Revista comunica dhl abong

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REVISTA ComunicaDH Uma publicação da Rede Nacional de Comunicadores e Comunicadoras de Organizações não Governamentais e Movimentos Sociais para a Educação em Direitos Humanos - RENACOMDH

São Paulo 2013


Presidente da República Dilma Rousseff Vice-Presidente da República Michel Temer Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Maria do Rosário Nunes Secretária Executiva da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Patrícia Barcelos Secretário Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Gabriel dos Santos Rocha Coordenadora Geral de Educação em Direitos Humanos Salete Maria Moreira Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) Setor Comercial Sul - B, Quadra 9, Lote C, Edifício Parque Cidade Corporate, Torre A, 10º andar Brasília - DF - CEP: 70308-200 Associação Brasileira de Organizações não Governamentais - Abong Rua General Jardim, 660, 7º andar São Paulo - SP - CEP 01223-010

Copyright © 2013 - SDH/PR

A reprodução do todo ou parte deste documento é permitida somente para fins não lucrativos e desde que citada a fonte Impresso no Brasil Distribuição Gratuita Tiragem: 1000 exemplares


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Índice Institucional

Editorial Comunicação e Direitos Humanos |A interface entre Comunicação e Direitos Humanos se consolida no campo da garantia de direitos Formação |Um relato da experiência de viajar os quatro cantos do Brasil colocando em prática a etapa de formação do projeto Comunicação e Direitos Humanos, da Abong Comunidades Tradicionais | Comunidade quilombola situada no sertão cearense empreende luta diária pelo reconhecimento de sua identidade cultural Educação em Direitos Humanos | Pedagogia do Oprimido, importante obra de Paulo Freire, enriquece o debate em torno da importância da Educação em Direitos Humanos Escola | A mediação de conflitos como instrumento pacificador e restaurador nas escolas se justifica perante às adversidades que permeiam as relações nesse ambiente Empreendedorismo | Economia Solidária propõe uma forma diferente de desenvolvimento que apresenta dimensões políticas, culturais, sociais e ecológicas Política | Debates sobre processo e conteúdo da Reforma Política são fundamentais para a construção de um novo modelo democrático para o País Saúde | Programa Mais Médicos pretende suprir carência de médicos/as em algumas regiões do Brasil, mas provoca resistência de parte da classe Raça e Etnia | Terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos PNDH-3 contempla propostas que visam melhorar a condição do/a negro/a na sociedade brasileira Educação no Campo | Na lógica da Educação Popular, o planejamento é uma ferramenta de socialização e organização democrática das atividades, metas e objetivos Moradia | O Direito à Cidade propõe a reversão da lógica econômica de produção do espaço que enxerga a cidade pela perspectiva do lucro e não de direitos Quem Somos | Conheça quem faz parte da Rede Nacional de Comunicadores e Comunicadoras de Organizações não Governamentais e Movimentos Sociais para a Educação em Direitos Humanos

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Expediente

Institucional

Associação Brasileira de Organizações não Governamentais - Abong DIRETORIA EXECUTIVA - Gestão 2013/2016 Adriana Ramos - Instituto Socioambiental Ivo Lesbaupin - ISER Assessoria – Religião, Cidadania e Democracia Raimundo Augusto De Oliveira (Cajá) - EQUIP – Escola de Formação Quilombo dos Palmares Damien Hazard - Vida Brasil-BA Vera Maria Masagão Ribeiro - AÇÃO EDUCATIVA – Assessoria, Pesquisa e Informação REPRESENTANTES ESTADUAIS RIO GRANDE DO SUL: Mauri José Vieira Cruz - CAMP – Centro de Assessoria Multiprofissional; Vitor Hugo Hollas - CAPA – Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor SÃO PAULO: Paulo Roberto Padilha - Instituto Paulo Freire; Alexandre Isaac - CENPEC – Centro de Pesquisas em Educação e Cultura e Ação Comunitária RIO DE JANEIRO: Eleutéria Amora da Silva - CAMTRA - Casa da Mulher Trabalhadora Wanda Lucia Branco Guimarães - Centro de Promoção da Saúde - CEDAPS BAHIA: Edmundo Ribeiro Kroger - CECUP – Centro de Educação e Cultura Popular; Fabiane Brazileiro- Avante - Educação e Mobilização Social PERNAMBUCO: Alessandra Nilo - Gestos - Soropositividade, Comunicação e Gênero Azael Cosme dos Santos Júnior - GTP+ Grupo de Trabalhos em Prevenção Positivo TOCANTINS: Sílvia Patrícia da Costa - CDHP - Centro de Direitos Humanos de Palmas PARÁ: João Daltro Paiva - APACC – Associação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes ACRE: Maria Jocileide L. de Aguiar - RAMH - Rede Acreana de Mulheres e Homens EQUIPE Desenvolvimento Institucional: Helda Oliveira Abumanssur Administrativo: Marta Elizabete Vieira e Kelly Cristina V. Santos Comunicação: Hugo Fanton e Nana Medeiros Relações Internacionais: Luara Lopes e Paula Marujo Observatório da Sociedade Civil: Nicolau Soares REVISTA ComunicaDH EDITORA E JORNALISTA RESPONSÁVEL: Amanda Proetti MTB 0057824 TEXTO: Ana Claudia Matos e Paulo Rogério Gonçalves, da Alternativas para Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO); Fernando Ózio, da Casa do Trabalhador; Flávia Cavalcante, do Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador - Cetra; Jane Santos Farinazzo, Juliana Cecília de Carvalho, Rodrigo Deodato e Waneska Andressa Viana de Oliveira, do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares - GAJOP; Jorge Gimenez, do Centro de Educação e Assessoramento - CEAP; Milena Oliveira, da Avante - Educação e Mobilização Social; Rogéria Pereira Alba e Valéria Korb, da Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural - ASSESOAR COLABORADORES/COLABORADORA: Hugo Fanton e Raimundo Augusto de Oliveira, da Associação Brasileira de Organizações não Governamentais - Abong; Jose Antonio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC; Paulo Roberto Padilha, do Instituto Paulo Freire - IPF; Perla Assunção e Ricardo Carvalho PROJETO GRÁFICO, CAPA E DIAGRAMAÇÃO: Agência Enkel Comunicação e Design IMPRESSÃO: Grupo Maxprint REALIZAÇÃO:

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Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais - Abong e suas associadas atuam pela promoção dos Direitos Humanos, da democracia, da justiça e do desenvolvimento sustentável. São ações articuladas com outras organizações, redes e movimentos sociais que buscam contribuir para o avanço da democracia brasileira na pespectiva da participação popular em lutas pela efetivação dos Direitos Humanos no Brasil. Para isso, contribuímos com a construção de espaços e processos coletivos participativos através da experimentação de modelos alternativos de desenvolvimento em escala local, regional e nacional e em periferias urbanas, regiões florestais, semiárido ou nos campos do Brasil. As organizações da sociedade civil participam da democratização do Estado e das relações sociais e lutam por espaços e práticas que possibilitam transformar demandas populares em políticas públicas e alterar relações de forças e poder político e econômico em nosso país. Nesse âmbito, a luta pelo direito à Comunicação ganha também lugar de destaque e explica a ação da Abong em questões relacionadas a este tema nos últimos anos. Assim, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), apresentamos esta publicação, que resulta do projeto Comunicação e Direitos Humanos. Trata-se de um material que apresenta reflexões de quem atua em defesa de direitos e bens comuns no Brasil e que busca contribuir com o fortalecimento de espaços e processos comunicativos de redes e organizações.

Raimundo Augusto de Oliveira Direção Executiva da Abong


Editorial

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conteúdo que você, leitor/a, vai apreciar nas próximas páginas vem atender a uma demanda do campo das entidades que lutam em defesa dos direitos e bens comuns. Um projeto que nasceu no coração da Associação Brasileira de Organizações não Governamentais - Abong, entre suas associadas - todas parte desse campo -, e que ganhou dimensões maiores quando foi pensado para extrapolar as paredes da Abong e aproximar outras organizações não governamentais, movimentos sociais e entidades parceiras de sua base associativa. Conveniado com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), o projeto Comunicação e Direitos Humanos possui algumas premissas que basearam sua ação. O colaborativismo, a construção coletiva do saber e o respeito e valorização da diversidade são alguns princípios que permearam o projeto desde sua proposição até sua implementação e execução integral.

A implementação do projeto aconteceu em algumas etapas: formação, articulação de rede e produção.

A primeira etapa deu vida às bases do projeto, inclusive para as etapas posteriores, já que foi no ciclo de quatro oficinas de formação em Comunicação e Direitos Humanos que pudemos nos aproximar das pessoas e organizações que constituiriam depois a Rede Nacional de Comunicadores e Comunicadoras de Organizações não Governamentais e Movimentos Sociais para a Educação em Direitos Humanos - RENACOMDH. Os encontros de formação se deram com grupos regionais, ou seja, compostos por pessoas de organizações e movimentos sociais situados na região do Brasil à qual pertencia a cidade que sediava a oficina. A oficina que aconteceu em São Paulo, por exemplo, reuniu participantes de São Paulo e do Rio de Janeiro. A partir desse grande coletivo de quatro grupos regionais passamos a atuar em rede. E essa atuação teve início com a etapa da produção. A ComunicaDH integra esse momento do projeto. Cada conteúdo desta revista leva a realidade, a particularidade, o cotidiano de luta e de trabalho, o rosto, a voz e a missão de cada organização representada por cada pessoa que integra a RENACOMDH. É dessa forma que uma reflexão aprofundada acerca da interface resultante da relação entre Comunicação e Direitos Humanos abre os conteúdos da publicação. Nesse texto, Hugo Fanton, da comunicação da Abong, esmiúça o caráter político dessa relação que se baseia numa complementaridade que se justifica na exigibilidade pela garantia do Direito Humano à Comunicação. Nas páginas seguintes, Perla Assunção e Ricardo Carvalho, oficineiros/as na etapa de formação do projeto, relatam a deliciosa experiência de viajarem os quatro cantos do Brasil para um clico de oficinas de formação em Comunicação e Direitos Humanos e voltarem com as malas cheias de histórias, lembranças e novos aprendizados. Flávia Cavalcante, do Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador - Cetra nos revela a história de luta e resistência da comunidade quilombola Sítio Veiga. Situada no sertão cearense, a comunidade enfrenta os desafios cotidianos pelo difícil acesso a estradas, água e terras para produção da agricultura familiar, e ainda assim não desiste de lutar pelo reconhecimento e valorização de sua identidade cultural. Somado a isso, Ana Claudia Matos e Paulo Rogério Gonçalves, da Alternativas para Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO) revelam que, em poucos anos, a demanda será de aproximadamente trinta mil quilombolas aptos/as a ingressar na universidade. “Assim sendo, é fundamental que sejam superadas as dificuldades de acesso e permanência dos/as quilombolas na universidade e que o Estado garanta os direitos dessas pessoas ao Ensino Superior público gratuito de qualidade”. O professor Paulo Roberto Padilha, por sua vez, nos mostra a grandiosa influência de Paulo Freire, por meio de sua conhecida obra Pedagogia do Oprimido, sobre a importância da Educação em Direitos Humanos para ComunicaDH

