Politicas de Segurança Pública e Repercussões sobre a Infância - Relatório de Pesquisa

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POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA E REPERCUSSÕES SOBRE A INFÂNCIA DE COMUNIDADES URBANAS DE BAIXA RENDA: SENSAÇÃO DE SEGURANÇA E EXPECTATIVAS SOBRE AS ESTRATÉGIAS EM CURSO RELATÓRIO DE PESQUISA


AVANTE – EDUCAÇÃO E MOBILIZAÇÃO SOCIAL FUNDAÇÃO BERNARD VAN LEER UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA – ISC PROGRAMA INTEGRADO COMUNIDADE, FAMÍLIA E SAÚDE – FASA

POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA E REPERCUSSÕES SOBRE A INFÂNCIA DE COMUNIDADES URBANAS DE BAIXA RENDA: SENSAÇÃO DE SEGURANÇA E EXPECTATIVAS SOBRE AS ESTRATÉGIAS EM CURSO

RELATÓRIO DE PESQUISA

Salvador, 1ª edição

Avante - Educação e Mobilização Social 2014


Equipe de Pesquisa Coordenação Leny Alves Bonfim Trad Pesquisadoras Ana Clara Rebouças Ana Marcílio Andrija Almeida Ivanna Castro Sandra Brasil Assistentes de Pesquisa (Trabalho de Campo) Fracidiane Barreto Glaúcia Borja Mari Rosa Santana Nara Matias Tamaiara Amorim Thiago Souza Ueslei Jardiel Rêgo Silva

Consultor (Estatística) Carlos Antônio Teles Ficha Técnica Avante Conselho Gestor Gestão Institucional Maria Thereza Marcilio Linha de Formação de Educadores e Tecnologias Educacionais Mônica M. Samia Linha de Formação para Mobilização e Controle Social Ana Oliva Marcilio Linha de Formação para o Trabalho Fabiane Brazileiro Linha de Formação de Agente Culturais Rita Margarete Santos Comunicação Institucional Andréa Fernandes

FICHA CATALOGRÁFICA Bibliotecária: Maria das Mercês Valverde - CRB 5/1109

Políticas de segurança pública e repercussões sobre a infância de comunidades urbanas de baixa renda: sensação de segurança e expectativas sobre as estratégias em curso: relatório de pesquisa / Org. Comunicação Institucional da Avante.- 1.ed.Salvador , 2014. 163 p.: il. Bibliografia ISBN 978-85-6082-803-6

1.Segurança pública - Política governamental - Bahia. 2. Policiamento comunitário-Salvador (BA). 3. Serviços policiais para menores. 4. Violência Prevenção. 5. Calabar (Bairro) - Salvador (BA) - Aspectos sociais. I. Avante Educação e Mobilização Social. II. Fundação Bernard Van Zeer. III. Universidade Federal da Bahia. IV. Programa Integrado Comunidade, Família e Saúde. CDD: 351.75

Administrativo Financeiro Maria Célia Falcão


SUMÁRIO

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APRESENTAÇÃO............................................................................................................5

2

MARCO TEÓRICO...........................................................................................................8

2.1 A VIOLÊNCIA COMO DETERMINANTE DA VULNERABILIDADE SOCIAL DE GRUPOS E COMUNIDADES ...........................................................................................8 2.2 REPERCUSSÕES DA VIOLÊNCIA SOBRE A INFÂNCIA ............................................15 2.3 SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: A RENOVAÇÃO CONCEITUAL E OS DESAFIOS NA IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE POLICIAMENTO COMUNITÁRIO .............................................................................................................22 3

METODOLOGIA ...........................................................................................................32

3.1. CONTEXTO DA PESQUISA .........................................................................................32 3.2. COMPONENTE QUANTITATIVO..................................................................................33 3.3 COMPONENTE QUALITATIVO.....................................................................................36 3.4. ESTRATÉGIAS DE ESCUTA DAS CRIANÇAS DO CALABAR.....................................40 3.5. ASPECTOS ÉTICOS......................................................................................................41 4

VIVER NO CALABAR DE ONTEM E DE HOJE.............................................................42

4.1 CALABAR, QUE BAIRRO É ESTE?................................................................................42 4.1.1 O território: população, geografia social e segregação..........................................43 4.1.2 Infraestrutura urbana..................................................................................................50 4.1.3 Participação social: atores destacados e iniciativas...............................................52 4.1.4 A comunidade: imagens, alegrias e percalços.........................................................55 4.1.5 Implantação da Base Comunitária de Segurança: “uma resposta à violência no bairro”.....................................................................................................58 4.1.6 Qualidade de vida no bairro: impressões sobre repercussões da BCS...............................................................................................................................61 5

SEGURANÇA, PERCEPÇÕES DE VIOLÊNCIA E EXPERIÊNCIA DE VITIMIZAÇÃO NO CALABAR .......................................................................................65

5.1 PERCEPÇÕES SOBRE VIOLÊNCIA E EXPERIÊNCIAS DE VITIMIZAÇÃO NO CALABAR..................................................................................................................66 5.2 SENSAÇÃO DE SEGURANÇA NO CALABAR...............................................................79 6

PROCESSOS DE IMPLANTAÇÃO DA BASE COMUNITÁRIA DE SEGURANÇA SOB A ÓTICA DOS MORADORES DO CALABAR .............................86

6.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE POLICIAMENTO E POLICIAMENTO COMUNITÁRIO...........................................................................................................86


6.2.

PERCEPÇÕES DE MORADORES DO CALABAR SOBRE A BASE COMUNITÁRIA DE SEGURANÇA.............................................................................94

7

VIOLÊNCIA E SEGURANÇA PÚBLICA: IMPLICAÇÕES PARA A PRIMEIRA INFÂNCIA, DESTACANDO O OLHAR DA CRIANÇA QUE VIVE NO CALABAR.........................................................................................................

7.1

103

A CRIANÇA E O CALABAR: ONDE EU MORO, COMO EU VIVO E COM QUEM EU CONVIVO....................................................................................................................106

7.2

ANTES E DEPOIS DA BASE COMUNITÁRIA DE SEGURANÇA: REPERCUSSÕES SOBRE A INFÂNCIA DO E NO CALABAR.................................117

7.3

EM CASA, NA ESCOLA E NA RUA: VIOLÊNCIA, SENSAÇÃO DE SEGURANÇA E IMPACTOS DA VIOLÊNCIA PARA AS CRIANÇAS...................................................118

7.3.1 A violência doméstica...................................................................................119 7.3.2 Violência na Escola ................................................................... ...................................................................122 7.3.3 Violência nas Ruas/Comunidade ........................................................................

125

7.4

Violência Silenciosa ............................................................................................

127

8

CONCLUSÃO ...........................................................................................................133 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................................

138

APÊNDICE A – Carta de Apresentação...........................................................

145

APÊNDICE B – Roteiro de Entrevista...............................................................

145

APÊNDICE C– Roteiro Grupo Focal Saúde.....................................................

147

APÊNDICE D – Roteiro de Entrevistas BCS.....................................................

148

APÊNDICE E – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).......

149

ANEXO A- Questionário...................................................................................

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1 APRESENTAÇÃO O presente relatório reúne os resultados da pesquisa realizada entre fevereiro de 2012 e junho de 2013 no Bairro do Calabar, Salvador-Ba, com o objetivo de analisar a percepção da comunidade do Calabar sobre violência, políticas de segurança pública e suas repercussões para a infância e conhecer as expectativas desta comunidade acerca da implantação da Base Comunitária de Segurança recentemente instalada. O estudo representou um desdobramento de outra pesquisa (finalizada em 2010) desenvolvida pela CECIP e Avante no mesmo bairro, abordando o tema da violência. Os dados gerados na primeira pesquisa revelaram o grau de vulnerabilidade das crianças e jovens da comunidade, os quais se encontram expostos às mais diversas manifestações de violências. Inserem-se aqui tanto aquelas que incidem no âmbito doméstico e nas relações familiares, quanto as que ocorrem nos espaços públicos. O recorte atual procurou focalizar as eventuais repercussões da implantação em 2011 de uma Base Comunitária de Segurança no Calabar. Tal iniciativa foi acompanhada de muita expectativa, tendo em vista os resultados positivos, ainda que bastante preliminares, observados, em outras realidades do país beneficiadas pela mesma estratégia. As iniciativas de policiamento comunitária postas em cena no Brasil indicam a disposição governamental de priorizar intervenções em áreas de populações de baixa renda. As primeiras iniciativas de transformação do modelo de policiamento ocorreram no Rio de Janeiro1, sendo orientadas pelo princípio da polícia de proximidade, e receberam a alcunha de Unidade de Polícia Pacificadora - UPP. As “unidades pacificadoras” se originaram da experiência de policiamento comunitário afirmado em experiências nos EUA – sendo Boston a principal referência; Medellin e Bogotá, dentre outras cidades que deram respostas inovadoras à questão da violência criminal (SOUZA e SILVA, 2010).

1

Em 2008 foi instalada a primeira UPP no Morro Santa Marta, no bairro de Botafogo, na Zona Sul. Desde então, 38 UPP já estão implantadas no Rio de Janeiro. A previsão é que até 2014 elas sejam mais de 40.


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No Estado da Bahia, o modelo escolhido foi o de Base Comunitária de Segurança Pública (BCS), que integrou o “Pacto Pela Vida”, um projeto de segurança pública criado e implantado durante a gestão do governador Jaques Wagner. O Pacto tem foco na prevenção, por meio de ações sociais planejadas para áreas consideradas críticas, com o objetivo de reafirmar direitos e dar acesso a serviços públicos à população. A partir deste projeto será instituído um novo modelo de gestão e avaliação de metas de redução da criminalidade, e a atividade policial será premiada pelo desempenho alcançado. As bases comunitárias são descritas no discurso institucional como sendo um “importante equipamento de policiamento comunitário com o objetivo de promover a convivência pacífica em localidades identificadas como críticas, melhorando a integração das instituições de segurança pública com a comunidade local e reduzindo os índices de violência e criminalidade” (BAHIA, PACTO PELA VIDA, 2013). A pesquisa realizada objetivou analisar a percepção da comunidade do Calabar sobre violência, políticas de segurança pública e suas repercussões para a infância, identificando as impressões e expectativas desta comunidade acerca da implantação da Base Comunitária de Segurança recentemente instalada. Foram definidos como objetivos específicos: • Analisar a percepção de lideranças locais e de familiares de crianças (até 10 anos) sobre violência e seu impacto sobre a infância; • Analisar a percepção de lideranças locais e de familiares de crianças (até 10 anos) sobre políticas de segurança pública e suas repercussões para a infância; • Identificar e analisar as expectativas da implantação da Base Comunitária de Segurança na comunidade; • Observar os primeiros impactos da implantação deste modelo de Base Comunitária de Segurança para o bairro, com destaque, para o indicador de “sensação” de segurança entre moradores.


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O estudo procurou ultrapassar a análise centrada apenas no indicador de “sensação de segurança”, abrangendo outras dimensões, tais como: visões dos informantes familiares a respeito do uso da violência na criação dos filhos, na convivência comunitária na repressão/punição de delitos; processos de vitimização; presença e efetividade de investimentos em ações intersetoriais no bairro (saúde, educação, geração de trabalho, lazer etc.); nível de informação acerca de instituições estatais que operam na esfera da Proteção Social entre outros; percepção sobre a atuação policial; impressões acerca do funcionamento/atuação da Base Comunitária de Segurança no bairro, incluindo seus impactos e perspectivas futuras. Compartilhamos do entendimento de Musumeci (2000) de que uma das expectativas centrais dos processos em curso de difusão do policiamento comunitário consiste na abertura progressiva dos órgãos de segurança ao diálogo com a sociedade, ao reconhecimento das demandas locais e à efetivação de parcerias e articulações com outras agências públicas e privadas. Certamente, para aferir estes e outros efeitos esperados, é imprescindível investir em estratégias de monitoramento, controle e avaliação externos. A produção de evidências científicas, através da realização de estudos especializados compõe o leque de estratégias que visam cumprir esta finalidade. O relatório está estruturado em sete seções. As três primeiras contemplam apresentação, marco teórico e metodologia. Os resultados estão distribuídos em três capítulos com os seguintes focos: a descrição do Calabar e a visão dos moradores sobre o bairro (convivência comunitária, serviços públicos, lazer etc.), incluindo o lugar das crianças neste território; percepções sobre violência e segurança (em geral) no Calabar; o processo de Implantação da Base, sensação de segura e outros impactos sob a ótica de representantes de instituições locais e moradores; repercussões e implicações da violência e das ações de segurança pública para as crianças do bairro. A última seção destaca as principais conclusões do estudo e apresenta recomendações com base nos resultados encontrados.


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2 - MARCO TEÓRICO

2.1 A VIOLÊNCIA COMO DETERMINANTE DA VULNERABILIDADE SOCIAL DE GRUPOS E COMUNIDADES

A violência é um fenômeno complexo, cujos esforços conceituais e explicativos mostram-se desafiantes para as mais diversas áreas do saber e, portanto, para uma intervenção mais resolutiva sobre a mesma. A Organização Mundial de Saúde (OMS), através do seu Relatório Mundial Sobre Violência e Saúde (2002) define violência como “o uso da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar, em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.” (KRUG et al, 2002, p. 5) No Brasil, o Ministério da Saúde, através da Política Nacional de Redução da Morbi-mortalidade por Acidentes e Violências, define violência como “o evento representado por ações realizadas por indivíduos, grupos, classes ou nações que ocasionam danos físicos, emocionais, morais e ou espirituais a si próprio ou a outros” (BRASIL, 2000, p. 427). Em seu Relatório Mundial, a OMS (2000) define a tipologia da violência, descriminando-a em três categorias: i) violências auto-infligidas, incluindo nessa categoria os comportamentos suicidas, o próprio suicídio e os auto-abusos, que por sua vez compreende as agressões contra a si próprio e as automutilações; ii) a segunda categoria é a das violências interpessoais, sendo classificadas no âmbito familiar, quando é vivenciada entre os membros da família, e comunitária, quando se desenvolve no ambiente social em geral; iii) e em terceiro tem-se as violências coletivas, expressando-se estas nos âmbitos macrossociais, políticos e econômicos. Minayo (2006) ainda acrescenta outro tipo de violência, denominada pela mesma como ‘violência estrutural’, a autora considera que:

Essa categoria se refere aos processos sociais, políticos e econômicos que reproduzem e ‘cronificam’ a fome, a miséria e as desigualdades sociais, de gênero, de etnia, e mantêm o domínio adultocêntrico sobre crianças e adolescentes. (MINAYO, 2006, p. 81)


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Além da violência estrutural, a autora considera a ‘violência de resistência’, que representa diversas formas de resposta à ‘violência estrutural’, e a ‘violência da delinquência’, sendo “aquela que se revela nas ações fora da lei socialmente reconhecida” (MINAYO, 1994, p. 8). Quanto a natureza da violência, Minayo (2006, p. 82), a divide em violência (ou abuso) física, psicológica, sexual e a negligencia ou abandono. A violência ou abuso físico diz respeito ao uso da força para produzir dano a outrem ou a si mesmo. O abuso psicológico está relacionado às agressões verbais ou gestuais que causam rejeição, humilhação, restrição de liberdade, ou até mesmo o isolamento da vida social. Enquanto o abuso sexual refere-se a toda e qualquer forma de aliciamento sexual imposta à vítima. A última categoria defendida por Minayo é a negligência ou abandono, que evidencia a ausência ou recusa de cuidados aos indivíduos que necessitam de atenção e cuidados específicos. Para Zaluar (1996), o fenômeno sempre existiu entre os grupos, tal como em cada local e tempo sempre existiram mecanismos sociais para a sua compreensão e controle. Todavia, o seu entendimento, sustenta Galheigo (2008, p. 183), varia espacial e temporalmente, assim como nas diferentes culturas e sociedades; e ainda conforme o repertório teórico de quem a examina, e os “simbolismos que a sociedade e os sujeitos lhe atribuem e a forma com que enfrentam”. Tavares dos Santos (1998), inspirando-se fortemente em Foucault e Bourdieu, define enquanto uma forma de sociabilidade. Sendo assim, seria neste fenômeno que se dá a afirmação de poderes, legitimados por uma determinada norma social, o que lhe confere a forma de controle social: a violência configura-se como um dispositivo de controle aberto e contínuo (TAVARES DOS SANTOS, 1998). Todavia, ainda acrescentam estes autores, a violência não seria apenas a sua manifestação institucional, pois a força, coerção e dano em relação ao outro estaria tanto no nível macro, do Estado, quanto no nível micro dos grupos sociais (ZALUAR e ALVES, 2001; TAVARES DOS SANTOS, 1998).


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Neste sentido, este último autor sugere, em uma alusão foucaultiana, uma “microfísica da violência”, justo por reconhecer a capilaridade que marca tal fenômeno, isto é, a violência está presente entre os gêneros e gerações, nas manifestações do racismo, nos mais diversos espaços, a exemplo da escola, dos serviços, dos lares. Em suas próprias palavras, a forma social da violência estaria expressa no excesso de poder que impede o reconhecimento do outro – pessoa, classe, gênero, raça – mediante o uso da força ou da coerção, provocando algum tipo de dano, configurando o oposto das possibilidades da sociedade democrática contemporânea (TAVARES DOS SANTOS 1994; 2002; 2004). De um ponto de vista mais pragmático, a violência é também considerada um problema de saúde pública, assim reconhecida por organizações internacionais e nacionais, governamentais ou não, a exemplo da Organização Mundial de Saúde (OMS), através dos seus relatórios periódicos, e do próprio Ministério da Saúde que lançou no país a sua Política de Redução da Morbi-Mortalidade por Acidentes e Violência (BRASIL, 2001). Neste bojo, alguns dos critérios para o reconhecimento de um dado fenômeno enquanto problema de saúde pública, de acordo com Costa (2006, p. 145) são: os impactos no indivíduo em termos de anos potenciais de vida perdidos; ou na sociedade, em termos da carga de sofrimento, mortalidade, morbidade causados pela condição, e os custos do tratamento.( COSTA, 2006, p. 145)

Nesses termos a violência pode ser facilmente lida, então, considerados os impactos individuais e societários pela mesma engendrados, seja coagindo, incapacitando, sequelando ou dizimando grupos populacionais, com custos impagáveis à vida humana. No Brasil, a partir da década de 1980, as mortes e as morbidades

por

acidentes

e

violências

assumem

sensível

notoriedade

epidemiológica (SANCHES, DUARTE e PONTES, 2009; MINAYO e SOUZA, 1999). Tanto assim que dados nacionais vêm demonstrando que as ditas causas externas, onde se situam tais eventos, afetam a saúde dos brasileiros e são responsáveis pela segunda causa de mortalidade geral e é a primeira causa nas amplas faixas etárias de 25 a 49 anos (BRASIL, 2001).


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Não obstante tais aproximações, ao se reportarem ao complexo e controverso fenômeno da violência, estudiosos da problemática tendem a afirmar: muito se sabe sobre o tema e, ao mesmo tempo, pouco se sabe, sobretudo, quando se trata da intervenção, das ações preventivas. É algo como Zaluar e Leal (2001, p. 147) pontuam, que, embora as reflexões sobre a violência no país tenham adquirido grande importância na última década, de modo a mobilizar diferentes setores e áreas do conhecimento, “as fontes teóricas, nem sempre explicitadas, foram muito variadas, o que produziu um debate disperso”. Minayo (2006, p. 7), que tem pesquisado a violência desde a perspectiva da Saúde Coletiva por mais de duas décadas, publiciza “continuo sem entender muito dos seus aspectos e tenho mais dúvidas que certezas sobre as manifestações da violência”. Do ponto de vista conceitual, é ainda esta autora quem afirma que:

[a maior] parte das dificuldades para conceituar a violência vem do fato de ela ser um fenômeno da ordem do vivido, cujas manifestações provocam ou são provocadas por uma forte carga emocional de quem a comete, de quem a sofre, de quem a presencia. (MINAYO, 2006).

O exame da violência exige, portanto, abordagens teórico-metodológicas que ultrapassem a mera leitura de descritiva ou de causa-efeito ou que a reduzam a um simples desdobramento das desigualdades sociais e econômicas; tendência esta, inclusive, fortemente encontrada nos estudos que partem do setor saúde. Resistências, dúvidas e fragilidades de toda sorte tendem se expressar nas respostas do setor a tais questões. Exemplo disto está na insatisfatória prática da notificação compulsória da violência nos serviços de saúde, ou seja, grande parte das dificuldades dos profissionais neste mérito se colocam justo pelo fato da pouca correspondência existente entre a violência e os agravos tradicionalmente notificáveis, além de razões de ordem cultural e educacional. Nesta última, destacase outro exemplo que estaria na própria formação dos profissionais, uma vez que, é ainda observável insuficiente a abordagem da temática na formação de base dos cursos da área da saúde.


12 Atualmente a violência desponta no cenário nacional, ocupando o segundo lugar no ranking do obituário geral do Brasil. Desta forma o fenômeno da violência vem ocupando proporções de magnitude devastadora e se tornou um dos principais problemas da sociedade brasileira:

A violência social que ocorre no Brasil e se expressa nos indicadores epidemiológicos e criminais a partir de eventos letais e não letais tem demonstrado uma magnitude e uma intensidade sem precedentes, maiores até do que as observadas em países em situação de guerra. As taxas de mortes por causas violentas nos principais centros urbanos brasileiros estão entre as mais altas do continente americano, expressando uma tendência de crescimento que desde a década de 1980 vem se acentuando (SOUZA e LIMA, 2007, p. 1212).

Nos últimos 30 anos essa mesma violência social, estruturada no Brasil sob a forma das desigualdades sociais vem expressando-se principalmente através das formas criminais e delinquenciais. Nesse sentido,

o caráter altamente lucrativo dos crimes e a sua organização em rede configuram os fatores determinantes das formas contemporâneas de violência que, no Brasil, são responsáveis pelo aumento das mortes por homicídios e as taxas de criminalidade.(MINAYO, 2006, p. 32).

Além dos espaços concretos, há ainda de se contemplar as sutis nuances de violência que se colocam naqueles que Bauman (2001, p. 120) chama dos “nãolugares”: “espaços destituídos das expressões simbólicas de identidade, relações e histórias, cujos exemplos incluem aeroportos, auto-estradas, anônimos quartos de hotel, transporte público”, etc. Cabe, portanto, considerá-los no exame das tantas violências possíveis, dado que, conforme o autor, os mesmos “não requerem o domínio da sofisticada e difícil arte da civilidade, uma vez que reduzem o comportamento público a preceitos simples e fáceis de aprender”. Ele conclui que “por causa desta simplificação, também não são escolas de civilidade; e, como hoje “ocupam tanto espaço” (...), as ocasiões de aprendizado são cada vez mais escassas” (BAUMAN, 2001, p. 120). Não podemos esquecer que a violência pode expressar-se nos mais diversos contextos das relações humanas, conforme defendem Tavares et al. (1998). Entendê-las, portanto, sem os parâmetros da civilidade, é aumentar os riscos da sua eclosão.


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Outra categoria que foi abordada pela presente pesquisa é a vitimização, cuja definição encontra-se na literatura ainda de forma parca, difusa ou pouco precisa. Para Sá (1996), “a vitimização é um processo pelo qual alguém (que pode ser uma pessoa, um grupo ou um segmento da sociedade) torna-se um objeto da violência por parte de outrem”, sendo que este outrem também poderá ser uma pessoa, grupo, entre outros. A vitimização, acrescenta, também pode ser socioestrutural (delitos relacionados com ódio, situações sociais específicas, etc.), pode ser coletiva (contra um grupo ou população inteira) e, finalmente, institucional ou por uma instituição que se refere à vitimização perpetrada por esta. Todas estas modalidades de vitimização, quais sejam a socioestrutural, coletiva e institucional, interessam a esta análise, uma vez que se expressam, em maior ou menor grau, no contexto de estudo. Para Almeida e Paes Machado (2013), apoiados em Hope (2001) e Colorado (2006), a vitimização pode ainda ser primária, ou seja, relativa “às consequências físicas, econômicas ou psicossociais de um delito”; ou secundária quando “derivada das relações da vítima com a justiça e suas redes sociais”; ou ainda terciária que trata-se do “comportamento de vingança causado pela agressão sofrida”. Esta distinção se completa ao demarcar a possibilidade da vitimização primária ser do tipo direta ou indireta, noções igualmente importante para este estudo. Assim, ao passo que “a direta refere-se a ser alvo da violência, a indireta remete ao testemunho ou informação sobre atos violentos contra pessoas próximas”; e tanto uma como a outra podem ser “repetidas ou múltiplas, isto é, decorrente da exposição a tipos diversos de violência” (CARDIA, s/d; ALMEIDA e PAES MACHADO, 2013, p. 266) Interessa, por fim, salientar na presente discussão a importância de se considerar a violência como um determinante da vulnerabilidade de grupos sociais e comunidades. No bojo deste projeto, serão destacados, particularmente, os impactos da violência para a infância. Ponto que será alvo de análise no próximo tópico.


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Cunha et al (2004, p. 7) ressaltam o fato de que o conceito de vulnerabilidade social carece de maior aprofundamento e validação empírica, bem como, contrapontos mais refinados com outros conceitos – como segregação sócioespacial, pobreza ou exclusão social. Os autores chamam atenção para o fato que, o reconhecimento do caráter multifacetado da vulnerabilidade pressupõe a recusa em operar “com uma categoria dicotômica do tipo vulnerável versus não vulnerável”. Sugere-se a adoção de um gradiente de situações a partir do qual seja possível identificar as “debilidades” inerentes aos diversos segmentos socioespaciais da população em foco. Na construção deste gradiente faz-se necessário o mapeamento das fontes dos ativos disponíveis para os indivíduos e/ou famílias. Em consonância com estes pressupostos, Cunha et al (2004) destacam a concepção de Kaztman (2000, p. 7) segundo o qual a vulnerabilidade pode ser entendida como “a incapacidade de uma pessoa ou de um domicílio para aproveitarse das oportunidades, disponíveis em distintos âmbitos sócio-econômicos, para melhorar sua situação de bem-estar ou impedir sua deterioração”. A vulnerabilidade também pode ser pensada em um contexto de exposição sistemática à violência doméstica e/ou urbana, incluindo nesta última aquela impetrada pelas forças do estado, como a polícia. Pensando concretamente na questão da atuação policial em bairros populares do Brasil, marcados geralmente pela pobreza e incipiência da ação estatal, como é o caso do Calabar, em Salvador/BA. Conforme salientam Bulhões e Santos (2012), “embora, a violência policial afete toda a sociedade, é nas camadas das classes pobres economicamente que os abusos e os excessos se manifestam com mais freqüência”.


15 2.2. REPERCUSSÕES DA VIOLÊNCIA SOBRE A INFÂNCIA

Dentre os tipos de violência que afetam de forma significativa as crianças e jovens, Minayo (2006) destaca a estrutural, a intrafamiliar e a delinquencial. A violência estrutural incide sobre a vida de crianças e adolescentes através de decisões políticas, econômicas e sociais interferindo nas suas perspectivas de crescimento e desenvolvimento. Em relação a violência intrafamiliar, estimasse que cerca de 20% das crianças e adolescentes sofram violência física e que 80% dos casos sejam no âmbito familiar, provocadas principalmente pelo pai e/ou pela mãe. Já a violência delinquencial vem se mostrando no número altíssimo de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas, sendo que a maioria são de meninos, pobres e moradores dos grandes centros urbanos. Apesar dos 24 anos de promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no Brasil, o cumprimento efetivo de suas normas, ainda é incipiente ou, pelo menos desigual no conjunto do país. Nesse sentido constata-se a necessidade do empenho, não só da política de saúde, mas de todas as políticas públicas, na integração em prol do enfrentamento da violência que vem atingindo crianças e adolescentes, garantindo assim, o que é disposto no ECA. Detendo-se na questão dos impactos da violência para a infância, objeto central da presente pesquisa, destacamos a seguir alguns resultados de um trabalho notável sobre este tema. Trata-se da tese de doutorado de Janis Carrol-Lind Children’s Perceptions of Violence: The Nature, Extent, and Imppact of their Experiences (2006). A autora desenvolveu uma taxonomia que contempla sete tipos de impactos: Impacto Físico, Psicológico e Emocional, Comportamental, Social, Cognitivo, Impacto de Longo Prazo (Transtorno de Estresse Pós Traumática) e Impacto da Violência Indireta. Transcrevemos a seguir uma síntese da revisão da produção científica que trata deste conjunto de impactos, extraída da tese de CarrolLind.


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Impacto Físico

O trauma físico constitui o efeito da violência mais fácil de ser notado. Apesar de muitas vezes ser classificado erroneamente como acidentes e, frequentemente, tratado como um aspecto natural da infância, Finkelhor e Dziuba-Leatherman (1994a) atentam para o fato de que crianças que sofreram violência física podem ser identificadas por lesões ou pelo baixo desenvolvimento. Morgan e Zedner (1992) alerta que a vitimização por violência pode levar a problemas físicos, diversas vezes manifestados em uma saúde pobre, particularmente se a criança ficar com alguma deficiência, doenças recorrentes ou cicatrizes permanentes, que se tornam uma persistente lembrança da vitimização. No entanto, Morgan e Zedner também alertam para o fato de se avaliar o impacto da violência apenas pela gravidade física do ataque, por exemplo, a idade e o gênero da criança podem ter maior peso em relação aos efeitos de lesões e cicatrizes.

Impacto Psicológico e Emocional Diversos pesquisadores (Finkelhor e Dziuba-Leatherman, 1994b; Garbarino, 2001; Hurley & Jaffe, 1990; Lowenthal, 2001; Morgan & Zedner, 1992; Osofsky, 1990; Wolfe ET al., 2003) relataram sobre os impactos psicológicos e emocionais da violência contra criança. Muitos concordam que o desconforto emocional e o medo são as formas mais persistentes da vitimização (Morgan & Zedner, 1992; Perry, 2005; Osofsky, 1999). Morgan e Zedner observam que para além do efeito imediato dos ferimentos algumas crianças podem sofrer de padrões comuns de estresse psicológico que podem variar de um leve desconforto emocional ao trauma severo. Morgan e Zedner (1992) e Yegidis (1992) relataram evidências de crianças que eram felizes e extrovertidas tornaram-se medrosas e introvertidas. Yedigis (1992) verificou que crianças violadas tiveram pontuação negativa em medidas de auto-estima, depressão e distúrbios comportamentais em comparação ao grupo controle. Com relação à influência do gênero sobre os efeitos do impacto físico. Hurley e Jaffe (1990) sugerem que as reações de stress como resultado da violência são experienciadas de diferentemente de acordo com o gênero da criança. Por exemplo, garotos podem exibir comportamentos de maior externalização (brigas, depredação de patrimônio) e de maior internalização (desistência, ansiedade, depressão) bem como déficits em competência social (comportamento escolar e dificuldades de sucesso). Contrariamente garotas tendem a experienciar significativos problemas de comportamentos de internalização como ansiedade e depressão (Hurley & Jaffe, 1990). Walker (1993) identificou os dois maiores efeitos do abuso ou violência contra a criança são a interferência no curso normal de seu desenvolvimento e a destruição de um senso de bem-estar. De acordo com Morgan e Zedner (1992) a falta de compreensão da criança sobre a natureza e o significado da violência pode intensificar o estresse. Uma vez que as crianças dependem dos adultos para o seu bem-estar, podem sentirse extremamente fragilizados frente à falha de um adulto em prevenir a ocorrência de um ato de violência (Morgan & Zedner, 1992).


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Impacto Comportamental

Baseando-se nas evidências da literatura Payne (1999)sugere que crianças que experienciaram violência podem demonstrar pensamentos e comportamentos distorcidos que, por sua vez, podem ter um impacto motivacional, cognitivo ou emocional na criança. De acordo com Payne (1999, p. 111) esses efeitos manifestam-se por: (1) ter uma sensação generalizada de não ter controle em um ambiente mina a motivação de iniciar esforços de controlar outras situações ou eventos (motivacional); (2) dificuldade de aprendizagem ou de acreditar no sucesso de suas próprias respostas, mesmo quando tiveram tido sucesso (cognitvo); e (3) uma acentuada “reatividade” a circunstâncias emocionais, especialmente quando há o sentimento de medo e frustração (emocional). Outros pesquisadores afirmam que, crianças que não conseguem antecipar um futuro significativo para si mesmas podem, também, ter dificuldades em focar em tarefas de aprendizagem e socialização no momento presente (Garbarino ET al., 1992; Terr, 1991). Ao não ter preocupações com a própria segurança, elas tendem a desenvolver defesas contra seus medos, se engajam em atividades de risco e em comportamentos de extroversão, ou tornam-se violentos consigo mesmos (Garbarino et al. 1992). Existe uma clara associação entre a exposição à violência ou o abuso e os subseqüentes atos anti-sociais e agressivos (Cicchetti, 1989). Estudos acadêmicos de Perry (1994, 1996, 1997) revelam que muitas crianças que foram traumatizadas na infância, parecem ter um progresso satisfatório até eles completaram 12 e 13 anos, momento que podem reemergir sintomas de hipersexualidade, comportamentos agressivos, impulsividade e ansiedade.

Impacto Social

Somado aos problemas emocionais, comportamentais e acadêmicos, algumas crianças podem ter dificuldades com a interação social porque elas sentem-se menos competentes que seus pares sentem. (Cicchetti, Toth, & Lynch, 1993). A habilidade das crianças de desenvolverem e manterem relações interpessoais durante a infância e adolescência é considerado um dos maiores preditores de ajustes presentes e futuros, mas os pesquisadores (e.g. Cicchetti, Toth, & Lynch, 1993) consideram que, outra conseqüência negativa para crianças vitimas de violência, é o impacto na competência social. Esses problemas podem submergir e re-emergir em vários períodos do desenvolvimento (Putman e Trickett, 1993). Segundo Shepherd (1996), crianças que provocam, intimidam e ameaçam podem estar apresentando comportamentos que foram modelados em casa. Tais comportamentos constribuem para que elas tornem-se socialmente isoladas. Outras crianças podem tornar-se “persistentemente passivas” e demonstram um “desamparo aprendido” em suas relações sociais com os outros. Ao evitar a interação social eles, na verdade, aumentam seus sentimentos de medo e alienação (Hurley & Jaffe, 1990; Shepherd, 1996). Schonert-Reichtl (1993) indicou que o déficit nas habilidades de empatia deve predispor crianças a relações interpessoais empobrecidas e inibir o desenvolvimento de relações íntimas , uma visão apoiada por Shepherd (1996)que notou que algumas crianças saem-se muito pior em medidas de empatia que crianças não expostas à violência.


18 Impacto Cognitivo

Crianças que experienciaram violência podem ter atitudes inapropriadas e têm maior predisposição de considerar a violência como um meio de resolução de conflitos (Shepherd, 1996). Estudos consistentemente confirmam que crianças que sofreram violência obtêm menor pontuação em testes cognitivos e têm menor sucesso acadêmico do que seus pares que não sofreram violências (Lowenthal, 2001; Perry, 2004, 2005). Crianças podem vivenciar problemas que resultam de sua extrema impulsividade, pobreza de habilidade social ou pobres hábitos de trabalho. De maneira geral, crianças traumatizadas mostram algumas perdas no funcionamento ou uma lentidão no avanço dos estágios/habilidades do desenvolvimento (Perry 2004, 2005). Funções cognitivas específicas como memória e noção temporal, também podem ser afetadas (Putman & Trckett, 1993). Na Nova Zelândia, Shepherd (1996) estabeleceu que quando crianças têm que, constantemente, defenderem-se de perigos que estão fora ou dentro de casa, resta pouca energia para o aprendizado. A dificuldade de concentração e de controle interfere nas atividades escolares. Crianças expostas à violência pontuam significativamente menos que crianças de lares não violentos. Assim como, se mostra que as suas habilidades de leitura estão significativamente aquém de sua idade cronológica, quando testados tanto em relação à acuidade como à compreensão. Entretanto, contrastando com esses resultados, algumas crianças saem-se muito bem na escola e tornam-se alunos excepcionais devido a um tremendo esforço de agradar a seus pais (Shepherd, 1996).

