momentos de colaboração no processo participativo, nos quais o resultado é uma incógnita, e o poder de decisão autônoma dos futuros moradores tem um peso relativo maior do que o saber ou o repertório das assessorias técnicas. Uma das grandes preocupações das assessorias foi estabelecer um processo no qual o saber técnico fosse apropriado pelos futuros moradores. Não seria válido criar momentos de participação tutelada, isto é, aqueles nos quais, apesar de a palavra estar aberta, os fatores técnicos e econômicos fossem os principais componentes. Assim, os futuros moradores, não dominando as prerrogativas de projeto, terminariam por aceitar as decisões dos que sabem fazer e legitimá-las, tornando o processo apenas de validação das definições de um núcleo de dominação, no qual o principal poder seria a própria técnica, o “saber fazer”.

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Ora, primeiro, nos parece uma loucura que não seja possível dizer como será o local em que vamos morar. Segundo, uma vez dado o aceite à dominação velada já na fase de projeto, cria-se condições para sua ampliação com o avanço do processo. Sua face mais cruel é o evento comemorativo de entrega das chaves para indivíduos que constam em uma lista de beneficiários: podemos aprisionar alguém de forma festiva, mas também libertar em um processo doloroso de aprendizado das contradições. Portanto, partindo da simples negação de fatos recorrentes, evidentes e comprovados na história social da habitação popular, as assessorias precisariam fornecer ferramentas para os futuros moradores pensarem o espaço, decidir sobre seu uso e, quem sabe, até “combater” as assessorias e a cooperativa. Assim o fizemos e conseguimos algumas conquistas. Foram pequenas e experimentais, mas acumulativas.


Algumas coisas ficaram evidentes no processo. Primeiro, ele serviu para a formação técnica: ao fim, todos conseguiam minimamente ler os desenhos de arquitetura e entendê-los. Apesar dos tempos acelerados de projeto, as opiniões emitidas principalmente no último encontro, foram estruturantes. Segundo, quando iniciamos o processo a maioria estava numa posição defensiva. A virada neste aspecto veio, definitivamente, a partir do terceiro encontro e da visita à Porto Alegre, onde viram em funcionamento um dos territórios da rede (o Assentamento Utopia e Luta) e projetaram as próprias casas. Terceiro, momentos participativos “comuns” foram muitos, mas os momentos nos quais foi realmente possível avançar na construção de autonomia e interferir na construção dos laços sociais foram os dois momentos em que trabalhamos juntos sobre as maquetes, em grupos separados e no grande grupo. Confiar na prática como uma ferramenta potente

de autoeducação e de evidenciamento das contradições, sejam elas de gênero, econômicas, sistêmicas, etc., ainda continua sendo uma boa ideia, talvez a melhor. Cabe uma curta consideração final. Todos os tempos da burocracia e do acesso ao financiamento foram cumpridos e isto não impediu a experimentação ou a construção de laços sociais “negativos” do sistema repressivo de mercado. Trabalhamos conscientemente para retomar a história negada pelas gerações anteriores em termos de relação entre técnica e política no sul do Brasil, tendo clareza do projeto da Rede de Comunidades Autogestionárias e do nosso apoio integral para potencializar um projeto social de diversidade real a partir da igualdade de condições materiais para o desenvolvimento humano. Projetar e construir casas é uma parte importante, mas é uma parte de tudo, talvez a mais fácil e que exige menos abandono da zona de conforto pessoal.

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O PROJETO DA REDE DE COMUNIDADES AUTOGESTIONÁRIAS A síntese deste projeto de desmercantilização da vida, gradativa e geracional, é retirar a sobrevivência da pauta cotidiana para liberar as pessoas para a prática plena de todas as suas condições físicas e intelectuais em benefício de seus coletivos. Sob a lógica da reorganização social interna e da estruturação produtiva, segue-se a ideia de “formação pela prática”, na qual ter acesso à alimentação saudável passa a significar soberania alimentar, produção e logística dentro de uma rede. Produzir alimento saudável é dedicar-se à preservação do ambiente natural, da água, desenvolver a agroecologia e tratar dos resíduos gerados pela ação humana. Garantir a terra e a moradia de qualidade é utilizar adequadamente os bens e programas públicos e trabalhar na formação social. Organizar-se economicamente é construir alternativas de “mínimos” em rede, para liberar grupos sociais da preocupação da sobrevivência. Cada ação debatida, executada

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e avaliada tende a modificar e redirecionar a utilização dos recursos públicos que estão disponíveis. O principal objetivo é somar forças para uma reorganização social, para atacarmos uma diversidade de problemas estruturantes que nos afligem no dia-a-dia. Organização de novos territórios e de economia popular servem para criar condições básicas para a organização social, que começa no primeiro dia em que se toma contato com as pessoas. Firmamos compromisso através do trabalho voluntário ou organizado em um núcleo cooperativista, que beneficia econômica e socialmente a organização do novo grupo, que passa a trabalhar para o coletivo próprio em constituição. Os projetos de formação social iniciam-se pela discussão de questões alimentares, geralmente a partir do diagnóstico da falta de diversidade de nutrientes para populações sem recursos e do rápido retorno econômico que o trabalho no ramo da alimentação gera, expandindo-se para


questões políticas (geralmente soberania alimentar, orgânicos, etc.) e para a conexão com outros pontos de rede, para suprir a demanda alimentar do novo grupo. A estruturação produtiva dos pontos de rede que provêm alimentos também é tratada em conjunto neste momento. Depois passa-se à questão da saúde preventiva, politizada frente à indústria alopática, dentre outras questões. Este é o momento de retomar conhecimentos antigos sobre ervas medicinais, poder curativo dos alimentos, etc. O projeto arquitetônico dos novos territórios também serve à formação social na medida em que é participativo e cria momentos de colaboração na tomada de decisões sobre o desenho, o que ajuda a distribuir o conhecimento nas comissões de trabalho responsáveis pela e obra e diminui a dominação técnica. Os novos projetos sempre iniciam pela conquista da terra, ou seja, pela base territorial. Estes são os

princípios básicos do que chamamos “programas (ou projetos) de autoformação”. O projeto da rede, portanto, está fundado sobre uma premissa: dar maior atenção para organização social significa que, para formar pessoas dentro de um projeto, é imprescindível elevar o nível de coerência interna dos coletivos em rede e garantir a formação integral pela prática. Este modo de ação pode vir a se tornar, mais tarde, base para a disputa da maneira de produção da cidade e do campo a partir da demonstração, que, por sua vez, pode tornar-se um convite sedutor à evasão do modo de produção vigente para outro (por criar), mais solidário. O primeiro passo para retomar o processo de resistência urbana e campesina, portanto, seria criar condições materiais para que as pessoas possam se relacionar de outra forma, na qual o desenvolvimento humano seja a prioridade.

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PARTICIPANTES Coordenação de projeto: Cidade - Centro de Assessoria e Estudos Urbanos Projeto participativo: Felipe Drago (ONG Cidade), Filipe Baumbach, Juliana Moroishi de Almeida (projeto de extensão UFRGS) Entidade organizadora: COOPSUL Cooperativa Mista de Trabalho Solidária Utopia e Luta. Comunidade Orquídea Libertária/ COOTRACAR: auto-organização dos mutirões e estrutura dos encontros de projeto e assembleias. Caderno de Projeto: Débora Pustai, Bibiana Borda e Felipe Drago.

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ANOTAÇÕES





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