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Editorial a reflexão da ação libertadora humana “das injustiças históricas, econômicas, políticas, sociais e culturais, cuja superação passaria necessariamente pela educação entendida como ‘prática de liberdade’”. “Refletir sobre as adversidades e os conflitos que permeiam as relações humanas no ambiente escolar, em especial, pensar o desafio da mediação de conflitos como instrumento pacificador e restaurador nas escolas e compreender o papel de cada ator/atriz social e o alcance de suas responsabilidades frente à educação de crianças e adolescentes” é a proposta do artigo de Jane Santos Farinazzo e Rodrigo Deodato, do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares - GAJOP. Já a reportagem de Milena Oliveira, da Avante - Educação e Mobilização Social, nos apresenta a Economia Solidária que, “vista como propulsora de importantes transformações na sociedade, propõe uma forma diferente de desenvolvimento que apresenta dimensões políticas, culturais, sociais e ecológicas”. Jose Antonio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC, defende a importância de pensar a Reforma Política sob a perspectiva de seu processo e também de seu conteúdo que, para ele, são “fundamentais para a construção de um novo modelo democrático para o País e devem andar de forma conjunta”. Membro da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, Moroni apresenta ainda a proposta de iniciativa popular desta rede, que não se restringe à reforma do sistema eleitoral, “mas vai na direção do fortalecimento da soberania popular, através de várias propostas”. Jorge Gimenez, do Centro de Educação e Assessoramento – CEAP e Fernando Ózio, da Casa do Trabalhador, falam, respectivamente, sobre a resistência de parte da categoria médica ao programa do governo federal para suprir carência de profissionais em algumas regiões do País e sobre a precarização da saúde do/a trabalhador/a em razão das “novas tecnologias associadas à organização do trabalho imposta pelo patrão com suas metas abusivas” que “causam acidentes de trabalho com adoecimento físico e psicológico e até morte”. Juliana Cecília de Carvalho e Waneska Andressa Viana de Oliveira, do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares – GAJOP, destacam a luta da população negra para efetivação de seus direitos enquanto cidadãos/ãs constatada pelas “marcas de um passado colonial e patriarcal” evidenciadas pela grande maioria de pobres negros/as e pela maior vítima da violência que é a juventude negra. A discrepância entre as maneiras de utilização do planejamento enquanto ferramenta de controle e subordinação na lógica da educação nos moldes capitalistas e como instrumento de socialização, de organização democrática das atividades, das metas e dos objetivos na lógica da Educação Popular que norteia a Educação do Campo é o objeto do artigo assinado por Rogéria Pereira Alba e Valéria Korb, da Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural - ASSESOAR. Camila Bitencourt Martins e Karla Moroso, do Centro de Direitos Econômicos e Sociais - CDES, escrevem sobre o Direito à Cidade como “uma nova lógica de pensar a cidade a partir de seu crescimento desordenado e alarmante em todo o mundo, cujo objetivo é reverter a lógica econômica de produção do espaço que enxerga a cidade pela perspectiva do lucro e não de direitos”. Nas últimas páginas, o/a leitor/a terá a chance de conhecer o rosto e a voz de algumas das organizações e seus/suas representantes que compõem a RENACOMDH. Ótima leitura!

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Amanda Proetti Coordenadora do Projeto Comunicação e Direitos Humanos e editora da revista ComunicaDH


Comunicação e Direitos Humanos

Comunicação e Direitos Humanos

Hugo Fanton, da Associação Brasileira de Organizações não Governamentais - Abong

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ão múltiplas as relações que se pode estabelecer entre Comunicação e Direitos Humanos, tanto no nível teórico, como nas ações individuais e coletivas. Entender a Comunicação como um direito ou a exigibilidade social dos Direitos Humanos por meio da Comunicação já nos indica a complementaridade entre ambos. O Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3 é outro exemplo disso ao trazer em suas diretrizes a necessidade de “garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para a consolidação de uma cultura em Direitos Humanos”. Este vínculo remonta à historicidade dos conceitos e aos desafios para sua efetivação. Cabe lembrar que a própria noção de direito é uma construção histórica, uma conquista que advém da luta social. Sua concepção contemporânea está bastante relacionada à Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e aos pactos internacionais, que consolidaram os princípios básicos dos direitos: a universalidade, a liberdade com igualdade e a não discriminação. Além disso, os Direitos Humanos são indivisíveis - ou seja, a violação a um direito é uma violação da dignidade da pessoa - e interdependentes: a efetivação de um direito depende da garantia de outro. Por exemplo: a violação do direito à comunicação é também violação do direito à saúde ou à educação, dado que diferenças no acesso à informação estão relacionadas ao acesso desigual à educação e saúde. Nesse sentido, a efetivação dos Direitos Humanos no Brasil pressupõe a democratização da comunicação. O atual marco legal está muito distante dos princípios básicos da universalidade, liberdade com igualdade e não discriminação. Na luta pelo direito à comunicação, organizações da sociedade civil e movimentos sociais se deparam com uma forma jurídica que disfarça como legítima a imposição de interesses de alguns grupos políticos e econômicos. É aparência de legitimidade daquilo que essencialmente é dominação. Na Constituição de 1988, o Estado brasileiro adota o modelo de curadoria (trusteship model) na exploração ComunicaDH

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Comunicação e Direitos Humanos

de serviços públicos de rádio e televisão. Ou seja, cabe ao poder público decidir pela outorga a empresas privadas o direito de exploração de emissoras de rádio e televisão. As emissoras de TV recebem concessão de 15 anos, e as de rádio, 10. Durante o período, não são obrigadas a reportar à União quanto ao uso, de modo que há uma apropriação privada, com usos políticos e econômicos, de uma concessão que é pública.

Na luta pelo direito à comunicação, organizações da sociedade civil e movimentos sociais se deparam com uma forma jurídica que disfarça como legítima a imposição de interesses de alguns grupos políticos e econômicos. É aparência de legitimidade daquilo que essencialmente é dominação. Exemplo disso é a utilização do poder de concessão para fins de obtenção de apoio político. No processo constituinte, entre 15/03/1985 e 05/10/1988, a presidência de José Sarney distribuiu 1.028 outorgas, sendo 25% delas no mês de setembro de 1988, que antecedeu a promulgação da Carta Magna. Já no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), o Decreto 1720/95 promove mudanças nas concessões, estabelecendo licitação e pagamento pelo uso, de modo a privilegiar quem possui maior poder econômico. Assim, o preço da outorga se tornou o principal fator na definição da programação de rádio e TV¹. A utilização para fins estritamente políticos continua pelas outorgas de retransmissoras e emissoras educativas, que a partir do decreto 2.108/96 são dispensadas de licitação. Com isso, a prática de distribuir concessões em troca de apoio político continua nos governos FHC, e posteriormente no governo Lula, ainda que neste último período tenham ocorrido iniciativas importantes como a Conferência Nacional de Comunicação, em 2009, e a articulação do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que em 2013 lançou o Projeto de Lei da Mídia Democrática. Essa Iniciativa Popular enfrenta o atual modo de partilha, que leva à concentração dos meios nas mãos dos poucos grupos político-econômicos com 10

ComunicaDH

acesso privilegiado às estruturas de poder. O modelo de hoje só favorece a reprodução do capital e de visões homogêneas acerca da realidade, expressando valores e o modo de vida das classes dominantes, que detêm o privilégio de comunicar e defender seus interesses por meios públicos privatizados. Isto se assenta na profunda desigualdade social, política e econômica que estrutura nossa sociedade. Assim, a universalização dos Direitos Humanos só é possível pela implementação de uma série de ações afirmativas que enfrentem a questão da desigualdade. Nesse processo, a democratização de espaços comunicativos fortalece a conscientização acerca de Direitos Humanos, bem como sua efetivação pela exigibilidade social. Esta se torna possível na medida em que organizações, redes e movimentos sociais se valem da comunicação, direta ou indiretamente, para a atuação política e pressão social. Trata-se da possibilidade de se advogar políticas públicas equitativas e transformar as relações sociais como um todo.

O modelo de hoje só favorece a reprodução do capital e de visões homogêneas acerca da realidade, expressando valores e o modo de vida das classes dominantes, que detêm o privilégio de comunicar e defender seus interesses por meios públicos privatizados Se concebermos os espaços e processos de comunicação como reveladores das relações entre produção de significados e modos de produção material do contexto histórico e social em que estão inseridos, a comunicação se torna expressão de modos de vida, de significados, de relações e, por extensão, de fatores relacionados à efetivação de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Aqui reside a relação intrínseca e necessária entre Comunicação e Direitos Humanos: pelo expressar de valores e modos de vida conformados nas experiências de luta e resistência popular, a comunicação contribui para a construção da cidadania, dos saberes acerca de direitos fundamentais e do respeito às diversidades sexual, étnica, racial, cultural, de gênero e de crenças religiosas.