Impacto de Longo Prazo (Transtorno de Estresse Pós Traumático)

As pesquisas sobre Transtorno de Estresse Pós Traumático - TEPT (Post Traumatic Stress Disorder – PTSD) oferecem um conceito unificador para a compreensão do impacto da violência e do trauma, a longo prazo, na criança (Finkelhor, 1995; Jaffe, Hurley, & Wolfe, 1990; Perry, 1994, 2004). No seu extremo, o TEPT descreve o transtorno de ansiedade mais comumente associado a uma experiência de vida opressiva (Jaffe, Hurley, & Wolfe, 1990). Osofsky et al. (1999) descrevem sintomas de TEPT como um amplo leque de problemas sociais e emocionais como: estresse; dificuldade de concentração; depressão; pensamentos intrusivos ou imaginários (flashbacks, pesadelos); medo que o evento se repita; dificuldades com o sono, desinteresse e dificuldades de atenção; assim como distúrbios emocionais e psicossomáticos. Perry (2005) identifica os seguintes fatores que podem influenciar na sintomatologia infantil: se há na família histórico familiar de distúrbios psiquiátricos (a depressão pode, frequentemente, produzir um ciclo negativo); a idade em que ocorre o trauma (as crianças responderão diferentemente a depender do estágio de desenvolvimento em que se encontre); a natureza do trauma (o abuso sexual é reconhecido por ter o maior impacto); e o padrão do trauma (vitimas de abuso prolongado pode sofrer com os sintomas mais severos). O trabalho de Perry e outros autores sugerem que quanto mais prolongado o trauma e quanto mais acentuado o sintoma durante o período imediatamente apos o trauma, mais provável é o desenvolvimento de mudanças crônicas a longo prazo ou permanentemente no funcionamento emocional, comportamental, cognitivo e psicológico da criança. Crianças que são vitimas de violência física contínua sofrerão danos mais profundos do que crianças que sofreram o trauma apenas uma vez (por exemplo, em em um acidente de carro ou um episódio de violência comunitária) podem retomar a um ambiente de cuidado e apoio.


19 Impacto da Violência Indireta Mesmo quando não são vitimas direta da violência, testemunhar a violência familiar produz resultados significativamente negativos nas crianças, de acordo com Edleson (1999). Parece que as crianças podem, muitas vezes, serem mais afetadas pelo que elas vêem acontecer perto delas do que pelas suas experiências diretas (Jaffe et al., 1990; Maxwell, 1994; Maxwell & Carroll-Lind, 1997b). Todos os estudos acerca dos efeitos do testemunho da violência familiar, revistos por Lewis, Mallough, e Webb (1989) mostram que as crianças foram afetadas e apresentaram problemas psicológicos e de comportamento incluindo a agressão (Wolfe et al., 2003) 40 dos 41 estudos indicaram que a exposição à violência doméstica estava relacionada à problemas emocionais e comportamentais em relação à crianças de lares não-violentos. Entretanto crianças que testemunharam violência exibiram problemas similares às que experienciaram a violência de forma direta, sendo difícil, portanto, distinguir que problemas são devido à experiência direta ou ao testemunho da vitimização. A comparação entre estudos é ainda mais complexa devido à variedade definições, amostras e metodologias (Wolfe et al. 2003). Crianças que cresceram em famílias expostas à violência inter-parental têm maior risco de apresentar problemas de conduta, transtornos de ansiedade, depressão, tentativas de suicídio, uso abusivo de drogas e criminalidade juvenil (ver Fergusson, 1998). Essas famílias eram caracterizadas por estarem em situação de desvantagem sócio-econômica, dificuldades familiares e maior exposição infantil a abusos físicos e sexuais. Um achado importante deste estudo é que “violência física contra a criança e violência familiar estão, geralmente, envoltas em um contexto social mais amplo, caracterizado por múltiplas fontes de desvantagens sociais, disfunções familiares e dificuldades de ajustes entre os pais” (FERGUSSON, 1988, p. 171).

Os achados e evidências apresentadas pelo trabalho de Carrol referem-se tanto às violências de caráter interpessoal (seja no âmbito familiar ou comunitária), quanto às violências coletivas. No primeiro tipo, inserem episódios que podem ser classificado na modalidade “maus-tratos” e ocorrem no ambiente doméstico ou familiar e são impetrados geralmente pelos próprios pais ou responsáveis e exercidos de formas variadas: violência física, violência sexual, violência, psicológica, abandono intencional e negligência (DESLANDES, 1994). Embora, a referência a maus-tratos de crianças possa ser encontrada em relatos clínicos que datam de fins do século XIX, estes só passaram a constituir um problema de saúde no século XX (a partir da década de 60), baixo a denominação “síndrome do bebê sacudido — SIBE”. Cabe considerar ainda os efeitos da exposição de crianças à denominada ‘violência estrutural’, referida no tópico anterior e que engloba processos sociais, políticos e econômicos vulnerabilizantes (fome, pobreza, discriminação de gênero, de etnia etc.).


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Qualquer que seja a modalidade de violência que ameace a vida e saúde das crianças, cabe garantir dispositivos de proteção social capazes de evitar a exposição a ditos eventos e minimizar ou reverter os seus impactos. O Estatuto da Criança e do Adolescente propiciou um Sistema de Garantia de Direitos – SGD, o qual preconiza uma ampla parceria entre poder público e a sociedade civil para elaborar e monitorar a execução de todas as políticas públicas voltadas para o universo da infância e adolescência. Di Giovanni (1998) define a proteção social como o conjunto dos meios de alocação de recursos à provisão e aos cuidados dos indivíduos através da interação público e privado. O meio público corresponde ao Estado na função de organizador, gestor e normatizador de políticas públicas de regulação social para o conjunto da sociedade e de políticas de caráter social para grupos sociais específicos. Os meios privados são identificados como mercantil e não-mercantil. A modalidade nãomercantil corresponde aos vínculos tradicionais, incluindo neste último a família. Em termos mais aplicados, o autor refere-se a sistemas de proteção social, os quais reúnem as formas organizativas que as sociedades encontram para proteger seus membros. Formas que podem se apresentar de modo mais ou menos formalizado, mais ou menos inclusivo e que, certamente, podem variar segundo condições históricas e culturais específicas de cada sociedade. A despeito destas variações, podem ser distinguidas três modalidades: a tradição que envolve as práticas baseadas na caridade, solidariedade e fraternidade, essas práticas são exercidas pela família, comunidade e instituições religiosas; a troca refere-se às relações econômicas e a aquisição de bens e serviços no mercado; a autoridade corresponde à modalidade de proteção política. É destacado, por certo, um relativo desequilíbrio no compartilhamento das funções envolvendo estas três modalidades de proteção social, com predominância de uma ou outra forma em determinados períodos históricos.


21 A modalidade autoridade compete primordialmente ao Estado. No contexto contemporâneo a proteção exercida pelo Estado dá-se principalmente “por meio de políticas públicas com o intuito de definir e executar medidas de caráter prescritivo, normativo e operativo, exercendo um poder de eleger e descriminar escolhas, objetos e grupos de destino” (DI GIOVANNI, 1998, p.13). No contexto brasileiro, o Sistema de Garantia de Direito à crianças e adolescentes é composto, no campo do controle social e,subsidiariamente, na Promoção dos Direitos, pelos seguintes órgãos e instituições: os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente; e, na esfera da defesa dos direitos pelo poder judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Centros de Defesa (CEDECAS), Segurança Pública e Conselhos Tutelares. São definidos, portanto, as formas pelas quais estes direitos devem ser garantidos e protegidos. Cabe avaliar, entretanto, em que medida, dito sistema se efetiva na prática das instituições e se expressa no cotidiano da sociedade brasileira.


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2.3. SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: A RENOVAÇÃO CONCEITUAL E OS DESAFIOS NA IMPLANTAÇÃO DO MODELO DE POLICIAMENTO COMUNITÁRIO

No início da década de 1990, no governo de Fernando Henrique Cardoso, os setores sociais de baixa renda (marginalizados durante o período ditatorial) intensificaram sua demanda social por transformações no modelo de segurança pública no Brasil. No plano internacional acontecia no mesmo período a Conferência Mundial de Direitos Humanos (VIENA, 1993). Os ecos dos debates internacionais, somado aos clamores nacionais, potencializados pelo processo de redemocratização do Brasil, impulsionaram investimentos mais concretos por parte do Estado brasileiro. Em 1996 foi implantado o Programa Nacional de Direitos Humanos/PNDH. No ano seguinte, 1996, criou-se a Secretaria Nacional de Direitos Humanos (que substituiu a Secretaria dos Direitos da Cidadania). Na esfera especifica da segurança pública, era preciso criar novas estruturas estatais e, certamente, contar com o apoio das organizações civis e sociedade em geral para efetivar as mudanças necessárias. Nesta direção, o ministério da Justiça instituiu em 1998 a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP/1998) com a missão de estruturar mecanismos de gestão que modificassem a administração da segurança pública no âmbito federal.


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A Senasp procurou atuar nas seguintes frentes: estabelecimento das condições de cooperação entre as instituições da segurança pública; apoio a iniciativas visando à qualificação policial; investimento (ainda que tímido) na expansão das penas alternativas à privação da liberdade; desenvolvimento de perspectivas mais racionais de gestão nas polícias estaduais e nas secretarias de segurança, através da elaboração de planos de segurança pública, nos quais se definiriam metas a alcançar (BRASIL, 1998). Aproximando-se dos conceitos teóricos de programas de segurança pública incentivados por órgãos da ONU, como o PNUD, o estado brasileiro foi, progressivamente, apropriando-se das novas tendências de prevenção à violência, as quais enfatizaram a necessidade de ultrapassar a esfera limitada dos procedimentos policiais para inscreve-se em iniciativas de intervenção e regulação urbanística. Identifica-se neste ponto alguns princípios que irão propiciar na continuidade os investimentos no modelo de polícia comunitária no Brasil. Vale registrar que um evento marcante para a aproximação entre segurança pública e urbanidade foi a 1ª Conferência Internacional Crime Preventions Through Environment Design – CPTED, 1996, que deu origem ao movimento CPTD, cuja primeira geração elencou quatro conceitos básicos na prevenção a partir do desenho urbano: controle natural dos acessos, vigilância natural, manutenção dos espaços urbanos e reforço territorial.

A segunda geração CPTED procurou

evidenciar as questões sociais, acrescentando quatro novas categorias de análise: (1) desenvolvimento da escala comunitária: variável física relacionada à percepção do medo do morador, associado ao controle que este exerce sobre o espaço; (2) avaliação dos espaços de encontro comunitários; (3) as organizações comunitárias existentes; (4) a participação ativa dos moradores.


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A reformulação na segurança pública do Brasil entraria na agenda estatal em 2000, após o II Programa Nacional de Direitos Humanos e a IV Conferência Nacional de Direitos Humanos, com o lançamento do Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP). O programa articulava ações de repressão e de prevenção à criminalidade. Foram 124 ações distribuídas em 15 compromissos em áreas diversas: combate ao narcotráfico e ao crime organizado; desarmamento; capacitação profissional; e reaparelhamento das polícias; atualização da legislação sobre segurança pública; redução da violência urbana e aperfeiçoamento do sistema penitenciário; bem como, ações de políticas sociais (BRASIL, 2000). Dentre as estratégias do PNSP, mereceu especial destaque a elaboração do Plano de Integração e Acompanhamento de Programas Sociais de Prevenção à Violência – PIAPS, cujo público-alvo são as crianças e os jovens situados na faixa entre os 9 e 24 anos e as famílias onde estão inseridos. Definiu-se também como finalidade do PIAPS promover a interação local entre os programas sociais implementados pelos governos federal, estadual e municipal, que, direta ou indiretamente, pudessem contribuir para a redução dos fatores, potencialmente, criminógenos. Segundo Soares (2010), “a intenção era identificar, fortalecer e articular 50 programas federais cujo impacto pudesse favorecer a prevenção de dinâmicas geradoras ou facilitadoras de práticas violentas”. A ambição era formidável, assim como os obstáculos à sua execução. Sobretudo, quando a pretensão era ultrapassar o domínio de uma única esfera de governo, integrando os três níveis federativos.


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Na gestão de Lula, manteve-se a pretensão de articular políticas de segurança pública com ações sociais; prioriza a prevenção e busca atingir as causas que levam à violência, sem abrir mão das estratégias de ordenamento social e repressão qualificadas. Estas diretrizes foram incorporadas no Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – Pronasci, desenvolvido pelo Ministério da Justiça e implantado em 2007. O projeto “articula políticas de segurança com ações sociais; prioriza a prevenção e busca atingir as causas que levam à violência, sem abrir mão das estratégias de ordenamento social e segurança pública” (Brasil, 2008). Soares (2010), ao fazer um balanço do PIAPS e do Pronasci, concluiu: faltou autoridade política para promover ações integradas entre distintos ministérios, no âmbito do Executivo federal, assim como condições políticas e mecanismos institucionais capazes de reverter a fragmentação de programas e as rivalidades partidárias entre os governos federal, estaduais e municipais. (...)Todavia, foi um ensaio significativo em uma direção fundamentalmente correta, que encontraria no Plano Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), um aperfeiçoamento – ainda que insuficiente, uma vez que persistiram a dispersão de recursos e a fragmentação dos efeitos, em decorrência da desarticulação na gestão e das disputas políticas entre os três níveis de governo. (SOARES, 2010)

Apesar de meritória, a disposição de valorizar a prevenção e articular energias dispersas encontrou muitos empecilhos à sua efetivação. Por primeira vez, emergia a possibilidade de uma reorientação estratégica, com tratamento políticoadministrativo direcionado a colocar a questão da segurança pública como política prioritária de governo. No entanto, não existiam recursos definidos e metas a serem alcançadas,

e

não

foram

estabelecidos

os

acompanhamento e avaliação do plano (SALLA, 2003).

mecanismos

de

gestão,


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Finalmente, cabe destacar a realização da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública – Conseg - (Brasília, 2009). Nela foram estabelecidos princípios e diretrizes para nortear a política pública de segurança do Brasil, com destaque para os seguintes princípios que receberam o apoio majoritário dos presentes: a) ser uma política de Estado que proporcione a autonomia administrativa, financeira, orçamentária e funcional das instituições envolvidas; b) pautar-se pelo art. 144 da Constituição Federal de 1988; c) ser pautada pela defesa da dignidade da pessoa humana, com valorização e respeito à vida e à cidadania, assegurando atendimento humanizado a todas as pessoas, com respeito às diversas identidades religiosas, culturais, étnico-raciais, geracionais, de gênero, orientação sexual e as das pessoas com deficiência, devendo ainda combater a criminalização da pobreza, da juventude, dos movimentos sociais e seus defensores, valorizando e fortalecendo a cultura de paz; e d) fomentar, garantir e consolidar uma nova concepção de segurança pública como direito fundamental e promover reformas estruturais no modelo organizacional de suas instituições, nos três níveis de governo, democratizando, priorizando o fortalecimento e a execução do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) e do Conselho Nacional de Segurança Pública com Cidadania (CONASP). A despeito dos desafios assinalados e da resistência de alguns setores, novas estratégias em segurança pública foram levadas a periferia urbana, ainda que, muitas vezes, sem alteração na lógica baseada na vigilância tradicional e da coerção. O pioneirismo da abordagem, que teve como marco conceitual os dispositivos difundidos pelo CPTED em torno dos Espaços Urbanos Seguros e o emergente conceito de Segurança Cidadã, articulava ações de repressão e de prevenção, ao tempo em que atualizava a legislação sobre segurança pública e investia em políticas sociais para populações em situação de risco.


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Convém salientar que a emergência e a valorização de propostas inovadoras no campo da segurança pública, particularmente, no que se refere ao modelo de policiamento urbano, foram frutos da crise ou falência dos paradigmas vigentes. As críticas e desconfianças acerca da efetividade dos modelos tradicionais eram sentidas também no universo policial. Com base em revisão sobre o tema, Skolnick e Bayley (1986) identificaram os principais fatores que modificaram profundamente convicções arraigadas na cultura policial. São eles: (a) que a redução das taxas de criminalidade e desordem, assim como o número de crimes solucionados, não é função direta do número de policiais, armas e equipamentos disponíveis; (b) que a patrulha motorizada aleatória (base do modelo de policiamento ostensivo convencional) não tem mais do que 10% de chances de evitar crimes graves (homicídio, estupro e seqüestro) e pouco influem na incidência dos delitos mais comuns (furtos, roubos e agressões); (c) que a saturação do patrulhamento reduz o crime apenas temporariamente, em geral limitando-se a deslocá-lo para outras áreas; (d) que a intervenção reativa da Polícia, mesmo quando consegue prender criminosos e reunir provas judiciais, não previne necessariamente reincidências; (e) que os crimes raramente são solucionados se não há colaboração da comunidade e dos patrulheiros de ponta; (f) que cerca de 60% do tempo dos agentes nas radiopatrulhas é tempo ocioso que poderia ser realocado em outras tarefas, caso se conseguisse reduzir o número de chamadas emergenciais; (g) que a recorrência de pequenos delitos e desordens contribui tanto ou mais para o sentimento de temor e desproteção da população do que os grandes crimes, alvos prioritários do trabalho policial. No caso brasileiro, conforme pontuou Musumeci [1999], podem ser apontados como determinantes para o descrédito nas formas clássicas de enfrentar os problemas do crime e da desordem no país, os seguintes aspectos: o aumento da insegurança no país, a queda dos recursos destinados a políticas sociais; a consciência mais aguda de uma defasagem entre os métodos de policiamento predominantes e as novas formas de convivência urbana e de exercício da cidadania.


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Para fazer frente aos limites apontados, empreendeu-se ao longo dos anos 80 um processo de reforma das instituições e políticas de segurança, que se iniciou pela adoção do modelo de policiamento comunitário em diversas cidades dos EUA e do Canadá, disseminando-se posteriormente por outros países (MUSUMECI, 2000). De acordo com Musumeci (2000), são princípios básicos do novo modelo sugerido: 

Convivência cotidiana dos patrulheiros com a população nas ruas e em associações de moradores, comerciais, recreativas etc.;

Ênfase na resolução de problemas, criminais ou não, a partir de percepções espontâneas das comunidades;

Ampliação das fontes de informações, através da confiança conquistada junto ao público, como alternativa ao uso de alcagüetes e mercenários;

Atuação preventiva e planejada, mais do que reativa e pontual (embora, obviamente, não se abandonem as funções repressivas);

Ênfase no papel mediador e pedagógico da autoridade policial: disseminar o conhecimento da lei; educar para a convivência;

“Civilizar”

demandas

excludentes

e

autoritárias;

estimular

a

co-

responsabilidade civil na resolução dos problemas e na preservação da ordem pública; 

Atuação conjunta com outros órgãos prestadores de serviços básicos para resolver problemas de qualidade de vida e modificar condições favoráveis à ambientação do crime e da desordem - como equipamentos urbanos deteriorados, iluminação pública deficiente, assistência social precária, trânsito caótico etc.


29 Ao tratar especificamente do conceito de policiamento comunitário, Skolnick (2006), destaca de imediato a ausência de consenso acerca do seu significado. O termo é utilizado tanto para rotular programas tradicionais de policiamento, quanto para referir-se a um amplo leque de estratégias de seguranças de caráter comunitário, mais ou menos institucionalizadas - vigilância de bairros e minidelegacias, visitas espontâneas de policiais às moradias, rondas a pé, rondas de bicicleta, etc. Assim mesmo, pode-se extrair como fundamento básico do “policiamento comunitário” o fato de que: o público deve exercer um papel mais ativo e coordenado na obtenção da segurança. A polícia não consegue arcar sozinha com a responsabilidade, e, sozinho, nem mesmo o sistema de justiça criminal pode fazer isso. Numa expressão bastante adequada, o público deve ser visto como “co-produtor” da segurança e da ordem, juntamente com a polícia. Desse modo o policiamento comunitário impõe uma responsabilidade nova para a polícia, ou seja, criar maneiras apropriadas de associar o público ao policiamento e à manutenção da lei e da ordem (SKOLNICK e BAYLEY, 2006, p. 18).

Concorda-se ainda com Bengochea (2004) que, “no momento em que começa a existir essa transformação política e social, a compreensão da sociedade como um ambiente conflitivo, no qual os problemas da violência e da criminalidade são complexos, a polícia passa a ser demandada para garantir não mais uma ordem pública determinada, mas sim os direitos, como está colocado na constituição de 1988. A autora salienta especialmente a função de mediação de conflitos esperada para esta “nova polícia” e os desafios no plano dos direitos humanos:

Nesse novo contexto, a ordem pública passa a ser definida também no cotidiano, exigindo uma atuação estatal mediadora dos conflitos e interesses difusos e, muitas vezes, confusos. Por isso, a democracia exige justamente uma função policial protetora de direitos dos cidadãos em um ambiente conflitivo. A ação da polícia ocorre em um ambiente de incertezas, ou seja, o policial, quando sai para a rua, não sabe o que vai encontrar diretamente; ele tem uma ação determinada a fazer e entra num campo de conflitividade social. Isso exige não uma garantia da ordem pública, como na polícia tradicional, sustentada somente nas ações repressivas, pelas quais o ato consiste em reprimir para resolver o problema. O campo de garantia de direitos exige uma ação mais preventiva, porque não tem um ponto determinado e certo para resolver (BENGOCHEA, 2004, p. 120).


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Nos documentos oficiais que norteiam as mais recentes políticas de policiamento comunitário no Brasil, encontramos a seguinte definição: Polícia Comunitária é uma filosofia e uma estratégia organizacional fundamentadas, principalmente, numa parceria entre a população e as instituições de segurança pública e defesa social. Baseia-se na premissa de que tanto as instituições estatais, quanto a população local, devem trabalhar juntas para identificar, priorizar e resolver problemas que afetam a segurança pública, tais como o crime, o medo do crime, a exclusão e a desigualdade social que acentuam os problemas relativos à criminalidade e dificultam o propósito de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. (BRASIL, 2008b).

De acordo com o portal da UPP/RJ, a polícia de proximidade busca instaurar novas formas de interação e parceria entre as instituições policiais e a sociedade, privilegiando o atendimento preventivo. No mesmo portal, são referidos outros princípios: os policiais da UPP não são policiais de confronto e ‘guerra’, e sim de mediação de conflitos e de relação com as comunidades; os policiais são orientados a estreitar laços com a comunidade em que atuam, conhecendo os moradores e os problemas que possam gerar crimes e conflitos; são pressupostos básicos do policiamento comunitário: ação pró-ativa, ação preventiva, integração dos sistemas de defesa pública e defesa social, transparência, cidadania e ação educativa.

No que se refere aos limites e possibilidades das estratégias de policiamento comunitário em curso, Souza e Silva (2010), tomando como referência as experiências da UPP no Rio de Janeiro, aponta aspectos positivos, como também, limites e desafios desta estratégia. No pólo positivo, o autor chama atenção que as UPP podem trazer “o sentimento de que a paz se faz presente”. A eliminação da lógica de confronto sustentada historicamente pela polícia, da disputa territorial por grupos inimigos, bem como, a eliminação do armamento ostensivo são fatores que contribuem para fomentar o sentimento de pacificação. Cabe incluir ainda a ampliação do direito de ir e vir dos moradores.


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Em contrapartida, Souza e Silva (2010) identificam alguns problemas advindos da presença efetiva da ordem estatal ou, mais especificamente, da polícia em territórios favelizados. Um dos pontos mais conflitivos guarda relação com uma característica típica destes territórios: a “informalização”. Um traço que se expressa “na falta de ordenamento do espaço público; na ausência de normas legais para a realização de obras e para o funcionamento das atividades econômicas; na ausência de pagamento de impostos e taxas; nas ligações clandestinas de energia elétrica e das TVs por assinatura etc.” Musumeci (2000, p. 9) acrescenta outro importante desafio: em contextos nos quais há uma centralidade do problema da violência na vida dos cidadãos, se incrementam as pressões sobre os governantes para que as medidas adotadas produzam resultados imediatos, especialmente no que se refere a uma rápida e significativa redução do número de crimes. “Pressões que a mídia e o jogo político se incumbem de intensificar ou afrouxar de acordo com interesses conjunturais”. A autora lembra que entra em jogo aqui a imagem da “recuperação da autoridade” e alerta para o fato que a “quase inevitável frustração dessas expectativas no curto prazo cria um terreno propício para o apelo a soluções bélicas e autoritárias” (MUSUMECI, 2000, p.9), as quais contribuem reforçar a velha cultura corporativa dentro dos órgãos policiais.


32 3 - METODOLOGIA

O desenho de estudo se caracterizou pela combinação de técnicas de coleta de dados e análise que permitiram abarcar, desde aspectos mais abrangentes acerca da segurança pública e a proteção da infância, às questões mais específicas da realidade vivenciada pela comunidade, incluindo lideranças e representações institucionais, e famílias locais. Foram adotadas, portanto, estratégias extensivas de caráter quantitativo, contemplando uma amostra mais ampla da população alvo, com estratégias intensivas, dirigida a uma amostra tipificada. Descreve-se a seguir os dois componentes do estudo.

3.1. CONTEXTO DA PESQUISA A pesquisa foi realizada no Bairro do Calabar em Salvador, considerado emblemático pelo seu histórico de resistência e mobilização social. Suas terras foram sede do Quilombo dos Kalabari que acolheu os escravos negros trazidos da cidade nigeriana de Kalabari que vieram para esta região fugindo da exploração dos engenhos. O bairro apresenta uma superfície de 80.000 m2 ou 42 hectares e uma população de 6.321 (IBGE, 2000).

A ocupação massiva do local se iniciou em

meados da década de 60, época de intenso êxodo rural e do Recôncavo, e do consequente processo de favelização da capital baiana. O território apresenta uma topografia acidentada, com presença de vales e morros, os quais abrigam parte das moradias do bairro. Ao fazer fronteira com bairros que possuem entre seus estratos moradores da classe média alta de Salvador (Ondina, Jardim Apipema e Centenário), o Calabar tem sido alvo permanente de especulação imobiliária. Ao longo de sua história, o bairro já foi alvo de diversas investidas civis e estatais visando à sua desapropriação. Seguindo a tendência dos bairros popular da capital baiana, o Calabar enfrenta carências no âmbito da saúde, educação, lazer e de serviços e políticas públicas em geral. No capítulo 4, será aprofundada a descrição sobre o bairro e a análise de peculiaridades de seu entorno e da qualidade de vida.


33 3.2. COMPONENTE QUANTITATIVO

De acordo com os dados levantados, a priori, junto ao IBGE estabeleceramse os parâmetros necessários para o plano amostral. O objetivo desta etapa foi o levantamento do número de entrevistas necessárias para mensurar o conhecimento da população de moradores, de 18 a 65 anos, a respeito da percepção de segurança. O plano amostral visou à seleção de uma amostra aleatória estratificada proporcional ao tamanho dos seis setores censitários, quanto ao número de domicílios particulares ocupados como aglomerado subnormal (IBGE, 2010) do bairro do Calabar na cidade de Salvador, Bahia, Brasil, e da distribuição etária da população. Para a estimativa do cálculo do tamanho da amostra (n s), se utilizou a fórmula proposta por Rosner (2011). Esta estimativa depende dos seguintes parâmetros: nível de confiança de 95%, poder de 80%, precisão aceitável de 0,05 e da prevalência do evento na população, admitida com o valor conservador de 0,50, que protege a precisão para o intervalo de confiança determinado. O cálculo de ns

foi obtido mediante a expressão (I)

ns =

Z12−α / 2 P(1− P) d2

Z2 1−α / 2

onde

designa o percentil

que corresponde ao intervalo de confiança de 95%, P é a prevalência do evento estabelecida em 0,50 e d é a precisão absoluta de 0,05, com o poder de 80% (utilizou-se o comando sampsi do pacote Stata versão 11 para efetuar os cálculos). O tamanho da amostra necessária, para estimar a prevalência a respeito da percepção de segurança, com base nos parâmetros pré-estabelecidos, ficou em torno de 633 respondentes. Após a correção de população finita cuja fração amostral ficou em 23%. Porém, considerando as possíveis perdas de até 20%, amostra foi expandida para 791.


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Esta amostra foi distribuída proporcionalmente de acordo o tamanho de cada setor

censitário

(Código

do

IBGE:

292740805270004,

292740805270005,

292740805270024, 292740805270201, 292740805270220 e 292740805270226)1 e da distribuição etária (18-19 anos, 20-24 anos, 25-30 anos, 31-35 anos, 36-40 anos, 41-45 anos, 46-50 anos, 51-55 anos, 56-60 anos e 61 a 65 anos), resultado na estratificação, que compôs a amostra do Calabar para este estudo, com o intuito de obter maior heterogeneidade ao se entrevistar 01(um) morador/responsável de cada domicílio selecionado sistematicamente ao longo do percurso de coleta. O intervalo de amostragem de tamanho 2 foi adotado em todos os setores a fim de percorrer todos os 1492 domicílios existentes no território. Ao final da pesquisa, foram aplicados 559 questionários, distribuídos nos seis setores censitários constitutivos do Calabar.

Na etapa da coleta, registrou-se a

ocorrência de alguns dos domicílios sorteados consistirem em estabelecimentos comerciais (não contemplados no estudo), bem como em domicílios particulares fechados ou não habitados no período em que o componente quantitativo do estudo foi realizado. Além disso, também foram assinalados eventos relativos a recusas de respondentes e à inadequação das características dos responsáveis pelos domicílios particulares sorteados ao perfil amostral do estudo, a exemplo de idosos maiores de 65 anos ou jovens menores de 18 anos.

1

Indica o código numérico completo do setor censitário. Possui 15 dígitos divididos da seguinte forma: UFMMMMMDDSDSSSS, onde: UF – Unidade da Federação MMMMM – Município DD – Distrito SD – Subdistrito SSSS – Setor


35

Para o registro dos dados coletados em campo, foi criada uma máscara no programa EPIDATA, mediante o layout do questionário aplicado nos seis setores censitários que compõem o bairro do Calabar. Posteriormente, os dados digitados no EPIDATA foram exportados para o SPSS, realizando-se a verificação da consistência dos dados, a limpeza do banco e a análise dos dados. Na primeira fase do tratamento dos dados quantitativos, recorreu-se a análises estatísticas univariada que consistiram na construção de tabelas de frequências (absolutas e percentuais) das variáveis do estudo, bem como, na elaboração de gráficos adequados à natureza dos dados (nominal, ordinal, contínuo ou discreto).


36 3.3 COMPONENTE QUALITATIVO

O componente qualitativo foi desenvolvido através do uso das técnicas de grupos focais e de entrevistas semi-estruturadas em profundidade, complementadas por observação no bairro, com registro em diário de campo. Oportunamente, se processou a triangulação das informações geradas pelas diferentes fontes. O grupo focal é um método de pesquisa qualitativa que pode ser utilizado como técnica principal ou complementar de pesquisa e visa captar o entendimento de como se formam as diferentes percepções e atitudes acerca de um fato, prática, produto ou serviços específicos (Trad, 2009). Trata-se de uma estratégia que privilegia a dimensão social na construção de sentidos e opiniões, valorizando através do seu manejo a interação entre os participantes e o pesquisador durante a discussão focada em tópicos específicos e diretivos (IERVOLINO e PELICIONI, 2001; ROSO 1997). Quanto à entrevista semi-estruturada, como aponta Minayo (2009), esta técnica combina perguntas estruturadas, dirigidas pelo entrevistador, e abertas, nas quais o entrevistado pode discorrer livremente sobre o tema proposto. Portanto, a seqüência das questões e temas abordados, previamente definidas no roteiro, pode ser alterada conforme as preocupações e ênfases dos entrevistados. Foram

realizados

quatro

grupos

focais

(GFs)

com

a

seguinte

composição/participantes: 1) GFL: líderes comunitários e representantes dos moradores; 2) GFS: profissionais da Unidade de Saúde da Família do Calabar; 3) GFE: profissionais que trabalham nos serviços de educação do bairro, tais como escolas e creches; 4) GFBCS: policiais que trabalham na Base Comunitária de Segurança do bairro do Calabar.


37

Os grupos foram realizados entre novembro de 2012 a janeiro de 2013, contou com a participação de 8 a 12 componentes, tiveram duração média de 1h30min e foram conduzidos por um moderador oficial e um auxiliar por meio de um roteiro previamente estabelecido para guiar as discussões. Foi adotado um roteiro-guia específico para orientar as discussões dos GFs (Apêndice C). Detalhes da dinâmica do grupo foram registrados manualmente e as falas foram gravadas com prévia autorização dos participantes. Com relação às entrevistas, foram contabilizadas um total de dez (destas, duas não foram gravadas), contemplando os seguintes informantes: 2 profissionais que atuam nos serviços dentro do bairro; 1 professora da Escola Aberta do Calabar, instituição da área da educação no bairro; 2 entrevistas com policiais da Base Comunitária de Segurança; 2 moradoras consideradas informante-chave; 3 membros do Conselho Tutelar. Também se utilizou um roteiro-guia (Apêndice B) para orientar as entrevistas. Ambos os roteiros foram concebidos de forma relativamente flexível de modo a permitir ajustes segundo o perfil dos entrevistados ou participantes dos grupos e a dinâmica específica das interlocuções. A observação em campo foi mais intensa no período de preparação para o estudo quantitativo e, posterior aplicação dos questionários. Por cerca de cinco meses, ocorreram visitas sistemáticas ao bairro. Em um primeiro momento, foi realizado um processo de reconhecimento das ruas e casas que correspondiam aos setores censitários que foram contemplados pela pesquisa.

Posteriormente,

procedeu-se à etapa de aplicação dos questionários. Entretanto, tanto nas visitas realizadas para este fim, como em outras de caráter mais exploratório, aconteciam conversas e interlocuções com moradores em geral, lideranças comunitárias e/ou profissionais que atuavam no bairro nas esferas da segurança pública, saúde, educação etc.


38

Normalmente as visitas ao bairro eram realizadas em dupla. O fato de existir experiências anteriores de cooperação entre a Avante ou membros do FASA com instituições locais, a exemplo da Escola Aberta e da unidade básica, favoreceu a penetração no bairro e o acesso aos moradores. Ressalta-se ainda que, as impressões acerca de fatos observados ou diálogos gerados nessas visitas, eram registradas no diário de campo. No tratamento dos dados produzidos através dos grupos focais, entrevistas e observações em campo, tomou-se como referência os fundamentos da antropologia interpretativa que procuram considerar as interrelações entre textos e narrativas e os contextos sócio-culturais nos quais eles são produzidos. Além disso, procurou-se considerar os “lugares de fala”. Em outras palavras: consiste em compreender como a inserção particular do (s) informante (s) na realidade social e territorial analisada interfere na sua visão. Em termos mais pragmáticos, foram adotados os procedimentos básicos que integram a técnica de análise de conteúdo, entendida como um processo de leitura desde o primeiro plano a um nível mais profundo, que ultrapassa os significados manifestos (MINAYO, 2009). A articulação entre o conteúdo manifesto e o contexto em que este foi produzido é consoante com a pesquisa de cunho etnográfica, dando espaço para considerações acerca dos costumes e práticas observados.


39

Reconhecemos que as questões formuladas pelo pesquisador podem ser distintas daquelas que emergem no campo e que remetem a visões e categorias nativas. Neste sentido, considera-se que o olhar dinâmico do pesquisador deve transitar entre a proposta científica formulada e as possibilidades que surgem no campo (MINAYO, 2008). Neste sentido na análise das entrevistas e grupos focais, foram cotejadas as categorias de estudo, com o material empírico proveniente do discurso dos usuários, buscando sínteses coincidentes ou divergentes e incluindo novas categorias emergentes, quando necessário. Para preservar a identidade dos informantes, foram criados os seguintes – conformidade com a fonte da qual foi retirado o fragmento:

GFL: grupo focal com lideranças do bairro

GFBCS: grupo focal com profissionais da Base Comunitária de Segurança.

GFE: grupo focal com profissionais da Educação.

GFPS: grupo focal com profissionais da Saúde.

EPBC: entrevista profissional da Base Comunitária de Segurança.

EPM: entrevista morador (a).

EPS: entrevista profissional saúde.

EPE: entrevista profissional Educação.

ECT: entrevista membros do Conselho Tutelar. –

RDC: registro diário de campo.


