Revista Observatório Social

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foto: Sérgio Vignes

Os esquemas são sempre os mesmos e passíveis de rastreamento. Em resumo, acontece assim: 1. A quadrilha consegue, com a ajuda da Secretaria de Meio Ambiente, autorizações forjadas de desmatamento e limpeza de área. Muitas vezes, a área autorizada nem tem potencial madeireiro. No papel, contudo, têm árvores e restos de madeira que recebem autorização para ser retirados. 2. Os papéis viram moeda no mercado paralelo de carvão: são usados para justificar madeira retirada de áreas de preservação e de terras indígenas. O carvão ilegal passa a ter um documento informando que veio de um lugar, mas na verdade veio de outro.

mento e do trabalho escravo. Recebem carvão ou madeira de outros locais e vendem como se fosse delas. E parte do setor siderúrgico é conivente. Seria muito fácil para as siderúrgicas perceberem isso. Elas conhecem, mais do que ninguém, o potencial produtivo de um forno. Se esse forno está além de 100%, é porque está sendo usado para esquentar carvão. Outra forma que as siderúrgicas usam para maquiar carvão é o de fazer vistas grossas e comprar de qualquer um que tenha uma carga para vender. “A sede de carvão é tanta que já virou folclore”, conta Roberto Scarpari, do escritório do Ibama em Marabá. Uma das histórias que fazem parte do folclore é a seguinte: se você estiver indo fazer um churrasco, não passe em frente a uma siderúrOutra forma de esquentar carvão é a inserção indevida de gica. A empresa vai fazer de tudo para te convencer a créditos de madeira nos sistemas informatizados de contro- cancelar a festa e vender o carvão. le e fiscalização do governo do Pará. Crédito de madeira é a quantidade do produto que pode ser negociado por uma Conivência empresa. Esse crédito está registrado no sistema. O esquema Durante uma semana, acompanhamos a rotina do Ibama criminoso que opera nos porões do governo do Pará controla na cidade de Marabá. Apesar do folclore popular em torno a inserção indevida de créditos. Com mais créditos, o madei- do tema, o assunto carvão é considerado o mais grave crime ambiental naquela região. “O negócio de carvão ilereiro pode desmatar mais do que tinha sido autorizado. A inserção indevida acontece, por exemplo, quando gal envolve grandes somas de dinheiro e é controlado por uma empresa tem autorização para movimentar mil metros empresários e políticos de alto escalão. Tem muito político cúbicos de madeira. Mas, do dia para a noite, esses mil sendo financiado e visceralmente ligado a esses esquemetros viram 10 mil metros cúbicos. mas”, diz Roberto Scarpari. Como mais da metade da produção de ferro-gusa é reaCom um escritório pequeno, uma equipe enxuta e uma lizada com carvão não monitorado pelos mecanismos de região gigantesca para fiscalizar, o trabalho do Ibama se controle das siderúrgicas, pode-se afirmar que o mercado torna uma frenética batalha diária para tentar minimizar paralelo é mais dinâmico que o mercado oficial. A pro- o impacto ambiental. dução de ferro-gusa, apesar dos esforços anunciados pelas Durante os dias em que acompanhamos a fiscalizaempresas, continua com o mesmo grau de ilegalidade de ção na PA-150, mais da metade dos caminhões de carvão 2005, quando o relatório do Ibama apontou percentuais parados pelo Ibama usavam documentos forjados para muito parecidos com os que encontramos atualmente. justificar a carga, segundo apuraram os agentes. Todos os É importante considerar, contudo, que o enfrentamento caminhões tinham o mesmo endereço: o polo siderúrgido trabalho escravo avançou bastante. Do ponto de vista co de Marabá. Da carga identificada como irregular, 90% trabalhista, as carvoarias cadastradas pelas empresas, em sua estava endereçada às empresas Sidepar e Cosipar. grande maioria, registraram os trabalhadores e passaram a Na rodovia PA-150, distante 144 quilômetros de cumprir a legislação. Mas também passaram a lavar carvão Marabá, Jucundá estava levemente esfumaçada no final proveniente de empresas não cadastradas e não monitoradas. de março. Terminava o período de chuvas mais pesado e Na PA-150, as carvoarias que fornecem para o setor estava mais do que na hora de atear fogo na madeira e siderúrgico trabalham, na média, com mais da metade de colocar os fornos para trabalhar. carvão ilegal. Como elas são as fornecedoras cadastradas Na Amazônia, o final do período de chuvas marca o pelas siderúrgicas, mas não conseguem produzir todo o início do calor mais pesado, aquele bafo úmido e dengusa que a indústria precisa, acabam se tornando lavan- so que nos empurra para sombra mais próxima. O fim derias de si mesmas, financiadoras do carvão do desmata- das chuvas também anuncia a época de fazer carvão nos

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