¹Confira mais informações sobre concessões na revista do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social: Concessões de rádio e TV: onde a democracia ainda não chegou, São Paulo, 2007


Arquivo Abong

Formação

As oficinas foram conduzidas de maneira a dar espaço para a construção coletiva do saber

Nossos dias por aí: Uma imersão em Comunicação e Direitos Humanos Perla Assunção e Ricardo Carvalho¹

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desafio proposto era percorrer os quatros cantos do Brasil em dois meses - abril e maio - em uma série de quatro oficinas para tratar de assuntos tão próximos e tão distantes ao mesmo tempo: a Comunicação e o Direito Humano. A jornada incluía paradas obrigatórias em São Paulo (SP), Belém (PA), Olinda (PE) e Porto Alegre (RS). Uma diversidade de Brasil com seus vocabulários regionais, sotaques, rostos, militâncias e com muita história para contar. E foi esse o ponto de partida de nossas oficinas. Imagine quantas histórias de vida cabem em uma linha do tempo que começa lá atrás, no ano de 1500, e vem até os nossos dias! Por meio das memórias afetivas dos direitos individuais foi feito o convite de reaproximação do ser humano com o direito humano, seja através de suas violações, seja através do prazer das conquistas desses mesmos direitos. Foi assim que cada participante pôde inserir a sua história, aquela que não foi escrita em lugar nenhum, em meio a tantas outras, velhas conhecidas, se colocando na história dos Direitos Humanos. A segunda parte do encontro era tratar da comunicação e estudar como se daria um casamento entre ambos: Comunicação e Direitos Humanos. Além de ensinar sobre produtos de comunicação possíveis ou técnicas jornalísticas, o desafio envolvia também criar formas de trabalhar com situações concretas do cotidiano das instituições e movimentos ComunicaDH

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Formação

Arquivo Abong

SAIBAMAIS A construção de uma linha do tempo permitiu que cada participante inserisse sua própria história na história dos Direitos Humanos

Confira toda a produção das oficinas nos quatro blogs criados pelos grupos:

BLOG OFICINA SÃO PAULO

http://comunicacaoparadireitoshumanos.blogspot.com.br/

Na hora do ‘mão na massa’, a proposta era trabalhar a comunicação dos diferentes temas de luta. Na maioria das oficinas foi possível realizar a cobertura de pautas locais reais sob o olhar dos Direitos Humanos. Alguns exemplos são matérias sobre os protestos contra a construção da usina de Belo Monte, a cobertura de uma audiência pública sobre a criação de políticas para a infância e juventude, reportagens sobre os impactos da Copa de 2014, além de entrevistas e furos que se deram durante o exercício. Câmeras fotográficas e computadores ficaram durante todo o tempo à disposição dos/as participantes, para que todos/as pudessem publicar suas matérias, bem como o registro das oficinas nos blogs criados conjuntamente para cada grupo. Esse foi também um dos instrumentos para o ‘aprender fazendo’. Quem dominava a ferramenta ensinava quem tinha menos jeito com a coisa, justamente seguindo o princípio mais essencial do projeto como um todo que é a construção coletiva e colaborativa. O melhor de todos os encontros com tanta gente diferente foi poder ouvir histórias, rir, se emocionar e se indignar também. Desde o princípio, a ideia foi fazer das oficinas um espaço de troca, ponto comum entre participantes, oficineiro/a, coordenação e colaboradores/as. Missão dada, missão cumprida! 12

ComunicaDH

http://nortecomdireitos.wordpress.com/

BLOG OFICINA OLINDA

http://dhezcomunica.wordpress.com/

BLOG OFICINA PORTO ALEGRE http://comundhsul.wordpress.com/

O momento ‘mão na massa’ possibilitou a experimentação da aprendizagem e dos debates

As novas tecnologias estiveram presentes e fizeram parte do processo de formação

Arquivo Abong

Por meio das memórias afetivas dos direitos individuais foi feito o convite de reaproximação do ser humano com o direito humano, seja através de suas violações, seja através do prazer das conquistas desses mesmos direitos.

BLOG OFICINA BELÉM

Arquivo Abong

sociais, considerando sempre a realidade do trabalho de cada um, exercitando, sobretudo, a construção coletiva das diferentes formas de fazer comunicação para cada situação, se valendo do famoso jargão ‘o que temos para hoje’, mas também planejando ‘o que queremos para amanhã’.

¹Comunicador/a, educador/a social e oficineiro/a. A dupla conduziu o ciclo de quatro oficinas, parte integrante do projeto Comunicação e Direitos Humanos da Abong conveniado com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR).


Comunidades Tradicionais Mestre Joaquim: manifestação cultural da dança de São Gonçalo é símbolo de resistência

Comunidade quilombola situada no sertão cearense empreende luta diária pelo reconhecimento de sua etnia e pela garantia dos Direitos Humanos Flávia Cavalcante, do Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador - Cetra

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o sertão central do Ceará, Serra do Estevão, no município de Quixadá, vive a comunidade quilombola Sítio Veiga. Sua história de resistência e luta pelo reconhecimento da identidade cultural quilombola vem se construindo com esforço, união e, principalmente, organização. A comunidade sempre esteve à margem da garantia dos Direitos Humanos tendo que superar as dificuldades vivenciadas cotidianamente pelo difícil acesso a estradas, água e terras para produção da agricultura familiar. Esses/as quilombolas decidiram mudar o rumo de sua história quando no ano de 2005 se organizaram juntamente com entidades e organizações não governamentais para empreenderem uma luta pela conquista de seus direitos fundamentais. O primeiro desafio foi com os/as próprios/as quilombolas, como conta o presidente da Associação Comunitária do Sítio Veiga, Antonio Lopes. “Muitos dos moradores quilombolas não se reconheciam como integrantes dessa etnia em virtude dos anos de repressão, medo, preconceito e rejeição por parte das comunidades vizinhas”, relata. Algumas lideranças iniciaram, então, um trabalho

Flávia Cavalcante

Comunidade quilombola Sítio Veiga: resistência e identidade cultural

árduo para sensibilizar os/as moradores/as. Foram muitas reuniões, debates, discussões, encontros e, principalmente, o desejo de mostrar a todos/as que aquele povo tem uma história de resistência, uma cultura e um saber próprio de convivência com o semiárido.

Dança de São Gonçalo É referência na tradição cultural do Sítio Veiga a dança de São Gonçalo, realizada há mais de cinquenta anos pelo mestre da cultura Joaquim Ferreira da Silva, Joaquim Roseno ou simplesmente Seu Joaquim. A dança de São Gonçalo é uma manifestação religiosa que se tornou símbolo do patrimônio cultural imaterial da comunidade e do semiárido cearense. Envolvendo homens, mulheres e jovens da comunidade, essa expressão cultural vem sendo transmitida de geração para geração, caracterizando uma construção do conhecimento de forma contínua e espontânea. “Eu tenho a satisfação de ser mestre da cultura porque meu pai era mestre. Ele morreu e deixou o nome. O velho era bom de tirar São Gonçalo e meus irmãos também”, recorda Joaquim. ComunicaDH

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Comunidades Tradicionais Seu Joaquim conta que quem trouxe a dança foi sua avó e que quando ela veio a falecer quem ficou fazendo a ‘tiração’ da dança de São Gonçalo foi sua tia, seus tios e seu pai. Como, desde pequeno, ele via seus parentes fazendo a dança, foi aprendendo, vivenciando, construindo o conhecimento espontaneamente pela observação dos passos e cantos. Hoje Seu Joaquim se encarrega, juntamente com as mulheres da comunidade, de transmitir a dança para as crianças e os/as adolescentes. O grupo é formado por doze mulheres, seis de cada lado, e dois homens que tocam o tamborzinho e o ‘pareia’ no violão. Para a dança ser completa, é necessária a realização de doze jornadas que duram o dia todo. Cada jornada tem músicas e danças próprias. O tamborzinho que é usado por Seu Joaquim, o qual ele guarda com muito carinho, pertencia a seu pai. A comunidade aprendeu que a valorização e o resgate da cultura popular tradicional contribui para a identidade dos/as quilombolas do Sítio Veiga. É dessa forma que eles/ as potencializam sua cultura e sua resistência. Antonio afirma que não é preciso inventar nada e que todo tipo de cultura procede e advém do que é próprio do lugar.

As mulheres do Sítio Veiga Desde 2005, as mulheres do Sítio Veiga também vêm construindo sua resistência diária. O grupo surgiu em organizações de datas comemorativas como o Natal, o Dia das Crianças, as festas juninas, entre outras. No entanto, suas conquistas não param por aí. Foi através de muitas reuniões e da organização que partiu da necessidade de luta pela garantia de seus direitos que as mulheres do Veiga vêm contribuindo com a Associação Comunitária do Sítio Veiga com a dança do São Gonçalo, a conscientização ambiental de crianças e jovens e, principalmente, a força e luta das mulheres negras. A comunidade quilombola do Sítio Veiga ensina a todos/as que passam por ali que precisamos estar abertos/ as para aceitar o que venha da outra pessoa para dignificar e validar o/a outro/a e para incluir o que supostamente seja excluído. A comunidade ensina que precisamos de mais cidadania e respeito com esses povos tradicionais no sentido da construção de uma sociedade mais igualitária e justa. Esses povos vão construindo a cada dia, arduamente, a resistência de sua cultura, de seu povo, de seus saberes, de suas lutas, de seus direitos. Eles/as resistem e lutam pela vida.