40 3.4. ESTRATÉGIAS DE ESCUTA DAS CRIANÇAS DO CALABAR

Temos muito que aprender e conhecer sobre as crianças tratadas no plural, suas múltiplas infâncias vividas em contextos heterogêneos – temos muito a debater sobre as orientações teórico-metodológicas, quando se trata de pesquisa com crianças. (...) uma pesquisa comprometida com a escuta das crianças, será preciso considerar não só a dimensão etária, mas também a geracional, articulada às dimensões de gênero e classe social e à raça e etnia. (ROCHA, 2008, p. 44 apud MONTEIRO e GARANHANI, 2012).

Guiados pelos princípios apontados na citação referida acima, foram realizados 3 grupos de escuta de crianças, sendo dois destes com crianças de faixa etária entre 10 a 12 anos e o outro com crianças de 5 e 6 anos. Monteiro e Garanhani (2012) ressaltam que pesquisas a partir das vozes infantis vêm crescendo gradativamente, pois se vê a necessidade de conhecer características próprias desses sujeitos, além disso, é de grande relevância as concepções das crianças para esta pesquisa, especificamente, já que um dos focos desse estudo é discutir os impactos da violência e das políticas públicas de segurança na infância. Em vez de pesquisar a criança, com o intuito de melhor conhecê-la, inverte-se a lógica e o objetivo passa a ser pesquisar com a criança as experiências sociais e culturais que ela compartilha com as outras pessoas de seu ambiente, colocando-a como parceira do adulto pesquisador, na busca de uma permanente e mais profunda compreensão da experiência humana (SOUZA e CASTRO, 2008, p. 53, apud MONTEIRO e GARANHANI, 2012). Com a técnica de escuta de crianças foi possível fazer emergir uma multiplicidade de pontos de vista, bem como percepções, emoções, crenças, hábitos, valores, preconceitos, linguagens e simbologias, que foram gravados com consentimentos dos pais e/ou responsáveis, bem como, com o consentimento das crianças participantes, por meio de um termo específico para o enquadre do grupo. Para a realização dessa escuta, foi tomada como base, a técnica de grupos operativos de Pichon Rivière na qual se tem a tarefa como elemento central e disparador para a discussão. Assim, foram sondados quais lugares as crianças participantes do grupo passam a maior parte do seu tempo, agruparam-se as crianças que tiveram o lugar em comum e lhes foi pedido para fazer um desenho deste lugar, que serviu como o elemento disparador para a conversa. Os lugares mais mencionados foram: casa, rua e escola.


41 A partir do desenho que as crianças fizeram, foram feitas perguntas a respeito de como é a vivência em cada um desses espaços; sobre suas atividades e brincadeiras; a percepção que têm do bairro onde vivem, etc. e como conseqüência, nas falas das crianças, foram emergindo situações presenciadas sobre violência tanto familiar quanto policial - sobre a resposta que poderia se dar a essas violências, a sensação que a violência provoca em cada um, bem como a vivência das crianças de forma geral nos espaços mencionados, suas estratégias de convivência com o ambiente de violência.

3.5. ASPECTOS ÉTICOS

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Saúde Coletiva/Universidade Federal da Bahia. Foi solicitado a todos os participantes da pesquisa que assinassem um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE (Apêndice 5), atestando sua concordância em participar da pesquisa. O referido termo informou em linguagem acessível, sobre a justificativa, os objetivos, os procedimentos que foram adotados ao longo do estudo. Foi garantido a todos os interlocutores o direito de se recusar a continuar participando da pesquisa quando assim o desejassem, em qualquer etapa da mesma e sem que houvesse qualquer ônus para os mesmos. Conforme referido anteriormente, foram adotadas estratégias no sentido de garantir o anonimato dos informantes, lançando mão de codificações a fim de lhes assegurar a privacidade. Os participantes poderão ter acesso livre aos resultados do estudo, os quais serão publicizados com a maior brevidade possível. Além da divulgação sob forma de relatórios e artigos científicos, a equipe de pesquisa se comprometeu a realizar uma Oficina de Devolutiva no bairro do Calabar, para apresentar e discutir com a comunidade os resultados do estudo.


42

4 VIVER NO CALABAR DE ONTEM E DE HOJE

4.1 CALABAR, QUE BAIRRO É ESTE? Onde eu moro, Calabar se chama (Amanda Beirão) A comunidade em que eu moro Se chama Calabar Tem muitas coisas boas Que eu quero comentar Tem a padaria Cujo pão é uma delícia Tem o Provida Que ajuda a melhorar Não posso me esquecer Do puro encanto Da Biblioteca Comunitária do Calabar Que é muito exemplar Ajuda a ler e escrever E também a recitar Vivo em um mundo de fantasias Mergulho em um livro de poesias E não quero mais parar Pois me acho muito Alegre E uma menina exemplar Moro no Calabar E não tenho vergonha de falar Eu, joia rara Negra linda Do Calabar


43

4.1.1 O território: população, geografia social e segregação

Ocupando uma área de aproximadamente 42 hectares, o Calabar se desenvolveu sob uma topografia acidentada, marcada por vales e morros que fazem parte da paisagem do bairro. Conforme dados do IBGE (2010) o total de domicílios particulares ocupados é de 1.492 e a população residente nestes domicílios é de 4.900, sendo 2.265 homens e 2.635 mulheres, com uma média de moradores por domicílios de 3,3 habitantes. O bairro do Calabar pertence ao subdistrito da Vitória, o qual abriga áreas de alto valor imobiliário. Nos limites de suas fronteiras, encontram-se os bairros da Barra, Federação, Apipema e Ondina1, considerados de classe média e/ou alta. Convém demarcar que fronteiras “são áreas de transição, onde há delimitação e demarcação, fatores econômicos e políticos, há a jurisdição do Estado como poder central” (SAQUET, 2007, p. 64). Em Salvador, como na maioria das capitais brasileiras, é visível a segregação sócio-espacial, característica de grandes cidades. Há fronteiras que dividem a cidade em “cidades”. No caso do Calabar, a comunidade, tipicamente de classe popular, existe e resiste ‘ilhada’, envolta em um ‘cinturão’ de bairros de alta e média classe.

Recentemente, a cidade de Salvador vem passando por um processo de reordenamento de suas delimitações territoriais, particularmente no que tange à de�inição de seus principais bairros (VEIGA et al, 2012). Este processo deve impactar posteriormente na de�inição dos limites fronteiriços informados. 1


44

O Calabar e seu entorno. Paradoxos Urbanos. (Fotografia: Ana Marcilio)


45

Alguns registros sobre da história do Calabar feitos por Cid Teixeira apontam que o bairro foi fundado por descendentes de escravos trazidos da cidade nigeriana de Kalabari, que fugiram da exploração nos engenhos e organizaram o Quilombo dos Kalabari, originando o que hoje conhecemos como Calabar. A ocupação em massa do local teve início em meados da década de 1960, época em que houve intenso êxodo rural e do Recôncavo Baiano, aumentando o número de moradores que se fixaram no local. (TEIXEIRA apud CONCEIÇÃO, 1986, p. 22). A proximidade com um entorno de classe média e alta, foi campo fértil para investidas do Estado e pressões da sociedade pela desapropriação. Sob argumento de irregularidades, objetivava-se afastar as populações de baixa renda de regiões abastadas. As tentativas forjadas para a remoção da comunidade, até então, foram frustradas dada a forte organização comunitária presente no Calabar desde a década de 1970 e que perdura até a atualidade. Um exemplo da resistência organizada foi a passeata de maio de 1981, reivindicando a permanência da comunidade no local:

11 de maio de 1981, segunda-feira. Uma multidão de moradores saiu do Calabar e seguiu andando até a sede da prefeitura, sob o forte sol da tarde. A passeata em protesto pelo não atendimento das reivindicações comunitárias percorreria cerca de vinte quilômetros, subindo e descendo ladeiras. Organizada pela Associação de Moradores – cujo nome de registro é Sociedade Beneficente e Recreativa do Calabar, ou JUC-SOBE –, a passeata se constituiu num fato inédito e pioneiro em Salvador após 1964. Foi a primeira manifestação de massa, organizada livremente e deve ser destacado o seu caráter genuinamente popular. A maioria esmagadora que dela fez parte eram pais e mães de famílias, operárias e crianças, todos moradores do Calabar. Portanto, foi vencida a tese de que só estudante tinha capacidade de mobilizar-se para manifestações desse gênero em Salvador (CONCEIÇÃO, 1986, p. 60-61).


46

O Calabar segue sendo alvo destacado da especulação imobiliária e de uma vizinhança hostil à presença preta e pobre dos seus moradores. No entanto, como flagrou Holston (2013, p. 29) a respeito da formação das periferias urbanas, uma vez que “moradores passaram décadas transformando barracos em casas de alvenaria mobiliadas, decoradas e bem-acabadas, essa autoconstrução se tornou um domínio de elaboração simbólica”. Tal elaboração, de acordo com este autor, “expressa narrativas coletivas e igualitárias do estabelecimento de periferias e narrativas individuais de realizações desiguais”, como pode ser visto em vários momentos da pesquisa.

Moro no Calabar há mais ou menos vinte anos. Vim pra aqui em oitenta e nove. E estudei na Escola Aberta, fui da Escola Aberta. Estudei o Ensino Fundamental aqui. Participei de algumas lutas históricas que o Calabar teve, que não foram poucas. Esse bairro é um bairro muito resistente, apesar da sua qualidade. E por ser morador daqui, na verdade por ser mais velho, eu sei mais o histórico. (GFL)

Então né, o Calabar tem uma história de luta, né? Desde o tempo do... do JUC, Jovens Unidos do Calabar. Que foram eles, né? Meninos e meninas adolescente que iniciaram esse trabalho social dentro do Calabar... na busca de melhoria pra comunidade que era muito sofredora, era esgoto a céu aberto, não tinha saneamento básico, muitas casas não tinha (sic) energia elétrica, nem, nem água potável, não é? Na sua maioria era cisternas, fontes, e esses jovens resolveram arregaçar mangas e lutarem, né? Pra melhoria da comunidade através dos órgãos competentes. Foi uma luta árdua, não é? Mas se conseguiu, muitos objetivos, e um deles era a implantação de uma escola dentro da comunidade, para servir ao povo da comunidade, já que os pais dessas crianças tinham que sair muito cedo pra trabalhar e não tinham possibilidade de levar seus filhos pra uma escola mais distante, e aqui dentro da comunidade, os meninos podiam vir com o irmão maior, ou até sozinhos, e até junto com as professoras, por isso que a escola tinha uma proposta de que o educador tinha que ser da comunidade, onde ele tivesse uma relação muito próxima dos alunos. E a escola aberta hoje tem 30 anos de fundada, vem numa luta desesperada, dando murro em ponta de faca em busca de projetos, nós temos uma escola hoje, é, maravilhosa, bem equipada, mas só não temos, como sustentar as pessoas que aqui trabalham, tá entendendo? (GFE)


47 Tais narrativas exprimem o que Holston (2013, p. 29) aponta a “autoconstrução transformou as periferias em espaço de futuros alternativos, produzidos nas experiências de se tornar proprietários, de organizar movimentos sociais, de participar de mercados consumidores”, entre outras pertenças e processos. Em um contraste perverso, o que se viu na pesquisa – e que também é sustentado pelos estudos etnográficos e históricos deste autor – é que a “maioria dos brasileiros que mora nas periferias as entende como um processo de transformação porque as construíram” (Holston, 2013, p. 63), tal como se percebe no Calabar que, embora não se situando perifericamente, teria status de periferia, tal é o olhar do seu entorno elitizado e segregador. Ademais, segundo Holston (2013, p.63), a grande parte das pessoas que não moram em bairros populares tem apenas uma “visão presentista de sua formação e significado”. E acresce “na verdade, eles em geral as vêem como pouco mais que ‘favelas infestadas pelo crime’, cometendo o flagrante equívoco de pressupor que todos os moradores são posseiros”; e, por isso mesmo, é comum se pensar as periferias como algo em que se deve interferir pelo lado de fora, a exemplo do aparato militar instalado no bairro. Assim sendo, o próprio agente de segurança pública, participante do grupo focal, revela um pouco da perversidade desta convivência:

eu vou falar um pouco, na verdade, o Calabar é um bairro pobre, com muitos problemas sociais como outro qualquer que tem aqui em Salvador. Na verdade, Salvador é uma cidade favelizada, né? Apesar das pessoas que, quem vem de fora não tem essa visão, acha que Salvador é cidade só turística, mas não é. Salvador é cidade favelizada e aqui é uma favela, como outra qualquer, só que, o que é que ocorre, essa favela aqui tá entre grandes bairros de rico, né? Ondina, Barra, Federação e daí, acho inclusive que por isso resolveram implantar logo aqui a unidade de polícia comunitária, entendeu? Justamente porque essa população carente daqui, de certa forma incomoda essa população que tá aqui próxima, entendeu? E mais aqui é um bairro como outro qualquer que tem seus problemas sociais tem pessoas que... carentes, aqui tem muita gente que mora aqui que não é bandido como às vezes é passado, né? Como às vezes tentam passar, que todo mundo do bairro assim é bandido, não. Aqui tem muita gente que trabalha, que sai todo dia cedo, que só volta a noite, passa o dia na lida, que mora aqui infelizmente porque não teve condição de morar em outro bairro, de adquirir uma residência em outro bairro, mas, enfim, é um bairro com seus problemas sociais, por que? Porque tem essa questão da desassistência, né? A assistência, as assistências que deveriam chegar até aqui acabam não chegando, não sei se por incúria do Estado, ou se por traficância, mas enfim, acaba não chegando essas assistências, e daí que começa se ocorrer a questão da marginalização das pessoas, né? Não chega educação direito, não chega saneamento básico e termina transformando-se nesse tipo de coisa. Aí, depois os próprios ricos começam a discriminar, entendeu? E a achar que o bairro só tem o que não presta, mas nem sempre é só o que não presta (GFBCS).


48 O fenômeno da segregação social apresenta-se no caso do Calabar com uma dupla faceta. De um lado encontramos os contrastes entre a realidade do bairro e das áreas fronteiriças, reconhecidas como áreas nobres da cidade. De outro lado, registramos no interior de suas fronteiras, uma clara divisão territorial do bairro, configurando dois espaços distintos: 1) o Bomba, onde se encontra boa parte dos dispositivos comunitários e públicos do bairro, posto de saúde, sede da Associação Comunitária, Rádio Comunitária, Escola Aberta, Creche, Biblioteca Comunitária, Padaria, a própria Base Comunitária de Segurança, além de diversos dispositivos e empreendimentos comerciais); 2) o Camarão (situado na fronteira com o bairro de Ondina), sofre com menos acesso às atividades desenvolvidas e organizadas no bairro. Esta característica já foi apontada em estudo anterior sobre o bairro (AVANTE/CECIP, 2010) e, nesta pesquisa, também esteve presente nos discursos dos entrevistados, os quais indicam as disputas do tráfico de drogas por território como um dos fatores que interferem na vivência e na simbolização do espaço local: Devia ser todo mundo junto e misturado, né? Não devia ter essa diferença. O Calabar, porque no Calabar tem essa diferença, pra mim o Calabar não é dividido, ele é um bairro só. (...) Dividido por que? Desde que começou essa guerra que começou a dividir, porque o bairro nunca foi dividido. Eu sou moradora do Calabar, moro tenho cinqüenta anos. O Calabar nunca foi dividido (...) O Calabar nunca foi dividido, eu nunca vi isso não. Depois disso ai que começou essa guerra. (...) Tem o tráfico também, mas tem a questão que, por exemplo, como as pessoas acham que só instalam as coisas aqui [Bomba], que não leva informação pra lá [Camarão], ai eles acham também que não devem vir. E quando vem tem a questão do bairrismo mesmo, né? ‘O que é que essa pessoa lá de baixo ta fazendo aqui ?’. ‘Né pra vim aqui mesmo não, mande fazer outro posto lá’. Chegou a ter essa fala. ‘Vocês que façam outro posto lá’. (...) Entre os próprios moradores, né tá entendendo. Ai sempre tem uma coisinha ou outra, uma coisinha que ficou. E pra agente tentar... Eu sempre falo que pra a gente romper com isso, a gente tem que atrair essas pessoas. Atrair essas pessoas como? Com ações pra elas também, né? Você leva, você integra, faz a integração. Porque você não vai ficar o tempo todo do lado de cá dizendo: ‘venha pra cá, venha pra cá’. Você tem que também circular, fazer com que tenha movimento. Vai lá vem cá, hora aqui... do que você só ficar lá, vai se quiser, ou não vai porque não quer. (GFPS)


49

Ainda que a implantação da Base de Polícia Comunitária possa ter reduzido as tensões territoriais (esta discussão será aprofundada na seção 6 deste relatório), elas ainda interferem significativamente no trânsito local da população e no acesso aos serviços oferecidos no bairro. O tema da segregação também foi evocado por moradores e lideranças locais para se referir à relação com a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mais especificamente, foi mencionado o episódio da construção do muro, nos anos 2000, em um dos campi da UFBA, situado entre São Lázaro e Ondina, nas imediações do Calabar. Na ocasião a construção do muro foi justificada como uma medida para conter os constantes roubos ocorridos nas instalações da unidade. O fato é que esta medida gerou muita insatisfação entre os moradores e foi um ponto explicitado por lideranças locais: “A faculdade fez um muro e não se preocupou com as condições de vida da comunidade vizinha”. (GFL) Convém mencionar que este fato produziu certo constrangimento entre o grupo que estava conduzindo a pesquisa. Afinal, o estudo estava sendo conduzido por um programa de pesquisa da UFBA (Comunidade, Família e SaúdeFASA/ISC/UFBA) e uma ONG (Avante). O constrangimento tornara-se ainda maior quando consideramos o fato de que o Calabar tem acolhido ao longo de sua história pesquisadores, professores e alunos da UFBA envolvidos em projetos de pesquisa ou extensão. Frente à situação criada, a equipe se empenhou em acolher e debater as críticas apresentadas, refletindo também, internamente, sobre as implicações éticas e políticas deste fato. Como contraponto positivo, temos recentemente a implantação do Projeto “Vizinhanças”, uma iniciativa da Pró-Reitoria de Extensão da UFBA que pretende promover/fomentar o diálogo e a cooperação entre a instituição e as comunidades localizadas nas vizinhanças de suas unidades.


50 4.1.2 Infraestrutura urbana

De

modo

geral,

o

Calabar

apresenta

condições precárias de moradia e saneamento básico. Uma precariedade que se expressa tanto no que se refere à distribuição das casas no território, quanto na qualidade da construção dos imóveis, tipificação e estado de manutenção dos mesmos. São casas estreitas, em ruas estreitas e becos.

Além

disso,

encontramos

subidas

e

descidas íngremes que não oferecem segurança aos moradores. Caminhar pelas ruas do Calabar em dias de chuva, pode ser arriscado também à saúde por conta da contaminação das águas, pelas chances de tropeções e quedas, além do cheiro forte de esgoto e do acúmulo de sujeiras e detritos.

Caminho de casa. Fotografia: Rodrigo Wanderley

Infraestrutura precária, esgoto a céu aberto. Fotografia: aluno do curso de iniciação fotográfica e direitos humanos

A falta de estrutura adequada de urbanização se reflete em dois aspectos importantes: de um lado, os riscos da população em moradias inadequadas; de outro, a falta de estrutura para lazer e uso dos espaços comuns no bairro, especialmente para as crianças. As falas abaixo explicitam tais aspectos:


51 Aí eu penso assim, deve ser esse problema todo que eu venho carregando nas minhas costas, porque minha casa ta aí, ó, condenada, aí, ó. Isso aqui ó, o chão tá se separando, aí eu vou pegando cimento, aí atrás desse sofá, tem um cimento que abriu um buraco. Aí eu vou pedindo a um, vou pedindo a outro, botando, aqui debaixo da cama. Aqui assim, ó. Eu pedi. O paredão tá aí pra descer, aí, os povo aqui (sic) tá brigando por causa de casa, mas ninguém... (…) E eu posso morrer a qualquer momento aqui, porque já veio três engenheiros pra coisar, aqui tempo de chuva aqui sempre a gente liga, e ele só fazem falar: ‘ah, independente de tá chovendo ou não, senhora, a senhora não pode dormir aqui. De dia você pode até ficar, porque as coisas acontecem à noite. ‘Então, na noite quando chove a gente não dorme. (EMC3). (...) Lazer quase que nenhum. (...) É quase que nenhum. Agora que tá tendo um futebol ai, os meninos tá jogando, né? (...) Principalmente as crianças do Camarão, é uma criança que não tem lazer. Porque a quadra tá aqui [Bomba], os projetos estão aqui, quem faz alguma coisa faz aqui. E as crianças de lá [Camarão] tem que ficar correndo, ou sentada na porta do bar com a mãe ou com o pai. (GFPS).

O fato é que, em Salvador, como em outras cidades do Nordeste, mantém-se a relação de exploração e descaso com a população mais pobre (ANDRADE, 2011). Cabe registrar ainda que a população do Calabar é composta majoritariamente por pessoas negras, seguindo o padrão dos bairros populares de Salvador. Esta conjunção entre pobreza e perfil étnico-racial tem se revelado um fator significativo na produção da exclusão social, notadamente, em função do descaso do Estado e das elites que têm maior poder de pressão e/ou barganha na definição de investimentos públicos e privados. Um quadro que se reflete na rotina dos bairros periféricos, com concentração de população negra (ZALUAR e ALVITO, 2004).1

Brincadeiras na porta de casa. Fotografia por Rodrigo Wanderley 1

Em estudo posterior, pretende-se investigar processos relacionados com racismo institucional no bairro do Calabar, os quais contribuem para incrementar a vulnerabilidade e exclusão social de segmentos populacionais.


52 4.1.3 Participação social: atores destacados e iniciativas

Caminhada em prol da coleta de lixo e estrutura sanitária no bairro. Fotografia: Rodrigo Wanderley Desde suas origens, conforme referido, a história da comunidade do Calabar é marcada por lutas e pela resistência frente às ameaças externas. Neste segmento vamos nos ater ao período mais recente de mobilização e participação social. Em 1977, surgiu a Juventude Unida do Calabar (JUC), que se consolidou como um grupo de ação formado por jovens da comunidade par a reivindicação de direitos, sendo os principais a legalização fundiária e o direito à educação. Foi através dessa iniciativa que, em 1982, foi construída, junto com os moradores do bairro, a Escola Aberta do Calabar, tendo como proposta a utilização de recursos humanos e culturais da comunidade, reforçando também o sentimento de pertencimento comunitário. A articulação, mobilização e resistência comunitária foram responsáveis pela conquista e aquisição de outros recursos e dispositivos de grande valor para o bairro, com destaque para: Biblioteca Comunitária; Centro de Educação Infantil; sede do Provida;

rádio

comunitária

e

outras iniciativas locais. Além

Figura 02 – Mobilização Comunitária (Fonte: Conceição,1986)

dessas lutas, a Associação Beneficente Recreativa do Calabar (SBRC) também desenvolveu um trabalho importantíssimo na mobilização dos direitos da comunidade.


53 A SBRC é uma organização associativa comunitária que atua como principal entidade de defesa dos direitos da comunidade do Calabar e tem como objetivo conscientizar e defender os direitos dos moradores. Através de lutas e mobilizações, o grupo conseguiu trazer benefícios para a região como saneamento básico, iluminação, escola comunitária, creche comunitária, prédio do Provida, posto de saúde, módulo policial. Como parte da organização dos moradores do bairro, a Rádio Comunitária do Calabar, fundada há mais de 25 anos, leva cultura, lazer e informação aos residentes locais. É um importante instrumento de comunicação e, mesmo mobilização da comunidade, com o enfoque de assuntos diversos, por exemplo, desafios e conquistas, eventos e atividades no bairro ou de interesse da população. Outras iniciativas provenientes de Organizações Não Governamentais também estão presentes no Calabar, como o Berimbanda que é um projeto suíço em parceria com a SBRC, que propõe oficinas de iniciação musical e teatro para crianças moradoras do bairro. Há ainda as ações realizadas pela AVANTE Educação e Mobilização Social, que iniciou seu trabalho no Calabar em 2004, com o Consórcio Social da Juventude, seguindo com os Projetos Jovens em Ação, que culminou na construção da Biblioteca Comunitária do Calabar; Balcão da Juventude, com a inserção de jovens no mercado de trabalho; Projeto Grãos e Projeto Florescer, que originou as cooperativas de Alimentos, Corte e Costura e Artesanato do bairro e, atualmente, o Projeto Infâncias em Rede, que organiza e fomenta brincadeiras com as crianças. Além destas ações, a Avante também realizou pesquisas no bairro, em 2010 em parceria com o CECIP e a presente pesquisa em parceria com o Instituto de Saúde Coletiva/UFBA. As iniciativas acima exemplificadas permitem visualizar a diversidade de intervenções sociais de iniciativa da própria população do Calabar, ações e articulações consideradas conquistas pela e da comunidade, e ao mesmo tempo, entendidas como um contínuo processo de busca por melhorias para o bairro:

Participei de algumas lutas históricas que o Calabar teve, que não foram poucas. Esse bairro é um bairro muito resistente, pela sua qualidade. (GFS).


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Constituem-se outros exemplos das formas de sociabilidade presentes no Calabar, os eventos culturais, festivos e de mobilização por direitos, que congregam parcela significativa da população do bairro, a exemplo da última Parada Gay do Calabar/2013 (Figura 03) e da tradicional Festa do Dia das Crianças, festejos locais bastante animados.

Figura 03 - Parada Gay Calabar, Salvador, BA, 2013

Foto: Sandra Brasil, 2013


55 4.1.4 A comunidade: imagens, alegrias e percalços:

Há esforços, especialmente entre algumas lideranças, em retratar a coesão e sustentabilidade do Calabar, particularmente no seu reconhecimento como comunidade ativa, atuante e, principalmente integrada. Além disso, em conversas com moradores durante as visitas ao campo foram recolhidas imagens da comunidade associadas ao bom convívio, à solidariedade e, mesmo, à sensação de segurança. Uma imagem que se aproxima da noção de comunidade proposta por Bauman (2003) como lugar cálido, confortável e aconchegante, “na comunidade podemos relaxar, estamos seguros, não há perigos ocultos em cantos escuros”. Para alguns moradores, é importante expressar essa relação de amor com a comunidade. É o caso de uma das lideranças locais, que propõe lançar a marca “eu amo Calabar” e imprimir em camisetas e outros objetos personalizados. A idéia é dirigir estes produtos para o mercado interno, com o intuito de promover a valorização do bairro entre os seus moradores. Ao lado deste cenário afetuoso e de satisfação com o bairro, encontramos também um corolário de queixas, conflitos e desafios relacionados com a vida no Calabar e a convivência cotidiana entre seus moradores. Em primeiro lugar, é importante recordar que as casas, em sua maioria, construídas umas sobre as outras, “parede com parede”, como costumam falar, contribui para que a vida de um núcleo familiar avance ou invada o espaço de outros. Essa ausência de privacidade é vista como um elemento que acirra as dificuldades da convivência entre vizinhos. Ao analisar as principais queixas relativas à convivência comunitária, chegamos ao entendimento que elas remetem a situações que, certamente, são comuns a outros bairros populares de Salvador e outras cidades brasileiras: fofocas e intrigas entre vizinhos, o som alto nas ruas que invade o espaço privado das casas. Os relatos destacados a seguir ilustram estas queixas. Nota-se que todos os depoimentos reconhecem os episódios descritos como exemplos de violência. Entre os participantes da pesquisa não há consenso quanto à intervenção das instituições de controle social sobre determinados conflitos comunitários. Alguns informantes expressam a preocupação no sentido de que o Estado, mormente por meio das instituições policiais, passe a normatizar a conduta das pessoas no bairro, o que implicaria em perda de autonomia e vitalidade da vida em comunidade.


56

Então, em relação, assim, Calabar mesmo, assim, eu não tenho o que falar. Tenho o que falar assim da violência, das pessoas, dos atos das pessoas, que às vezes a pessoa que é sua amiga, tá conversando normal com você aí já vem outro já faz intriga, quando pensar que não já tá brigando, já tá aquela agonia (...) negócio de briga assim, que nego veio falou alguma coisa, aí vai, cai no ouvido de outra, quando pensar que não, começa aquela briga, aquele negócio feio (…) (EMC). Hoje, agora, se aumentou muito o caso de pessoas colocando um trio elétrico dentro de sua casa e você não pode assistir televisão, então eu me vejo muito invadido no meu espaço. Principalmente no final de semana que eu quero assistir um filme, descansar e tá aquele trio elétrico na porta da minha casa, e ali é uma violência. (RDC) É um tipo de violência, não deixa de ser um tipo de violência. E os órgãos competentes tão pouco se lixando, não tão nem ligando. Então, hoje no Calabar tem muita essa ocorrência, pode até pontuar que não é só eu não, muitas pessoas têm. Elas não sabem associar alegria, diversão e entender que o outro também se diverte de uma ou outra forma, que não a deles, ou seja, tem essa questão também. (GFPS).

Com relação à imagem do Calabar como “bairro violento”, foi recorrente a opinião (especialmente nos grupos focais) de que o bairro não é tão violento quanto a mídia, principalmente a televisiva, costuma enfatizar. Nos depoimentos de lideranças do bairro e de alguns moradores, encontramos a percepção de que os casos

de

homicídios

ocorridos

na

região

que

abrange

o

Calabar

são

hipervalorizados pelos programas midiáticos, contribuindo para “inflar” o problema da violência no bairro. Entre velhos e novos moradores prevalece o sentimento de pertencimento à comunidade, que se reflete, por exemplo, na preocupação em valorizar aspectos positivos da comunidade local, fazendo contraponto a uma visão que consideram estigmatizante e estereotipada, fomentada pela mídia e que contribui para construir a visão de um bairro violento no imaginário coletivo da cidade. Quando questionados relativamente a perspectivas quanto ao futuro do bairro, 54,7% acreditam que daqui a cinco anos o bairro estará melhor do que atualmente, percentual maior do que as expectativas quanto à melhoria da cidade como um todo, na qual apenas 37,9% acreditavam numa melhora daqui a cinco anos. Desta forma, os moradores demonstram todo o valor que eles atribuem a comunidade, reforçando a luta pelo que lhes é de direito, e defendendo a crença de um melhor desenvolvimento do bairro.


57

Foto: Sandra Brasil, 2013


58 4.1.5 Implantação da Base Comunitária de Segurança: “uma resposta à violência no bairro”

A violência no bairro do Calabar teve seu auge entre os anos 2008 e 2010, quando houve intensa disputa por território entre dois grupos rivais do tráfico de drogas no local, nestes dois anos, registraram-se homicídios e tiroteios, fazendo com que o Calabar ganhasse notoriedade na mídia como um bairro violento e, além disso, alterasse a sensação de insegurança dos moradores. Em pesquisa realizada pela AVANTE/CECIP em 2010-2011, constatou-se que moradores viviam sob constante ameaça de confronto entre policiais e traficantes de drogas, revelando como as armas, tiroteios e sobrevôos de helicópteros da polícia povoavam o imaginário infantil, gerando ansiedade e medo nas crianças. Em 27 de abril de 2011, foi inaugurada no bairro do Calabar a primeira Base Comunitária de Segurança de Salvador, inspirada no modelo das UPP do Rio de Janeiro. As constantes ocorrências de diferentes formas de violência no bairro, a proximidade com áreas nobres da cidade e a sua própria delimitação territorial, fizeram do Calabar um local estratégico para implantação desse dispositivo, como ilustra a fala a seguir: “só existe uma Base aqui, porque incomoda, porque tem Barra, Federação, Ondina, mas se não fosse por isso, essa comunidade aqui continuaria esquecida” (GFBCS).

Dois anos após a implantação da Base Comunitária no Calabar, é possível perceber algumas mudanças concretas no bairro, sobretudo no que se refere aos índices de homicídio, bem como à presença e às formas atuação de grupos associados ao narcotráfico. Neste sentido, dados oficiais do Programa Pacto pela Vida, do governo do Estado da Bahia, dão conta que o número de ocorrências no Calabar foi reduzido em 90% . Este resultado é atribuído à entrada do policiamento comunitário no bairro que atuou de modo a pôr fim na disputa dos traficantes por território. Convém salientar que a redução dos índices de letalidade por homicídio no bairro não significou o fim da violência em suas outras múltiplas expressões - seja ela doméstica, familiar, de gênero, policial ou estrutural.


59 Com relação à questão do comércio de drogas, segundo relato de moradores/moradoras e meios de comunicação, antes da BCS, o tráfico era realizado livremente, à vista de todos, inclusive das crianças. Nos discursos dos participantes do estudo, há destaque para o papel da BCS sobre o enfraquecimento do componente violento do mercado local de drogas, mormente, com a inibição da disputa violenta entre grupos rivais.

Ainda sobre este tópico, é interessante

ressaltar que alguns informantes portam uma visão crítica sobre o modo como o tema das drogas é tratado no Brasil. O primeiro remete ao fato da droga ser referida como “a causa de todos os problemas do bairro”. Uma visão que converge com a literatura sócio-antropológica especializada no tema, a qual critica a tendência a relacionar o tráfico de drogas a todos os problemas enfrentados pelos bairros periféricos (FRAGA, 2007). O segundo ponto refere-se ao questionamento a respeito dos principais responsáveis pelo comércio de drogas e interroga sobre a procedência das drogas comercializadas no Calabar, nas periferias das cidades, conforme expresso no relato abaixo: (...) mas eu vejo assim que infelizmente a questão das drogas é uma coisa que, não só aqui no Calabar como em outros bairros, enfim, no Brasil. [...] As fronteiras são liberadas para entrar as drogas, aqui dentro nós não temos laboratório de cocaína, nós não temos plantação de maconha e tá tudo aí, né? (EMC).

As Bases Comunitárias foram apresentadas como uma solução para a segurança

dos

moradores/moradoras,

mas,

também

para

os

problemas

relacionados à saúde, educação, lazer etc. Embora, na prática, parece ser que a alusão às demais áreas se limita a criar condições de segurança no bairro para que os serviços essenciais pudessem chegar ao território. Foi referido que a insegurança no bairro era o argumento principal, utilizado por governantes, para justificar a ausência de serviços públicos no bairro. Em outras palavras, os serviços não chegavam ao Calabar porque a localidade não oferecia condições de segurança aos profissionais que o adentravam, tal como estudos nesta linha apontam o fenômeno da militarização nestes espaços e a vinculação desta enquanto condição sine qua non para a extensão da cidadania. Contudo, este aspecto revelou-se controverso entre os depoimentos colhidos.


60

Alguns informantes salientaram o fato de que os serviços essenciais, como a unidade básica de saúde, as escolas e a coleta de lixo, sempre existiram no bairro, independente da permanência da BCS. Um dos moradores foi mais enfático ao demarcar que a vida no bairro se desenrolava e “funcionava”, a despeito da presença da violência: “A gente não era refém do medo.” Foi ressaltada, particularmente, a situação do serviço de atenção básica de saúde, o qual funcionou, mesmo durante um período em que a comunidade ficou sem o equipamento público.

Mesmo antes da base e sem unidade de saúde, porque a prefeitura derrubou a unidade de saúde, para construir, não construiu, e a gente ficou sem o prédio, sem o espaço físico, quatro anos, ficamos sem unidade de saúde por aqui, mesmo assim a gente arranjava uma salinha ali para se reunir (GFPS).

Por outro lado, os mesmo informantes, assim como a maioria dos entrevistados, reconhecem que após a implantação da base, houve um avanço no acesso a esses serviços essenciais, incluindo os serviços de saúde, uma vez que eles passaram a circular mais livremente dentro do bairro. Entre os Agentes Comunitários de Saúde, foi destacada a preocupação em desenvolver os serviços de saúde abrangendo toda a comunidade. Alguns relatos enalteceram o compromisso em garantir o acesso ao serviço àquelas pessoas envolvidas com o mercado ilegal de drogas, para que elas “não se sentissem excluídas” ou "como uma coisa fora da sociedade, da comunidade" (GFPS).