Direito a educação superior pública gratuita de qualidade Ana Claudia Matos e Paulo Rogério Gonçalves, da Alternativas para Pequena Agricultura no Tocantins (APA-TO)

O Estado do Tocantins possui, atualmente, 29 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares e com processo formalizado para regularização fundiária de seus territórios no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Existem outras 18 comunidades identificadas ainda sem certificação. O número total de comunidades quilombolas existentes no Estado é desconhecido. O processo de identificação e certificação de comunidades quilombolas no Estado do Tocantins é muito recente. A primeira comunidade foi certificada em 2004, há menos de dez anos. No entanto, as comunidades quilombolas vêm se organizando no Estado. Em 2010, foi criado o Fórum Permanente de Acompanhamento da Questão Quilombola do Estado do Tocantins que é um espaço de negociação entre as comunidades e o governo. Em outubro de 2012, foi criada a Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado do Tocantins (COEQTO), que tem como missão defender os direitos e interesses das Associações e Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Tocantins. Levantamento realizado recentemente pela COEQTO e pela APA-TO identificou que há jovens com nível médio concluído fora da universidade (4.172), jovens cursando nível superior ou formados que gostariam de mudar de curso, mudar para a Universidade Federal do Tocantins (UFT) ou realizar outro curso (299) e adultos aptos e dispostos a cursar a universidade (2.219). Esse conjunto de diferentes situações leva a um montante atual de 6.690 quilombolas aptos/as a cursar a universidade. Toda comunidade negra rural dotada de relações territoriais específicas tem o direito de se auto identificar como comunidade quilombola. Desta forma, através do processo de auto identificação que vem acontecendo no Estado, deve-se chegar, em alguns anos, a um número total de quilombolas próximo ao de pessoas negras rurais (211.803). Isso significa que, em poucos anos, a demanda será de aproximadamente trinta mil quilombolas aptos/as a ingressar na universidade. Assim sendo, é fundamental que sejam superadas as dificuldades de acesso e permanência dos/as quilombolas na universidade e que o Estado garanta os direitos dessas pessoas ao Ensino Superior público gratuito de qualidade. 14

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Educação em Direitos Humanos

Educação em Direitos Humanos sob a ótica dos ensinamentos de Paulo Freire¹ Paulo Roberto Padilha²

Ao nos indagarmos sobre quais seriam as características condizentes e coerentes com uma Educação em Direitos Humanos sob a ótica dos ensinamentos de Paulo Freire, recorremos ao seu mais conhecido livro, Pedagogia do Oprimido, manuscrito em português no ano de 1968, que ele dedicou “aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim, descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam” (FREIRE, 1987:23). Foi pensando nos/as oprimidos/as que Freire escreveu seu famoso ensaio como forma de, por meio da educação, caminhar com eles/as na direção da construção de uma teoria que pudesse fundamentar e ajudar a refletir a sua própria ação libertadora. Libertação das injustiças históricas, econômicas, políticas, sociais e culturais, cuja superação passaria necessariamente pela educação entendida como ‘prática de liberdade’ e considerada em sua radicalidade criadora. Criação significando ousadia coletiva, ação corajosa e transformadora, que se coloca contra qualquer obstáculo à emancipação de homens e mulheres ou, se preferimos, contra qualquer aprisionamento dos direitos das pessoas. A pedagogia do oprimido, segundo palavras do próprio Freire, significa a pedagogia “que tem de ser forjada ‘com’ ele e não ‘para’ ele, enquanto homens ou povos na luta incessante de recuperação de sua humanidade. Pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua libertação, em que esta pedagogia se fará e refará” (FREIRE, 1987:32). Ao lermos e relermos a obra de Freire no ano em que comemoramos os 50 anos de Angicos - experiência na qual foram alfabetizadas trezentas

pessoas em quarenta dias - e lançamos nacionalmente o projeto Brasil que lê - um verdadeiro pacto nacional pela alfabetização de jovens e adultos -, constatamos que se faz necessário ampliar, ainda mais, a nossa luta pelo direito à Educação em Direitos Humanos. Em pleno século 21, mais do que nunca, aprendemos com a coerência histórica e com a radicalidade dialética e democrática de Paulo Freire que, desde os anos 60, denunciava a opressão e chamava a atenção para a necessidade de nos compreendermos como seres inconclusos que permanentemente transformam e são transformados pelo mundo em que vivemos. Por isso, parodiando-o, afirmamos que enquanto vivente no mundo, a pessoa também não é: está sendo. E como tal, cria e recria permanentemente a sua própria existência, tomando consciência de seus direitos, de seus deveres e obrigações, a partir das relações que estabelece com o mundo. Daí o seu permanente movimento de busca do ‘ser mais’. Em Freire, aprendemos que a Educação em Direitos Humanos se realiza, por exemplo, quando o/a educador/a quer bem aos/às educandos/as e, amorosamente, cumpre o seu dever de educar, sem deixar de “lutar, politicamente, por seus direitos e pelo respeito à dignidade de sua tarefa, assim como pelo zelo devido ao espaço pedagógico em que atua com seus alunos” (idem, 1997:161). Perguntamo-nos: como alguém que não se respeita, que não respeita os seus próprios direitos, que às vezes nem os conhece e que não luta por eles, poderia ensinar outro alguém sobre o exercício de algum direito ou sobre qualquer outro conteúdo de forma crítica e emancipadora, contribuindo para a formação de sujeitos que exerçam plenamente a sua cidadania e saibam lutar e defender os seus direitos civis, sociais e políticos? ComunicaDH

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Educação em Direitos Humanos

A pedagogia do oprimido, segundo palavras do próprio Freire, significa a pedagogia “que tem de ser forjada ‘com’ ele e não ‘para’ ele, enquanto homens ou povos na luta incessante de recuperação de sua humanidade.” Observamos, no entanto, que Paulo Freire não faz referências específicas a nenhuma declaração ou tratado de Direitos Humanos, mas considera que “uma das primordiais tarefas da pedagogia crítica radical libertadora é trabalhar a legitimidade do sonho ético-político da superação da realidade injusta” (Idem, 2000:43). Finalmente, lembramos que Paulo Freire nos ensina também a lutar pelos Direitos Humanos quando fala que a sua justa ira, como as justas iras que hoje vemos tomar as ruas do país e do mundo, fundamentam-se na “negação do direito de ‘ser mais’ inscrito na natureza dos seres humanos” (Idem, 2000:79). E também nos convida a lutar contra a impunidade, contra qualquer tipo de violência, “contra a mentira e o desrespeito à coisa pública” (Idem, 2000:61) ou contra a falta de escola, de casa, de teto, de terra, de hospitais, de transporte, de segurança ou, ainda, contra a falta de esperança da ideologia neoliberal e da insensatez dos/as poderosos/as, que tentam a todo custo, todos os dias, em todos os espaços da sociedade, naturalizar a miséria, a pobreza, e, disfarçadamente, impedir “a briga em favor dos Direitos Humanos, onde quer que ela se trave. Do direito de ir e vir, do direito de comer, de vestir, de dizer a palavra, de amar, de escolher, de estudar, de trabalhar. Do direito de crer e de não crer, do direito à segurança e à paz” (FREIRE, 2000:130).

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ComunicaDH

Em Freire, aprendemos que a Educação em Direitos Humanos se realiza, por exemplo, quando o educador quer bem aos educandos e, amorosamente, cumpre o seu dever de educar, sem deixar de “lutar, politicamente, por seus direitos e pelo respeito à dignidade de sua tarefa, assim como pelo zelo devido ao espaço pedagógico em que atua com seus alunos.” Como Freire, não perdemos a esperança. Acreditamos que “mudar é possível” e que a tradução dos Direitos Humanos em mudanças efetivas, de grande alcance social, é um desafio de toda a sociedade que, certamente, passa pela Educação em Direitos Humanos.

BIBLIOGRAFIA FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17 ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. _____. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 1997. _____. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo, Editora UNESP, 2000. PADILHA, Paulo Roberto. Educação em direitos humanos sob a ótica dos ensinamentos de Paulo Freire. In: SCHILLING, Flávia (Org.). Direitos Humanos e Educação. Outras palavras, outras práticas. São Paulo, Cortez, 2005. p. 166176. ¹Atualização e síntese, com modificações, do artigo publicado originalmente, com o mesmo título, no livro “Direitos Humanos e Educação: outras palavras, outras práticas.” (Padilha, In: SCHILLING, 2005, pg. 166-176). ²Mestre e doutor em educação pela FE-USP, pedagogo, bacharel em ciências contábeis e músico. É diretor pedagógico do Instituto Paulo Freire e membro da coordenação estadual da Abong SP. Autor de diversos livros, entre eles, Educar em Todos os Cantos: por uma Educação Intertranscutural e Planejamento dialógico: como construir o projeto político-pedagógico da escola. 8 ed., São Paulo, Cortez/IPF, 2008 (1 ed. 2001).

Rodrigo Gomes

Outras categorias freirianas que precisam ser lembradas e que também nos servem como indicadores de uma educação que nos ensina a lutar pelos nossos direitos e a tornar o processo educativo mais plenamente humano, enquanto criação cultural, são, por exemplo, a criticidade, a estética, a ética, o respeito aos conhecimentos e saberes dos/ as educandos/as, a consciência do inacabamento da pessoa, a alegria, o diálogo, a esperança, a dinâmica entre liberdade e autoridade, o significado da compreensão da educação enquanto intervenção humana, entre outras categorias e ideias-chave que por tantos anos estiveram presentes em sua práxis, entendida enquanto ação transformadora (Freire, 1997).