61 4.1.6 Qualidade de vida no bairro: impressões sobre repercussões da BCS

É consenso entre os moradores que as mudanças positivas associadas à Base Comunitária de Segurança Pública, se restringem ao componente da segurança pública. A comunidade ressente-se, notadamente, da ausência de investimentos nas áreas sociais (saúde, educação, saneamento básico, oferta de trabalho etc.), tal como anunciado na fase de implantação. Dentre os moradores mais antigos, a análise sobre as intervenções do estado no bairro são mais críticas, assim como, a avaliação em relação aos impactos da implantação da Base Comunitária: (...) eu vou fazer um comparativo entre antes e depois da Base (...) as melhorias que aconteceu realmente no Calabar depois da Base e a única coisa mesmo que eu vi funcionar efetivamente foi a questão da segurança, porque o resto tudo que foi prometido a partir disso nada funciona. Inclusive, eu acho que funcionava melhor antes quando a Associação de Moradores estava (…) (EMC) Por ser morador daqui, na verdade por ser mais velho, eu sei mais o histórico. Mas no momento atual, relacionado ao tema de segurança eu penso que a base comunitária trouxe benefícios emergenciais, só que não definitivo (GFPS).

Esta visão é, de certo modo, compartilhada por profissionais da Base Comunitária. Apreende-se em suas falas a menção às limitações da implantação e funcionamento da proposta de segurança pública no bairro, por levar em consideração que a segurança é uma expressão dentro do léxico de problemas sociais, (saúde, educação, lazer): Porque não é só a polícia que deve ser visada, a saúde, a educação e outros, e outros complexos que precisam ser levantados. (GFBCS)

Neste ponto, é interessante apresentar e discutir a percepção dos moradores com relação a eventuais mudanças no bairro após a implantação da Base Comunitária, conforme dados obtidos no questionário domiciliar. Em convergência com os dados qualitativos, o quesito referente à avaliação sobre mudanças na segurança pública, obteve os resultados mais positivos: 87% consideraram uma melhora após a implantação da base.


62

Os índices diminuem consideravelmente quanto focalizamos os elementos relacionados como recursos/serviços sociais e qualidade de vida. Apesar da questão da melhora na circulação dentro da comunidade e do aumento de acesso aos serviços, 43,5% dos entrevistados consideraram que a área da saúde nem melhorou nem piorou após a implementação da base, ao mesmo tempo que 39% detectaram alguma melhora. Já na área da educação 56,1% consideraram que houve uma melhora nos serviços. Neste ponto os dados qualitativos são especialmente úteis para elucidar a percepção de melhoria positiva com relação a situações emblemáticas do período pré-base. Alguns relatos retrospectivos trouxeram a tona os momentos nos quais os conflitos armados dentro da comunidade atrapalhavam muito a dinâmica das escolas, pois os pais tinham que ir buscar os filhos mais cedo e/ou não podiam sair de casa em momentos de troca de tiros entre as facções. Foi ressaltado que após a implantação da base a circulação dentro da comunidade melhorou expressivamente. Além da questão da circulação, outro fator bastante relatado pelos educadores entrevistados eram as mudanças e inquietações que as crianças demonstravam depois de presenciarem eventos violentos dentro da comunidade. Foram mencionados vários casos de comportamentos agressivos e dispersos dentro da sala de aula, além de muitas brincadeiras com apologia às armas e brigas entre polícia e bandido.


63 Quanto ao lazer, temos um resultado contraditório em relação aos dados qualitativos, sobretudo, se focarmos na questão de alternativas para as crianças. Os resultados do estudo quantitativo apontam que 62,6% consideram que o lazer na comunidade teve algum grau de melhora após a implantação da base. Em contrapartida, nos grupos focais, entrevistas, interlocuções no campo, foram recorrentes as reclamações de que a comunidade não oferece nenhum tipo de lazer para as crianças, como praças e parques. Foi salientado, contudo, que após a implantação da Base de Polícia Comunitária, as crianças passaram a brincar mais sossegadas nas ruas. Neste sentido, uma possível razão para explicar o índice, relativamente, alto de avaliação positiva, estaria associada à visão de que se ampliou o acesso à rua (em contraposição à casa) e as possibilidade de fazer uso dela

Crianças brincando na Rua. Fotografia: Rodrigo Wanderley


64 Outro aspecto que merece relevo, diz respeito a menções à Copa do Mundo no Brasil (junho-julho de 2014). Alguns informantes, incluindo moradores e agentes de segurança pública, manifestaram a opinião de que o projeto de Base Comunitária foi pensado e implantado porque o Brasil será a sede para a próxima Copa do Mundo. Esta visão veio acompanhada de certa descrença e desconfiança com relação ao futuro das Bases Comunitárias no Brasil, e mais especificamente, no Calabar, após o evento. Mesmo aqueles moradores que se mostraram críticos em relação aos impactos da implantação da BCSP, notadamente, da atuação da polícia dentro da comunidade, revelaram preocupação frente à hipótese de que a base seja desativada após a realização ao Mundial de Futebol. O principal receio referido é de que a dita desativação implique no incremento da violência no bairro, incluindo uma nova situação de conflitos armados por disputa de território e de comando do tráfico de drogas dentro da comunidade. Por fim, é necessário fazer referência às queixas que colhemos aqui e acolá, no decorrer do trabalho de campo, que muitos grupos de pesquisas ou instituições estabelecem um vínculo temporário e oportunista com a comunidade. Foi mencionado também que muitos deles não se preocupam em dar um retorno sobre os resultados ou desdobramentos dos projetos realizados. Este dado reforçou a nossa intenção e compromisso em realizar devolutivas para a comunidade de modo a socializar e debater os resultados da pesquisa. De fato foram realizadas duas oficinas com este propósito. Contudo, cabe reconhecer que a questão dos impactos efetivos destas e de outras pesquisas sociais, no que se refere à transformação ou superação dos problemas investigados, segue sendo um grande desafio para os pesquisadores. Quase sempre, como é o caso desta pesquisa, lidamos com fenômenos sociais complexos, multideterminados, cuja transformação implica, conseqüentemente, em ações de diversos atores. Cabe, em qualquer caso, seguir atuando para que as evidências produzidas subsidiem a atuação dos atores e segmentos competentes.


65 5

SEGURANÇA,

PERCEPÇÕES

DE

VIOLÊNCIA

E

EXPERIÊNCIA

DE

VITIMIZAÇÃO NO CALABAR

Este capítulo abordará aspectos relacionados às percepções da violência e da segurança vistas entre os moradores e instituições do bairro, bem como discutirá certas dimensões das experiências de vitimização direta ou indireta ou de situações de insegurança. Para tanto, dispõe-se em dois grandes eixos de discussão, conforme estes direcionamentos: um voltado às percepções sobre violência, tanto nos espaços públicos, quanto privados, bem como experiências de vitimização no bairro; e outro mais vinculado às percepções e a sensação de segurança. Inicia-se então com uma breve contextualização conceitual das categorias centrais aqui utilizadas, quais sejam violência, vitimização e segurança. Indicadores nacionais vêm demonstrando que as ditas causas externas, onde se situam tais eventos,afetam a saúde dos brasileiros e são responsáveis pela segunda causa de mortalidade geral e é a primeira causa nas amplas faixas etárias de 5 a 49 anos (BRASIL, 2001). Dados do Mapa da Violência no Brasil, conduzido por Waiselfisz (2013), confirmam que a juventude tem sido o alvo preferencial da violência homicida e/ou mórbida no país, da qual se destacam os homicídios, especialmente por armas de fogo, que cresceram 591,5% entre as décadas de 1980 a 2010, sendo a taxa de mortalidade por esta causa, neste último ano, para a faixa etária de 15 a 29 de idade, de 42,5% (WAISELFISZ, 2013, p. 11 - 13). Este autor identifica ainda o forte veio racial que marca a violência no país, haja a vista que a taxa de mortalidade entre pretos e pardos é, aproximadamente, quatro vezes maior do que entre os brancos; ou seja, 46,5% para aqueles grupos e 10,5% para estes últimos (WAISELFISZ, 2013). Neste quadro, o estado da Bahia passa à quarta posição do ranking nacional de mortalidade por armas de fogo, o que representou um aumento de 195% no período entre 2000, quando então ocupava o décimo quinto lugar, e 2010 quando passou para 3º lugar (WAISELFISZ, 2013, p. 20). Ainda mais alarmante é o fato do topo da lista das cidades mais violentas do Brasil ser encabeçado por municípios que compõem a região metropolitana de Salvador, a exemplo de Simões Filho e Lauro de Freitas, primeiro e terceiro lugares respectivamente (WAISELFISZ, 2013, p. 30).


66 Estas últimas informações interessam fortemente às reflexões suscitadas por esta pesquisa, uma vez que se observa, não apenas, um aumento expressivo da incidência do fenômeno violento na região metropolitana, mas uma possível mudança na dinâmica distributiva deste. Tal mudança refere-se à redução, inclusive, drástica dos homicídios em bairros populares da capital que receberam as chamadas Bases Comunitárias de Segurança – a exemplo da Base do Calabar – e à escalada das taxas em bairros ou cidades circunvizinhas nos quais duas tendências se pronunciam: ou já havia certo volume de ocorrência e esta se intensificou, como mostram os dados acima; ou se partiu de uma situação de baixa frequência a um crescente em um curto espaço de tempo, quiçá, referente à implantação esparsa e não sistemática das BCS. Esta última se coloca como uma hipótese a se avançar em estudos futuros. 5.1 PERCEPÇÕES SOBRE VIOLÊNCIA E EXPERIÊNCIAS DE VITIMIZAÇÃO NO CALABAR

Um primeiro aspecto que chama atenção ao se pontuar as percepções em foco refere-se à polissemia e às sobreposições que marcam o entendimento acerca do fenômeno em si da violência; fatos que, de antemão, modulam, em algum grau, as próprias percepções da mesma. Neste sentido, e a priori, é patente a confusão existente entre violência e crime, de modo que a primeira acaba ficando subsumida em relação ao segundo. Em outras palavras, vê-se ainda, e muito intensamente, o confundimento da violência enquanto delito; e assim enfatiza-se as suas expressões mais exacerbadas, a exemplo da violência delinquencial, em detrimento de se reconhecer a diversidade de manifestações que o fenômeno pode assumir.

Outra associação fortemente presente, ao se reportar à violência, está no universo do consumo e do tráfico de drogas. Tanto entre moradores, quanto na opinião de educadores e agentes da saúde ou da segurança, observa-se uma forte tônica sobre a questão do abuso do álcool, mas principalmente, das drogas ilícitas; e mais em termos de responsabilizá-la enquanto fator causal do fenômeno da violência e/ou da criminalidade do que dos possíveis danos relacionados ao consumo ou quaisquer outros desdobramentos. Tal vinculação é, inclusive, relativamente vasta na literatura especializada, a exemplo dos estudos epidemiológicos de associação e análise de fatores de risco para a violência na esfera pública ou privada, nos quais o “consumo de drogas lícitas e/ou ilícitas” figura enquanto variável frequente nestes espaços (FONSECA et al., 2009; AUDI et al., 2008; BASTOS, BERTONI e HACKER, 2008; RABELLO e CALDAS JÚNIOR, 2007).


67 Heim e Andrade (2008), em estudo de revisão de publicações científicas acerca da relação entre consumo de álcool, drogas ilícitas e comportamento de adolescentes, no período correspondente a 1997 e 2007, concluem que as pesquisas, tanto nacionais quanto internacionais, demonstram uma relação estreita entre uso e abuso de álcool e drogas ilícitas e delinquência. Estes autores ainda sugerem questionamentos que marcam fortemente discursos e esforços explicativos da violência, a saber: o uso e/ou abuso de álcool e drogas ilícitas induzem ao comportamento criminoso ou, ao contrário, adolescentes com problemas de conduta têm maior probabilidade de utilizar droga, o que mantém e contribui para a escalada das atividades delinquentes? (HEIM e ANDRADE, 2008, p. 64)

Em que pese a presença marcante desta lógica de causalidade, tanto em estudos como estes, quanto nos próprios relatos dos participantes desta pesquisa, pondera-se aqui a escolha teórica, sinalizada inicialmente, na qual compreende-se a violência como uma forma de sociabilidade prevista nos mais diversos contextos das relações humanas em sociedade (ZALUAR e ALVES, 2001; TAVARES DOS SANTOS, 2002). Portanto, para além das supostas causas atribuídas à violência, interessa notar, nas falas e nas ações destes sujeitos, o modo como tal fenômeno se coloca nas relações cotidianas, seja entre pares e na proximidade dos vínculos, seja na interação entre indivíduos e instituições do Estado.


68

Violência em que sentido? Violência geral? (...) Na minha área mesmo, quando acontece é briga, briga de marido e mulher, briga de filho, de namorado, briga de marido e mulher independente de sexo, independente de pertence sexual, né? Acontece. Eu vejo mais isso, briga de marido e mulher, briga de vizinho, entendeu? É... hoje, agora, mais briga, antes acontecia realmente um querer matar o outro e, às vezes, até matava. Mas hoje é mais briga, muito mais pela questão da liberdade, da falsa liberdade que as pessoas acham que têm, né? E ai, ficam mais a noite, extravasam mais, bebem mais, ficam mais alegres. Eu vejo mais brigas. (GFL)

A questão da violência, como os colegas já falaram, houve uma melhoria entendeu? A redução da questão do índice de mortes, houve uma redução não se vê falar como antigamente, mas eu vejo assim que infelizmente a questão das drogas é uma coisa que, não só aqui no Calabar como em outros bairros, enfim, no Brasil. (GFL)

É a droga mesmo, é a droga! Dentro da cadeia o pessoal liga, existem telefones celulares, todo mundo sabe disso, será que o sistema não sabe? por que é que deixa? Porque a ordem para matar vem de dentro da cadeia... por que é que deixam o celular? Então essa é a preocupação, que sinceramente se veio para acabar com a violência, se veio para amenizar uma situação, então já viu que se resolve! Acabou, né! E agora falta o que? Cadê o cursos profissionalizantes para esse jovem? Cadê a escola, né? Cadê oportunidade no mercado de trabalho? Cadê o Pacto pela Vida? O Pacto pela Vida se tornou segurança, como ela citou, ele citou... não vai ser, não sei, direcionado para o bem, então é para morrer mesmo é para matar! (GFL)

Aí a gente passa pela questão do tráfico de drogas, que a gente, é, tem feito algumas apreensões, pelo menos uma vez por mês a gente consegue fazer uma grande apreensão de drogas, e abordagem aos usuários, a fim de evitar o máximo possível que eles transitem aqui, que eles sabem que se entrar, os policiais que trabalham na área já conhecem quem são. É, com a alteração da lei, ser usuário não é crime, então a gente não pode apreendê-los, mas, a abordagem é constante, é, eles tem reduzido o trânsito por aqui. (GFBCS)

A gente reduziu, praticamente zeramos os homicídios da comunidade e ocorrências graves contra pessoa, como tentativa de homicídio também é...lesão corporal, agressão física, esses crimes contra a pessoa praticamente nós zeramos. Então, a maior parte da comunidade muito satisfeita com o [...] trabalho. E uma parte da comunidade muito insatisfeita e a gente tenta buscar e tentar explicar porque tem uma parte da comunidade que não, de nenhuma forma, se satisfaz com a presença da polícia, ai quando a gente tenta pesquisar um pouquinho é um familiar, é a mãe de um traficante que foi embora, é a irmã de um traficante que foi preso, é usuário, o próprio usuário não nunca está satisfeito (GFBCS)


69 Tal tendência encontra correspondência com o que a literatura tem pontuado acerca da primazia dada ao crime e, sobretudo, em termos da sua repressão. Assim, ao refletir sobre a contribuição do pensamento feminista para estudos mais recentes, Suarez e Bandeira (2002, p. 305) defendem que “o exame da violência na teoria sociológica clássica surge associado aos conceitos de controle social e Estado”. Para estas autoras, bem como para Sarti (2005), os estudos sociológicos sobre a problemática aderem-se a esta abordagem, privilegiando a violência estatal e a administração dos crimes por parte do Estado na grande maioria dos trabalhos, isto é, sob o forte prisma da sua relação com a criminalidade. Tanto assim, que se investe muito mais, por exemplo, em uma sociologia do crime do que da violência, bem como se vê uma antropologia muito mais interessada nos debates temáticos também sobre criminalidade, conflitos urbanos e geracionais, bem como no controle destes, do que nos investimentos teóricos sobre os eventos violentos em sua multiplicidade de manifestações (RIFIOTIS, 2006). Avançando nesta discussão, e apoiando-se ainda em Suarez e Bandeira (2002), destaca-se aqui a seguinte colocação: O exame da violência ligado à teoria do Estado tem encoberto aquelas violências que ocorrem nas relações cotidianas entre as pessoas. [...] No âmbito dessas ciências destacou-se o pensamento feminista que, ao fazer da violência cotidiana um objeto, legitimou a crítica do movimento social e, ao constatar a sua disseminação na sociedade, afastou-se da abordagem clássica para buscar nas formas de sociabilidade novas linhas explicativas. As pesquisas se orientam no sentido de perceber a violência como fenômeno substantivo e plural, sendo suas diversas expressões nomeadas nos seus vários usos, como: violência contra mulher, violência de gênero, violência sexual, violência doméstica, violência conjugal, violência familiar, violência no trabalho, violência nos serviços públicos, violência simbólica, etc. Ao nomear as violências, o pensamento feminista procurou, por um lado, salientar sua disseminação nos mais diversos espaços sociais e, por outro, desfazer a sua invisibilidade. (SUAREZ E BANDEIRA, 2002, p.305).

No caso deste estudo, quando se trata da violência presente no âmbito doméstico e das relações interpessoais, dois grupos preferenciais se evidenciam: a mulher e os jovens. A violência contra a mulher, como anteriormente referido, coloca-se muito presente nas falas, portanto, nas percepções dos moradores e agentes consultados. Já entre as idades mais tenras, o grau de percepção é inversamente proporcional à precocidade, isto é, quanto mais novo, mais imperceptível, ou seja, a violência é mais fortemente percebida entre os jovens do que na primeira infância, muito embora situações de vulnerabilidade sejam sempre mencionadas para um e outro grupo.


70 Sobre as demais modalidades de violência, conforme pontuam acima Suarez e Bandeira (2002) – ainda que muito pouco mencionadas – estas se expressam através de variadas formas e ocasiões. Exemplo disto é a raríssima referência feita ao universo dos idosos, entretanto, é recorrente pontuar o quanto o bairro e os lares, em termos de estruturas, os expõem sistematicamente, assim como às crianças também, aos riscos de graves acidentes e quedas; e, em muitas circunstâncias, pela ausência de quaisquer recursos de segurança, a exemplo de escadarias sem apoio ou corrimões, altos desníveis das calçadas, mau acondicionamento dos bueiros e do lixo; disposição insegura de muros, gradios, entre outros.

Eu vejo mais a violência doméstica mesmo, é grande número de violência doméstica... é contra a mulher, doméstica mesmo, né? Mãe contra os filhos, marido contra a mulher. (GFS) Tem criança, se você repara, três horas da manhã, de cinco, seis anos, três horas, quatro horas da manhã tá na rua. Tão perambulando na rua, os pais tão bebendo. Os pais esquecem as crianças na rua. (GFBCS) A mãe que trouxe o filho, que ele não tem pai, ou não mora aqui, e o tio espancava a criança e nós prendemos em flagrante. A mãe veio denunciar aí a gente foi e chamamos ele, a criança estava com sinais de espancamento, chamamos ele, e ele desrespeitou a polícia, e está respondendo por dois crimes: desacato e agressão. Era bom que (...) fosse crime, assim ele respondia logo por três. (EBCS) Abordando sempre que possível, a gente vai lá e aborda, já tem até as pessoas já, que a gente já tem aqui, os indivíduos que a gente sabe que estão envolvidos, entendeu? Sempre tentando configurar o flagrante pra poder sempre acertar. Também, agora a maioria das ocorrências infelizmente já... já não é nem tanto com a questão do tráfico, já é mais o quê? Os crimes passionais, tem muita briga de marido e mulher, briga de parente, som alto, o alcoolismo aqui é muito alto. (GFBCS)

Esta última fala oportuniza sinalizar certas incongruências na percepção acerca dos eventos violentos de ordem simbólica, muito embora estes se expressem de diversas formas em falas e/ou condutas vistas na pesquisa. Um dos exemplos estaria na ocorrência de um racismo que, em um bairro eminentemente negro, se mostra, de certo modo, escamoteado tanto no desvelar das relações sociais entre pares, quanto no que chamamos do racismo institucional. Tanto assim que, no montante das mais de quinhentas respostas à questão à respeito da experiência de ofensas raciais nos últimos doze meses, apenas 2,3% confirmaram tê-las sofrido.


71 Neste bojo, merece destaque a polêmica e conflituosa questão da abordagem policial, alvo de olhares e intensas críticas. Segundo a visão dos moradores segue um padrão destoante de um policiamento que se pretende, a priori, diferenciado, isto é, dentro do que a própria Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA,

2013)

denomina

de

filosofia

do

policiamento

comunitário.

Contraditoriamente, a abordagem policial é reconhecida pela polícia militar, pelo seu caráter protocolar assumida no rol das atividades rotineiras desta corporação. Quanto à abordagem policial protocolar Ramos e Musumeci (2005) citam a iniciativa da Coordenadoria de Segurança e Justiça do estado do Rio de Janeiro, que lançou a Cartilha de Revista Pessoal – Direitos e Deveres, em que estão descritas, em linguagem simples e direta, regras de como cidadãos e policiais devem agir, de modo a garantir o respeito, a dignidade e integridade, de ambas as partes, neste ato rotineiro de policiamento nos bairros. Sem definições mais precisas acerca desta filosofia do policiamento comunitário por parte da SSP, porém mais próxima das expectativas vistas entre os moradores, estaria a proposição de uma policia cidadã defendida por Bengochea e colaboradores (2004). Nesta, os autores, ao apontar as inadequações do modelo tradicional de policiamento frente às demandas políticas e sociais da atualidade, afirmam que para uma polícia diferenciada que atenda a uma sociedade democrática exige-se as seguintes reformas:

Primeiro, por mudanças nas políticas de qualificação profissional, por um programa de modernização e por processos de mudanças estruturais e culturais que discutam questões centrais para a polícia: as relações com a comunidade, contemplando a espacialidade das cidades; a mediação de conflitos do cotidiano como o principal papel de sua atuação; e o instrumental técnico e valorativo do uso da força e da arma de fogo. São eixos fundamentais na revisão da função da polícia. (BENGOCHEA et al., 2004)

Todavia, ainda distante deste ideal, há indicativos de que se mantém então a vigília ostensiva sobre o residente jovem, negro e pouco escolarizado, ainda que o processo de implantação da Base Comunitária tenha propiciado uma maior presença e circulação de pessoas externas ao bairro, inclusive, advindas das adjacências elitizadas. As falas, a seguir, refletem tais discrepâncias.


72

É resistente, porque eles relacionam a abordagem com a criminalidade, eles não entendem ainda a abordagem como uma atividade rotineira da Policia Militar. A gente não vai abordar a pessoa só porque a pessoa tem cara de ser criminoso ou porque a gente sabe que a pessoa está com drogas, não. A gente vai abordar a pessoa porque a pessoa está naquele momento com algumas características físicas, está com algum volume na roupa, ou está com alguma atitude suspeita, naquele momento. Não necessariamente a gente aborda pessoas que são só marginais, até porque a gente não tem como adivinhar quem é o marginal e quem não é, a gente tem que olhar a pessoa. (EBCS)

Foi a primeira coisa que ela perguntou. Eu pensei que a abordagem diante dessa pergunta quando vieram implantar já estavam sabendo que fosse melhor. E não é. (GFPS)

Hoje mesmo, (...) quando eu estava vindo pra cá, teve uma abordagem com um cidadão aí, em plena entrada da rua e o rapaz foi encostado na parede, e armas apontadas e crianças ali, eu passei ali de junto. (...) Com policias da base, um cara na parede e armas. E eu passei vi crianças assim brincando, idosos. Eles pedem o documento jogam no chão pra pessoa depois pegar. (GFS)

Por exemplo, não é o mesmo tratamento que é dado, digamos ao menino da Barra, que vem muito aqui comprar. Eu duvido que eles vai parar e se parar vai perguntar: ‘não, rapaz, o que é que você tá fazendo aqui?’ Por que eles vão dar um tratamento diferente, mas porque eles sabem (...) Mas quando é um morador por que não da o mesmo tratamento? Ai que entra a questão dos direitos humanos, tem que dar o mesmo tratamento. Se você vai pedir, vai abordar, tem que abordar. Porque eu acho uma forma desumana você colocar uma pessoa num porta-malas de um carro. Como eu já vi pegar um rapaz, negro, de repente algemou, botou o rapaz parecendo um cachorro algemado e ‘entre, entre aí...’ Eu naquele momento como morador eu quase voltei e disse: ‘rapaz tenha consciência, você é um policial, não faça isso como é que o rapaz vai entrar ai’. Ai de repente ia acontecer alguma coisa muito grande, mas não é questão de ousadia, é questão de você saber, conhecer e ai ele ia de repente procurar alguma coisa e eu ia dar um soco na cara dele com palavras, né? Porque ele tem o recurso da arma e eu das palavras. Então tem essa questão toda, entendeu? Que a policia tá aqui é totalmente despreparada pra lidar com essa comunidade. (GFS)

Para se compreender melhor as ambiguidades que marcam este conjunto de percepções, é necessário pontuar brevemente algumas definições que no que diz respeito à própria abordagem policial. Ramos e Musumeci (2005, p. 62), ao sistematizar as operações policiais militares, a situam dentro das denominadas operações de ação repressiva, as quais podem ser de quatro tipos e que, aqui, interessa o chamado vasculhamento que se refere “à ação genérica de revista de pessoas e locais suspeitos e é realizada, normalmente, em regiões de grande concentração populacional”.


73 Ainda de acordo com estas autoras, as secretarias de segurança dos estados podem estabelecer regras para a realização da abordagem pessoal, a exemplo, têmse: a revista deve ser feita em locais visíveis, iluminados e que não ponham em situação de risco o revistado ou o policial; e o policial deve tratar quem estiver sendo revistado com educação e respeito, cumprimentando-o e informado o objetivo da ação (RAMOS e MUSUMECI, 2005, p. 67).

Todavia, em que pese o caráter preventivo da ação, estudiosos da temática frequentemente se questionam: que leva um policial a considerar uma pessoa suspeita? (ARAÚJO, 2008; RAMOS E MUSUMECI, 2005; MUNIZ, PROENÇA JUNIOR e DINIZ, 1999). Para Araújo (2008), a abordagem policial “envolve invasão da intimidade e da privacidade das pessoas, podendo, dependendo da pessoa e da situação, produzirem ações constrangedoras e muitas reações emocionais e agressivas”. (ARAÚJO, 2008, p. 16) Ainda segundo o autor, “é preciso que o policial esteja preparado para essas situações e equipado conceitualmente com critérios de ações que incorporem o respeito à dignidade humana das pessoas submetidas ao seu poder”. (ARAÚJO, 2008, p. 16 - 17) Neste sentido, temos a seguinte dualidade:

Uma das coisas mais controversas hoje é o papel do policial militar, como o policial militar é visto dentro da corporação; então existe o policial militar, dá-se o curso para o policiamento comunitário, espera-se desse policial o tratamento mais humanitário possível, porém, dentro da própria instituição esse tratamento não existe. (GFBCS)

Eu apenas vejo a segurança como uma questão emergencial. Uma questão pra dar um paliativo ainda. A segurança aqui no Calabar, como em outros bairros periféricos, são paliativos, não são algo pra resolver o problema da população, não é pra melhorar a vida das pessoas. Ainda falta uma polícia que seja mais preparada, que não saia à noite apontando arma pra qualquer lugar, soldados mais humanizados. E aonde se tenha um respeito melhor pelo morador. O morador que trabalha, que acorda quatro horas da manhã, chega dez horas, meia noite, e não tenha medo de numa viela dessa receber uma bala achada, ou perdida, porque o policial está assustado, despreparado e atirou. Falo isso porque, um relato muito forte e aonde há uns testemunhos de falta de preparo do policial nessa base aqui, estes policiais que estão ai. Então eu falo como morador, eu estou aqui e ouço todo esse ruído. (GFL)


74 Sem, no entanto, responder àquela questão acerca do que se configura uma “suspeita”, uma vez que a mesma parece ser parcialmente respondida pelas falas em destaque, vê-se como mais importante problematizar, a posterior, as possibilidades de se avançar em metodologias que superem tais contradições, englobando os dois pólos, isto é, os moradores e a instituição. Antes de quaisquer proposições, é reconhecer condições desafiantes que se colocam para ambos os lados. Assim, se por um lado, temos uma formação e um modelo de policiamento ainda defasado em face das práticas democráticas e o fortalecimento da cidadania (Bengochea et al., 2004; Costa, 2012); por outro, há uma sociedade civil pouco informada e preparada para o exercício do controle social (CALDEIRA, 2011). Para Costa (2012, p. 238), a violência e o excesso de poder policiais que se pode observar “ocorre a partir de múltiplas dimensões que se entrecruzam com o social, o político e o ético e estão enraizadas em saberes e práticas que ultrapassam a formação oferecida nas academias de polícia”. Algo como se verificar nos relatos abaixo:

É, na minha opinião, Base Comunitária é uma resposta do governo para tentar [pausa] dar uma solução aparente para os problemas que são muito mais complexos do que soluções imediatistas. A polícia não resolve tudo, como todos aqui sabem muito bem. [...] Problemas que fogem ao controle da segurança pública e que convergem pra ela como uma solução imediata, porque a sociedade, ela não tem pra onde canalizar os seus conflitos, canaliza todos pra polícia, principalmente pra polícia militar. (GFBCS)

É massacre. É o tempo todo pressão, entendeu? E chega a ser controverso, você querer formar um policial de forma... de forma, tão... tão, vamos dizer assim... “Comunitária” [complementa outro participante]. Não, nem comunitária, você vê um policial, deixa um policial tão moldado de um jeito, sobre pressão, policial que está descontente, sabe que ele não tem, não pode fazer nada. E [pausa] quer que trate a sociedade, a comunidade, de forma linda e perfeita. “Isso é verdade” [comenta outra pessoa]. Chega a ser uma das maiores contradições do policiamento comunitário. (GFBCS)


75

Já do ponto de vista da sociedade civil, é Caldeira (2011) que demonstra em amplas pesquisas que, a depender das circunstâncias, o reclame pela violência se faz legítimo pela mesma, seja por medidas privadas, autônomas seja até pela ação policial. Isto é, para esta autora, a aceitação, o uso e a tolerância da violência são extremamente capilarizados e maleáveis no Brasil, e em relação íntima com a deslegitimação da justiça e dos direitos civis e humanos. A exemplo, pontua, basta observar a própria relação com a dimensão corpórea: O corpo é concebido como um locus de punição, justiça e exemplo no Brasil. Ele é concebido pela maioria como o lugar apropriado para que a autoridade se afirme através da inflição da dor. Nos corpos dos dominados – crianças, mulheres, negros, pobres ou supostos criminosos – aqueles em posição de autoridade marcam seu poder procurando, por meio da inflição da dor, purificar as almas de suas vítimas, corrigir seu caráter, melhorar seu comportamento e produzir submissão. (...) Essas concepções de punição e castigo estão associadas a outras noções que legitimam intervenções no corpo e à falta de respeito aos direitos individuais. (CALDEIRA, 2011, p. 370)

Estas pontuações explicam, em parte, o que se viu nesta pesquisa. No caso, voltando-se ao espaço doméstico e ao histórico de vitimização ocorrente no seio das relações familiares dos entrevistados, 31% afirmaram vivenciar castigos físicos na infância com alta frequência, pelo menos semanalmente. Destes, todavia, 76,7% pontuaram que tais castigos eram realizados através de objetos, tais como chinelo, vara, cinto, paus ou similares. Ao contrastar tal histórico com a percepção dos mesmos acerca da necessidade do castigo físico como meios educativos, verifica-se que aproximadamente 45% dos respondentes concordam em algum grau com esta proposição; enquanto 54% discordam radicalmente. Apesar disto, 91,2% dos entrevistados que têm crianças sob seus cuidados afirmaram tê-las castigado fisicamente através de palmadas; e, alarmantemente, 95% o fazem também se utilizando de objetos, tais como cintos ou varas.


76 Feitas estas ponderações mais amplas, então situando o vasto terreno de onde emergem as percepções e a experiência das violências aqui analisadas, passa-se a questões mais pragmáticas acerca destas e que dizem respeito ao próprio bairro. Assim sendo, do ponto de vista da relação entre as violências vistas no cotidiano e o que é veiculado na grande mídia, pôde-se observar que cerca de 60% dos moradores do Calabar afirmam que esta divulga menos ou a mesma violência existente no bairro. Apesar disto, nos discursos, tanto dos moradores, quanto dos agentes que aí trabalham, vê-se uma diversidade de posições sobre a mídia e, sobretudo, o poder de distorção de realidades e, ainda mais grave, da identidade deste espaço e da sua relação com a adjacência: Às vezes, é porque a mídia bate muito numa situação que não é verídica, aqui não só tem marginal, aqui tem fisioterapeuta, tem radialista, tem jornalistas, tem professores, enfermeiros, tem contadores, tem um monte de gente boa. (Entrevista, Relatório Avante, 2010) Eu ia chamar a polícia! É serio! Para abrir um processo porque é uma irresponsabilidade, ai quer dizer, vai igual aquela reportagem, [...] a jornalista tira uma foto do Calabar uma foto do Jardim Apipema, ai bota lá: uma linha tênue entre o lixo e o luxo. Quer dizer, a gente é lixo, é uma divisão, é uma segregação, e a mídia ela é perversa com o Calabar entendeu? Então nós estamos indo pra cima, pra desmistificar isso, pra acabar com isso. (GFL).

Eu gosto muito de trabalhar aqui [...]. No início realmente eu tive medo, porque a mídia dá a entender que o Calabar é um local muito perigoso, um dos mais perigosos de Salvador. Eu entrei aqui dando bom dia até a papagaio com medo, tremendo por dentro, mas depois, trabalhando aqui eu fui entendendo que a mídia faz essa careta toda, mas na realidade não é isso. Melhorou depois da Base? Sim, melhorou, mas antes, logo depois que eu entrei aqui, antes da Base eu me sentia segura. Não significa que a Base não traz segurança, traz sim, pra algumas situações sim. Melhorou. (GFS)

Como às vezes tentam passar, que todo mundo do bairro assim é bandido, não. Aqui tem muita gente que trabalha, que sai todo dia cedo, que só volta a noite, passa o dia na lida, que mora aqui infelizmente porque não teve condição de morar em outro bairro, de adquirir uma residência em outro bairro, mas, enfim, é um bairro com seus problemas sociais. (GFBCS)

Quando foi dito que haveria um grupo de policiais de lá que viria pra cá, é, se questionou muito a vinda pra cá, entendeu? As pessoas não queriam vir pra cá, por causa da impressão que tinham daqui. Só que quando eu vim pra cá, eu não vi nada de diferente do local onde eu moro que é dez vezes pior que isso aqui. Então, na verdade ficou muito, como é que eu posso dizer, mistificado essa questão do Calabar. Não vi nada demais. Porque o Calabar é subida, descida, é favela, nada que eu não tenha visto em São Caetano, Boa vista de São Caetano, Fazenda Grande do Retiro. E, é, uma coisa também que me chamou a atenção é isso aí, que isso aqui é pequeno, você vai na Boa Vista de São Caetano você vai ver um mundo. É.. São Caetano, você vai ver um mundo, isso aqui não é nada. Então, na verdade, falta, é... Iniciativa, mesmo, pra resolver o problema aqui mesmo. Falta vontade, entendeu? Então, é o que ele falou, só estamos aqui, só existe uma base aqui, porque incomoda, porque tem Barra, Federação, Ondina, mas se não fosse por isso, essa comunidade aqui continuaria esquecida. (GFBCS)


77

Para demarcar a importância e o peso simbólico que a mídia tem, cabe frisar que se trata de uma população – segundo os dados desta pesquisa – que assiste diariamente televisão, com 90% dos respondentes confirmando tal tendência. A televisão, por sua vez, tal como pontua Almeida (2001), é um dos meios mais utilizados entre os brasileiros como fonte de informação e de uma espécie de “letramento” digital, isto é, a partir de onde cria-se e crê-se em realidades veiculadas por esta. Destaca-se ainda, porque pertinente à análise deste dado, o fato da violência ser um fenômeno altamente midiatizado e mesmo espetacularizado, conforme salienta Galheigo (2008). Apesar disto, e em contraposição a tais tendências, os dados quantitativos deste estudo indicam que os moradores falam muito pouco dos crimes acontecidos no bairro; isto é 60,4% afirmam que falam “de vez em quando” sobre isto; contra uma minoria de 23,5% que o fazem diariamente. No universo das ocorrências, igualmente incomum é a percepção de roubo à mão armada no bairro, com cerca de 88% dos respondentes afirmando não ter presenciado deste fato nos últimos doze meses; e apenas 8% ter sofrido assalto. Do ponto de vista da vitimização direta, tampouco as pessoas entrevistadas relataram ter sido ferida ou ter sofrido agressões físicas com armas brancas ou com arma de fogo no último ano, com 98,6 e 98,4% respectivamente. Já em relação a ameaças, cerca de 10% dos participantes afirmaram ter algum parente que foi ameaçado de morte nos últimos doze meses; mas apenas 5,5% responderam ter se consumado o homicídio, dentro do mesmo período, porém, fora do Calabar em 80% dos casos. O próprio respondente não fora vítima direta de ameaças ou agressões em 95% dos casos; nem de ter histórico de arrombamento das suas residências em 97%, no último ano para ambas situações. Assim, pouco menos de 5% dos entrevistados relataram ter sido furtado na sua propriedade ou em seus bens pessoais nos últimos doze meses, no bairro do Calabar. Ademais, 96% afirmaram não ter sido forçado a abandonar suas residências ou a mudar de opinião em face de qualquer coisa, no último ano e 98,2% disseram não ter sido obrigado a calar-se diante de quaisquer circunstâncias.