Escola

A mediação de conflitos no ambiente escolar como prática restaurativa através de uma cultura de paz

O

objetivo central deste ensaio é refletir sobre as adversidades e os conflitos que permeiam as relações humanas no ambiente escolar, em especial, pensar o desafio da mediação de conflitos como instrumento pacificador e restaurador nas escolas e compreender o papel de cada ator/atriz social e o alcance das suas responsabilidades frente à educação de crianças e adolescentes. Objetivando a inserção e o fortalecimento da cultura de paz através da mediação como possibilidade útil de transformação das relações conflituosas, o envolvimento cada vez mais expressivo das famílias e o papel do/a professor/a que lida de forma direta com os estudantes em sala de aula e indireta com os/as demais atores/atrizes da comunidade escolar são imprescindíveis no enfrentamento aos padrões de violência que se pode encontrar na escola da atualidade. Neste cenário, busca-se a paz social através das ações restaurativas construídas entre escola e comunidade. Este enfrentamento aos conflitos pauta-se no entendimento de que as expectativas das partes envolvidas, os valores e interesses, ora divergentes, devem ser encarados de forma positiva e pautados no princípio da dignidade humana. A escola, neste contexto, representa, enquanto espaço físico reconhecido, um ambiente de liberdade, autoafirmação e muitas vezes de reprodução dos comportamentos presenciados pelos membros da comunidade escolar em seus lares e na sociedade, de forma geral. Vale observar que os impactos da naturalização ou banalização das práticas de violência como resposta imediata à resolução do conflito têm fomentado na sociedade um ciclo vicioso de violação aos Direitos Humanos. As práticas educativas devem fomentar a participação efetiva das famílias junto às instituições de ensino com um olhar pautado nas resoluções de conflitos no ambiente escolar, além de favorecer um debate franco, em todas as

Jane Santos Farinazzo e Rodrigo Deodato, do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares - GAJOP

suas instâncias, com vistas a respeitar os sentimentos e colaborações de todos/as os/as agentes implicados/as. Deste modo, se faz necessário que a sociedade se mobilize e busque um caminho pautado na harmonia, objetivando a redução da violência por meio da resolução pacífica dos conflitos e, na perspectiva dos Direitos Humanos, respeitando cada questão individualmente no primeiro plano e em seguida ressaltando os reflexos e as consequências na comunidade escolar. Reconhecer-se como agente de transformação social necessário/a à consolidação de uma nova realidade é papel de toda a sociedade e, em especial, dos/as profissionais que exercem funções enquanto gestores/as, educadores/as e professores/as, compondo, deste modo, uma parte da área educacional que deve priorizar os/as estudantes enquanto seres em desenvolvimento e capazes de assumirem suas responsabilidades. Este é um desafio que precisa de um debate e aprofundamento conjunto, envolvendo instituições como escola, família, estudantes e entidades públicas e privadas que venham a assegurar o estabelecimento de uma cultura de paz e de respeito aos Direitos Humanos a todos/as.

Reconhecer-se como agente de transformação social necessário/a à consolidação de uma nova realidade é papel de toda a sociedade e, em especial, dos/as profissionais que exercem funções enquanto gestores/as, educadores/ as e professores/as, compondo, deste modo, uma parte da área educacional que deve priorizar os/as estudantes enquanto seres em desenvolvimento e capazes de assumirem suas responsabilidades. ComunicaDH

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Empreendedorismo

Angelo Rosario

Economia Solidária: transformação e desenvolvimento por meio da geração de renda Milena Oliveira, da Avante - Educação e Mobilização Social

Economia Solidária fortalece mulheres para desempenhar seu papel transformador na sociedade

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ascida e criada no Calabar, bairro popular de Salvador (BA), Arlete Jesus da Silva atribui grande parte das suas conquistas à inserção no mundo do cooperativismo. Sua atuação na área da Economia Solidária começou há alguns anos quando participou do Projeto Grãos - Cultivando em Parceria para Colher Autonomia, desenvolvido pela organização não governamental Avante - Educação e Mobilização Social entre 2006 e 2011. Arlete integrou a Cooperativa Pedacinhos de Sabor - COOPS, no Calabar, onde ficou por cinco anos. Daí para frente não parou mais. Atualmente integra a Coopercria, cooperativa de artesanato formada a partir de outro projeto desenvolvido pela Avante em parceria com a Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte da Bahia (SETRE), o Florescer. “Antes eu não trabalhava, só fazia bicos. Fiquei sabendo dessa iniciativa que abria portas para pessoas da comunidade e resolvi aproveitar”, conta Arlete. Casada e mãe de três filhos, a cooperada destaca que a participação em um empreendimento de Economia Solidária contribuiu para outro tipo de inserção dela na vida familiar, comunitária e social. “A independência financeira me permitiu fazer e ter coisas que antes eu não podia. Me desenvolvi, minha autoestima aumentou e passei a me ver de outra forma”, relata. 18

ComunicaDH

Vista como propulsora de importantes transformações na sociedade, a Economia Solidária propõe uma forma diferente de desenvolvimento que apresenta dimensões políticas, culturais, sociais e ecológicas

O projeto Florescer, do qual Arlete faz parte, tem como objetivo fortalecer ações voltadas para a sustentabilidade de cooperativas existentes em comunidades populares de Salvador, além de fomentar a criação de novos grupos produtivos. A proposta é contribuir para a consolidação das mulheres na sua vida comunitária, para que possam colaborar como cidadãs conscientes, desempenhando o seu papel transformador na sociedade.

“A independência financeira me permitiu fazer e ter coisas que antes eu não podia. Me desenvolvi, minha autoestima aumentou e passei a me ver de outra forma.” A história de Arlete, assim como a de tantos/as outros/as cooperados/as, reflete uma tendência cada vez mais crescente no Brasil nos últimos anos: a organização de pessoas em grupos produtivos orientados pelos princípios da Economia Solidária. “Ao ouvir pessoas que integram empreendimentos solidários, percebemos o poder social que este tipo de geração de renda produz”, reflete a coordenadora da Linha de Formação para o Trabalho - uma das frentes de trabalho da Avante -, Fabiane Brazileiro.


Empreendedorismo

Conceito de Economia Solidária

Políticas públicas de incentivo

Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Economia Solidária compreende uma diversidade de práticas econômicas e sociais organizadas sob a forma de cooperativas, associações, clubes de troca, empresas autogestionárias, redes de cooperação, entre outras, que realizam atividades de produção de bens, prestação de serviços, finanças solidárias, trocas, comércio justo e consumo solidário.

No Brasil, a Economia Solidária se expandiu a partir do trabalho realizado por organizações da sociedade civil, de igrejas, das incubadoras universitárias e dos movimentos sociais que atuam no campo e na cidade. Mais recentemente, o governo também se voltou para o incentivo às iniciativas na área com a criação de uma política nacional de economia solidária anunciada em 2003, em clima de intensa mobilização social, durante o III Fórum Social Mundial, em Porto Alegre (RS). No mesmo ano foi criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), vinculada ao MTE, e constituído o Fórum Brasileiro de Economia Solidária, instância que exerce o papel de interlocutor com a SENAES, apresentando as demandas do setor e acompanhando a execução das políticas.

O conceito de Economia Solidária não está ligado apenas à dimensão financeira, mas apresenta interfaces sociais, políticas, culturais e ecológicas, e propõe uma nova lógica que, ao contrário do modelo capitalista de produção, valoriza princípios como cooperação, igualdade, coletividade, união, liberdade e respeito ao meio ambiente. Se apresenta como uma aliada no combate à pobreza e ao desemprego ao gerar oportunidades de trabalho e renda para pessoas não inseridas no mercado de trabalho e promover autonomia e inclusão social.

O conceito de Economia Solidária não está ligado apenas à dimensão financeira, mas apresenta interfaces sociais, políticas, culturais e ecológicas, e propõe uma nova lógica que, ao contrário do modelo capitalista de produção, valoriza princípios como cooperação, igualdade, coletividade, união, liberdade e respeito ao meio ambiente.

Os governos estaduais e municipais também deram passos no sentido de estimular e fortalecer empreendimentos solidários e aprovaram legislações que determinam a implantação de conselhos, o fortalecimento da Rede de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária e a realização de conferências públicas. Na Bahia, através da Lei 11.362/09, que instituiu o Conselho Estadual de Cooperativismo (CECOOP), foi criada a política estadual de apoio ao cooperativismo. Apesar dos avanços registrados, muitos empreendimentos de Economia Solidária ainda dependem dos recursos próprios de seus/suas integrantes e de doações para iniciar ou dar continuidade ao seu negócio. Em razão dessa dependência, decorrente de um sistema de financiamento ainda insuficiente, muitos grupos não conseguem se manter.

Angelo Rosario

Economia Solidária: geração de renda e transformação social

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Arquivo Cese

Empreendedorismo

Agricultura familiar na produção de alimentos que vão para a mesa dos brasileiros

Solidariedade na cidade e no campo Gerar recursos a partir de recursos próprios. Esta é a tônica do projeto É Dia de Feira Solidária, que tem como objetivo formar um empreendimento associativo solidário na Feira de São Joaquim, em Salvador, que aproveite os refugos oriundos da própria feira, material inicialmente sem valor de comércio, mas rico se aproveitado corretamente para fins alimentícios. A iniciativa é desenvolvida pela Avante, por meio de parceria com a SETRE, com os Centros de Economia Solidária (CESOL) e com a União de Negros pela Igualdade (UNEGRO). A proposta é, além de gerar recursos para os/as integrantes do grupo, fortalecer a noção de comunidade feirante, atuando dentro de uma lógica de cooperação, igualdade, liberdade, autonomia e respeito ao meio ambiente. A ação prevê, entre outras coisas, a constituição do grupo produtivo, a realização de formações técnica e gerencial para os/as participantes do empreendimento e a montagem do espaço de reciclagem de orgânicos. Na zona rural, a Associação Regional dos Grupos Solidários de Geração de Renda (ARESOL) vem propondo ações de convivência com o semiárido pautadas na valorização do homem e da mulher do campo, no reconhecimento da importância da agricultura familiar para a produção do alimento que vai para a mesa dos/as brasileiros/ as e na necessidade de políticas públicas que atendam efetivamente às necessidades da agricultura familiar. A ARESOL participa do Programa Produção Comunitária e Renda, da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), que busca qualificar a gestão, ampliar a produção e vendas de empreendimentos da economia popular.

Ruth Hirte

Projeto É Dia de Feira Solidária cria empreendimento associativo solidário na Feira de São Joaquim

São vinculados à ARESOL associações e grupos de pequenos/as agricultores/as que pretendem desenvolver uma produção autossustentável, baseada nos princípios da Economia Popular e Solidária. “A experiência da ARESOL expressa a força do povo do semiárido, que busca se organizar de forma autônoma, protagonista e inovadora. É uma experiência que busca criar condições para que agricultores e agricultoras possam viver dignamente no campo, na terra em que nasceram, evitando o êxodo rural”, explica a assessora de projetos e formação da CESE, Olga Matos.