78 Quando se trata de distorções ou abusos do poder policial, cerca de 98% dos entrevistados negaram qualquer tentativa de extorsão e 5% confirmaram ter sofrido alguma agressão ou maus tratos por parte de policiais nos últimos doze meses. Vê-se até aqui que, a partir da análise dos dados desta pesquisa, as percepções sobre a violência no bairro se colocam de modo difuso e bastante heterogêneo, o que, a propósito, não tem sido um fenômeno particular deste contexto. Zaluar e Leal (2001) já haviam sinalizado para o amplo e disperso debate sobre a violência no país, salientando que, mesmo no âmbito acadêmico, as fontes teóricas de tais debates nem sempre são explicitadas. Do ponto de vista da experiência da vitimização por violência neste bairro, os dados quantitativos, bem como relatos provenientes das entrevistas e grupos focais confirmam que a convivência com os mais diversos eventos de violência tem sido recorrente e, mesmo, geracional, conforme foi possível verificar nas análises acima apresentadas. Infância e juventude têm se evidenciado enquanto grupos preferenciais da violência, bem como se vê questões de gênero que incidem sobre tais eventos.


79 5.2 SENSAÇÃO DE SEGURANÇA NO CALABAR

Como demarcado no início, defende-se que a segurança está muito além da repressão à violência; e a própria sensação dela não deve apenas perpassar a condição da supressão da ameaça ou da proteção ao dano que o ato violento pode trazer. A propósito, e como afirmam Muniz e Proença (2008), segurança não é, necessariamente, prover proteção. Ao contrário, não se pode falar em segurança, em seu sentido mais amplo e profundo, se “a base do seu funcionamento é a ameaça constante e concreta”, como pontuam estes autores. Neste caso, acrescem: conduz-se à sujeição dos indivíduos ao abandono das garantias individuais e coletivas, bem como – na lógica da proteção, incapaz de promover a segurança coletiva – introduz o medo como conselheiro e a violência como cotidiano. (MUNIZ e PROENÇA JÚNIOR, 2006, p.A8 ).

Sobre o entendimento da segurança enquanto proteção, concluem, portanto, que a “proteção só protege quem a ela se subordina” (MUNIZ e PROENÇA JÚNIOR, 2006, p.A8). Assim, muito embora a noção de segurança não seja então prerrogativa de proteção, muito menos uma mera contraposição da violência, aqui se assume que tais dimensões – a da segurança e da violência – se entremeiam de forma mais acentuada no contexto pesquisado, tal como imprimem as falas, a seguir:

Eu costumo dizer que é o principal desafio na verdade né, porque de um lado uma comunidade que não tá acostumada com o tratamento de polícia, que odiava polícia desde criança, minha irmã dizia quando via polícia: corra, não fique na rua! Porque tinha medo mesmo. [pausa] E agora esse modelo de polícia pra tentar tratar a comunidade de um jeito diferente né? Melhorou? Melhorou, porém teve vários atritos, por quê? Por uma falta de preparação entre a comunidade e a polícia. Isso, na verdade, já era até esperado pela gente que ia haver esses pequenos atritos, mas nada de anormal, mas a televisão como sempre pegava essas pequenas coisas e fazia um estardalhaço, como [pausa] como se fosse o fim do mundo a Base Comunitária e algumas confusões que teve aqui, mas hoje a comunidade, com certeza, vê a polícia...vê a polícia passando na rua, normal! Ontem a gente tinha medo, né? A gente via a polícia, todo mundo ficava com medo, queria logo ir pra casa! (EMC) Antigamente como era que acontecia o policiamento aqui no Calabar: Acontecia um problema, aí a policia era informada do problema, a polícia vinha, resolvia o problema, às vezes conseguia resolver pacificamente, as vezes não, atuava de forma repressiva, fortemente repressiva e depois eles iam embora, então não tinha assim uma preocupação, quer dizer, é, até tinha uma preocupação, mas não era o foco do policiamento a prevenção. Então hoje o policiamento comunitário funciona aqui de uma outra forma, como a gente está aqui na comunidade, fazendo sempre, vinte e quatro horas, cultiva esse vínculo com a comunidade e a gente busca atuar de forma preventiva, principalmente, para que o problema não ocorra, não só na esfera da segurança pública, a gente está buscando também o apoio de outras secretarias estaduais e municipais, a fim de sanar os problemas sociais, que são, em sua maioria, o início do problema de segurança pública, que está no problema social. (EBCS)


80 É mais ou menos aquilo que eu falei, da questão do preparo, e da desconfiança do morador. Essa base, ela foi colocada com o intuito de proteger o morador do Calabar? Ou proteger o ao redor daqueles que moram no Calabar? Então, se não foi para proteger os moradores do Calabar, então não vai vir nenhum benefício, de educação. E eu vou bater nessa tecla, na verdade não precisamos de polícia armada, precisamos de educação. E educação nós não temos, o que temos aqui é policia armada, a arma não faz nenhum favor. Como [a colega] falou, a arma trocou de mão. E se trocou de mão a repressão continua. Pode não tá sendo feita a venda lícita, de forma aberta, mas de forma indireta, e tá até mais perigoso, ou seja, continua a mesma coisa, que o governo precisa fazer é polícia com educação. (EMC) Eles vêm principalmente no final de semana, porque bebe muito, o povo no Calabar bebe muito, é uma comunidade que bebe demais, que eu acho que isso excede demais mesmo. E ai é onde gera a confusão, a agressão com a polícia, com eles. Eles são muito agressivos, os policiais. A maioria, não são todos, mas a maioria são agressivos. E eu acho que a polícia [pausa]; não é nem a polícia como eu volto a dizer, é o governo que deveria estar investindo em cursos, cursos profissionalizantes, que têm na área, mas eu acho que é muito pouco. Esportes que podem estar tirando as crianças da marginalização, do tráfico. E isso não tem. (EPE)

Vê-se que, além do forte imbricamento entre as dimensões da segurança e da violência, tanto pelo histórico da relação do bairro com o policiamento tradicional, como pela persistência de certos comportamentos, tal como sinalizado acima, as noções da segurança avançam nas direções dos direitos sociais básicos. Assim, cabe ressaltar, que tanto os moradores, quanto os agentes públicos consultados neste estudo expressam tal percepção de segurança ampliada, ou seja, uma condição que reclama por requisitos que dizem respeito às garantias de educação, saúde, habitação, saneamento básico, lazer, entre outros. No caso do Calabar – assim como pode ser visto em outros bairros de perfil semelhante – vê-se que a implementação políticas públicas sobretudo aquelas que garantiriam os direitos sociais básicos está, fortemente atrelada à presença das estratégias atuais de segurança. Tal expectativa é vista nas falas, tanto de moradores, quanto de agentes do Estado.


81

É um trabalho em conjunto, porque se chegar aqui e colocar só a Policia Militar, não dá certo, e isso nunca vai ser policiamento comunitário. Porque a gente tem aqui uma comunidade carente de serviços públicos, de infraestrutura, carente de emprego, carente de escolaridade, de instrução, e tudo isso acaba direta ou indiretamente levando os adolescentes, os adultos à marginalidade. Então, uma das coisas que a Base tem tentado proporcionar e é um dos êxitos aqui, a Base tem trazido, é... trazido assim, não só a Base, mas a própria comunidade com a chegada da Base conseguiu contactar outros órgãos, e com a presença da Policia Militar aqui, eles se sentiram seguros pra vir atuar. Tanto órgãos privados quanto estaduais, quanto municipais. (EBCS)

Eu vou fazer um comparativo entre antes e depois da Base. Ultimamente eu comentava sobre as melhorias que aconteceu realmente no Calabar depois da Base e a única coisa mesmo que eu vi funcionar efetivamente foi a questão da segurança, porque o resto tudo que foi prometido a partir disso nada funciona. Inclusive, eu acho que funcionava melhor antes quando a Associação de Moradores estava, por exemplo, no seu auge, que chegou a administrar vários projetos sociais e todos eles eram administrados pela própria comunidade. Hoje se a gente quiser alguma coisa, tem vários grupos organizados, mas que não tem essa estrutura toda para administrar esses projetos, então o que veio como promessa pelo Pacto pela Vida ainda não foi cumprido. Então, assim... melhorou mesmo para o lado da segurança, não que o Calabar era o Iraque antes, por exemplo, quem mora aqui há trinta anos, sabe que sempre foi bom morar aqui, a gente passou uma época difícil nesses últimos quatro anos, foi difícil pra caramba mesmo, mas graças a Deus a Base chegou e nesse lado de segurança, com certeza, foi a melhoria principal, mas o que deveria vim após isso não veio, ainda não veio. (EMC)

No âmbito municipal é um pouco mais difícil, mas no âmbito estadual já é um pouco mais fácil já que o programa é de governo e depois das instalações das outras bases ficou mais difícil. Temos que dividir a Secretaria de Estado e de Educação, que é uma só, com todas as bases, mas mesmo assim a gente tem um grau bom, ainda assim temos problemas com a recolha do lixo, [busca-se] fazer contato com a Limpurb e assim vai. Toda vez que queima uma lâmpada [...] quando têm esses problemas de secretarias. Mas a gente não conseguiu avançar muito nessa questão municipal porque não ocorreu o serviço de pavimentação aqui. (EBCS)

Constatadas as insuficiências acima descritas, passa-se à avaliação das instituições do universo da justiça e da segurança pública, segundo a percepção dos moradores, conforme mostra o Gráfico 01. Em relação à polícia militar mais especificadamente, uma vez que a Base de Polícia Comunitária faz parte desta corporação e é a estratégia no âmbito da segurança pública, de maior presença no Calabar, pode-se notar que os conceitos atribuídos à mesma oscilam entre uma atuação boa a regular.


82

Fonte: 559 entrevistas realizadas no Calabar 2012/2013

Do ponto de vista da segurança pessoal, isto é, dos recursos individuais que os moradores lançam mão para potencializá-la, viu-se que as pessoas afirmaram não se utilizar de tais recursos; resultado este divergente do que se cogitou, em termos de hipótese, e também diferente do que a mídia tende a veicular. Assim, a exemplo, possuir armas de fogo ou quaisquer outros objetos de defesa não chegou nem a 1% no primeiro caso, e a 2% no caso de outros objetos. Em contrapartida, chama atenção o fato da grande maioria dos moradores, cerca de 87%, afirmarem se fiar em forças divinas no que tange à promoção da segurança

pessoal.

Tal

vinculação

com

a

religião,

além

de

encontrar

correspondência em estudos nesta temática, é também verificável nas próprias estratégias esboçadas pela Base Comunitária, como exemplificam as falas a seguir.


83 A gente está instituindo, é... a visita solidária, tem a visita comunitária que é a preventiva que o policial faz nas casas da pessoas, e tem a visita solidaria que a gente está sendo acompanhado [por líder religioso], e, é, após a ocorrência da violência doméstica, ele visita aquela família e faz um acompanhamento, a fim de verificar se a violência voltou a ocorrer e de direcionar essa família, né? De uma forma que a violência não ocorra mais. Então isso, as famílias, é, aceitaram, aceitaram bem isso, depois do inicio da visita solidária a gente fez aqui uma reunião com os pastores religiosos, convidamos as famílias, compareceram, e é algo que a gente ta conseguindo resolver assim pacificamente, algo que teria levado pra delegacia, mas na maioria da vezes, quando ocorre agressão doméstica, ela volta a acontecer, então com esse acompanhamento que a gente ta conseguindo fazer, conversando com o agressor, conversando com a vítima, interagindo com eles, tem reduzido, a reincidência tem reduzido consideravelmente. (EBCS) Sim, agora a visita solidária ela tem um “quezinho” a mais porque a gente vai com um líder comunitário (...) que sempre leva também uma palavra para aquela família, e a gente já fez um encontro dessas famílias com o pastor e foi a primeira vez com essas famílias, ele já está agendando a segunda. Ai tem esse diferencial porque o líder vai com a gente nas solidárias, mas nas visitas comunitárias só vai os policias. (EBCS)

Em relação à segurança da própria casa, os moradores afirmam dispor dos recursos mais triviais, na maioria das vezes, em uso simultâneo e/ou combinado, a exemplo do uso de grades (67%) e cadeados (67,1%); seguidos da fiscalização de vizinhos (35%); e em menor escala de muro alto (29%) ou cão de guarda (17%). Arma de fogo, tal como dito em relação aos recursos de segurança pessoal, não figurou nem em 1% das respostas. O Gráfico 2 apresenta estes dados.


84

Os dados apresentados e discutidos neste capítulo confirmam que as percepções da violência – em sua complexidade e multiplicidade de manifestações – voltam-se mais fortemente às modalidades pertencentes ao universo do crime e associam, sobremaneira, o fenômeno ao consumo e tráfico de drogas. Entretanto, o desvelar das falas e dos atos evidenciam a experiência, próxima ou mais distante, presente ou passada, com as mais diversas formas de violência, seja no âmbito privado ou público. Certos grupos são expoentes, ou seja, aparecem mais em termos de vulnerabilidade, tais como as mulheres e os jovens. Outros, como é o caso da primeira infância e os idosos, ficam subsumidos entre aquelas expressões de violência que muito pouco se consumam como tal nas percepções, embora estejam tão ou mais expostos quanto aqueles primeiros. Do corpus da pesquisa, destaca-se ainda, porque relevantes no contexto, aqueles eventos violentos de ordem simbólica. Dentre estes, está o racismo que, institucional ou disseminado entre as relações, se coloca como uma realidade incisiva, todavia, velada. A sua raríssima menção entre os discursos se contrasta com os dados da vivência relatados pelos próprios moradores ou agentes da segurança, saúde, educação. Neste bojo, discute-se os meandros das chamadas “abordagens policiais”, os quais apontam conflitos e resistências que perpassam a população residente, mas também o próprio reconhecimento dos agentes da segurança, conforme as falas elencadas retratam contundentemente.


85

Tal como dito em sessão anterior, interessa aqui, mais as proposições metodológicas que avancem na superação de certas contradições, do que um juízo de valor que, colateralmente, intensifiquem tais ambiguidades. Neste sentido, Costa (2012) salienta que para controlar efetivamente a violência policial é preciso valorizar o policial, investir em novas metodologias e instrumentos de controle social, profissionalizar os policiais a fim de que minimizem o uso da força física e, para além das companhias, tal como sinalizam os próprios policiais, cabe implementar políticas de segurança voltadas para a prevenção, gerenciamento de crises, solução e/ou administração de conflitos sociais com emprego mínimo da violência. (COSTA, 2012, p. 239)

É nesta direção que Bengochea e colaboradores (2004) defendem que a segurança deva ser mesmo um processo sistêmico, multidirecional, compartilhado e otimizado, pois, em geral, depende de decisões rápidas e de resultados imediatos. Tal como desabafava um dos agentes policiais ao frisar a densa responsabilidade das suas atribuições diárias: “muitas vezes se tem um segundo, um milésimo de segundo, para tomar decisões sobre pressão”.


86 6 PROCESSOS DE IMPLANTAÇÃO DA BASE COMUNITÁRIA DE SEGURANÇA SOB A ÓTICA DOS MORADORES DO CALABAR

Este capítulo discutirá aspectos tocantes às percepções de moradores do Calabar, entrevistados neste estudo, acerca de algumas das dimensões do processo de implantação da Base Comunitária de Segurança e suas repercussões no cotidiano do bairro. Desse modo, inicialmente serão situadas as perspectivas teóricas sobre policiamento e policiamento comunitário adotadas no estudo e, em seguida, será apresentada a análise descritiva dos dados relativos à Base Comunitária de Segurança, sobretudo, coletados no âmbito do componente quantitativo da pesquisa.

6.1

CONSIDERAÇÕES

PRELIMINARES

SOBRE

POLICIAMENTO

E

POLICIAMENTO COMUNITÁRIO

As estratégias de intervenção das agências de controle social no cenário contemporâneo da violência urbana devem ser compreendidas em um contexto mais amplo no qual se configuram reações à consolidação do regime democrático, o apoio dos indivíduos ao endurecimento de práticas sociais de punição e repressão a crimes e, mormente, tendências de governança norteadoras dos padrões de desempenho da polícia como instituição da ordem (CALDEIRA, 2000), instrumento de política social e gestão do risco, do perigo e da segurança (CAMPESI, 2009). Nesta perspectiva, segundo Johnston (2002), nas sociedades da modernidadetardia estão em funcionamento processos sociais de reestruturação, com destaque para a mudança econômica, a globalização, as transformações no sistema de estratificação social e a mudança política e do Estado. Dessa forma, o período moderno caracteriza-se pelos altos índices de desemprego, pelo crescimento da economia de serviços, pela predominância das estratégias de reconfiguração dos serviços públicos, pela internacionalização do capital e supranacionalização do Estado.


87

Além disso, nas sociedades modernas tardias, embora as classes sociais ainda figurem como elemento importante para a compreensão da estrutura social, surgem formas heterogêneas de diferenciação por gênero, etnia, idade, nacionalidade, religião etc. e com elas uma conseqüente difusão de conflitos sociais em frentes plurais, que abre às agências de controle social uma nova ordem de problemas a ser enfrentada. Na condição moderna tardia, conforme Johnston (2002), o Estado também está sujeito a transformações de caráter estrutural, o que pode envolver aspectos tais como redistribuição de poder, privatização de órgãos estatais e deslocamento de funções do Estado Nacional para entidades supranacionais. Neste sentido, para o autor, as análises e as discussões acerca do policiamento na contemporaneidade precisam estar colocadas no campo deste processo complexo de reestruturação peculiar às sociedades da modernidadetardia. Para Johnston (2002, p.233), em alguns países europeus, o policiamento “está sofrendo uma mudança estrutural fundamental” diante da redefinição do equilíbrio entre o policiamento público e o privado, que vem ocorrendo de três formas, a saber: a) a privatização de funções antes assumidas pelas polícias públicas; b) o crescimento do papel das forças “híbridas” de policiamento e c) a expansão do “policiamento civil” seja no patrulhamento de ruas por civis, seja nas ações de justiça informal empreendidas por vigilantes. Esta reestruturação do policiamento atinge ainda a esfera da prestação de serviços e o próprio caráter do policiamento, suscitando um movimento que transforma o modus operandi baseado no público/cliente em direção àquele centrado no indivíduo/consumidor, bem como acarretando transformações no modelo de policiamento baseado no combate ao crime em direção a um modelo de policiamento centrado no risco. Na argumentação de Johnston (2002), sob as condições da modernidadetardia, torna-se possível pensar em uma reestruturação setorial e espacial do policiamento cuja configuração permite a coexistência, na sociedade, da força policial pública com outras agências de policiamento, isto alarga o conceito e acarreta dificuldades na sua definição precisa.


88 Desse modo, para equacionar a problemática conceitual, o autor insere a noção de policiamento vinculada à questão da segurança, entendendo que “o policiamento consiste em uma série de práticas através das quais alguma garantia de segurança possa ser dada aos sujeitos” (JOHNSTON, 2002, p. 246). Destarte, depreende-se que nas sociedades modernas tardias, a noção de policiamento, na perspectiva de Johnston (2002), não se restringe ao conceito de polícia, bem como não se reduz à força policial pública ou a uma prerrogativa da polícia estatal. Por outro lado, a partir da década de 1970, nos domínios deste cenário marcado pela reestruturação social e pelo aumento crescente da criminalidade e do sentimento de insegurança nos grandes centros urbanos, surgiram contestações sobre os modelos tradicionais de policiamento oferecidos pelo Estado e demandas em prol de modelos alternativos de gestão da segurança pública (MUSUMECI, 1996; 2000). Dessa forma, de acordo com Musumeci (1996, 2000), em busca de reformulação das concepções e dos modos de ação dos órgãos policiais do Estado, o policiamento comunitário ganha força, sobretudo na América do Norte e em países europeus nos anos 1980, como sistema utilizado para a manutenção da ordem e para a redução do sentimento de insegurança nas cidades. O sistema de policiamento comunitário representa um modelo de gestão conjunta da segurança pública no qual se operacionalizam reestruturações,

no

âmbito da força policial do Estado, mormente na esfera da prestação de serviços e no caráter específico do policiamento. Isto significa dizer que a polícia pública incorpora à sua função repressiva-reativa tradicional, estratégias de cunho preventivo voltadas para a resolução de conflitos. Portanto, considerando os argumentos de Johnston (2002) acerca do policiamento e, em se tratando de um estudo que contempla a “garantia de segurança” ofertada por uma força policial pública ou uma forma de policiamento de caráter

público,

recorrer-se-á

a

sistematizações

teóricas

sobre

o

tema

estabelecendo dialogo com a teoria desenvolvida nos estudos de Bayley (2001) e Bittner (2003), sobretudo para elucidar aspectos tocantes à polícia e à função policial.


89

Bayley (2001, p.20) utiliza o termo “polícia” para referir-se a “pessoas autorizadas por um grupo para regular as ações interpessoais dentro deste grupo através da aplicação da força física”. Neste sentido, o autor destaca no conceito de polícia três elementos essenciais e definidores, a saber: 1) força física, 2) uso interno da força física e 3)autorização coletiva para agir. Defende, portanto, que a competência exclusiva da organização policial é o emprego de força física, concreta ou por iminência, para controlar comportamentos, uma vez que a polícia se distingue por se constituir a agência executiva da força, força esta que orienta toda espécie de interação mesmo quando não usada. Para Bayley (2001), a demarcação do segundo elemento, o uso interno da força, faz-se necessária para excluir os exércitos do âmbito de abrangência do termo “polícia”. Mesmo em contextos onde formações militarizadas são responsáveis pela manutenção da ordem pública, como é o caso do Brasil, estas devem ser consideradas como força policial uma vez que atuam no âmbito interno da sociedade. O terceiro aspecto, a autorização por um grupo, é utilizado para distinguir a polícia de outros grupos que recorrem ao uso da força para fins não coletivos, assim como o é para assinalar a filiação da polícia a outras unidades sociais das quais decorrem sua autoridade. Todavia, a estes elementos ainda devem somar-se, conforme Bayley (2001), para um maior esclarecimento em torno desse conceito de força policial, as suas características modernas: 1) pública x privada (agência); 2) especialização x não especialização (foco) e 3) profissionalização x não profissionalização. Entretanto, para fins deste estudo, discutir-se-ão somente os tópicos que tangenciam o objeto de investigação, ou seja, aqueles que dizem respeito ás forças policiais públicas, especializadas e profissionalizadas.


90 De acordo com Bayley (2001), quando se caracteriza a polícia como agência pública significa pensar em uma força policial constituída, remunerada e controlada pelo governo. Nesta perspectiva, tratar de uma força policial especializada implica assinalar que ela é direcionada a se concentrar principalmente na aplicação de força, ou seja, tem seu foco voltado para o serviço policial e não realiza, por exemplo, inspeções sanitárias, suprimento de comida, entre outras atribuições desse teor. O componente relativo à profissionalização: refere-se a uma preparação explícita para realizar funções exclusivas de atividade policial [...] que envolve recrutamento por mérito, treinamento formal, evolução na carreira estruturada, disciplina sistemática e trabalho em tempo integral (BAYLEY, 2001, p.25).

Outro conceito significativo que fornece subsídios relevantes para a análise é o de função policial elaborado por Bittner (2003). Para o autor, a função das polícias envolve dois elementos fundamentais da segurança pública que concernem, respectivamente, à manutenção da ordem e ao aspecto simbólico da justiça. Por um lado, a manutenção da ordem acontece por meio da presença visível do Estado e não mantém relação de exclusividade com os delitos criminais, pelo contrário, envolve ações de pacificação, mediação de conflitos, patrulhamento e atividades assistenciais. A presença simbólica da justiça trata-se da implementação da lei e da punição em circunstâncias nas quais as normas sociais são feridas. Estes aspectos da teoria do policiamento podem fornecer pistas acerca da relação entre polícia e comunidade no âmbito das novas funções acrescentadas ao trabalho policial nas sociedades contemporâneas ocidentais, quando a (co) produção da segurança pública passa a ser pensada também em termos locais e orientada para a prevenção do crime a partir do estabelecimento de relações de confiança entre os agentes da força policial pública e a população.


91 No contexto brasileiro, estas reconfigurações em torno do papel da polícia e da implementação de estratégias de intervenção estatal tem sido marcadas por continuidades

e

descontinuidades

paradigmáticas

e

político-institucionais

(KRUCHIN, 2013). Além disso, no Brasil, segundo Zaluar (1994), a complexa relação entre a polícia e a comunidade é construída com base em imagens e ideias solidificadas mutuamente por ambas as partes envolvidas, tanto a partir das experiências reais e cotidianas dos indivíduos quanto do acionamento do “quadro de mentalidades”, que “corresponde ao conjunto de preconceitos, estereótipos, memórias ideologizadas, imagens e informações transmitidas nos meios de comunicação de massa, nos cursos de formação e nas práticas das instituições policiais” (ZALUAR, 1994, p.88). Desse modo, para a autora, se um conjunto de estereótipos e imagens acerca das classes trabalhadoras compõe a ideologia e orienta as práticas institucionais das organizações policiais concernentes aos cidadãos, também, em grande medida as imagens e ideias formuladas pelos sujeitos acerca da corporação os conduzem a determinadas ações e comportamentos relativos à polícia que os atende. Ainda nesta mesma perspectiva analítica, Suárez e Bandeira (2001) destacam que a dinâmica social cotidiana que fomenta as interações cotidianas entre os agentes de segurança pública e as comunidades é perpassada por tensões recíprocas, cujas bases estão fundadas, em geral, na figuração social políciacomunidade, que diz respeito: [...] às imagens e aos significados que permitem visualizar, por um lado, os diferentes lugares nos quais estes sujeitos se localizam e, por outro, os diversos lugares dos quais estes sujeito olham, atuam e avaliam a questão da segurança pública, encontrando, nas várias visões éticas de suas corporações, seus alicerces. (SUÁREZ e BANDEIRA, 2001, p.221-222).

Por outro lado, os agentes de segurança pública, especialmente os policiais, são objeto da representação social dos indivíduos sendo percebidos pela população enquanto alteridades, ao mesmo tempo estranhas e familiares, a partir de um preconceito específico “porque a desigualdade não está inscrita no corpo (como nos casos de racismo e sexismo) e porque as qualidades a eles atribuídas não são abominadas (como nos casos de homofobia e racismo), mas sublimadas” (SUÁREZ e BANDEIRA, 2001, p.218), o que faz da polícia a imagem superior do poder e fonte de suspeita.


92 Segundo as autoras, em contrapartida, o processo de sublimação das organizações policiais por parte da população encontra suporte no estilo de pensamento característico dos altos escalões da corporação, originando um estado recíproco de desconfiança que afeta a comunicabilidade entre os grupos. Assim, a visão que os agentes da lei têm de determinada comunidade tende a estar inscrita na ordem das relações sociais hierárquicas e desiguais presentes na cultura brasileira, de tal modo que a figuração social polícia-comunidade entremeiase nos processos interativos inerentes ao trabalho policial estabelecendo diferenciais de pessoa, cor, gênero, classe e filiação religiosa, por exemplo. Nesta perspectiva, Suárez e Bandeira (2001) acentuam a existência de duas razões éticas normativas constitutivas da figuração social polícia-comunidade que norteiam a ação dos prepostos das instituições policiais: uma de natureza corporativa, caracterizada pela coesão e pelos fortes laços hierárquicos e agregada a uma segunda, de tipo normativo, apregoada pelo juízo moral. A primeira, a “razão ética de natureza corporativa”, vivenciada em especial pela polícia militar, de acordo com Suárez e Bandeira (2001, p. 224), funda-se “em normas e regras, ordenamentos e hierarquias que internamente produzem um potencial de coesão, regulador e controlador do grupo”. A partir desta “razão ética corporativa” nasce a identidade que marca os grupos de agentes, cria laços de pertença, reforça sentimentos e sentidos de superioridade, bem como aponta os mecanismos distintivos de poder, de controle, a autonomia e autoridade no interior da corporação ao tempo em que garante “o controle dos conflitos internos e que se desloca, com a mesma postura e intenção, para o controle de conflitos violentos no espaço público, na rua” (SUÁREZ e BANDEIRA, 2001, p. 224). A outra dimensão constitutiva da figuração social polícia-comunidade concerne à “razão ética do normativo” que, consoante Suárez e Bandeira (2001, p.226), compreende “a expressão do agir dos agentes de segurança pública, perpassada por um julgamento moral”, ou seja, um juízo de valor sobre condutas, atitudes e comportamentos, de caráter dualista e antagônico, adotado como “parâmetro ou pressuposto para assegurar e garantir um tipo de moralidade pública, em relação aos indivíduos e às instituições vistos como os outros, os de fora” (SUÁREZ e BANDEIRA, 2001, p. 226, grifo das autoras).


93

Estas duas razões éticas, segundo as autoras, edificam, na conjuntura brasileira, o sustentáculo da figuração social polícia-comunidade que, aliada aos preconceitos criados pelos cidadãos sobre os policiais, constroem um campo de conflitualidades e desconfianças no qual a interação e a cooperação mútua configuram-se um grande desafio. Atualmente, em nosso contexto, este campo de conflitualidades e tensões polícia-comunidade (Zaluar, 1994; Suárez e Bandeira, 2001) tem sido ressaltado em virtude de o Estado reinserir, no âmbito discursivo e operacional, o policiamento comunitário como estratégia privilegiada de intervenção em segurança pública, sobretudo em escala local. Assim, em 2011, acompanhando a tendência de outras unidades federativas no que diz respeito à governança territorial da ordem pública (MUSUMECI, 2000) através de dispositivos de policiamento de proximidade, na Bahia inicia-se a implantação das Bases Comunitárias de Segurança (BCS) que, segundo

a

Secretaria Estadual de Segurança Pública: são pontos de gerenciamento da operacionalidade policial com o objetivo de conferir segurança às comunidades, focando na prevenção. No seu entorno são realizadas diversas ações direcionadas à comunidade. A filosofia de atuação é o Policiamento Comunitário (de Proximidade). [As BCS são um] importante equipamento de policiamento comunitário com o objetivo de promover a convivência pacífica em localidades identificadas como críticas, melhorando a integração das instituições de segurança pública com a comunidade local e reduzindo os índices de violência e criminalidade.

No Calabar, em 24 de abril de 2011, foi inaugurada a primeira Base Comunitária de Segurança da cidade de Salvador e do Estado da Bahia, com um efetivo de 110 policiais militares, segundo dados oficiais1. A seguir, serão expostos alguns dados concernentes à percepção de moradores do bairro, entrevistados neste estudo, acerca da implantação da Base Comunitária de Segurança e das repercussões sobre a vida dos habitantes e o cotidiano do Calabar, nomeadamente com relação aos seguintes aspectos: ação da polícia no bairro, conhecimentos dos habitantes locais sobre a Base Comunitária, objetivos da Base Comunitária, decorrências da implantação da política de segurança sobre a qualidade de vida do bairro, incluindo direitos civis e sociais.


94

6.2.

PERCEPÇÕES

DE

MORADORES

DO

CALABAR

SOBRE

A

BASE

COMUNITÁRIA DE SEGURANÇA

A ação policial no bairro foi uma das dimensões que se constituiu objeto de apreciação dos entrevistados (Gráfico 04). Neste aspecto, a maioria dos respondentes avaliou a ação da polícia no Calabar como muito boa (10,9%) e boa (49,6%), em contraste com uma pequena parcela dos habitantes que a analisou como ruim (4,7%) e muito ruim (2,0%). Contudo, é significativo o percentual de moradores que se expressa no sentido de considerar a intervenção policial “nem boa nem ruim” (31,7%), uma espécie de “não opinião” que evidencia nuances do universo de contradições, desconfianças e ambiguidades constitutivas da relação polícia-comunidade em nosso país (ZALUAR, 1994; SUÁREZ E BANDEIRA, 2001; OLIVEIRA e ABRAMOVAY, 2012).

Neste sentido, as possibilidades e os acenos do Estado em direção a novos discursos e intervenções em segurança pública não são capazes de, num primeiro momento de maior proximidade física e convivência diária com a polícia, desconstruir (ou neutralizar) um conjunto de experiências da população com as instituições da ordem. O percentual da “não opinião” pode ser um indicativo do recurso a estratégias concretas e simbólicas de autoproteção por parte de grupos sociais cujas interações com o Estado e seu aparato institucional, não necessariamente, (CALDEIRA, 2000).

significaram

proteção,

segurança

e

garantia

de

direitos


95 Outro desdobramento desta questão evidencia-se quando os moradores foram perguntados sobre os próprios conhecimentos tocantes à Base Comunitária de Segurança (Gráfico 05). Assim, 15,6% dos entrevistados declararam conhecer muito, 61,5% consideraram conhecer pouco e 21,7% afirmaram conhecer “só de ouvir falar”, 1% nunca ouviu falar e 0,2% não respondeu.

Os dados evidenciam uma baixa familiaridade dos respondentes com questões relativas à Base Comunitária1. Este é um achado relevante a ser considerado pelo poder público quanto às estratégias utilizadas para garantir a efetiva participação dos cidadãos na implantação de políticas públicas, sobretudo no que se refere aos mecanismos de “apropriação” dos propósitos e dos modos de funcionamento das intervenções governamentais. Em se tratando de políticas de segurança pública no contexto brasileiro, esta dimensão assume maior destaque frente ao fato de relações polícia-comunidade serem historicamente mediadas por conflitos e tensões (SUÁREZ e BANDEIRA, 2001; ZALUAR, 1994). Neste sentido, exige um maior investimento do poder público em canais de comunicação e participação, já que a proximidade polícia-comunidade não se restringe à presença física diária e permanente da corporação no território, implica a (re)construção de laços de confiança a partir de (novas) práticas sociais capazes de superar os traços autoritários presentes na relação do Estado brasileiro com os seus cidadãos.


96 Por outro lado, no tocante às percepções sobre o objetivo principal da implementação da Base Comunitária de Segurança no Calabar (Gráfico 06), 61% dos entrevistados apontaram o combate ao tráfico de drogas como finalidade precípua da intervenção no bairro, 11,6% elegeram a propaganda do governo, 9,7% mencionaram a atuação da polícia comunitária, 8,2% indicaram a implantação de políticas sociais e 5,2% sinalizaram o combate às armas como o motivo principal da presença da política de segurança pública no bairro. Cabe ressaltar que a concepção majoritária dos participantes da pesquisa corrobora com os discursos circulantes reproduzidos, inclusive, por agências (e agentes) do poder público estadual no que se refere às inter-relações entre violência, criminalidade urbana e mercado de drogas ilícitas e suas formas de enfrentamento.