Cooperativismo em números Dados do relatório 2012 da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) mostram que 10,4 milhões de cidadãos estavam associados a uma cooperativa em dezembro do ano passado. Os ramos com mais cooperativas foram o agropecuário (1.528), o transporte (1.097) e o crédito (1.049). Entre as regiões, destacam-se em número de associações o Sudeste (2,3 mil), o Nordeste (1,7 mil) e o Sul (1 mil). Os Estados com mais cooperativas foram São Paulo (949 mil), Bahia (788 mil) e Minas Gerais (775 mil). 20

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Política

Por qual reforma política

devemos lutar? Jose Antonio Moroni¹

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Política

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reforma política presente na agenda nacional há vários anos ganhou novo ingrediente após as manifestações e o pronunciamento da presidenta Dilma. Esse novo ingrediente diz respeito ao processo. Qual seria o melhor caminho para se fazer a reforma política? Assembleia Nacional Constituinte? Plebiscito? Referendo? Iniciativa Popular? O Congresso faz e do jeito dele? Esse debate importante, no entanto, não pode ofuscar a discussão sobre o conteúdo da reforma política. Para que queremos a reforma política? O que queremos enfrentar com a reforma política? Que sistema político queremos construir? Ambos os debates, sobre o processo e sobre o conteúdo da reforma política, são fundamentais para a construção de um novo modelo democrático para o país e devem andar de forma conjunta. Independente da inércia e da falta de interesse do Congresso, o que se coloca como questão de fundo é quais são os sujeitos políticos reconhecidos como tal para fazer a reforma? Sempre defendemos que a reforma política tem que construir uma nova forma de poder, ou seja, uma nova forma de exercício da política. Essa nova forma só pode estar alicerçada na soberania popular, no poder popular. Portanto, o instrumento para se fazer a reforma precisa estar alicerçado na democracia direta e os sujeitos políticos são a sociedade com as suas diversas formas de organização, inclusive os partidos. Estamos num impasse em relação ao tema. O Congresso não consegue votar uma reforma política e a sociedade quer uma reforma política séria. Só se rompe com isso com um movimento que articule forças políticas de fora com quem está dentro e quer mudanças. Sem esse movimento, o Congresso continuará a atuar como aquele cachorro que fica correndo atrás do próprio rabo. Diante desse quadro político e pensando em criar esse movimento de fora é que várias organizações

Sempre defendemos que a reforma política tem que construir uma nova forma de poder, ou seja, uma nova forma de exercício da política. Essa nova forma só pode estar alicerçada na soberania popular, no poder popular. 22

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e movimentos da sociedade civil coletam, desde o final de 2011, assinaturas para a Proposta de Iniciativa Popular para Reforma do Sistema Político. A iniciativa não fica restrita à reforma do sistema eleitoral, mas vai na direção do fortalecimento da soberania popular, através de várias propostas, entre elas, que determinados temas só possam ser definidos por plebiscitos e referendos e que o povo tenha poder para convocar esses instrumentos da democracia direta e não somente o Congresso como é hoje. Sobre o conteúdo, não podemos aceitar uma reforma que queira apenas melhorar as eleições. Isso não muda a lógica do poder e nem do debate político sobre a reforma. Além de melhorar o nosso sistema eleitoral com a proibição do financiamento privado e mecanismos de inclusão nos espaços de poder dos grupos sub-representados, especialmente mulheres, população negra, indígena e homoafetiva, pessoas com deficiência, jovens, etc., precisamos fortalecer o poder de decisão do próprio povo através dos instrumentos da democracia direta. O que precisamos fazer é fortalecer a soberania popular e com isso ir construindo o poder popular. Sem isso não vamos conquistar a radicalização da democracia e muito menos as grandes transformações estruturais que queremos e pelas quais lutamos. Não existe reforma do sistema político sem enfrentar o poder dos meios de comunicação privado, assim como o isolamento e a elitização do poder judiciário às demandas populares. Em resumo, pensar a reforma do sistema político é pensar como democratizar as relações de poder em todas as esferas e em todos os espaços e isso só a soberania popular é capaz de fazer.

SAIBAMAIS Acesse a página da Plataforma pela Reforma do Sistema Político e assine a Proposta de Iniciativa Popular para Reforma do Sistema Político: www.reformapolitica.org.br

¹Colegiado de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC e membro da plataforma dos movimentos sociais pela reforma do sistema político.


Saúde

Mais

Médicos

e

o

direito humano a saúde

Jorge Gimenez, do Centro de Educação e Assessoramento Popular- CEAP

Programa do governo federal para suprir carência de médicos/as em algumas regiões do país provoca resistência de parte da classe

A

pós a onda de manifestações que aconteceram no país, o governo federal lançou, em resposta às revindicações, o programa Mais Médicos, que prevê a contratação de médicos/as brasileiros/as e estrangeiros/as para trabalharem em regiões onde há carência desses/as profissionais. A iniciativa, proposta inicialmente pela Frente Nacional dos Prefeitos, gerou fortes reações, especialmente da classe médica brasileira, contrária à proposta. Na avaliação desta, a falta de médicos/as no interior do país acontece devido à infraestrutura precária das unidades de saúde e aos baixos salários. Na avaliação do coordenador executivo do Centro de Educação e Assessoramento - CEAP, Valdevir Both, essa discussão é uma das mais ComunicaDH

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Saúde

Tempos modernos: saúde do trabalhador Fernando Ózio, da Casa do Trabalhador

Tempos Modernos, filme de Charlie Chaplin, de 1936, já retratava a situação dos/ as trabalhadores/as dos primeiros tempos da revolução industrial. Uma cena que chama atenção é quando o trabalhador da fábrica, interpretado por Chaplin, não concilia a velocidade da máquina com a dos repetitivos movimentos que tem que fazer e entra em colapso. A arte imita a vida e a vida imita a arte. A saúde do/a trabalhador/a só precarizou de lá para cá. As novas tecnologias associadas à organização do trabalho imposta pelo patrão com suas metas abusivas causam acidentes de trabalho com adoecimento físico e psicológico e até morte. Além de ter que enfrentar a doença, o/a trabalhador/a ainda tem que lidar com um trâmite administrativo junto à Previdência Social e com um jogo onde, mesmo desrespeitando as leis, o patrão se esforça para não admitir o acidente de trabalho por conta dos custos previdenciários. O/A trabalhador/a, por sua vez, tem que garantir seus direitos sem nem ter ciência dos mesmos, muitas vezes. A Casa do Trabalhador, junto com a Associação de Vítimas de Doenças e Acidente de Trabalho do Rio Grande do Sul (AVIDA-RS) e sindicatos de trabalhadores/as, realiza um trabalho de apoio oferecendo ao/à trabalhador/a com palestras e seminários buscando conscientizá-lo/a acerca da prevenção de acidentes de trabalho e de seus direitos civis, previdenciários e trabalhistas.

urgentes que o Brasil precisa fazer para avançar na política pública de saúde. O sistema de saúde adotado em 1988 para atender ao direito humano a saúde é um sistema público, universal e gratuito. Apesar disso, a materialidade desses princípios ainda está muito distante, uma vez que os problemas da saúde pública são, igualmente, publicamente conhecidos ao ponto de terem sido esses, alvos das principais reivindicações nas recentes manifestações. Um dos graves problemas, entre outros, é a falta de médicos/as para atender 24

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à demanda. Por isso, o Estado, responsável por essa política, não pode se isentar da discussão e da tentativa de resolução do problema. É nesse contexto que o CEAP compreende o programa e sua relevância. Mesmo que haja 1,8 médicos/as para cada mil habitantes, segundo dados do Ministério da Saúde, o que, tecnicamente, seria suficiente para o país, a falta desses/as profissionais é gritante em várias regiões a ponto de haver, por exemplo, 0,5 médicos para cada mil habitantes no Maranhão, entre outros Estados.

Para Both, há uma resistência histórica dos/as médicos/as para trabalharem no Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo ele, mesmo que, em partes, seja verídica a falta de infraestrutura, apenas isso não explica a resistência da classe médica. “Há mais de quinze anos, o Estado brasileiro vem buscando formas de resolver a falta desses profissionais e continuamos com a resistência deles para com o SUS. Por isso, o programa Mais Médicos é mais do que oportuno num momento em que as ruas pedem ‘saúde padrão Fifa’”, considera.


Grafitagem / Adelson Boris

Raça e Etnia

População Negra: ações e reflexões através da resistência Juliana Cecília de Carvalho e Waneska Andressa Viana de Oliveira, do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares - GAJOP

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Raça e Etnia

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inda hoje é possível observar na sociedade brasileira as marcas de um passado colonial e patriarcal quando constatamos que a grande maioria dos/as pobres no Brasil é negra e que a juventude negra é a maior vítima da violência. Isso demonstra que a luta da população negra ainda persiste para efetivação dos seus direitos enquanto cidadãos/ãs. Nesse contexto de desigualdade e racismo, surge através das lutas reivindicatórias dos movimentos sociais e da sociedade civil em diálogo com o Estado, o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH, lançado em 2003 - atualmente em sua terceira edição (PNDH-3) -, com o intuito de fortalecer as bases democráticas do país tendo como base o estímulo para a elaboração de políticas públicas que atendam as demandas atuais da população. Fez-se necessário dar ênfase às propostas que visam melhorar a condição do/a negro/a na sociedade brasileira e às formas de eliminar as desigualdades raciais, que são a origem estrutural do extermínio da população negra. Ressaltamos que a ideia de raça é uma síntese social utilizada para combater o racismo, tendo em vista que, biologicamente, não existem raças, pois não há uma distância genética entre indivíduos que afirme que sejam de raças diferentes, sendo todos/as classificados como seres humanos. É de fundamental importância para o combate ao racismo a compreensão do conceito de ‘racismo institucional’, balizado no impedimento do/a negro/a em acessar as esferas de poder, uma forma de exclusão velada através da qual se assegura a reprodução e manutenção das desigualdades. Embora não haja na atualidade um explícito discurso racista e um comportamento nitidamente preconceituoso e hostil na nossa sociedade, verificamos um ciclo vicioso que sustenta a reprodução da discriminação dos/as negros/as nos vários setores da sociedade. Fica nítido que só através do nivelamento das estruturas desiguais das instituições é que poderemos estabelecer relações justas e legítimas. Sendo assim, o combate à violência racial depende das ações dos poderes públicos responsabilizados por equiparar as oportunidades para toda a população, independente de sua cor, gênero e idade, de acordo com a Constituição 26

ComunicaDH

Federal de 1988, como por exemplo, através das políticas afirmativas que minimizam os efeitos acumulados em virtude das discriminações e possibilitam o acesso dos seguimentos estigmatizados às esferas públicas. Na contemporaneidade verificamos as lutas e ações permanentes para ampliação e efetivação dos Direitos Humanos voltadas às populações mais excluídas como é o caso da população negra, identificando suas especificidades no acesso a uma sociedade mais justa como consta no PNDH-3, em seu Eixo 3: Universalizar Direitos em um Contexto de Desigualdades¹. Assim, apresentam-se as várias formas de combate ao racismo na nossa sociedade através de atividades conjuntas entre governo e sociedade civil como forma de mudar as bases desiguais que sustentam a manutenção do racismo e justificam atos cotidianos de verdadeira barbárie cometidos contra os segmentos mais vulneráveis. Faz-se necessária, portanto, a continuidade do fortalecimento das ações do PNDH-3 numa perspectiva de indivisibilidade, interdependência e universalidade dos Direitos Humanos, garantindo a sua aplicabilidade e construção em constante diálogo entre os movimento sociais, a sociedade civil organizada e o Estado para que este último atenda às demandas reais da sociedade e que extinga o racismo que alimenta e solidifica as desigualdades.