97 Quando convidados a opinar a respeito do grau de acessão acerca da afirmativa “A polícia funciona para resolver os problemas dos moradores do bairro” (Gráfico 07), a maioria dos entrevistados declarou concordar, seja totalmente (36,5%) ou em parte (42,6%), 5,2% informaram não estar seguros para responder, 7,3% discordaram em parte e 6,3% discordaram totalmente. Essa tendência a relativizar a capacidade da polícia na solução de problemas dos habitantes do bairro pode ser mais bem compreendida com base em certo reconhecimento,

por

parte

dos

entrevistados,

das

limitações

da

própria

operacionalização do modelo de gestão integrada do território em suas articulações intersetoriais com outras políticas sociais no âmbito do Estado. Neste sentido, é como se grande parte dos problemas dos habitantes do bairro não se constituíssem objeto de atenção e de solução, não obstante as expectativas de atuação repressiva e social do poder público, a polícia militar continua a se constituir a presença mais visível do Estado, o que reverbera na própria relação com a comunidade e nas concepções que esta tem sobre os efeitos da política de segurança sobre o território.


98

No tocante à qualidade de vida no bairro, a maioria dos respondentes (67,4%) avaliou que o referido quesito “melhorou muito” após a implantação da Base Comunitária de Segurança. De outro lado, 24% dos participantes da pesquisa considerou haver pouca melhoria, 4,8% apontou opinião no sentido de não perceber mudança com a intervenção governamental por meio do policiamento ostensivo de proximidade, 0.6% julgou ter piorado e 2,5% declarou não saber opinar sobre este aspecto (Gráfico 08). Gráfico 08 - Percepção dos entrevistados sobre a qualidade de vida no bairro após a implantação da Base Comunitária de Segurança (%) 67,4 70 60 50 40 30

24

20 10

4,8

0,2

2,5

0,4

0,7

0 Piorou Melhorou Melhorou Nem muito pouco melhorou pouco nem piorou

Piorou muito

NS

NR

Fonte: 559 entrevistas realizadas no Calabar 2012/2013

Contudo, estes achados concernentes à percepção dos moradores sobre as interfaces entre a implantação da Base Comunitária e a qualidade de vida no bairro evidenciam facetas complexas e paradoxais que envolvem o reconhecimento, pelos moradores, de algumas transformações referentes à sensação de segurança (pública) no território, associado a concepções que apontam para a manutenção de condições vigentes no bairro antes da intervenção policial, mormente no que diz respeito ao acesso a direitos sociais (Quadro 01). Neste sentido, as entrevistas qualitativas e os registros de campo apontaram para uma noção de “qualidade de vida” que abarca direitos civis e direitos sociais – dimensões que, por vezes, se articulam ou se dissociam.


99 Assim, a presença da Base Comunitária no bairro é considerada um aspecto positivo, mas não livre de tensões e conflitos. Além disso, não obstante a ocupação do território local pelo policiamento ostensivo, quando indagados acerca do grau de aquiescência relativamente à assertiva “Com a implantação da Base Comunitária de Segurança no bairro, eu posso ir a qualquer lugar e a qualquer hora” (Gráfico 09), 37,9% dos respondentes manifestou “concordar totalmente” e 26,3% declararam “concordar parcialmente”. Em contraste, 29,1% discordam da afirmação em algum grau ( 12,5% em parte e 16,6% totalmente). Gráfico 09 - Com a implantação da Base Comunitária de Segurança no bairro, eu posso ir a qualquer lugar e a qualquer hora (%) 40

37,9

35 30

26,3

25 16,6

20 12,5

15 10 4,1 5

0,5

2,1

0 Concordo Concorda Não estou Discordo Discordo totalmente em parte seguro em parte totalmente

NS

NR

Fonte: 559 entrevistas realizadas no Calabar 2012/2013

Assim, é possível observar o reconhecimento dos moradores relacionado a alterações no direito de ir e vir no bairro como uma das repercussões da implantação da Base Comunitária de Segurança no local. Contudo, esta repercussão parece se distribuir de modo heterogêneo ao longo da extensão territorial. Neste sentido, as falas de moradores entrevistados no levantamento qualitativo de dados dão conta de uma divisão simbólica do bairro em dois “territórios” distintos1 cuja dinâmica torna as “fronteiras virtuais” bem delimitadas e, por vezes, capazes de interditar a passagem de moradores de uma localidade a outra no próprio espaço do bairro.


100

Esta é uma das possíveis chaves de leitura dos resultados indicativa de que, de certo modo, a presença do policiamento de proximidade não produziu impactos homogêneos nos mapas mentais e nas experiências dos moradores com o território, por vezes marcadas por insegurança e estranheza com relação aos espaços do bairro, ao mesmo tempo, fisicamente próximos e simbolicamente distantes. Destarte, as dinâmicas do território parecem influenciar a garantia do direito de ir e vir e sua “distribuição” no bairro, mesmo após a presença constante e ostensiva da polícia militar por meio da Base Comunitária de Segurança1. Mesmo com essas ressalvas, as mudanças no direito de ir e vir no bairro, ainda que distribuídas de modo diferenciado, constituem-se umas das repercussões da implantação da Base Comunitária de Segurança no Calabar na visão dos moradores, configurando-se umas das nuanças das transformações na “qualidade de vida”, relacionada à dimensão dos direitos civis e mais diretamente vinculada à presença do policiamento. Esta perspectiva de análise é corroborada a partir do exame dos dados do Quadro 01, no qual é possível observar as apreciações dos participantes da pesquisa quanto às mudanças referentes à educação, saúde, moradia, saneamento básico, coleta de lixo, lazer e segurança pública, ocorridas no bairro após a implantação da Base Comunitária de Segurança.

Quadro 01 - Percepções dos entrevistados sobre aspectos sociais e infraestrutura urbanística do bairro após a implantação da Base Comunitária de Segurança (%) Melhorou muito

Melhorou pouco

Nem melhorou nem piorou

Piorou pouco

Piorou muito

NS

NR

Educação

26,8

29,3

35,1

1,6

1,6

4,3

1,3

Saúde

13,6

25,4

43,5

2,3

9,3

4,3

1,6

Moradia

45,3

29,9

22,6

0,4

0,4

0,9

0,5

Rede de esgoto Coleta de lixo Lazer

19,1

17,7

54,4

1,3

4,3

2,5

0,7

23,3

22,3

42,4

3,6

6,6

0,9

0,9

30,2

32,4

27,2

2

3

3,4

1,8

Segurança Pública

47,8

39,2

9,9

0,5

0,9

0,6

1,1

Fonte: 559 entrevistas realizadas no Calabar 2012/2013 1

Estes aspectos da análise dos dados ainda carecem de tratamento mais refinado, a ser desenvolvido posteriormente.


101 Em contrapartida, as percepções das alterações no contexto do bairro após a chegada da Base Comunitária tocam à segurança pública, ao lazer e à moradia1 e são pontuadas pelos entrevistados como positivas. Isto pode estar relacionado com o acesso ininterrupto a serviços de policiamento ostensivo2, bem como às possibilidades assumidas pela Base Comunitária de Segurança no que se refere ao controle social, à governança local e à administração de determinados conflitos no espaço público, o que pode se traduzir em maior sensação de segurança e em transformações, ainda que heterogêneas, na dinâmica relacional do morador com os espaços do bairro. Entretanto, cabe acentuar que a avaliação dos moradores acerca de melhorias na “segurança pública” do bairro está envolta em um conjunto de ambigüidades e tensões que abrangem, entre outros fatores, a proximidade da polícia e a (re)produção de desconfianças, o dissenso acerca das práticas adotadas durante a abordagem policial, a fragilidade do componente intersetorial da política de segurança e suas limitações na promoção de direitos de cidadania, a ampliação do papel desempenhado pelo policiamento de proximidade e seus impactos no tecido associativo e comunitário do bairro. 1

Os registros de campo apontam para um sentido êmico de moradia mais amplo, relacionado não somente à infraestrutura habitacional, mas aos laços subjetivos de pertencimento ao lugar e pelas relações de cooperação e conflito entre “a casa e a rua” (DAMATTA, 2000). 1 Em geral, o contato com as instituições policiais era pontual, mediado pela ocorrência de conflitos que exigissem a presença temporária, sobretudo, da polícia militar para a resolução do litígio.


102

Diante do exposto, o exercício analítico preliminar de aproximação dos resultados do estudo aponta para a complexidade de fatores que envolvem as políticas de segurança pública, inclusive os tocantes às relações polícia-comunidade e suas especificidades no contexto brasileiro. Com fundamento nas concepções dos moradores acerca da implantação da Base Comunitária de Segurança no Calabar, configuram-se alguns dos achados principais deste aspecto do estudo: a) a manifestação e a omissão opinativa acerca da ação policial no bairro como uma evidência das tensões características da relação polícia-comunidade no Brasil; b) a baixa familiaridade dos moradores relativamente a informações e conhecimentos sobre a Base Comunitária e suas relações com as estratégias de participação social utilizadas pelo Estado na implantação e execução de políticas públicas; c) a indicação de repercussões heterogêneas da Base Comunitária sobre a dinâmica espaço-territorial do bairro e sobre a efetivação do direito de ir e vir dos moradores; d) indícios de transformações positivas na segurança pública do bairro paradoxalmente aliadas ao reforço de zonas de tensões e conflitos políciacomunidade/ Estado- comunidade; e) reconhecimento da fraca influência da implantação da Base Comunitária sobre aspectos sociais do bairro, a exemplo de educação e saúde, evidenciando o não funcionamento da intersetorialidade na execução da política de segurança pública e o reforço, nas práticas interventivas do poder público neste campo, da face repressiva do controle social sobre determinados grupos sociais. Ressalta-se que alguns destes resultados são compatíveis com outros identificados em estudos semelhantes realizados no Brasil (OLIVEIRA, 2012).


103 7 VIOLÊNCIA E SEGURANÇA PÚBLICA: IMPLICAÇÕES PARA A PRIMEIRA INFÂNCIA, DESTACANDO O OLHAR DA CRIANÇA QUE VIVE NO CALABAR Neste capítulo, serão abordados os principais aspectos da violência e da segurança pública para as crianças do Calabar, particularmente as da primeira infância (crianças de 0 a 6 anos). Esse recorte se deve principalmente ao fato de que essa faixa etária se apresenta pouco atrativa como temática de estudo e ação pública1, especialmente quando se trata de discutir as imbricadas relações entre violência, drogas e segurança pública nas comunidades urbanas de baixa renda. Neste tema, o alvo preferencial de atores políticos, civis e estudiosos acaba sendo a juventude. De acordo com Deslandes, Assis e Santos (2005), a violência contra crianças no país se apresenta sob diferentes formas. Seja violência individual ou coletiva, interpessoal ou mediada por estruturas sociais, as violências que acometem as crianças são decorrentes tanto de políticas e modelos econômicos que geram exclusão social, quanto de outras formas arraigadas e banalizadas de violência (castigo dentro da família, por exemplo). As autoras assinalam: Independentemente dos termos usados para nomeá-la, a violência contra as crianças está representada em toda ação ou omissão capaz de provocar lesões, danos e transtornos a seu desenvolvimento integral. Tais eventos geralmente envolvem uma relação assimétrica e desigual de poder manifestada pela força física, pelo poder econômico ou político, pela dominação e opressão familiar ou geracional. Esse fenômeno se configura também de forma estrutural na aplicação de políticas educacionais, sanitárias ou econômicas que mantêm as condições que impedem ou não promovem o seu crescimento e desenvolvimento (DESLANDES, ASSIS, SANTOS, 2005, p. 44).

1

Ressalte-se, neste momento, que já se observam ações da Rede Nacional pela Primeira Infância (RNPI), organizada por atores políticos que atuam e discutem propostas para cuidado e proteção da primeira infância brasileira, além das importantes contribuições de alguns autores nacionais, como Simone Gonçalves Assis, Maria Cecília de Souza Minayo, Suely Deslandes.

.


104 O foco de discussão, portanto, estará em torno das percepções sobre violência e segurança pública, bem como das repercussões destas ações para a vida de crianças pequenas moradoras do bairro. Recorrer-se-á às falas, aos olhares e posicionamentos dos moradores e instituições do bairro, bem como das próprias crianças, acerca das principais repercussões dos fenômenos da violência, da sensação de segurança e da implantação da Base Comunitária de Segurança no Calabar para a vida destes meninos e meninas. Como se trata de uma análise focada no bairro, tais leituras não se restringirão ao escopo da violência intrafamiliar, considerada por alguns estudiosos o locus privilegiado de violência contra as crianças quando se trata de dados de morbidade (DESLANDES, 1994). Assim, somar-se-á um esforço para articular o público e o privado como dimensões da análise, sempre relacionadas aos impactos individuais, comunitários e sociais da violência e da recente ação pública estatal para o seu enfrentamento. Será importante também trazer à tona o olhar, a voz, a percepção e o sentimento das crianças sobre os três aspectos centrais desta pesquisa: o bairro onde moram, suas experiências sobre violência, segurança pública e os impactos na primeira infância. As discussões aqui tecidas se utilizarão do exame das conversas e desenhos realizados nas oficinas lúdicas e fotográficas, relacionando-as com os dados quantitativos e qualitativos coletados nesta pesquisa, bem como pelo diálogo com a produção teórica e os conhecimentos já existentes acerca desta temática. O enfoque na primeira infância é posto pelas características próprias da faixa etária, no que tange ao seu desenvolvimento que em uma perspectiva ontológica, nos seis primeiros anos de vida, é semelhante à caminhada da humanidade (desenvolvimento do córtex cerebral, postura bípede, fala, movimento de pinça, motricidade fina e desenvolvimento da linguagem e da grafia); relação mediada com o mundo: necessidade de que um adulto seja responsável pelos cuidados básicos (alimentação, higiene, conforto); e vulnerabilidade (os danos da violência têm maior impacto, quanto menor for a criança). Soma-se às peculiaridades da faixa etária, a necessidade de se identificar, mapear, compreender e buscar soluções para que se alcance a prevenção efetiva de violências contra a criança. A literatura acerca do tema tem avançado, e com este avanço, novos desafios são lançados. Mesmo havendo incremento na produção acadêmica acerca da violência na primeira infância, o campo ainda é escasso, sobretudo quando se extrapola a perspectiva da violência doméstica.


105 Neste contexto, temos como informantes principais deste capítulo, meninos e meninas agrupados entre as faixas de 05-06 anos (Oficina Lúdica I) e 10-12 anos (Oficina Lúdica II), que participaram de grupos de atividades e conversas aqui denominados de oficinas lúdicas. As crianças que participaram deste estudo e estiveram nas oficinas lúdicas eram moradoras do Calabar e foram mobilizadas seja pela escola (crianças menores), seja por grupos culturais locais (crianças maiores). Os dois grupos foram realizados em lugares distintos: na escola e na sede da Biblioteca

Comunitária.

Duas

crianças

pequenas

pediram

para

conversar

individualmente com os pesquisadores acerca da temática. Já no grupo de crianças maiores, houve demanda unânime de continuar as conversas e, então, as crianças foram convidadas a participar das oficinas fotográficas. O capítulo está organizado seguindo a lógica de toda a pesquisa. Em primeiro lugar, apresenta-se a criança no Calabar: onde moro, como vivo e com quem convivo; em seguida, discute-se as mudanças, especialmente sob a ótica das crianças, sentidas com a implantação da Base Comunitária de Segurança; em terceiro lugar, adentra-se às análises sobre violência, sensação de segurança e impactos para a infância principalmente nos três locais de maior circulação das crianças do bairro: a casa, a escola e as ruas.


7.1 A CRIANÇA E O CALABAR: ONDE EU MORO, COMO EU VIVO E COM QUEM

106

EU CONVIVO Eu moro assim, eu moro embaixo e minha vó mora do lado. E assim, atrás de minha casa tem uma casa que é mais alta ainda” (Oficina Lúdica II)

“Eu moro assim...” Fotografia Rodrigo Wanderley Na fala das crianças, descortinam-se vivências e percepções acerca do lugar onde vivem. As casas, umas coladinhas com as outras, lado a lado, em cima e embaixo, característica do bairro, se separam por vielas, becos, escadarias, afluentes de esgotos e rios. Os meninos e meninas brincam nas portas de casa e dentro delas. Perambulam, levam e trazem irmãos mais novos à escola. Correm, brincam de pega-pega, jogam bola, soltam arraias ou conversam, brincam de boneca.

Eu me sinto bem brincando com os meus amigos na rua, e em casa. (…) Pega-pega, raia, papagaio, periquito (Oficina Lúdica II).

Crianças brincando no bairro Fotografia: Rodrigo Wanderley


107 Eles dizem gostar de ficar na rua. Brincar na rua. Freqüentam esse espaço seja acompanhado de adultos ou irmãos mais velhos, seja sozinho ou na companhia dos pares. Com permissão dos responsáveis, ou não. A vontade de brincar é tamanha que eles enfrentam as duras conseqüências pelos momentos de prazer:

A minha mãe me bate porque eu as vezes eu saio de casa escondido, pra brincar. Mas antes eu apanhava muito antes. Que eu ia pra rua escondido, que ela não deixava sair (Oficina Lúdica II).

Além de brincar na rua, as crianças utilizam para lazer e diversão, a praia, o parquinho da Avenida Centenário e o da lanchonete Habib’s1. Elas freqüentam esses espaços acompanhados de familiares ou sozinhos. Ao passo em que trazem aspectos positivos da vivência no bairro, elas também ressaltam aspectos negativos como sujeira e mau cheiro, além da violência e insegurança, mesmo utilizando a rua como espaço do brincar,

Do cheiro de mijo, do cocô de cachorro, do lixo... (Oficina Lúdica I). Lá é um local, mais... mais ou menos perigoso. Ou mais perigoso. (Oficina Lúdica II).

Quando não estão na escola, ou em atividades extra-escolares (oficinas de capoeira, dança, teatro, promovidas por grupos culturais e desportivos locais) as crianças, em grande parte, são cuidadas e/ou mantidas por suas mães, que, acumulando a dupla função- arrimo de família e responsável pelo lar- terminam por dividir o cuidado das crianças com tias, avós e com filhos mais velhos, ou vizinhos. No discurso das crianças, percebe-se a forte presença materna, o convívio intenso com tias, avós, irmãos e vizinhos e o contraste com as raras referências à presença paterna, sendo irmãos e tios, os referenciais masculinos mais citados. Já a presença feminina é abundantemente citada. Tais observações apontam para as distintas formas de organização familiar e a responsabilidade da mulher em prover e cuidar dos lares (FONSECA, 2004; NORONHA, 2008). 1

A referida lanchonete se localiza ao final da Avenida Centenário, próximo ao Shopping Barra.


108 Uma vez que o bairro sobre o qual esta pesquisa se debruçou já foi apresentado anteriormente, caberia aqui uma descrição mais detalhada acerca dos modos como vivem as crianças no contexto social e político onde elas estão inseridas. Inicialmente, recuperamos alguns dados quantitativos importantes para essa leitura. Já foi dito que este trabalho se utilizou de um método misto (quantitativo e qualitativo), e que no componente quantitativo foram aplicados 559 questionários em domicílios do Calabar. Desta aplicação, 39% dos respondentes declararam ter crianças de 0 a 6 anos sob seus cuidados (Gráfico 10), demonstrando a importância de investigar mais detidamente as repercussões da violência e das ações de segurança pública sobre a primeira infância nesta localidade.

Fonte: 559 entrevistas realizadas no Calabar 2012/2013 Os respondentes dos questionários eram adultos responsáveis pelo domicílio, com idade entre 18 e 65 anos. O perfil destes respondentes também oferece uma visão geral sobre as famílias nas quais são socializadas estas crianças: quase todos os respondentes eram do sexo feminino (70,8%), indicando a presença constante do sexo feminino em casa, e de cor/raça negra (49,8% preta e 43,3% parda), também corroborando o fato de ser o Calabar um bairro popular eminentemente negro. O grau de instrução dos respondentes varia entre ensino fundamental incompleto (33,7%) e ensino médio completo (6,5%). O percentual de analfabetos e de pessoas com Ensino Superior Completo encontrado foi baixo, respectivamente, 1,3%

e

2,90%. Estes dados interessam não apenas para compor o perfil educacional dos adultos do bairro, mas também para identificar possibilidades e compreender processos da formação e socialização das crianças no bairro, pois o nível de escolaridade pode ser um importante indicador de qualidade de vida e de apoio, proteção e cuidado que pais e responsáveis podem dispor às crianças.


109 Quanto à situação no mercado de trabalho, tem-se cerca de 22,3% dos respondentes assalariados com carteira assinada, 20,3% atuando como autônomos e 16,7% desempregados à procura de emprego. O total de famílias beneficiadas por programas sociais do governo federal é de 31,1%. Estes dados apontam uma realidade socioeconômica ainda marcada por desigualdades e dificuldades diversas que repercutem no apoio e proteção à infância. A organização comunitária do bairro do Calabar oferece, de certo modo, uma espécie de proteção e cuidado das crianças, a partir de seus aparatos sociais: famílias, vizinhança, creche, escola e casa de amigos. Quando os responsáveis pelas crianças precisam se ausentar de casa, elas geralmente ficam no próprio domicílio, sob os cuidados de familiares, amigos, parentes e conhecidos (49,10% dos respondentes), 26,5% deixam suas crianças sob a responsabilidade da creche ou da escola e 22,8% em outro lugar, também sob os cuidados de familiares, amigos, parentes e conhecidos. Apenas 1,6% confirmaram que deixa suas crianças sozinhas no próprio domicílio (Quadro 02). Quadro 02 – Quando você(s) precisa(m) sair, onde costuma(m) deixar a(s) criança(s) da família?

Quando estas crianças não estão na escola nem na creche, ficam sob os cuidados e responsabilidade de diferentes sujeitos: 50% dos respondentes afirmam que as crianças ficam sob a supervisão de parentes mais próximos; 35% sob supervisão da mãe da criança; 29,7% sob supervisão do pai e da mãe da criança e o restante distribuído entre pai (8,4%), irmão (4%), empregado ou funcionário da residência (2,5%), vizinhos ou amigos (2,5%) e parentes mais distantes (2%).


110 Quando se confrontam os dados quantitativos com as entrevistas e falas dos grupos focais, descortinam-se importantes questões acerca dos processos de socialização e cuidado da criança que vive no Calabar. Ao mesmo tempo em que as relações entre vizinhos, familiares e amigos constituem uma rede de relações forte, também produz, especialmente entre profissionais da saúde, da educação e entre as lideranças locais um incômodo diante do fato de que tais padrões de cuidado e atenção para com a criança pequena não se restringem ao núcleo familiar básico. É preciso destacar que tais padrões de família foram sendo modificados, inclusive nos bairros populares de todo o país. As transformações na estrutura e composição familiares atuais demandam que se repensem papeis e funções familiares, incluindo análises sobre gênero e classe social (TRAD, 2010). Essas mudanças também trazem conseqüências para os processos de socialização e cuidado das crianças no âmbito familiar. Aí às vezes é criado por vizinho, por amiga que olha e tal. E outras que não trabalham então... E pais, muitas e muitas mulheres que criam seus filhos sozinhas, também, sem os pais. Um número enorme de jovens, de crianças que os pais morreram, vítima também da violência. Pais presos, mulheres criando os filhos sozinhas. Mães presas, né? (...) ausência do pai, ausência da mãe, a avó que criou, vivendo de ajuda dos vizinhos: um olha, o outro olha, outro não olha (GFS).

Deslandes e Barcinski (2010) discutem a importância de repensar a família brasileira, particularmente as famílias pobres e localizadas em contextos de vulnerabilidade, destacando que a compreensão da situação de vulnerabilidade social e das dinâmicas de produção e reprodução da violência implicam numa mudança de perspectiva dos profissionais da saúde e da assistência social. As autoras argumentam que o ideal de família nuclear burguês, branco, ocidental nada tem a ver com as novas configurações e dinâmicas familiares atuais, nas quais há uma enorme instabilidade de casais, a mãe pode ser considerada o eixo central da família, apoiada por uma rede de parentesco alargada e cada vez mais complexa, de acordo com as recomposições familiares. Estes novos modelos de organização familiar, diferentes da família nuclear, acabaram sendo considerados irregulares e marcados por intenso “descaso no atendimento em serviços públicos, pela truculência policial e pelas intervenções violentas em relação às famílias de classes menos favorecidas” (DESLANDES e BARCINSKI, 2010, p. 293).


111

As crianças e adolescentes do Calabar convivem com novas formas de socialização e dinâmicas familiares. Crescem dentro de modelos mais amplos de famílias e contam, em alguma medida, com o apoio de boa parte da rede social e vizinhança. Em um bate papo informal, uma moradora chegou a mencionar que “seu filho já estava em idade de voltar do colégio para casa sozinho, e ela não precisava se preocupar, pois, a cada vez que ele passava na frente da casa de uma amiga ou conhecida, seu celular tocava e as pessoas lhe diziam: 'seu filho acabou de passar aqui em frente de casa'” (RGD, outubro de 2013). Adentrando um pouco mais a análise sobre os processos de socialização, verificou-se a compreensão dos respondentes adultos sobre determinadas normas sociais, particularmente relacionadas a valores morais e julgamentos assertivos acerca da educação de crianças. Tais dados podem ser comparados com as observações empíricas realizadas ao longo do trabalho de campo. De acordo com Noronha (2008), as normas para a educação da criança, especialmente quando se trata da relação entre pais e filhos, constitui o que a autora considera um “terreno pantanoso”, devido à diversidade e desigualdades nas formas de socialização e educação das crianças, pois situações consideradas como maus tratos infantis e juvenis podem ser justificadas pelos adultos como ações que garantem uma educação adequada. Noronha (2008) ainda apresenta uma análise sobre o contexto cultural brasileiro, marcado por um duplo padrão em relação às agressões verbal e física contra crianças e adolescentes. De um lado, tem-se uma naturalização e aceitação tácitas para demonstração de autoridade e controle dos pais sobre os filhos; de outro lado, uma crítica ao fato de que os pais não sabem mais dar limites àqueles que estão sob sua responsabilidade. Embora esse segundo padrão se apresente mais fortemente junto às classes mais abastadas da sociedade brasileira (Calligaris, 1997 apud Noronha, 2008), também é preciso considerar que tais mudanças nos modos de cuidado e proteção à infância de algum modo alcançam as famílias mais pobres.


112 No Calabar, apenas para os familiares e responsáveis por crianças de 0 a 6 anos, a porcentagem de pais que tiveram que gritar com raiva com as crianças sob seus cuidados quase todos os dias (mais de 3 vezes por semana) foi de 33,6%; 14,7% dos pais ou responsáveis disseram ter gritado com raiva uma a duas vezes por semana; 16,2% algumas vezes no último mês; 3,2% gritaram com raiva, mas não no último mês e 32, 3% responderam que nunca gritaram com raiva com as crianças que estão sob seus cuidados (Gráfico 11).

*Corresponde apenas a respostas dos entrevistados que declararam manter crianças de 0 a 6 anos sob seus cuidados. Os respondentes da pesquisa também opinaram sobre e a utilização de castigo na educação da criança, proibindo-as de fazerem algo de que gostam. O bom uso dos castigos é objeto de discussão na literatura. Alguns autores apontam que a aplicação do castigo tem mais validade na formação da criança do que a mera punição física e permite abertura para diálogo e negociações familiares (Noronha, 2008). Tierno (2007 apud Noronha, 2008) afirma que a eficiência do castigo está diretamente relacionada à aplicação imediata após a ação da criança e ao fato de ser explicado o motivo pelo qual a criança está sendo castigada. Alguns desses índices se aproximam do estudo de Noronha (2008) realizado na cidade de Salvador. Seus dados apontam para 19,4% de mães que fizeram uso da agressão verbal pelo menos uma vez por semana e 38,7% que fizeram uso de tal agressão diariamente. A autora enfatiza a necessidade de se repensar o uso dos gritos e sua eficácia do ponto de vista educacional, pois, muitos estudos têm apontado que o seu uso tende a não surtir efeito a longo prazo, podendo produzir baixa autoestima entre as crianças.


113 Quase a metade dos respondentes, 47,5% disseram nunca ter aplicado castigo à criança sob seus cuidados, proibindo-a de fazer coisas das quais gosta; 6% afirmaram ter se utilizado deste tipo de castigo, mas não no último mês; 13,4% se utilizaram do castigo algumas vezes no mês; 12,8% fizeram uso do castigo uma ou duas vezes por semana e 20,3% quase todos os dias (Gráfico 12). Estes dados são muito semelhantes aos resultados da pesquisa realizada por Noronha (2008) na cidade de Salvador e apontam um índice alto de uso do castigo por pais e responsáveis das crianças.

* Corresponde apenas a respostas dos entrevistados que declararam manter crianças de 0 a 6 anos sob seus cuidados.

Quanto ao uso de palmadas, 51,6% dos respondentes informaram nunca terem se utilizado deste recurso com as crianças sob seus cuidados; 10,1% afirmaram se utilizar da palmada mas não no último mês; 13,4% fizeram uso da palmada algumas vezes no mês; 16,1% uma a duas vezes por semana e 8,8% quase todos os dias (Gráfico 13). As freqüências de 16,1% e 8,8% são indicadoras de uso recorrente e quase diário da palmada, considerada ainda alta diante de um contexto no qual se rediscute os direitos das crianças e a necessária ressignificação da palmada e do castigo físico para a formação/educação infanto-juvenil.


114

* Corresponde apenas a respostas dos entrevistados que declararam manter crianças de 0 a 6 anos sob seus cuidados.

Quando se trata da análise sobre o uso de algum objeto para bater na criança, cerca de 95% dos respondentes informaram que nunca bateram numa criança com um objeto como cinto ou vara; 1,8% responderam que sim, mas não no último mês; menos de 1% (0,5%) respondeu que bateu algumas vezes no último mês; 1,4% uma a duas vezes por semana e 1,4% bateu nas crianças com algum objeto quase todos os dias ( Gráfico 14). Tais dados são relevantes e significativos pois apontam que esta prática não pareceu comum entre os 559 respondentes dos questionários aplicados no bairro.

*Corresponde apenas a respostas dos entrevistados que declararam manter crianças de 0 a 6 anos sob seus cuidados.


115 Estas frequências se aproximam dos achados do estudo de Noronha (2008) (aqui tomado como referência por ter sido realizado na cidade de Salvador – BA e se aproximar deste estudo em diversos aspectos), e também levantam dois aspectos principais: de um lado a possibilidade de ser uma prática pouco utilizada pelos pais e responsáveis no bairro, uma vez que há mudanças significativas nos padrões de educação e punição entre as gerações; e, de outro modo, a possibilidade de ser um tipo de comportamento censurado e difícil de ser admitido entre os respondentes. Adiante confrontaremos estes achados com a visão e fala das crianças sobre suas experiências com punições, castigos e palmadas. Além disso, alguns autores enfatizam que o uso excessivo de severos castigos físicos perdem seus efeitos ao longo do tempo, gerando a necessidade de castigos cada vez mais fortes que poderiam arruinar os vínculos familiares (NORONHA, 2008). A partir de afirmativas, pediu-se que os respondentes emitissem suas opiniões com base em uma escala de cinco pontos que variavam entre “concordo totalmente” e “discordo totalmente”. Na afirmativa NO1: “Para educar uma criança é necessário o castigo físico”, 53,8% discordaram totalmente, 22,4% concordaram em parte, 17% discordaram em parte, 5,5% concordaram totalmente e 1,1% declarou não estar seguro de sua resposta. Tais estatísticas, embora apontem mais da metade dos respondentes com total desacordo a afirmativa NO1, evidenciam a percepção de percentual significativo dos entrevistados em concordar, ao menos em parte, com o castigo físico para a educação da criança (Gráfico15) .

Fonte: 559 entrevistas realizadas no Calabar 2012/2013


116 A Afirmativa NO2: “Existem situações nas quais é justificável que um adulto bata em uma criança que não é sua parente” aponta as seguintes frequências: menos de 1% (0,2%) discordaram totalmente da afirmativa; 91,1% discordaram em parte; 5,8% não estavam seguros da resposta e apenas 2,5% concordaram em parte, 0,4% concordaram totalmente (Gráfico 16).

Fonte: 559 entrevistas realizadas no Calabar 2012/2013 A organização familiar tem sofrido transformações, fazendo com que o cuidado e educação/formação da criança se expanda para além das fronteiras da sua própria casa. Ademais, há uma circulação de crianças por todo o bairro, produzindo o que se poderia chamar de esfera domiciliar mais ampla na qual vizinhos e parentes mais distantes também se responsabilizam pelas crianças e, obviamente, também podem agir punitivamente com uso de castigo físico nos casos em que acharem necessário. As afirmativas acima reproduzidas dão pistas sobre os modos de vida e compreensão de pais, responsáveis e cuidadores do Calabar acerca da utilização de castigos físicos e uso da violência física “corretores” e justificáveis dentro de casa. Weber et al (2002) discutem os maus-tratos contra crianças e adolescentes na esfera doméstica, demonstrando que este debate envolve tanto a noção de criança como sujeito de direitos e que não deve ser nem vítima nem exposta a situações de violência, quanto às práticas educativas parentais e o compromisso da comunidade em relação à prevenção e à identificação dos casos.


117

7.2

ANTES

E

DEPOIS

DA

BASE

COMUNITÁRIA

DE

SEGURANÇA:

REPERCUSSÕES SOBRE A INFÂNCIA DO E NO CALABAR

Viver no Calabar para as crianças e adolescentes antes da implantação da Base Comunitária de Segurança foi marcado por limites, tensões e negociações no que tange à livre circulação dentro do bairro. Tais crianças eram assistidas majoritariamente por uma rede comunitária e, dentro do contexto da violência, eram frequentemente impedidas de brincar nas vielas do bairro, ou mesmo frequentar as escolas, por medo de serem elas e seus familiares atingidos por balas perdidas nas disputas entre as facções do tráfico de drogas instalado na comunidade (CECIP/AVANTE, 2010). Logo quando eu cheguei aqui não tinha a Polícia Comunitária, mas as colegas que estavam na creche elas diziam sempre, quando tinha uma guerrinha das facções do narcotráfico eles avisavam a creche, faziam questão de avisar por telefone e aí passava e avisa (...): ‘Vai correr bala’. Aquela agonia, a gente telefonando pras mães, as mães pegando os alunos, entendeu? Aquela confusão toda, graças a Deus não existe mais isso (GFE).

A entrada da Base Comunitária de Segurança no Calabar permitiu uma diminuição de determinadas facetas da violência no bairro, particularmente a violência urbana. Já foi dito que, após a implantação da Base, a população passou a circular mais livremente dentro do bairro, considerando também uma melhora na segurança pública e maior possibilidade de uso das ruas como espaços de lazer. O impacto dessas mudanças para as crianças e adolescentes do bairro refletiu na possibilidade de maior trânsito pelas ruas. Com isso, elas dizem que podem usar mais o espaço da rua para suas brincadeiras. Também há congruência entre crianças e adultos no que tange a redução de equipamentos comunitários, com a ocupação da sede da Associação de Moradores pela Base Comunitária. Só antigamente que fazia ensaio aí em cima, aí... eu antigamente tinha aula de informática aí e eu também vinha acessar aí, mas agora não pode mais acessar e não tá tendo mais aula de informática. Agora, quando começar a reformar onde é a “Berimbanda”, a gente vai ter que começar a fazer as aulas na Base. (Oficina Lúdica II).


118 7.3 EM CASA, NA ESCOLA E NA RUA: VIOLÊNCIA, SENSAÇÃO DE SEGURANÇA E IMPACTOS DA VIOLÊNCIA PARA AS CRIANÇAS No seu sentido material o termo parece neutro, mas quem analisa os eventos violentos descobre que eles se referem a conflitos de autoridade, a luta pelo poder e a vontade de domínio, de posse e de aniquilamento do outro ou de seus bens. Suas manifestações são aprovadas ou desaprovadas, licitas ou ilícitas segundo normas sociais mantidas por usos e costumes naturalizados ou por aparatos legais da sociedade. Mutante, a violência designa, pois – de acordo com épocas, locais e circunstâncias – realidades muito diferentes. Há violências toleradas e há violências condenadas (BRASIL, 2005, p. 14).

As discussões sobre violência, neste estudo, estão embasadas em referenciais nacionais e internacionais, que abordam o tema a partir de sua complexidade conforme já posto anteriormente. Neste capítulo, as discussões traçadas serão consoantes com as referências já discutidas. A violência pode ser classificada pela sua natureza: simbólica, estrutural, física, sexual; pelo local onde ocorre: doméstica, urbana/comunitária, escolar. E também, a partir de quem a comete: intrafamiliar, policial, autoinfligida, delinquencial, institucional (KRUG et al, 2002; MINAYO, 2005). A maior parte das dificuldades para conceituar a violência vem do fato dela ser um fenômeno da ordem do vivido e cujas manifestações provocam ou são provocados por uma forte carga emocional de quem a comete, de quem a sofre e de quem a presencia. Por isso, para entender sua dinâmica na realidade brasileira é importante compreender a visão que a sociedade projeta sobre o tema, recorrendo-se à filosofia popular e ao ponto de vista erudito. Os eventos violentos sempre passam pelo julgamento moral da sociedade (BRASIL, 2005, p. 14).

É preciso ressaltar que as crianças que participaram das oficinas lúdicas cometem, sofrem e/ou presenciam cotidianamente a violência em suas diversas tipologias, nos diferentes espaços e por distintos autores. Elas expressam suas vivências imersas em um cotidiano violento, não apenas pela fala, mas, sobretudo em atitudes e comportamentos. A expressão corporal foi uma linguagem muito presente, sobretudo no grupo das crianças menores. Ademais, conforme diversos estudos sobre o impacto da violência em crianças pequenas, as consequências e os sintomas, são muitos, variados e profundos, podendo ter impactos tanto pessoais e imediatos como a longo prazo, na adolescência e/ou vida adulta e na coletividade. A violência pode impactar a saúde física, sexual e reprodutiva, bem como ter consequências comportamentais, psicológicas, sociais, e até financeiras (CARROLL-LIND, 2006; PINHEIRO, 2010). São sentidos pela criança, sua família e toda a comunidade. Os custos para o Estado também são bastante elevados.


119

As discussões serão aqui tecidas a partir do lócus onde ocorre a violência. Assim tratar-se-á da violência doméstica, escolar e na comunidade, seguindo o percurso das crianças ao se referirem aos três lugares onde passam a maior parte do tempo: a casa, a rua e a escola.

7.3.1 A violência doméstica

Eu, minha prima, meu primo e meu irmão... eu tinha quatro, meu primo tinha três, meu irmão tinha quatro também, e minha prima tinha dois anos. A gente tava brincando, ai de repente eu acho que [primo] empurrou ela, ela caiu e quebrou assim a boca. Minha tia bateu em [primo] e ainda bateu em mim e no meu irmão, porque disse que nós éramos mais velhos e tinha que olhar, não deixar o meu primo empurrar (Oficina Lúdica II).

A análise sobre o uso de castigos e violência física como corretiva e educativa pela visão dos adultos já foi explorada na seção anterior. Neste momento, cabe confrontar como as crianças que participaram das oficinas elaboraram tais ações e práticas e o que sentem diante destas expressões ora tomadas como ações corretoras, ora como ações de violência contra crianças e adolescentes. Os meninos e meninas revelam aceitação tácita da violência “educativa” cometida pelos pais. Algumas crianças apresentam o conhecimento de todo um conjunto de regras e normas internas que ordenam o uso desses castigos:

Não, se meu irmão aprontar na casa de meu pai (...) Então, se aprontar alguma coisa... tipo se o mais novo apanhar, eu e meu irmão apanha, porque a gente é responsável. E se meu irmão apanhar eu também apanho. A minha mãe só me bate assim quando eu faço alguma coisa de errado. Agora se ela não tem nada pra me bater ela não me bate. - Mentir pra mãe da gente. Ser excomungado. Bater na mãe, responder. É porque quando eu volto da escola sozinha sem avisar, quando eu minto, ou quando eu bato no meu irmão. Eu apanho às vezes quando eu fico resmungando muito. Quando eu faço muxoxo. Por exemplo, quando a minha tia tá dando bolo em minha prima, ai eu do risada, ai ela também bate em mim (Oficina Lúdica II).


120 Assim, em contraste com os cerca de 54% de respondentes que afirmaram discordar completamente da afirmativa NO1, sobre o uso de castigos físicos como estratégia educativa, e em consonância com estudos nacionais que apontam para uma grande aceitação dos castigos físicos como estratégia educativa, apenas duas crianças afirmaram não apanhar em casa. A quase totalidade dos meninos e meninas narram uma série de situações em que apanham e também fornecem informações acerca do principal agressor dentro de casa, dos instrumentos usados para os castigos físicos e das razões e situações em que apanham: ...eu e meu irmão brincando, correndo a gente entrou no quarto, ele foi primeiro, bateu a porta assim, a porta é de vidro. Quando eu fui empurrar assim, quebrou o vidro. Ele apanhou mais, porque ele foi entrar assim logo, pra explicar, aí ele apanhou mais. Depois foi eu. Aí eu só ganhei esses cortinho aqui que até hoje eu tô com a cicatriz. Aí depois eu apanhei. Aí, depois, o tempo passou e ela disse assim: “ói, eu vou guardar a sua porque ele apanhou mais.” No outro que eu quebrei a mesa ela foi e me descontou tudo. Bom... Não foi só eu, foi... Só que ele caiu... correu logo pra minha vó e eu não consegui porque eu fiquei presa. Eu nunca tomei uma surra. Minha mãe sempre me bateu com a sandália e com o cinto. Minha mãe só me dá um beliscão e pronto. Eu já tomei beliscão, já apanhei de sandália, já apanhei de cinto, de palmatória (Oficina Lúdica II).

Assim, o uso da violência “justificada” por meio de seu caráter “educativo” pode contribuir para o enraizamento do fenômeno na construção de “subjetividades e consciências”, aliando a violência à condição humana, extrapolando a dimensão das relações sociais (DOMENACH , 1981 apud BRASIL, 2005): É demasiado fácil e ineficaz condenar a violência como um fenômeno exterior, e inclusive, como algo estranho ao ser humano, quando, na verdade ela o acompanha, incessantemente até na articulação de seu discurso e na afirmação mesma da evidência racional (DOMENACH , 1981, p.37 apud BRASIL, 2005)

As crianças referem-se ao emprego de violência em determinadas situações de interação, invocando normas sociais que legitimam o uso de violência física, a exemplo das agressões em defesa da honra, o revanchismo e sentimentos de vingança e raiva.


121 Não mexer com minha família, mexer comigo não com minha família, eu tava lá fazendo o dever, ai o menino começou a xingar a minha mãe sem eu fazer nada com ele, eu mandei ele parar e ele nada de parar, ele tava perto de um negócio, tipo esse assim de piso, quando ele xingou a minha mãe, eu meti a cabeça dele na parede. (Oficina Lúdica II) É porque é a nossa mãe que bate na gente, mas a gente não pode bater nela, porque isso é excomungação, então... voar no pescoço de meu irmão. Eles ficam me chamando de... brincando assim, de anã, de várias coisas. Até quando eu fico irritada eu bato neles. Aí eu não arrumei a casa, aí quando ele veio, ele veio de lá aí ele foi lá em casa aí quando ele voltou, ele falou: ‘venha cá’, aí eu: ‘e o que é?’, ele falou: ‘venha cá’, aí eu fui. Aí ele: ‘ah...’ pegou assim o meu pescoço apertando, aí eu falei, aí eu dei um chute assim pra trás: ‘num... num me bata, não’, aí ele começou, aí chegou em casa ele veio me bater aí eu bati nele também. (Oficina Lúdica II)

Os meninos e meninas também fazem menção à presença de violência doméstica contra mulher no cotidiano, fato que encontra respaldo no contexto sociocultural brasileiro. São muitas as narrativas das crianças acerca violência doméstica entre homens e mulheres:

Eu também já vi, é... meu sobrinho é... batendo na mulher dele. Eles brigam, assim, mas só que não demora nem um tempinho assim eles já tão se falando de novo. Uma vez, é... o marido da minha prima, ele... ele... num sei se ele costumava bater nela, mas era escondido, aí (ninguém sabia)... Aí teve um dia que ela tava na casa da minha ota prima, assim, aí ele veio de lá, fez uma brincadeira sem graça, deu um tapa no rosto dela. Ela pegou um... Um barrote, meteu na cabeça dele, abriu no meio, assim, começou a sair sangue. Eu era pequena ainda. Minha tia, quando ela morava com o marido dela, ele não batia nela não, mas uma vez ele foi levantar a mão pra ela, ela pegou o pau e começou a bater nele e teve um dia também que ela tinha acabado de ter neném e ele tava abusando ela e falando um monte de coisa e ela dizendo pare, pare, ela pegou e jogou a mamadeira de mingau na cara dele e voou mingau para todos os lados, (risos) Teve uma vez também que ele tava com uma faca pá pegar ela, aí ela... tinha uma...tinha um olhinho assim...ela, a mulher se jogou de cima pá baixo, aí quebrou as perna. Mas só que ela já tá agora, já tá boa. (Oficina Lúdica II)


122 7.3.2 A violência na Escola

Na condição de vítimas, perpetradores e testemunhas da violência, crianças aprendem que a violência é uma forma aceitável de pessoas fortes e agressivas conseguirem o que querem de indivíduos comparativamente fracos, passivos ou pacíficos (PINHEIRO, 2010, p.119-120).

Pinheiro (2010) aponta para uma espécie de “currículo oculto” de escolas em diversos países. Um currículo que reforça, aprofunda e enraíza comportamentos e atitudes violentas como normativa de interação social. A aprendizagem que vigora em diversos e diferentes contextos escolares é uma em que a dominação de outrem por meio da força ou do poder é a norma que vigora. As formas de violência que se manifestam na escola não diferem das que ocorrem em outros ambientes, como a casa ou a comunidade. Podem ser psicológicas ou físicas, tomam forma de tratamento ou castigos físicos, corporais e humilhantes, intimidação ostensiva (Bullying), violência de gênero (Pinheiro, 2010) e, no caso brasileiro, de cor/raça (ABRAMOVAY, 2002).

Quando o ambiente social e físico da comunidade é hostil, é improvável que o ambiente educacional seja poupado. Os níveis e padrões da violência observada nas escolas geralmente refletem os níveis e padrões de violência nos países, comunidades e famílias como um todo. (PINHEIRO, 2010, p.119)


123

Pela fala das crianças, a realidade aqui, não difere das diversas outras realidades, afinal, os muros da escola não são tão altos para deixar do lado de fora todo o contexto violento e violentador. Quando elas falam das violências na escola elas abrangem, sobretudo, a violência física e o bullying, como se percebe na seqüência:

O bullying, agressão agressão tipo física e verbal. eu nem quero saber, se é pequeno ou grande, se é pequeno ou grande eu bato mesmo. Também tem a questão da homofobia, que tem muita gente que tem um preconceito com outras pessoas que querem mudar de sexo, ai acontece muito isso às vezes isso. Assim de raça, lá na escola só por que a menina sei lá é diferente, toda diferente ai os meninos ficam chamando ela de barata e batem nela, tomam o dinheiro da merenda dela. Só porque o nariz dele é meio assim, não sei se ele nasceu assim. É estranho nariz dele ai ficam chamando ele de nariz de pitbull, e quando ele traz algum coisa, dinheiro pra escola. Ai, eles querem tomar, aí batem nele e falam na hora da saída:‘vou te pegar’. (Oficina Lúdica II)

O que parece ter mudado é a relação com os castigos físicos e humilhantes. As crianças referem-se a histórias contadas pelas mães ou, por vezes, pelos irmãos mais velhos, que relatam que, aos professores, eram-lhes outorgados o poder de castigar de maneira física e/ou humilhante, com o intuito de educar. Elas se referem a esta situação no passado, ou através do relato de terceiros, como algo mais distante da realidade delas do que a violência entre alunos ou a vivenciada em casa e nas ruas.

A minha irmã me contou que uma professora, na escola dela, quando ela manda fazer silêncio e quando alguém fala ela ‘ruma’ o piloto, que minha irmã falou. E essa professora já foi demitida e denunciada. E também tem uma escola que eu estudava que uma professora pediu permissão... eu acho que pediu permissão à mãe para bater no aluno. Ela batia com a régua, ainda quebrava a régua, ainda quebrava a régua e batia com o lápis na cabeça.


124 Além de atos violentos, as crianças também relatam a passividade, ou mesmo negligência, daqueles que deveriam cuidar tanto do bem-estar das crianças na escola, quanto das relações estabelecidas no interior da escola. Narram histórias que, certamente, poderiam ser evitadas ou ter seus impactos minorados.

eu também, por que quando eu vou para escola os meninos ficam [me chamando] de ratinha, por que... ai da vontade de dar um murro, uma vez ele me chamou de ratinha oxigenada e de branca oxigenada, ai eu fui ai falei com a professora, ai ele falou: cala a boca ratinha! ai eu falei: venha calar, ai ele foi, na hora que ele foi eu dei um murro, ai me jogou no chão e eu dei um murro bem no ovo dele, ai a professora foi separar. Ai ele falou que ia me pegar na rua e eu falei pode vir que eu vou vir com minha mãe. Uma vez, também, na escola, (...) o menino me chamou, o meu olho é morto assim, ele me chamou de olho de peixe morto. Ai eu dei um murro no nariz dele que (risos). Por que já tinha avisado a diretora, já tinha falando com a professora, mas não fez nada ai eu... porteiro viu, teve uma briga de dois alunos, um levou uma faca, ai ele escondeu atrás da escola que tem um beco. Ai depois ele pegou, pegou a faca ai o menino saiu correndo, ai o porteiro chamou a policia, eu acho que deveria ter câmara de segurança... (Oficina Lúdica I)

Assim, a vivência das crianças nas escolas é também permeada pela violência. Ela se manifesta, assim como em outras situações, com toda a sua complexidade.

A maioria dos estudos aborda um ou, no máximo, dois tipos de violência escolar, sem levar em consideração as dimensões múltiplas dessa violência e a ligação entre a violência dentro da escola e fora dela, como a violência que ocorre dentro das famílias e na sociedade como um todo (PINHEIRO, 2010, p. 124).

Para enfrentar as situações de violência na escola os meninos e meninas listam uma série de mudanças, estratégias e ações que poderiam ser implementadas, dentro da própria escola ou a partir de políticas públicas: Também ter alguém para avaliar o recreio da gente, alguém para avaliar, na sala temos a professora e no recreio, na hora que a gente brincasse, merendasse ... Eu acho que deveria impor regras, também da policia, as prefeitura que as vezes em escolas públicas acontece muita violência com as crianças. Instalar câmaras de segurança Na minha escola tem muita palestra, mas só palestra eu acho que não adianta, não sei, acho que devia ter alguém superior como os professores, do diretor, alguém olhando a gente. As escolas públicas tem que mudar, tem muita paralisação ai os alunos ficam sem aprender por causa que o governo não está pagando os professores e a culpa não é do aluno que quando perde de ano tem que fazer duas séries no ano que vem, eu mesma estudo no Úrsula, nessas, a partir de segunda vai ter paralisação de segunda até quinta. Segurança. (Oficina Lúdica II)


7.3.3 Violência nas ruas/comunidade

125

Todas as crianças experimentam temores durante a infância, como o temor do escuro, dos “monstros” e de desconhecidos. Estes temores são normais e têm caráter passageiro. Entretanto, já foi demonstrado que a ativação crônica dos sistemas corporais de resposta ao estresse – como pode ocorrer, por exemplo, quando se vive em uma comunidade violenta – afeta o funcionamento eficaz do circuito cerebral e dá lugar a problemas imediatos e de longo prazo para a aprendizagem, o comportamento e a saúde física e mental. (FOX, 2012, p. 8, tradução nossa).

Apesar de estudos demonstrarem que a convivência precoce com a violência na comunidade pode levar crianças a cargas elevadas de estresse e ao possível desenvolvimento de comprometimentos, inclusive, de longo prazo, ainda há uma lacuna nas investigações acerca da criança pequena e a relação com a violência que ocorre na comunidade (FOX, 2012; CARROLL-LIND, 2006; PINHEIRO, 2010). Pinheiro (2010) aponta, que os estudos acerca da violência comunitária tendem a focar em crianças mais velhas ou mesmo nos adolescentes. As crianças do Calabar relatam conviver com os temores ‘naturais’ da infância e falam de seus medos de “cobra”, “escuro”, “leão”, “onça”, “velha ‘cega’” e outros personagens e situações, que habitam o imaginário infantil e são condizentes com o desenvolvimento etário. Entretanto, elas também expressam, no discurso corporal e oral, não apenas os temores infantis, mas também, medos presentes em quem vive imerso em ambientes atravessados por algumas formas de violência e violação de determinados direitos, muito relacionados a questões estruturais e de omissão do Estado. Carroll-Lind (2006) relaciona o aumento nos índices da violência contra a criança na Nova Zelândia a uma “combinação entre pobreza e políticas sociais”. Além de padrões e normas sociais e culturais coniventes com a violência, a pobreza e o estresse tóxico. A autora também realça o fato de crianças não poderem escolher pela saída do cotidiano violento em que muitas vezes estão imersas. Tudo isso contribui para a manutenção da convivência violenta, bem como, para o aumento da mesma. Ainda no Relatório Mundial sobre Violência contra a Criança, Pinheiro (2010) descreve uma relação complexa entre comunidade e violência e seus efeitos sobre as crianças: Em certas situações, particularmente quando há livre circulação de armamentos, a violência atual assume proporções alarmantes. Isso acontece principalmente nas áreas urbanas de regiões com altos índices de pobreza, disparidade econômica e desigualdade social, às vezes intensificados pela contínua instabilidade política ou econômica (PINHEIRO, 2010, p. 305).


126 Conforme nos informam as crianças que participaram das oficinas lúdicas no Calabar, a convivência com expressões de violência é ‘comum’, parte de um cotidiano do qual elas não podem se afastar. Elas vivenciam, são testemunhas e/ou vítimas, em casa, na escola ou na rua, de violências que variam da simbólica/psicológica à física e, por vezes, letal. Vale notar que a violência não se restringe ao bairro engloba a cidade e os padrões de relações sociais já estabelecidos. Quando um acidente de trânsito rapidamente transforma-se em tiroteio em uma avenida movimentada da cidade, cortada por um parquinho infantil é que se realiza o quanto a presença ostensiva e descontrolada de armas, potencializa as violências cotidianas. Quando os meninos e meninas das oficinas lúdicas são perguntadas sobre a violência nos lugares onde brincam, eles comentam: Teve uma vez que eu tava no parquinho [da Centenário] Eu minha mãe, meu irmão e minha tia. Dois carros vieram em alta velocidade e se bateram. Um quis que o outro... brigaram. Um pegou uma garrafa de vidro que estava dentro do carro, e o outro pegou uma arma. Ai veio um monte de gente com arma e teve um tiroteio. Foi no dia que eu tava brincando mais [fulano] do lado de fora, brincando. Ai teve um tiroteio, ai X empurrou logo a gente, e a gente rapidão entrou na casa de [fulano]. E a mulher começou a gritar: ‘Meu filho, meu filho!’ E desmaiou no chão”. Teve uma vez também que eu tinha acabado de chegar da casa da minha colega. Quando minha mãe me chamou pra ir, ela disse que não era pra eu demorar. Ai eu teimei né, eu demorei, assim que eu entrei em casa, ai teve o tiroteio. (Oficina Lúdica II)


127 7.4 “VIOLÊNCIA SILENCIOSA”: IMPACTOS DA VIOLÊNCIA PARA AS CRIANÇAS

Esta seção se baseia nas riquíssimas análises de Carroll-Lind (2006) acerca das percepções das crianças sobre suas experiências de violência, particularmente sobre o impacto que tais experiências podem provocar na vida e no desenvolvimento das mesmas. A autora produziu uma classificação (já apresentada no capítulo do referencial teórico) com sete tipos de impactos significativos. São eles: Impacto Físico, Impacto Psicológico e Emocional, Impacto Comportamental, Impacto Social, Impacto Cognitivo, Impacto de longo prazo (Transtorno do Estresse Pós-traumático) e Impacto da Violência Indireta. É preciso, antecipadamente, apontar o desafio de se identificar tais processos, impactos e sintomas entre as crianças, pois, muitos se camuflam e se tornam mascarados em torno de padrões e ações ditas “normais” dentro da lógica da comunidade aqui estudada. Além disso, a análise de sintomas e impactos psicológicos, comportamentais e cognitivos não pode ser medida apenas com base nas informações de um ou dois encontros com os sujeitos aqui investigados, mesmo quando o contato com as crianças tenha se dado em diferentes momentos, pois tais dados merecem um cuidado e análise mais acurada daquilo que aqui se refere enquanto “sintoma”. Far-se-á, deste modo, alguns apontamentos, indicações daqueles aspectos, falas e observações que sugerem, que dão indícios de tais impactos sobre a formação e desenvolvimento das crianças do Calabar, mas que estes processos não são determinantes. É preciso destacar também que nem todos os impactos acima classificados foram “identificados” entre as crianças aqui analisadas.

Fotografia: Rodrigo Wanderley


128 Talvez a violência mais banal e já bastante discutida seja a violência física. Considerada erroneamente como acidente ou como aspecto natural da infância (Carroll-Lind, 2006), a violência física é capaz de produzir significativas lesões e baixo desenvolvimento para a criança. Ou seja, além dos problemas físicos e de uma saúde empobrecida, o impacto físico destaca-se por deficiências, doenças recorrentes ou cicatrizes permanentes na vida da criança. As consequências da violência física, suas marcas, distanciam-se em demasia das marcas de queda da primeira vez que se andou de bicicleta ou que se pulou de um muro alto. Uma professora relata com detalhes como descobriu as marcas da violência física sofrida por uma aluna dentro de casa e o modo como essa aluna se comportava na escola:

O ano passado tinha uma aluna, que ela, é... eu perguntava a ela, eu tinha problema sério pra chegar até a mãe, de conversar com ela, porque dizer como é que estava o desenvolvimento da filha dela na escola, porque sabia que ela ia cortar a menina toda de pancadas. E um dia, num trabalho que fizemos na escola, ela não quis tirar, ela não quis fazer porque ela tava com o corpo dolorido e eu perguntei por quê. Aí ela ficou toda chorando e não quis dizer, aí a gente tem que fazer aquela base e tudo, aí eu sentei com ela sozinha, ela disse, ‘professora, porque minha mãe vai me bater, tudo minha mãe me bate’. Aí, quando, ‘sim, mas ela bateu onde?’ Aí ela mostrou, quando ela mostrou eu vi os vincos, aí eu tirei a roupa dela, ela tava com o corpo todo cortado de fio. Ela tem o que? Essa menina agora deve ter, o ano passado ela ficou, ela tinha sete anos. Então, ela sabia que se eu fosse falar alguma coisa com a mãe ela ia tomar uma surra. Então é uma violência muito grande. Isso existe, com a criança, dentro da própria família (EPE).

Além deste relato, caberia lembrar da violência física pela negligência e/ou falta de alimento em casa. A falta de alimentação adequada e subnutrição repercute diretamente sobre o desenvolvimento físico e mental infantil, acarretando desde problemas como deficiências e doenças de diversos tipos, até a produção de comportamentos agressivos entre as crianças. A mesma professora acima, relata o caso de outro aluno que apresentava comportamentos excessivamente agressivos o tempo inteiro na escola:

Por exemplo, tínhamos aluno superagressivo na escola, por quê? Porque ele não comia, porque ele não tinha alimento. Então ele era agressivo. No dia que nós descobrimos numa roda, que nos dias de segunda-feira tinha uma roda, tinha não, temos a rodinha, cada um poderia falar como foi seu final de semana, e ai ele abordava, ele falava: ‘ ah minha pró, o meu final de semana não foi muito bom, porque eu tive que dormir mais cedo e não tomei café que é pra poder... porque só tinha farinha e açúcar, que é pra poder meu irmão tomar de manhã.’ E esse menino era superagressivo, era contido, era toda retraído, e quando você falava alguma coisa ele era agressivo, por que ele tinha fome, entendeu? E todos eles estudavam lá, então o que é que fazia na escola, a gente decidia fazia o lanche, dava o café a ele mais cedo e tal (EPE).


129 Os impactos psicológicos e emocionais da violência, de um modo geral, permeiam muito desconforto emocional e medo. Podem variar, de acordo com os padrões de estresse psicológico, partindo de um leve desconforto ao trauma severo. Destacam-se casos de crianças que eram felizes e extrovertidas e se tornaram medrosas e introvertidas. Em muitos estudos (de acordo com Carroll-Lind, 2006), as crianças que sofreram violências pontuavam negativamente em medidas de autoestima, depressão e distúrbios comportamentais. Esses impactos psicológicos e emocionais são mais sutis e difíceis de serem “vistos” diretamente em campo. Porém, em muitas e diferentes situações, pôde-se perceber bastante desconforto emocional, principalmente relativo à conduta dos policiais na comunidade, como já relatado anteriormente. Um caso em particular chama atenção para esse medo e a produção de um trauma que ultrapassa o período mais tenso de conflitos dentro da comunidade e que se estende para a criança, exigindo, inclusive, um necessário acompanhamento psicológico:

No caso dela, ela ficou, assim, muito medrosa, ela tava assim de um jeito que tudo ela entrava em pânico, qualquer zoadinha de bomba, o que fosse, até um prato que quebrava ela já tomava um susto, ela entrava em pânico. Ela não podia ver os meninos correndo, brincando, que ela já entrava aqui e se escondia (EMC).

Os principais impactos comportamentais dizem respeito a pensamentos e comportamentos distorcidos que produzem repercussões significativas sobre as dimensões motivacionais, cognitivas e emocionais. Dificuldades de aprendizagem, falta de motivação para controle de situações, reatividade a circunstâncias emocionais e impulsividade, agressividade e ansiedade são alguns exemplos que ajudam a compreender aspectos da magnitude da implicação da violência sobre a formação das crianças nos contextos de vulnerabilidade. Entende-se também que os Impactos Comportamentais se associam diretamente aos Impactos Sociais, estes últimos relacionados a problemas com interação e produção de sentimento de menor competência por parte da criança que sofre violência. As repercussões sociais também podem incluir déficit nas habilidades de empatia, podendo predispor as crianças a relações interpessoais empobrecidas e inibir o desenvolvimento de relações íntimas. É preciso novamente ressaltar que muitas e diferentes pesquisas foram realizadas e compiladas no trabalho de Carroll-Lind, não significando, entretanto, que todos esses impactos se processam e se processarão do mesmo modo nos diferentes contextos e países.


130 Meu filho é o terceiro ano que vai repetir a mesma série... (Entrevistado 03). São mais agressivas [crianças filhas de usuários de drogas]. Elas acham que podem tudo, porque no tráfico eles acham que podem tudo né? Que eles podem matar, que eles podem roubar, que eles podem agredir. Então ele têm essa diferença. Mas eu tenho duas mãe ai. Assim como eu tenho crianças assim, eu tenho crianças que os pais são usuários, e que eles não gostam, entendeu? Eles não gostam. Eles são até, assim, contidos emocionalmente, por causa desse comportamento. Na escola nós falamos assim, por exemplo, eu tenho dois alunos especificamente, que ele estava ficando... ele era agressivo, hoje bem menos, agressivo e tudo dele ele ameaçava os colegas. E ai a gente foi buscar o porquê. E até então eu não sabia que ele era filho de usuários de drogas. E tudo dele era: ‘ô! venha que eu mando o meu pai ô [gesto]’ Que é matar. E ai foi a família, perceba com é... ele dizia assim: ‘ mas meu pai pode, meu pai vai, meu pai disse que qualquer coisa que ele resolve’. Então a gente teve que chamar o pai para poder conversar. Primeiro com ele também, dizendo: ‘venha cá, você sabe qual é a vida de seu pai? Você sabe o que seu pai faz?’. E ele diz: ‘sei’. E ele narra tudo. Ele diz que a avó dele manda o pai fumar dentro de casa, para a polícia não pegar ele do lado de fora. Então ele vê o pai fumando, maconha crack, entendeu? Dentro de casa. Ele via, porque agora o pai tá contido. Então ele falava tudo o que ele via. (…) Hoje com oito anos. Então a gente teve que fazer um trabalho de base, fazer um acompanhamento psicológico, então. (EPE).

Do ponto de vista dos impactos cognitivos, a autora enfatiza que os resultados das pesquisas apontam atitudes inapropriadas, maior predisposição a considerar a violência como meio de resolução de conflitos, menor pontuação em testes cognitivos e menor sucesso acadêmico. Um importante aspecto a ser considerado diz respeito ao fato de que, dado o contexto de vida e vulnerabilidade, somado ao contexto de baixa qualidade das escolas públicas, que são as mais frequentadas pelas crianças do Calabar, torna-se difícil analisar tais impactos cognitivos apenas sob a ótica destas crianças e suas (in)capacidades geradas pela violência. Considera-se efetivamente que o contexto de violência pode diminuir as possibilidades de uso da energia para o aprendizado, mas é preciso destacar a complexidade presente neste tipo de análise. Sabendo que o combate à violência se dá por meio de ações articuladas e multisetoriais, para contrastar com estes dados, é preciso destacar os esforços que a comunidade do Calabar tem empenhado em torno da oferta de serviços sociais que possam apoiar meninos e meninas. Assim a biblioteca comunitária tem modificado a relação de muitas crianças com a leitura e, por conseguinte, com sua formação cognitiva e suas etapas de desenvolvimento. Trata-se de uma ação que se opõe ao contexto de violência e vulnerabilidade e que vem produzindo bons resultados entre algumas crianças da comunidade.


131

O Impacto de longo prazo (Transtorno do Estresse Pós-traumático) demarca uma experiência de vida significativamente opressiva e aponta um amplo leque de problemas sociais e emocionais (estresse, depressão, distúrbios do sono, psicossomáticos, etc.). Para a infância, os principais fatores que poderão influenciála se relacionam a histórico familiar de distúrbios psiquiátricos, idade do trauma, natureza e padrão do trauma. Sobre os Impactos da Violência Indireta, os autores analisados por CarrollLind apontam que os efeitos do testemunho da violência afetam as crianças tanto quanto ser vítimas dos atos de violência em si. Eles também podem ser geradores de problemas psicológicos e comportamentais, produzindo nas crianças maiores chances ou probabilidades de problemas de conduta, transtornos de ansiedade, depressão, drogadição e criminalidade. Como já discutido anteriormente, famílias em desvantagem socioeconômica podem produzir maior exposição infantil a abusos físicos e sexuais. Ao longo deste capítulo muitas falas ilustraram as vivências de crianças e adultos sobre os episódios de violência direta ou indireta (testemunha) no bairro, seja em relação aos episódios intrafamiliares ou aos espaços escolares e às ruas do Calabar. Diante do exposto, destaca-se o desafio de se trabalhar temática tão complexa quanto o tema da violência, especialmente para a primeira infância – objeto-alvo perseguido ao longo desta pesquisa. Uma das entrevistadas alertou para a complexidade desta análise com crianças, chamando atenção para o que por ela foi denominado de “Violência Silenciosa”:

Eu acho que a faixa que é mais vulnerável a violência, aqui no bairro, pelo que eu tenho percebido, pelo meu caminhar aqui, geralmente, são um pouco as crianças, porque as crianças ela chega na creche, ela não fala, mas você sente pela expressão de alguns comportamentos que esse aluno sofre um pouco de violência, da maneira como tratam o menino, da maneira como fazem com a criança, dá pra gente perceber, mas só que é aquele tipo de violência silenciosa, você não vê, você sabe que existe, mas você não tem como provar (GFE)


132 Tais

violências,

ora

silenciosas,

ora

gritantes,

podem

desencadear

repercussões psicossociais de curto, médio e longo prazo para as crianças e jovens moradores do bairro investigado, embora este fenômeno extrapole o território aqui delimitado e se estenda pelas fronteiras entre as nações. O esforço até aqui desenvolvido tentou descortinar o fenômeno da violência e da insegurança principalmente para as crianças de 0 a 6 anos, pois esta faixa etária foi considerada em campo como a menos vulnerável por ser considerada, de acordo com as falas e notas de campo, a mais protegida pelo “seio familiar”. Entretanto, a própria dificuldade de se falar sobre a primeira infância e se abordar as questões e dilemas da primeira infância no campo apontaram para o que os pesquisadores chamaram de uma possível invisibilidade da infância. Em muitos aspectos, os holofotes e as preocupações se voltavam (e ainda se voltam) para a juventude. É preciso fortalecer o núcleo de atores e sujeitos que defendem os diretos das crianças e dos adolescentes e, sobretudo, fortalecer a fala, a presença e a participação ativa de meninos e meninas, permitindo que possam se engajar em ações para melhoria da qualidade de vida e proteção desta fase da vida tão importante

para

o

bom

desenvolvimento

humano:

as

brincadeiras,

as

experimentações, os risos e as descobertas da infância devem ser preservados com ações de apoio aos pais e responsáveis e com ações de protagonismo e proteção às crianças.

Fotografia : Rodrigo Wanderley


8 CONCLUSÕES

133

Para encerrar o presente relatório, destacamos a seguir as principais conclusões relacionadas aos objetivos centrais da pesquisa. Oportunamente, serão apontadas algumas recomendações em termos da produção científica sobre a temática em foco, bem como, na esfera das intervenções sociais e políticas públicas. 1. Com referência às duas questões mais gerais, relacionadas com as expectativas da comunidade frente à implantação da Base Comunitária de Segurança Pública (BCSP) na comunidade e sua avaliação sobre os impactos dos dois primeiros anos de implantação deste dispositivo no bairro, destacam-se dois dados contrastantes. Por um lado, tanto os dados quantitativos, quanto aqueles obtidos através dos grupos focais e entrevistas indicam que as expectativas associadas com a redução da violência foram confirmadas. Em efeito, se atribui à presença da Base Comunitária, a diminuição da violência no bairro, notadamente, a violência urbana. Neste sentido, evidencia-se um consenso entre moradores no que se refere à melhoria significativa do indicador de “sensação” de segurança. Dita sensação se reflete, conforme apontam os dados, em uma maior circulação da população, visitantes e prestadores de serviços dentro do bairro. Além disso, se ampliaram as possibilidades do uso das ruas como espaços de lazer. 2. Em contrapartida, é patente uma insatisfação generalizada no que se refere a intervenções dirigidas à melhoria da qualidade de vida do bairro. Aqui aparece claramente o sentimento de frustração, uma vez que existiam expectativas de transformações sociais associadas com a implantação da BCSP. Vale lembrar que os discursos oficiais, tanto no plano nacional, quanto nas esferas estadual e municipal reforçavam o fato de tratar-se de uma estratégia de caráter intersetorial que contemplaria investimentos em saúde, educação, saneamento básico, oferta de trabalho etc. Contudo, prevaleceu a visão de que os impactos efetivos no bairro do Calabar se restringem ao componente da segurança pública. As críticas sobre a incongruência entre o escopo anunciado e a abrangência efetiva da intervenção foram mais acirradas entre as lideranças comunitárias e/ou moradores mais antigos.


134

Cabe destacar ainda, o descontentamento generalizado como o fato de que a sede da Base Comunitária funcione na mesma sede da Associação de Moradores. Este ponto merece especial atenção das autoridades competentes e pode ser apontado como um erro estratégico com implicações para a autonomia e vitalidade da participação comunitária e do controle social no bairro.

3. As respostas relativas à conduta policial é outro ponto que merece uma menção especial. Os resultados apresentaram certa contradição

– ora

indicando uma visão que reconhece uma transformação positiva da abordagem adotada pelos agentes policiais na sua atuação no bairro, ora referindo a permanência de práticas abusivas e autoritárias. Em realidade, o estudo evidenciou um quadro de tensões e ambigüidades que refletem características que tem marcado historicamente a relação polícia-comunidade no Brasil. Constatou-se que a incorporação de um novo modelo de segurança pública, baseado no policiamento de proximidade, implica em muitos desafios no que se refere à reconfiguração da relação policia-comunidade; dinâmica espaço-territorial, incluindo efetivação do direito de ir e vir dos habitantes nos territórios; respeito a autonomia dos moradores e seus modos de vida etc.

Centrando-se no foco central da pesquisa que se situa na tríade violência, segurança pública e infância, é interessante pontuar algumas conclusões relevantes relacionadas com os seguintes aspectos abordados no estudo: sentidos e significados acerca do fenômeno da violência e suas implicações para a infância; a percepção de lideranças locais e de familiares de crianças (até 10 anos) sobre as políticas de segurança pública no bairro, e suas repercussões para a infância, considerando um paralelo entre “antes e depois” da implantação da BCSP; efeitos mais específicos da exposição a eventos violentos ou vitimização por parte das crianças do bairro.