... o combate à violência racial depende das ações dos poderes públicos responsabilizados por equiparar as oportunidades para toda a população, independente de sua cor, gênero e idade, de acordo com a Constituição Federal de 1988, como por exemplo, através das políticas afirmativas que minimizam os efeitos acumulados em virtude das discriminações e possibilitam o acesso dos seguimentos estigmatizados às esferas públicas.

¹PNDH-3. Eixo Universalizar Direitos em um Contexto de Desigualdades. Diretriz 9: Combate às Desigualdades Estruturais, Objetivo estratégico I: Igualdade e proteção dos direitos da população negra historicamente afetada pela discriminação e outras formas de intolerância.


Educação no Campo

O planejamento na escola pública e a educação dos trabalhadores ¹

Rogéria Pereira Alba e Valéria Korb, da Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural - ASSESOAR

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omar decisões, planejar as atividades cotidianas e projetar as ações e intenções a curto, médio e longo prazo são ações próprias dos seres humanos. Estes podem imaginar e criar o mundo a partir da realidade concreta e tomar decisões para o futuro. Dessa forma, o planejamento se constitui como um processo contínuo, com ações intencionais, conscientes, integradas, coordenadas e orientadas para criar a realidade. Contudo, quando abrimos mão de pensar e planejar as ações, o futuro, automaticamente autorizamos outras pessoas a pensarem e a projetarem nossas vidas. Por isso, projetar o futuro e saber o que queremos é fundamental pois, constantemente, na sociedade de classe, esse aspecto está em disputa. O planejamento, quando centralizado e verticalizado, controla e estimula a concorrência, o que permite à classe dominante o acesso direto ao poder e o controle de seus subordinados. Essa forma de planejar é a mais praticada na sociedade capitalista e, por conseguinte, a escola, como um dos aparelhos ideológicos do Estado, reproduz essa forma de planejamento.

Contrapondo-se a essa lógica, na educação popular, o planejamento é um instrumento de socialização, de organização democrática das atividades, das metas e dos objetivos. Na lógica popular, o planejamento coletivo transforma-se num espaço no qual todos/as os/as envolvidos/as se preparam para pensar e traçar rumos. Assim, ele cumpre a função de organizar a vida, o trabalho, as ações de curto e longo prazo, caracterizando-se como um método não compatível com o planejamento centralizado e verticalizado predominante na sociedade. Planejar é, então, uma ferramenta fundamental para dirigir desde a própria vida até o mundo à nossa volta. A sociedade de classes só se mantém pela expropriação forçada das riquezas e pelo exercício autoritário do poder, prática que educa para a subordinação. O planejamento, como instrumento de gestão econômica, social e institucional, normalmente é realizado a partir de instâncias ‘superiores e especializadas’, restando para a maioria a tarefa de executar o planejado. Conforme já citado, a escola é uma instituição organizada

a serviço das forças hegemônicas. Ela cumpre o papel de formar os/ as trabalhadores/as para o trabalho e as elites para comandar a sociedade. Um processo necessariamente conflitante, razão pela qual a escola contribui para fazer crer que a condição desfavorável aos/às trabalhadores/as é natural e será permanente (ideologia). Ou seja, em geral, a prática de planejamento demandada pelas secretarias de educação, tanto estaduais como municipais, utiliza-se de regras que

O planejamento, quando centralizado e verticalizado, controla e estimula a concorrência, o que permite à classe dominante o acesso direto ao poder e o controle de seus subordinados. Essa forma de planejar é a mais praticada na sociedade capitalista e, por conseguinte, a escola, como um dos aparelhos ideológicos do Estado, reproduz essa forma de planejamento.

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Educação no Campo

subordinam as escolas à execução de tarefas, criando um método autoritário, formando pessoas incapazes de projetar suas vidas. Contudo, como o controle da classe dominante sobre os/as trabalhadores/as nunca é absoluto e permanente, há a possibilidade de a luta popular enfrentar a exploração e provocar mudanças. A escola, contraditória como a própria sociedade, também abre portas para o trabalho educativo na perspectiva da transformação social. Contrapondo-se à lógica dominante, no final da década de 1990, movimentos sociais e organizações populares do campo juntaram-se com o objetivo de pensar a educação, considerando as disputas do projeto de classe existente no campo brasileiro. A partir do entendimento desse contexto, surge a luta pela Educação do Campo como bandeira pelo direito dos povos do campo à educação no lugar onde vivem, opondo-se à educação rural para o campo instituída pelo Estado. O campo é resignificado na sua relação com a cidade, levando em conta os anseios e as lutas dos/as trabalhadores/as no contexto histórico em 28

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que estão inseridos/as, fortalecendo um Projeto Popular Brasileiro. Nessa perspectiva, construir uma Educação do Campo implica o envolvimento e a problematização da realidade dos/as trabalhadores/ as, dos/as educadores/as, dos/as educandos/as, de pais e mães, entre outros/as. Realizar uma educação de interesse da classe trabalhadora exige educadores/as comprometidos/ as com o projeto de classe, capazes de fazer uma análise crítica coletiva da realidade social, levando em conta a condição concreta desses sujeitos. Assim, a Educação do Campo entende o planejamento como uma prática educativa, formadora e determinante. A escola, enquanto um dos espaços de socialização e de constituição do humano, precisa utilizar-se do planejamento como ferramenta coletiva que define e orienta a prática pedagógica. Portanto, para que se efetive a Educação do Campo, é necessário que a escola esteja disposta a assumir o planejamento como método de organização da escola e da sociedade e compreenda-se como parte de um projeto que se contrapõe à lógica capitalista, burguesa

... a Educação do Campo entende o planejamento como uma prática educativa, formadora e determinante. A escola, enquanto um dos espaços de socialização e de constituição do humano, precisa utilizarse do planejamento como ferramenta coletiva que define e orienta a prática pedagógica. e imperialista; que as organizações populares, fruto da luta de classes, assumam o papel de ajudar a construir, fortalecer e sustentar a proposta, em contraposição à prática escolar predominante; que a população local compreenda a escola como um lugar vivo a ser construído coletivamente; e que a administração pública garanta as condições de formação continuada para os/as trabalhadores/as da escola, estrutura física adequada, material pedagógico e condições dignas de trabalho.

¹Texto elaborado tendo como base o trabalho de acompanhamento pedagógico nas escolas públicas do campo promovido pela ASSESOAR desde a década de 90.


Moradia A cidade de Porto Alegre tem sido palco de grandes obras de mobilidade urbana além daquelas diretamente relacionadas com a modernização dos estádios

O direito à cidade e à moradia em tempos de desenvolvimento Lucimar Siqueira

Camila Bitencourt Martins e Karla Moroso, do Centro de Direitos Econômicos e Sociais - CDES

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Moradia

A

Em Rio Grande, o que se observa são investimentos e obras violações decorrentes da expansão portuária causando impacto sociais, ambientais e estruturais

s mudanças das cidades, decorrentes de seu rápido processo de urbanização, não ocorreram de forma pacífica e, em poucas décadas, estas se transformaram em locais de conflitos de ordem social, econômica e ambiental. No Brasil, enquanto a população urbana cresceu, na última década, a taxas anuais de 1,98%, a população das favelas cresceu a taxas anuais superiores a 3%.

Lucimar Siqueira

Na contramão desse processo nasce o Direito à Cidade¹ como uma nova lógica de pensar a mesma a partir de seu crescimento desordenado e alarmante em todo o mundo. Seu objetivo é reverter a lógica econômica de produção do espaço que enxerga a cidade pela perspectiva do lucro e não de direitos, entendendo que o direito à cidade é interdependente a todos os Direitos Humanos internacionalmente reconhecidos.

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O Centro de Direitos Econômicos e Sociais - CDES, através do Projeto de Direito à Cidade e Megaeventos, vem acompanhando, desde janeiro de 2012, os casos de comunidades das cidades de Rio Grande e Porto Alegre, ambas no Estado do Rio Grande do Sul.


Moradia

Porto Alegre tem sido palco de grandes obras de mobilidade urbana além daquelas diretamente relacionadas com a modernização dos estádios. Por conta dessas obras, muitas famílias estão tendo seu direito à moradia violado a partir de sua forma mais perversa: o deslocamento involuntário. Através de ferramentas como aluguel social e bônus moradia e ofertas de habitações que ainda não tem projetos ou recursos captados, famílias inteiras são removidas de seus territórios para dar lugar aos projetos de mobilidade urbana, equipamentos urbanos privados - estádios e centros comerciais e empresariais -, além de projetos de embelezamento urbano. Em Rio Grande, desde o ano de 2007, entidades, movimentos sociais e organizações parceiras vêm acompanhando e denunciando violações decorrentes da expansão portuária na cidade e, o que se observa, são investimentos e obras causando impacto sociais, ambientais e estruturais. Os investimentos que deveriam vir casados com concretas melhorias nas condições de vida das pessoas estão levando a perdas sociais, tanto para as comunidades locais como para a cidade de Rio Grande, considerando que esta, talvez, não esteja suficientemente preparada, no que tange a políticas públicas e a infraestrutura urbana, para atender às demandas ocasionadas por seu rápido crescimento, que, na última década, foi proporcionalmente maior que o Estado e que a capital gaúcha. No campo dos processos sociais, o desafio é o reconhecimento e o respeito aos canais de participação popular, a formação e informação continuada e a promoção de processos participativos visando um controle social efetivo. Vencer esses desafios depende do rompimento de diversas barreiras políticas, sociais, culturais e econômicas. E esse rompimento só será possível a partir do empoderamento das comunidades e de uma cultura de reconhecimento da diversidade e dos Direitos Humanos.