135 1. Um dado que salta aos olhos e que requer especial atenção quando analisamos a percepção dos entrevistados (famílias, lideranças etc.) acerca da percepção sobre violência, mais especificamente, sobre os processos de vitimização, diz respeito ao fato de que as crianças despontam como “vítimas invisíveis” da violência. Quando o tema é violência urbana, os jovens são apontados como as grandes vítimas. As indagações em torno das implicações da violência sobre a infância foram tratadas como um problema secundário para a maioria dos informantes, expresso nos seguintes termos: “não tem muito problema com as crianças”. Quando o foco é a violência doméstica, prevalece a resistência dos adultos em falar do tema (“isto é assunto privado”). 2. Focalizando especificamente a violência doméstica, corroborando as tendências apontadas pela literatura brasileira, os dados quantitativos e qualitativos confirmam a “naturalização” do uso de castigos e violência física, referidos pelos informantes como estratégias “corretivas” e “educativas”. Curiosamente, a maioria dos respondentes (54%) informou discordar de tais práticas, contudo um percentual semelhante referiu sua adoção no seio da família. De fato, o relato das crianças (meninos e meninas) indicou que elas são vítimas cotidianas de agressões praticadas por agressores familiares. Um aspecto perverso deste processo refere-se ao fato de que o discurso infantil revela resignação frente a este processo e certo convencimento frente aos argumentos usados por seus progenitores ou outros parentes de que se trata de uma violência necessária dentro do processo de formação do caráter etc. 3. A convivência com múltiplas expressões de violência (simbólica, física, imagética), para além da casa (nas ruas da comunidade, fora de suas fronteiras, na TV etc.), constitui um elemento muito presente no cotidiano das crianças do Calabar. O corolário de situações relatadas sugere que o alvo das políticas públicas no Brasil tem sido bastante restrito, uma vez que se centra quase que exclusivamente em ocorrências típicas da violência urbana. Entretanto, os dados confirmam que a violência é parte constitutiva dos padrões de relações sociais e, desta forma, contribui para naturalizar ou invisibilizar sua presença em diferentes situações cotidianas, as quais afetam principalmente

os

mais

vulneráveis,

notadamente

as

crianças.

Consequentemente, as ações em curso surtem pouco efeito na reversão deste quadro.


136 4. No caso do Calabar, familiares e educadores convergem na avaliação de que a presença da base contribuiu para reduzir a exposição das crianças a episódios violentos (troca de tiros, brigas nas ruas etc.). Além disso, graças à presença da Base, se destacou que a rua volta a ser ocupada para fins de lazer, “espaço de brincar” das crianças da comunidade. Contudo, como destacado, anteriormente, a violência segue presente na vida dessas crianças, ainda que sua manifestação, bem como, seus efeitos não sejam capturados pelas estatísticas que monitoram os impactos da implantação da Base Comunitária de Segurança Pública nos respectivos territórios. 5. No tocante aos impactos da violência, considerando suas múltiplas expressões, sobre a formação e desenvolvimento das crianças do Calabar, os dados encontrados indicam efeitos nocivos em termos motivacionais, cognitivos e emocionais. Neste ponto, revelou-se especialmente útil as informações colhidas junto aos informantes que atuam com as escolas do bairro.

Destacaram-se

entre

estes,

referências

às

dificuldades

de

aprendizagem, falta de motivação, agressividade e ansiedade. É preciso admitir, ademais, o desafio de se identificar tais processos, impactos e sintomas entre as crianças, pois, muitos se camuflam e se tornam mascarados em torno de padrões e ações ditas “normais” dentro da lógica socialmente compartilhada. Reconhecemos, sobretudo, que este foi um aspecto sobre o qual a pesquisa em curso fez uma primeira aproximação. Cabe, portanto, aprofundar este tema em estudos futuros.

Espera-se que os resultados da pesquisa, apresentados ao longo deste relatório, lancem luz sobre os impactos, limites e perspectivas associadas à implantação da Base de Polícia Comunitária no bairro e contribuam para dar maior visibilidade a relação Violência, Segurança Pública e Infância, notadamente, as crianças menores. Seja na esfera da produção científica, ou das políticas públicas, ainda são escassos os investimentos dirigidos à compreensão e enfrentamento da vulnerabilidade da primeira infância frente ao fenômeno da violência, bem como, a análise acerca das potencialidades e limites da atuação da rede de proteção social. Caberia considerar ainda outros fenômenos sociais, que podem ser consideradas como violências estruturais, destacando-se aqui a pobreza e a discriminação racial.


137

Ambas as agendas – acadêmica e das políticas de segurança pública e proteção social, não podem prescindir da necessidade de escutar e pautar a criança pequena senão como foco, ao menos como parte dos sujeitos impactados, negativamente, pela violência comunitária. Parte dessa invisibilidade também se deve ao fato de ser difícil acessar e escutar as crianças pequenas, dependentes do respaldo dos adultos por ela responsáveis.

Além disso, é preciso desenvolver

mecanismos que permitam a escuta atenta, ao mesmo tempo, que não contribuam para gerar mais sofrimentos e angústias como, por exemplo, em momentos de rememoração de eventos traumáticos. Concorda-se com Noronha (2008) que é fundamental investir em ações governamentais e não governamentais no apoio e suporte aos pais e responsáveis no cuidado das crianças. A autora também sinaliza que por mais que se disseminem novas formas e teorias educativas que abordam o diálogo, o cotidiano das famílias é permeado pelas vivências e experiências dos adultos baseados em relações sociais nas quais “a geração passada serve de espelho para a geração seguinte”, mesmo que esta transmissão não ocorra de forma automática. Cabe reconhecer, certamente, as dificuldades de desenvolver ações intersetoriais. A pretensão de promover a articulação entre os diferentes setores que operam no âmbito da Proteção Social de indivíduos e coletivos, incluindo o segmento da infância, e de fomentar a cooperação entre eles de modo a potencializar as intervenções esbarra na ausência de uma cultura de trabalho em rede, na fragmentação administrativa e nas disputas por recursos e protagonismo político ou social. Considerando este cenário, considera-se especialmente oportuno o incremento de pesquisas orientadas pela participação comunitária (CommunityBased Participatory Research). Por fim, acredita-se que os processos de produção e divulgação dos dados (em canais comunitários e acadêmicos) irão fortalecer o diálogo entre a comunidade e os gestores e operadores das políticas de segurança pública no município e/ou no bairro investigado. É importante que a comunidade local sinta que sua voz é ouvida e é levada em consideração.


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145 APÊNDICE A – Carta de Apresentação

APÊNDICE B – Roteiro de Entrevistas

PROJETO - POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA E REPERCUSSÕES SOBRE A INFÂNCIA DE COMUNIDADES URBANAS DE BAIXA RENDA: SENSAÇÃO DE SEGURANÇA E EXPECTATIVAS SOBRE AS ESTRATÉGIAS EM CURSO

I - Identificação, Dados pessoais, Impressões sobre a comunidade/bairro. a. Idade, Escolaridade, Estado Civil, Raça/Cor, Presença/Ausência de crença Religiosa. b. Profissão, Renda Familiar, Tipos de Atividades que desenvolve. c. Área do bairro em que mora. d. História de Vida. e. Impressões sobre o Bairro do Calabar: i. Tempo que mora no bairro; ii. Avaliação do bairro (pontos positivos e negativos): lazer, segurança, saneamento básico, cultura, educação, equipamentos públicos, ONGs, etc.; iii. História do bairro/principais mudanças; iv. Hábitos comuns entre moradores/Redes de apoio; v. Relação com os bairros vizinhos (Alto das Pombas, Barra, Ondina, etc.); vi. Lugares mais seguros; vii. Espaços de lazer para crianças e projetos sociais existentes. II - Percepção e Vivência de violência a. Observações sobre formas/expressões de violência nos espaços públicos do bairro.


146

a. Há formas/expressões de violência presentes na escola do bairro? Como se manifestam? b. Como são tratadas as crianças nos espaços públicos do bairro do Calabar? c. Situações de discriminação e racismo nas ruas do bairro. Há ocorrência de situações de crime de racismo ou discriminação? d. Observação de outras práticas criminosas (tráfico, homicídios, roubos). Quais tipos? Quem são os principais autores? Qual a frequência de ocorrência destes crimes no seu bairro? e. Quais as consequências dos crimes para os moradores do bairro? f. Conhece casos de vítimas de violência? Que tipo de violência já sofreram tais vítimas? Algo foi realizado no sentido de resolver o problema? g. Observação de formas/expressões de violência dentro da família. Como as pessoas se relacionam dentro da família? Já observou algum caso de hostilidade e violência dentro da família? Que tipo de violência já ocorreu no espaço privado? h. Discute-se sobre violência dentro de casa? A família conversa sobre os crimes acontecidos dentro e fora do bairro? i. Como são tratadas as crianças dentro de casa? Já ouviu relatos de maus tratos em crianças na casa ou no bairro? j. Como é a relação conjugal nesta família? k. Como você fica sabendo da violência na comunidade (familiares, vizinhos, TV, jornal, rádio)? l. A mídia (televisão, rádio, jornal) é fonte confiável de informação sobre a violência na comunidade? III - Segurança Pública e Implantação da Base Comunitária de Segurança (BCS) a. Como analisa a chegada da Polícia por meio da Base Comunitária no bairro? b. O que mudou no bairro? c. Como atuava a polícia dentro do bairro antes da implantação da Base Comunitária? d. Depois da implantação da BCS a conduta da policia mudou em relação à comunidade? IV - Sensação de segurança a. Você tem medo de caminhar pelo bairro à noite? A que você atribui esse medo? b. O que acha da presença de policiais nas ruas? c. Você já deixou de fazer/realizar algo no bairro por medo? O que o impediu de fazê-lo? d. Como se percebe ao longo do dia? Há momentos de maior vigilância ou medo? Quais? O que os produz? e. Já teve algum problema de saúde provocado pelo medo ou sensação de insegurança? (Distúrbios mentais: neurose, paranoia, síndrome do pânico ou transtornos físicos: úlcera, taquicardia, hipertensão e tensão muscular, queda da resistência e quadros infecciosos).


147 f. Que recursos você utiliza para enfrentar o medo e a insegurança? A que instituições ou pessoas recorre? g. Você caminha por locais ou bairros desconhecidos? Costuma caminhar sozinho pelas ruas? h. Como se sente na própria casa? Realizou alguma medida de proteção da casa nos últimos anos? Por quê? i. Como as situações de violência afetam o dia a dia das crianças? j. As crianças demonstram ou afirmam que se sentem inseguras? k. O que pode ser feito para melhorar a segurança no bairro?

APÊNDICE C- Roteiro Grupo Focal Saúde

PROJETO - POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA E REPERCUSSÕES SOBRE A INFÂNCIA DE COMUNIDADES URBANAS DE BAIXA RENDA: SENSAÇÃO DE SEGURANÇA E EXPECTATIVAS SOBRE AS ESTRATÉGIAS EM CURSO

I – IDENTIFICAÇÃO Idade: Escolaridade: Estado civil: Bairro onde reside: Tempo de trabalho no bairro: Função exercida: II –IMPRESSÕES SOBRE O BAIRRO a. Conte um pouco sobre a sua experiência com o bairro (trabalho, interações com a comunidade). III– O BAIRRO E O TRABALHO NA UNIDADE DE SAÚDE DO CALABAR a. Explique pra gente como funciona a unidade de Saúde do Calabar. Quais as suas principais características? Quais as ações e serviços de saúde oferecidos à comunidade? b. Quais as principais demandas da população do bairro dirigidas à unidade de saúde? c. Quais são as modalidades de violência e crime mais observadas no bairro? (frequência). d. Qual o perfil dos autores e das vítimas de crime/violência ocorridas no bairro? e. Como você vê as repercussões dos eventos violentos/delituosos no bairro? f. Como a unidade de saúde lida com os eventos de violência e delito no bairro? g. Como você vê a atuação da mídia em relação a isso?


148 a. O que poderiam falar sobre a notificação compulsória de violência contra mulher e notificação de gravidez na adolescência? Que problemas foram gerados com a notificação compulsória desses casos no Calabar? IV– INFÂNCIA, SEGURANÇA PÚBLICA E VIOLÊNCIA a. Qual a sua percepção acerca das violências contra crianças no bairro? b. Comente sobre as repercussões de episódios violentos no bairro. c. Como vocês atuam com a relação às violências dirigidas às crianças? V–DESAFIOS E PERSPECTIVAS a. Faça um balanço sobre a implantação da BCS do bairro e a relação com a segurança, a violência no bairro, pontuando desafios e perspectivas. APÊNDICE D- Roteiro de Entrevista BCS

PROJETO - POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA E REPERCUSSÕES SOBRE A INFÂNCIA DE COMUNIDADES URBANAS DE BAIXA RENDA: SENSAÇÃO DE SEGURANÇA E EXPECTATIVAS SOBRE AS ESTRATÉGIAS EM CURSO

I – IDENTIFICAÇÃO Idade: Escolaridade: Estado civil: Filhos: ( ) sim ( ) não Bairro onde reside: Patente: Tempo de trabalho na corporação: Tempo de trabalho no bairro: II-IMPRESSÕES SOBRE O BAIRRO

a. Conte um pouco sobre a sua experiência com o bairro. (trabalho, interações com a comunidade).

II – O BAIRRO E O TRABALHO POLICIAL a. Explique para a gente que é uma Base Comunitária de Segurança? Quais as suas principais características? E em se distingue do policiamento tradicional? b. Descreva um pouco sobre a experiência da BSC. c. Em consiste as ações da polícia militar/o trabalho policial militar no bairro?


149 d. Em consiste as ações da polícia militar/o trabalho policial militar no bairro? e. Quais as principais demandas da população do bairro dirigidas à polícia militar? f.

Conte um pouco sobre a sua experiência de trabalho no bairro.

g. Quais são as modalidades de violência e crime mais observadas no bairro? (frequência) h. Qual o perfil dos autores e das vítimas de crime/violência ocorridas no bairro? i.

Como você vê as repercussões dos eventos violentos/delituosos no bairro?

j.

Como você a atuação da mídia em relação a isso?

III- INFÂNCIA, SEGURANÇA PÚBLICA E VIOLÊNCIA a. Qual a sua percepção acerca das violências contra crianças no bairro? b. Comente sobre as repercussões de episódios violentos no bairro . c. Como vocês atuam com a relação às violências dirigidas às crianças? IV-DESAFIOS E PERSPECTIVAS d. Faça um balanço sobre a implantação da BCS do bairro e a relação com a segurança, a violência no bairro, pontuando desafios e perspectivas APÊNDICE E – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)


150

ANEXO A Questionário Nº _______

AVANTE FUNDAÇÃO BERNARD VAN LEER UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA INSTITUTO DE SAÚDE COLETIVA – ISC

PROJETO: POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA E REPERCUSSÕES SOBRE A INFÂNCIA DE COMUNIDADES URBANAS DE BAIXA RENDA: SENSAÇÃO DE SEGURANÇA E EXPECTATIVAS SOBRE AS ESTRATÉGIAS EM CURSO

Nome do entrevistador: _________________________________ Código: ________________ Primeiro nome do entrevistado:__________________________________________________ Endereço: ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Nº Setor Censitário: __________________________________________________________ Hora de início da entrevista: _________ Término: ___________ Data: __________________

A AVANTE e o ISC/UFBA estão promovendo um estudo sobre “O IMPACTO SOBRE A INFÂNCIA DAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA E INICIATIVAS COMUNITÁRIAS EM COMUNIDADES URBANAS DE BAIXA RENDA” e você foi selecionado para participar. Suas respostas a este questionário serão tratadas de forma anônima e confidencial e nos ajudarão a compreender alguns dos problemas da nossa cidade. Por favor, responda todas as perguntas da maneira mais sincera. Sua participação é voluntária. Você pode se recusar a responder qualquer pergunta ou interromper a entrevista a qualquer momento. Agradecemos sua colaboração.


151

DE. DEMOGRAFIA DE1. Quantas pessoas moram neste domicílio, ou seja, as pessoas que dormem e fazem suas refeições na maioria dos dias da semana aqui? Considere adultos e crianças. __________ (ANOTE)

(96) Nenhuma

DE2 .Quem mora com você? (COMPORTA MAIS DE UMA RESPOSTA)

(1) Mora sozinho (2) Pai (3) Mãe (4) Irmãos ( 5) Cônjuge/ Companheiro(a) (6) Filhos (7) Netos (8) Amigos(as) (9) Outros (98) NS (99) NR DE3.Quantas pessoas com idade entre 0 e 6 anos moram na sua casa? __________ (ANOTE)

(96) Nenhuma => Passe para a questão DE6

DE4. Quando você(s) precisa(m) sair, onde costuma(m) deixar a(s) criança(s) da família?

(1) Na creche ou na escola. (2) No próprio domicílio, e elas ficam sozinhas. (3) No próprio domicílio, mas elas ficam sob os cuidados de familiares, amigos, parentes e ou conhecidos. (4) Em outro lugar, sob os cuidados de familiares, amigos, parentes e ou conhecidos. (98) NS (99) NR DE5. Quem é (são) o(s) responsável (eis) por cuidar e supervisionar a(s) criança(s) da sua casa quando ela(s) não estiver (em) na escola ou creche? (COMPORTA MAIS DE UMA RESPOSTA) (1) O pai e a mãe da criança (2) O pai da criança (3) A mãe da criança (4) O (a) irmão (ã) (5) Parentes mais próximos (avós, tios e tias de 1º grau da criança) (6) Parentes mais distantes (primos, tios e tias de 2º grau da criança) (7) Empregados (as) e/ou funcionários (as) da residência (8) Vizinhos ou amigos (9) Elas ficam sozinhas a maior parte do dia (98) NS (99) NR DE6. Quantas pessoas do domicílio trabalham com remuneração?


152

__________ (ANOTE) (96) Nenhuma DE7. A família é beneficiada por algum programa social do governo federal? (1) Sim => Qual?__________________________ (ANOTE) (2) Não (98) NS (99) NR DE8. Sexo do entrevistado (a) (NÃO PERGUNTAR, ANOTAR) 1. Masculino ( )

2. Feminino ( )

DE9. Quantos anos o (a) Senhor (a)ê tem?_________ (ANOTE) DE10. Qual das seguintes categorias descreve melhor a sua cor (LER AS OPÇÕES). (1) Branca (2) Preta (3) Parda (4) Amarela (5) Indígena (98) NS (99) NR DE11. Qual é o seu grau de instrução? (1) não sabe ler e escrever (2) ensino fundamental incompleto (3) ensino fundamental completo (4) ensino médio incompleto (5) ensino médio completo (6) ensino superior incompleto (7) ensino superior completo (98) NS (99) NR DE12. Quanto à sua situação no mercado de trabalho, você: (1) É assalariado com carteira assinada (2) É assalariado sem carteira assinada (3) É funcionário público (4) É autônomo/ trabalha por conta própria (5) É empresário (6) Faz bico (7) É estagiário ou aprendiz (remunerado) (8) Se dedica a trabalhos domésticos (9) Aposentado/pensionista (10) Não trabalha, é só estudante (11) Não trabalha, só vive de rendas (12) Está desempregado e procura emprego (13) Está desempregado e não procura emprego (14) Outros (ANOTE)________________________ (98) NS (99) NR


153

DE13. Onde você nasceu? (1) Salvador (2) Interior da Bahia (3) Em outro estado (4) Em outro país (98) NS (99) NR PE. PERCEPÇÕES SOBRE MÍDIA E VIOLÊNCIA PE1. Com que frequência você escuta rádio? (1) diariamente (2) o dia todo (3) à noite (4) ao acordar (5) só nos fins de semana (6) muito raramente (7) nunca (98) NS (99) NR PE2. Com que frequência você lê jornal ou revista? (1) todos os dias (2) três vezes por semana (3) uma vez por semana (4) muito raramente (7) nunca (98) NS (99) NR PE3. Com que frequência você assiste televisão? (1) o dia todo (2) na hora do almoço e à noite (3) à noite (4) nos finais de semana (5) muito raramente (6) diariamente (7) nunca (98) NS (99) NR PE4. Pensando na violência que existe atualmente em seu bairro, você acha que a televisão mostra: (1) Mais violência do que realmente existe (2) A mesma violência que existe na realidade (3) Menos violência do que realmente existe (98) NS (99) NR


154

PE5. O que o(a) senhor(a) acha da seguinte afirmação: “gosto de ver programas de televisão que mostrem tiros e socos” ? (1) Concordo totalmente (2) Concordo em parte (3) Não estou seguro (4) Discordo em parte (5) Discordo totalmente (98) NS (99) NR FO. FONTES DE DIFUSÃO DA VIOLÊNCIA FO1. Com que frequência você fala sobre crimes acontecidos: (1) todos os dias (2) duas ou três vezes por semana (3) de vez em quando (7) nunca (98) NS (99) NR IN. PERCEPÇÕES SOBRE INSTITUIÇÕES

Baseando-se em sua experiência e no que tem ouvido, como você qualifica a eficiência das seguintes instituições em assuntos relacionados à violência?

IN1. Polícia Civil

Muito Boa (1) 1

Boa Regular Ruim (2) (3) (4) 2

3

4

Muito ruim (5) 5

NS NR

98

99

IN2. Polícia Militar

1

2

3

4

5

98

99

IN3. Justiça

1

2

3

4

5

98

99

IN4. Defensoria Pública

1

2

3

4

5

98

99

IN5. Sistema Penitenciário (Prisões)

1

2

3

4

5

98

99

IN6. Ministério Público

1

2

3

4

5

98

99


NO. NORMAS Agora vou ler uma série de frases para saber sua opinião

NO1. Para educar uma criança é necessário o castigo físico. NO2. Existem situações nas quais é justificável que um adulto bata em uma criança que não é sua parente. NO3. Existem situações nas quais é justificável que um homem dê um tapa em sua esposa. NO4. Existem situações nas quais é justificável que uma mulher dê um tapa em seu marido. NO5. Se uma mulher for infiel ao seu marido, merece apanhar. NO6. Uma mulher tem o direito de agredir outra mulher que esteja tirando seu marido. NO7. Se as autoridades falham, nós temos o direito de fazer justiça com nossas próprias mãos. NO8. A polícia tem o direito de invadir uma casa sem autorização da justiça em qualquer circunstância. NO9. A polícia tem o direito de deter jovens que considerar suspeitos em função de seu aspecto físico. NO10. Em alguns casos é justificável que a polícia torture suspeitos para obter informações. NO11. A pena de morte é justificável.

Concordo totalmente

Concordo em parte

Não estou seguro

Discordo em parte

Discordo totalmente

NS

NR

1

2

3

4

5

98

99

1

2

3

4

5

98

99

1

2

3

4

5

98

99

1

2

3

4

5

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1

2

3

4

5

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99

1

2

3

4

5

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99

1

2

3

4

5

98

99

1

2

3

4

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1

2

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5

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1

2

3

4

5

98

99

1

2

3

4

5

98

99

NF. NORMAS FAMILIARES NF1. Com que frequência batiam em você para corrigi-lo, quando você era criança? (1) Nunca => Passe para a questão NF3 (2) Posso contar nos dedos (3) Mais ou menos uma vez por mês (4) Mais ou menos uma vez por semana (5) Quase todos os dias (98) NS (99) NR


156 NF2. Com que lhe batiam mais frequentemente quando era criança? (1) Com a mão (2) Com um chinelo (3) Com uma vara ou um cinto (4) Com um pau ou outro objeto duro (5) De todas as formas referidas acima (98) NS (99) NR NF3. O(A) Senhor(a) tem crianças entre 0 e 6 anos sob seus cuidados? (1) Sim (2) Não => Passe para a Seção VI (98) NS (99) NR

Agora vou fazer uma série de perguntas sobre como você educa ou se relaciona com o seu filho/filha.

Questões NF4. Quantas vezes, no último mês você castigou seu/sua filho(a) proibindo que ele/ela faça alguma coisa que gosta de fazer? NF5. Quantas vezes, no último mês, você teve de gritar com raiva com seu/sua filho(a) ? NF6. Quantas vezes, no último mês, você teve que dar palmadas em seu/sua filho (a)? NF7. Quantas vezes, no último mês, você bateu em outra parte do corpo, que não as nádegas, com algum objeto como um cinto ou vara?

Quase todos .os dias (>3 x sem.)

Uma vez por semana (12 x sem.)

Algumas vezes no mês (<4 vezes)

Sim, mas não no último mês

Nunca

NS

NR

5

4

3

2

1

98

99

5

4

3

2

1

98

99

5

4

3

2

1

98

99

5

4

3

2

1

98

99


157 VI. VITIMIZAÇÃO Esta seção trata de atos de violência de que você pode ter sido vítima nos últimos doze meses. Por favor, reflita sobre o que aconteceu nos últimos doze meses para responder às perguntas.

QUESTÕES

VI1. Alguém lhe roubou alguma coisa à mão armada nos últimos 12 meses?

Quantas vezes? (escreva o nº de vezes) 00 = Não aconteceu 98 = NS 99=NR

Onde ?

(1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade

(1) Sim (2) Não => (Passe para a questão seguinte)

VI2. Você assistiu algum roubo à mão armada de outra pessoa nos últimos 12 meses?

(1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade

(1) Sim (2) Não => (Passe para a questão seguinte)

VI3. Nos últimos 12 meses, algum policial ou outra autoridade pública exigiu que você entregasse algum dinheiro?

Na última vez em que você foi vítima, você recorreu à polícia?

(1) Sim (98) NS (1) Sim (98) NS

(2) Não (99) NR (2) Não (99) NR

(1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade

(1) Sim (98) NS

(2) Não (99) NR

(1) Sim (2) Não => (Passe para a questão seguinte)

VI4. Alguém que não era policial ou autoridade o ameaçou para tirar algum dinheiro nos últimos 12 meses?

(1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade

(1) Sim (98) NS

(2) Não (99) NR

(1) Sim (98) NS

(2) Não (99)NR

(1) Sim (2) Não=> (Passe para a questão seguinte)

VI5. Nos últimos 12 meses, você sofreu alguma ameaça para forçá-lo/a a mudar seu lugar de residência, mudar suas opiniões sobre alguma coisa que você sabe?

(1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade

(1) Sim (2) Não=> (Passe para a questão seguinte)

VI6. Nos últimos 12 meses, você sofreu alguma ameaça para forçá-lo/a a calar-se sobre alguma coisa que você sabe?

(1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade

(1) Sim (2) Não (98) NS (99)NR

(1) Sim (2) Não=> (Passe para a questão seguinte)

VI7. Nos últimos 12 meses, você sofreu alguma agressão ou maus-tratos de um policial?

(1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade

(1) Sim (2) Não=> (Passe para a questão seguinte)

VI8. Você foi ferido com uma faca ou outra arma branca nos últimos 12 meses?,

(1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade

(1) Sim (2) Não=> (Passe para a questão seguinte)

VI9. Você foi ferido com uma arma de fogo, como um revólver, escopeta, pistola, etc, nos últimos 12 meses?

(1) Sim (2) Não (98) NS (99)NR (1) Sim (2) Não (98) NS (99)NR

(1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade

(1) Sim ( 98) NS

(2) Não (99)NR

(1) Sim (98) NS

(2) Não (99)NR

(1) Sim (2) Não=> (Passe para a questão seguinte)

VI10. Nos últimos 12 meses, você ou algum parente próximo foi ameaçado de morte?

(1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade

(1) Sim (2) Não=> (Passe para a questão seguinte)

VI11. Você ou algum parente próximo foi seqüestrado nos últimos 12 meses?

(1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade

(1) Sim (2) Não=> (Passe para a questão seguinte)

VI12. Algum parente próximo foi assassinado nos últimos 12 meses.

(1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade

(1) Sim (2) Não=> (Passe para a questão seguinte)

VI13. Nos últimos 12 meses você foi vítima de assalto?

(1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade

(1) Sim (2) Não=> (Passe para a questão seguinte)

VI14. Nos últimos 12 meses você foi vítima de arrombamento? (1) Sim (2) Não=> (Passe para a questão seguinte)

(1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade

(1) Sim (2) Não ( 98) NS (99)NR (1) Sim (2) Não ( 98) NS (99)NR (1) Sim (2) Não (98) NS (99)NR (1) Sim (2) Não (98) NS (99)NR


158

QUESTÕES

Quantas vezes? (escreva o nº de vezes) 98 = NS / 99=NR 00 = Não aconteceu)

VI15. Nos últimos 12 meses você foi vítima de agressões ou ameaças? (1) Sim (2) Não=> (Passe para a questão seguinte) VI16. Nos últimos 12 meses você foi vítima de furto de propriedade? (1) Sim (2) Não=> (Passe para a questão seguinte) VI17. Nos últimos 12 meses você foi vítima de roubo de carro? (1) Sim (2) Não=> (Passe para a questão seguinte) VI18. Nos últimos 12 meses você foi vítima de furto de objeto de dentro do carro? (1) Sim (2) Não=> (Passe para a questão seguinte) VI19. Nos últimos 12 meses você foi vítima de roubo de bicicleta ou motocicleta? (1) Sim (2) Não=> (Passe para a questão seguinte) VI20. Nos últimos 12 meses você foi vítima de ofensas sexuais? (1) Sim (2) Não=> (Passe para a questão seguinte) VI21. Nos últimos 12 meses você foi vítima de ofensas raciais? (1) Sim (2) Não=> (Passe para a seção SP)

Onde ?

(1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade (1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade (1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade (1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade (1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade (1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade (1) Bairro onde mora (2) Outro local da cidade

Na última vez em que você foi vítima, você recorreu à polícia?

(1) Sim (2) Não (98) NS (99)NR

(1) Sim (2) Não (98) NS (99)NR

(1) Sim (2) Não (98) NS (99)NR

(1) Sim (2) Não (98) NS (99)NR

(1) Sim (2) Não (98) NS (99)NR

(1) Sim (2) Não (98) NS (99)NR

(1) Sim (2) Não ( 98) NS (99)NR

SP.PERCEPÇÕES SOBRE SEGURANÇA PESSOAL SP1. Para sua segurança pessoal você: (COMPORTA MAIS DE UMA RESPOSTA) (1) tem arma de fogo (2) usa outro objeto de defesa (3) pratica alguma luta ou arte marcial (4) quando sai a noite está sempre acompanhado/a (5) não aceita abordagem de pessoas estranhas (6) confia em forças divinas para a sua segurança (9) Nenhuma


159

SP2. Com relação a sua segurança pessoal, como você se sente nos seguintes lugares: QUESTÕES SP21. Bairro

MUITO SEGURO 4

SEGURO

INSEGURO

3

2

MUIRO INSEGURO 1

SP22.Casa/residência

4

3

2

1

SP23. Transporte coletivo

4

3

2

1

SP24. Transporte individual

4

3

2

1

SP25. Ruas e praças públicas

4

3

2

1

SP26. Bares e restaurantes

4

3

2

1

SE27. Posto de Saúde

4

3

2

1

SP28. Escola ou universidade

4

3

2

1

SE29. Local de trabalho

4

3

2

1

4

3

2

1

4

3

2

1

NS

NR

98

99

98

99

98

99

98

99

98

99

98

99

98

99

98

99

98

99

98

99

98

99

SE210. Estádios ou ginásios de esporte SE211. Shopping

SP3. Para a segurança do seu lar você dispõe de: (COMPORTA MAIS DE UMA RESPOSTA) (1) fiscalização de vizinhos (2) grade (3) cadeado (4) cão de guarda (5) muro alto (6) arma de fogo (7) nenhuma (8) Outros___________________(ANOTE)

BS. PERCEPÇÕES SOBRE SEGURANÇA COMUNITARIA (BASE COMUNITÁRIA DE SEGURANÇA)

BS1. O(A) Senhor(a) sabe diferenciar as funções da polícia civil e da polícia militar? (1) Sim (2) Não (98) NS (99) NR


160 BS2.Com que frequência o (a) Senhor(a) vê policiais militares na sua vizinhança ou proximidade: (1) Quase todos os dias (2) Uma vez por semana (3) Algumas vezes por mês (7) Nunca (98) NS (99) NR BS3. Você considera a ação da polícia no bairro: (1) Muito boa (2) Boa (3) Nem boa nem ruim (4) Ruim (5) Muito ruim (98) NS (99) NR BS4. A polícia funciona para resolver os problemas dos moradores do bairro: (1) Concordo totalmente (2) Concordo em parte (3) Não estou seguro (4) Discordo em parte (5) Discordo totalmente (98) NS (99) NR BS5. Sobre a Base Comunitária de Segurança no seu bairro, você: (1) Conhece muito (2) Conhece pouco (3) Só de ouvir falar (4) Nunca ouviu falar (98) NS (99) NR BS6. Com a implantação da Base Comunitária de Segurança no bairro, a qualidade de vida no local: (1) Melhorou muito (2) Melhorar pouco (3) Nem melhorou nem piorou (4) Piorou pouco (5) Piorou muito (98) NS (99) NR BS7. Para você, o principal propósito da Base Comunitária de Segurança no bairro é: (1) (2) (3) (4) (5)

Implantação de política social Atuação da polícia comunitária Propaganda do governo Combate às armas Combate ao tráfico de drogas


161 (98) NS (99) NR Vou ler algumas frases para saber sua opinião.

BS8. Com a implantação da Base Comunitária de Segurança no bairro, eu posso ir a qualquer lugar que eu quiser a qualquer hora. (1) Concordo totalmente (2) Concordo em parte (3) Não estou seguro (4) Discordo em parte (5) Discordo totalmente (98) NS (99) NR BS9. Com a implantação da Base Comunitária de Segurança no bairro, a probabilidade de sofrer agressão, assalto ou outra violência. (1) Aumentou muito (2) Aumentou pouco (3) Nem aumentou, nem diminuiu (4) Diminuiu pouco (5) Diminuiu muito (98) NS (99) NR BS10. A polícia trata bem os moradores do bairro. (1) Concordo totalmente (2) Concordo em parte (3) Não estou seguro (4) Discordo em parte (5) Discordo totalmente (98) NS (99) NR BS11. A operação policial de implantação da Base Comunitária de Segurança no bairro respeitou os direitos dos moradores. (1) Concordo totalmente (2) Concordo em parte (3) Não estou seguro (4) Discordo em parte (5) Discordo totalmente ( 98) NS (99) NR


162 AS. ANÁLISE DE SITUAÇÃO

AS1. De modo geral, você acha que daqui a cinco anos a sua cidade vai estar: (1) Melhor que agora (2) Como está agora (3) Pior que agora (98) NS (99) NR AS2. Você acha que dentro de cinco anos o seu bairro vai estar: (1) Melhor que agora (2) Como está agora (3) Pior que agora (98) NS (99) NR AS3. Pensando em como está a questão da segurança hoje no seu bairro, você acredita que: (1) Deve mantê-lo como está (2) Deve fazer algumas reformas (3) Deve mudá-lo totalmente (98) NS (99) NR AS4. Com a implantação da Base Comunitária de Segurança no bairro, pensando nos aspectos a seguir você acredita que: Melhorou muito (1)

Melhorou pouco (2)

Nem melhorou, nem piorou (3)

Piorou pouco (4)

Piorou muito (5)

NS

NR

AS41. EDUCAÇÃO AS42. SAÚDE AS43. MORADIA AS44.REDE DE ESGOTO

1 1 1 1

2 2 2 2

3 3 3 3

4 4 4 4

5 5 5 5

98 98 98 98

99 99 99 99

AS45.COLETA DE LIXO

1

2

3

4

5

98

99

AS46. LAZER

1

2

3

4

5

98

99

AS47. SEGURANÇA PÚBLICA

1

2

3

4

5

98

99

AS5. Pessoas como você podem influir para alterar a situação de violência na comunidade? (1) Concordo totalmente (2) Concordo em parte (3) Não estou seguro (4) Discordo em parte (5) Discordo totalmente (98) NS (99) NR


Travessa Baependi, 222- Ondina, Salvador/BA,CEP:40.170-090 Tel. 71 3332.3344 / avante@avante.org.br www.avante.org.br

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