Diante do breve relato dos casos, pode-se definir alguns dos tipos de violações aos direitos identificadas nesses processos de transformações urbanas pautadas pelo desenvolvimento econômico que atingem as comunidades e a população dessas duas cidades: Direito à Participação: é ausente ou precário o envolvimento das comunidades atingidas na discussão dos projetos de reurbanização. Tampouco elas são ouvidas nas suas sugestões de alternativas. Direito à Informação: não existe a divulgação de informação clara e transparente direcionada às comunidades afetadas sobre projetos, obras, recursos e, principalmente, sobre estrutura, funcionamento e critérios dos programas governamentais envolvidos para os processos de reassentamento. Direito à Moradia: nos casos de remoção, as soluções oferecidas são incapazes de garantir o acesso a outro imóvel localizado na vizinhança próxima, tendo em vista que a Prefeitura só indeniza o valor das benfeitorias e não a posse da terra. A posse é direito reconhecido pelo ordenamento jurídico urbano brasileiro. Deslegitimação das organizações comunitárias e desrespeito à cidadania: se dá através de negociação sempre individualizada, que enfraquece a capacidade de negociação comunitária, e por meio de ameaças, pressão e coação, como se os/as moradores/as não fossem pessoas de direitos, lembrando o fim do século XIX, quando a propriedade era base de todos os demais direitos. Assim sendo, como moradores/ as sem propriedades, esses/as não teriam direitos.

¹O Direito à Cidade é definido na Carta Mundial do Direito à Cidade como “usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios da sustentabilidade e da justiça ComunicaDH social ...”

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Quem somos Conheça algumas das organizações que compõem a Rede Nacional de Comunicadores e Comunicadoras de Organizações não Governamentais e Movimentos Sociais para a Educação em Direitos Humanos - RENACOMDH!

A Amazona - Associação de Prevenção à AIDS tem como missão promover a saúde como um direito fundamental, através da prevenção a DSTs/HIV/AIDS, do fortalecimento da cidadania e da auto-organização junto às comunidades de baixa renda, numa perspectiva de justiça social. A Associação Cultural e Beneficente Ilê Mulher foi fundada em 2000 com o objetivo de dar visibilidade às mulheres, proporcionando a elas acesso a atividades que promovam sua cidadania, recuperando sua autoestima e dignidade.

“A oficina do projeto Comunicação e Direitos Humanos, da Abong, na região Sul contribuiu para o contato com outras organizações não governamentais e suas metodologias, facilitando o entendimento e ampliando a visão de mundo”.

Aline Vonsovicz, do CAV (PR)

A Associação de Apoio à Criança e ao Adolescente - AMENCAR atua na defesa, promoção e proteção de direitos humanos, em especial o direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária. através de ações educativas emancipatórias e da mobilização e articulação para formulação e “Para o IDHESCA, a participação consolidação de políticas públicas. na oficina do projeto ComuniA Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural - ASSESOAR é uma entidade sem fins lucrativos constituída e dirigida por agricultores/as familiares a serviço do fortalecimento da agricultura familiar e camponesa, da agroecologia e da educação popular e pública. A Avante - Educação e Mobilização Social tem como missão contribuir para a formação do cidadão, pela educação e o desenvolvimento de tecnologias de intervenção social, visando à garantia dos direitos sociais básicos e ao fortalecimento da sociedade civil. A Bagulhadores do Mió busca contribuir para a melhoria da qualidade de vida, a promoção da cidadania e o desenvolvimento humano de grupos em situação de vulnerabilidade, visando à construção de uma sociedade justa e sustentável. O Projeto Bússola Cultural - Cultura e Economia Solidária pela Sustentabilidade dos Pontos de Cultura, premiado pelo Ministério da Cultura, é fruto das diversas atividades de Marly Cuesta como arte-educadora popular e mestra artesã que contribuem para o desenvolvimento das redes do Programa Cultura Viva.

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cação e Direitos Humanos, da Abong, foi uma enriquecedora oportunidade de compartilhar experiências com diversas organizações atuantes na área. As atividades realizadas durante o encontro contribuíram para o aperfeiçoamento das formas de comunicação interna e externa realizadas por nós com vistas a promover uma melhor difusão para a promoção, garantia e defesa dos Direitos Humanos no Estado do Rio Grande do Sul e em todo o Brasil.”

Consuelo da Rosa e Garcia, do IDHESCA (RS)


Quem somos O Centro de Ação Voluntária - CAV trabalha para que pessoas identifiquem suas causas e contribuam com a transformação social. Promover o voluntariado é, sobretudo, qualificar a relação entre as pessoas respeitando as diferenças e garantindo mais qualidade de vida para todos. O Centro de Assessoria Multiprofissional - CAMP tem como missão apoiar processos de organização coletiva em prol do fortalecimento da democracia, da justiça social e da sustentabilidade ambiental. O Centro de Direitos Econômicos e Sociais - CDES atua na defesa e promoção dos Direitos Humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais através de atividades de pesquisa, incidência e assessoria para comunidades e movimentos sociais. O Centro de Direitos Humanos de Palmas - CDHP articula ações conjuntas com o poder público e a sociedade civil na defesa e promoção dos direitos fundamentais da pessoa humana. O Centro de Educação e Assessoramento Popular - CEAP se propõe a contribuir com processos educativos de sujeitos sociais populares e a sistematizar práticas de educação popular, fortalecendo o avanço das conquistas desses sujeitos. O Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador - Cetra desenvolve projetos com agricultores/ as familiares, incentivando estratégias de convivência com o semiárido, contribuindo para uma melhor qualidade de vida no meio rural cearense. O Centro Dom José Brandão de Castro - CDJBC tem como missão contribuir para o fortalecimento das formas de organização e qualificação dos/as trabalhadores/as rurais sergipanos/as na luta pela superação da exclusão social. A Coordenadoria Ecumênica de Serviço - CESE tem a missão de fortalecer movimentos e populações rurais e urbanas de todo o Brasil que vivem as consequências da desigualdade do país lutando de forma organizada pela afirmação de direitos individuais e coletivos.

“Apesar de caminharmos na mesma direção, vivemos realidades diferentes neste Brasil multicultural, enfrentando e superando barreiras sociais diariamente. Esta luta é árdua e gratificante, e, muitas vezes, é necessário que nos afastemos e lancemos um olhar para realidades diversas a nossa para repensarmos objetivos e estratégias. A troca de experiências vivenciadas na oficina do projeto Comunicação e Direitos Humanos, da Abong, revitalizou a construção do conhecimento e planejamento de ações coerentes e consistentes.” Dóris Macedo, do Ilê Mulher (RS)

“As atividades possibilitaram um valioso fortalecimento do conhecimento acerca das ferramentas e processos comunicativos desenvolvidos por pessoas e movimentos sociais, tendo em vista que a utilização da comunicação por meio de diferentes plataformas se configura como espaço de exigibilidade social e política dos Direitos Humanos.” Emerson Alves, do CAMP (RS)

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Quem somos A ELO - Ligação e Organização é uma associação civil cuja missão é fortalecer grupos e processos sociais em torno da afirmação dos direitos civis, econômicos, sociais, culturais e ambientais por meio da assessoria ao desenvolvimento das organizações. O Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares - GAJOP atua no incentivo ao fortalecimento da sociedade civil e da cidadania plena focando sua intervenção no âmbito dos direitos à segurança cidadã e à justiça à luz dos Direitos Humanos. O Grupo Mulher Maravilha - GMM atua com mulheres e jovens das zonas rural e urbana de Pernambuco e também em comunidades negras rurais quilombolas. Realiza ações formativas já tendo formado dezenas de juristas populares e Promotoras Legais Populares. O Instituto de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais - IDHESCA tem como missão promover, proteger e defender os Direitos Humanos através de uma prática ética, cooperativa, autônoma, participativa, solidária, com respeito às diferenças, de modo a efetivar o pleno exercício da cidadania.

“As Redes Sociais e as ferramentas digitais aproximam as pessoas e permitem processos ricos de produção coletiva. É como um grupo de trabalho virtual onde ideias e propostas vão se somando, aglutinando e agregando novas falas e conhecimentos. Ao final, a gente nem sabe mais de quem foi aquela ideia genial. Pode ter sido de alguém que se inspirou na fala de outra pessoa. Saber da autoria pra quê? A produção coletiva via rede tem outro sabor!” Mauri, do IDhES (RS)

O IDhES - Instituto de Estudos Jurídicos de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais atua na defesa de direitos de coletivos de pessoas em situação de vulnerabilidade econômica, social ou cultural visando a construção de uma sociedade socialmente justa e ambientalmente sustentável. O Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC tem como missão o fortalecimento dos processos democráticos através do monitoramento de políticas públicas. O Instituto Parrhesia Erga Omnes atua por meio da Internet e das Redes Sociais utilizando a linguagem do Rap e a educação em Direitos Humanos para promover inserção e reinserção social, acessibilidade e redução de danos e propagar a luta pela garantia de direitos. O Instituto Paulo Freire - IPF tem como objetivo principal dar continuidade e reinventar o legado de Paulo Freire. Sua missão é “educar para transformar” por meio da promoção de uma educação emancipadora.

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“Pudemos multiplicar a oficina do projeto Comunicação e Direitos Humanos, da Abong, realizada em Belém (PA), para outras organizações, principalmente no interior do Estado do Tocantins, aprimorando assim o trabalho de comunicação interna e o desenvolvimento institucional dessas entidades.” Silvia Patrícia Costa, do CDHP (TO)




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