NPC: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------CENTRO DE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ARTES ESPECIALIZAÇÃO EM COMUNICAÇÃO POPULAR E COMUNITÁRIA

MÁRIO ROGÉRIO PINTO DE CAMARGO

NÚCLEO PIRATININGA DE COMUNICAÇÃO Uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

Londrina 2012


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MÁRIO ROGÉRIO PINTO DE CAMARGO

NÚCLEO PIRATININGA DE COMUNICAÇÃO Uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

Esta monografia é requisito parcial para a obtenção do certificado de especialização em Comunicação Popular e Comunitária pela Universidade Estadual de Londrina

Orientador: Prof. Dr. Rozinaldo Antonio Miani

Londrina 2012


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MÁRIO ROGÉRIO PINTO DE CAMARGO

NÚCLEO PIRATININGA DE COMUNICAÇÃO Uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira

Esta monografia é requisito parcial para a obtenção do certificado de especialização em Comunicação Popular e Comunitária pela Universidade Estadual de Londrina

BANCA EXAMINADORA

______________________________________ Prof. Dr. Rozinaldo Antonio Miani (orientador) Universidade Estadual de Londrina

______________________________________ Profa. Dra. Luzia Mitsue Yamashita Deliberador Universidade Estadual de Londrina

______________________________________ Prof. Dr. José Mário Angeli Universidade Estadual de Londrina


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“Os proletários nada têm a perder a não ser as algemas. Têm um mundo a ganhar”.

(Karl Marx; Friedrich Engels, Manifesto Comunista)


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Agradecimentos

A Ana e Murilo pelo tempo em que deixamos de estar juntos. A Luzia Deliberador pela paciência. A Rozinaldo Miani pela inspiração e incentivo. A meus pais.


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LISTA DE SIGLAS

Abraço - Associação Brasileira de Rádios Comunitárias CUT - Central Única dos Trabalhadores FARC - Forças Armadas Revolucionários da Colômbia FNDC - Fórum Nacional pela Democratização dos Meios de Comunicação MAS - Mídia Accontabilit Sistems MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra NPC - Núcleo Piratininga de Comunicação ONG - Organização Não-Governamental


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CAMARGO, Mário Rogério Pinto de. Núcleo Piratininga de Comunicação: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira. 2012. 72 f. Monografia (Especialização em Comunicação Popular e Comunitária). Departamento de Comunicação. Universidade Estadual de Londrina. 2012.

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo mostrar como a experiência do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), formado por militantes de movimentos sociais e do movimento sindical, jornalistas, sociólogos e professores universitários contribui para uma comunicação contra-hegemônica. Para tanto foi realizada Análise de Discurso da programação do 15º Encontro Anual do NPC realizado na cidade do Rio de Janeiro entre os dias 11 e 15 de Novembro de 2009. O NPC atua na realização de cursos, palestras, oficinas sobre história dos trabalhadores, neoliberalismo, comunicação popular, entre outros, além de um grande encontro nacional anual. Essas atividades aprofundam as questões em torno da necessidade da construção de uma comunicação dos trabalhadores para a disputa da hegemonia. Discussão que ressalta a importância cada vez maior da comunicação na sociedade e demonstra como os modelos dos veículos de comunicação comercial não se preocupam em colocar a classe trabalhadora como protagonista em sua programação.

Palavras Chave: Comunicação Popular, Núcleo Piratininga, Contra-hegemônica.


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CAMARGO, Mário Rogério Pinto de. Núcleo Piratininga de Comunicação: uma experiência de contra-hegemonia na comunicação brasileira. 2012. 72 f. Monografia (Especialização em Comunicação Popular e Comunitária). Departamento de Comunicação. Universidade Estadual de Londrina. 2012.

ABSTRACT

This work aims to demonstrate how the experience of Piratininga Communication Center (NPC), which is consisted of militants of social movements and labor union associations, journalists, sociologists, professors, contribute to a counter-hegemonic communication. For this, there was a Discourse Analysis of the schedule of the 15th NPC Annual Meeting, held in the city of Rio de Janeiro, on November 11 to 15th, 2009. NPC operates in courses, lectures, workshops on the workers´ history, neoliberalism, popular communication and other matters.

Besides that, a large

annual national meeting takes place in order to deepen such issues whose topics refer to the necessity of building a communication process by the workers to dispute hegemony in the society. This discussion is in view of the increasing importance of the communication movement in the society, and the models of commercial vehicles of communication that are not concerned about placing the working class as the protagonist in their program.

Keywords: Comunicação Popular, Núcleo Piratininga, Contra-hegemônica.


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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...........................................................................................

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CAPÍTULO 1 - ALGUMAS PRELIMINARES CONCEITUAIS .....................

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1.1 - Comunicação Comunitária ..............................................................

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1.2 - Comunicação Popular .....................................................................

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1.3 - Comunicação Popular e Comunitária ..............................................

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1.4 - Comunicação, Cidadania e Práticas Educativas .............................

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1.4.1 - Nossa história já começou desigual ......................................

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1.4.2 - Evolução e involução da sociedade urbanizada no Brasil ..

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1.4.3 - A atualidade da luta pela cidadania ......................................

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CAPÍTULO 2 - MÍDIA, MOVIMENTOS E MOBILIZAÇÕES SOCIAS ..........

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2.1 - Concentração dos meios de comunicação......................................

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2.2 – Cobertura dos movimentos sociais ................................................

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2.3 – Melhoria da comunicação popular .................................................

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2.4 – Regulamentação dos meios...........................................................

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CAPÍTULO 3 - SOBRE HEGEMONIA ........................................................

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CAPÍTULO 4 - NÚCLEO PIRATININGA DE COMUNICAÇÃO....................

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CAPÍTULO 5 - 15º CURSO ANUAL DO NPC: DISCURSO E CONTRA-HEGEMONIA ......................................................

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5.1 – O Discurso ......................................................................................

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5.2 - Análise de Discurso do 15º Curso Anual do NPC...........................

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5.2.1 – A programação do encontro.................................................

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................

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REFERÊNCIAS ...........................................................................................

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ANEXOS .....................................................................................................

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ANEXO A - Conheça o NPC .......................................................................

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ANEXO B - Programação do 15º Curso Anual do NPC ..............................

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APÊNDICE ..................................................................................................

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INTRODUÇÃO

O objeto de análise deste trabalho é a atuação do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC). Criado entre o final de 1994 e o início de 1995, o NPC constitui-se em um grupo de militantes de movimentos sociais e do movimento sindical, jornalistas, sociólogos e professores universitários preocupados em desenvolver, discutir e contribuir de alguma maneira com a comunicação dentro do campo delimitado como comunicação popular e comunitária (movimentos, sindicatos e outras organizações de expressão popular). Nesse sentido, pretende-se descrever e analisar o trabalho realizado pelo NPC, a fim de demonstrar uma experiência de comunicação contra-hegemônica no Brasil, e compreender o contexto particular de realização de seu 15º Curso Anual. Num país invadido pelo discurso único, por métodos e políticas de comunicação concentradoras, conservadoras e globalizadas, que em nada contribuem para a democratização e para a emancipação das camadas populares da sociedade, conhecer a experiência do NPC é de grande importância. Para tanto, este trabalho realiza um levantamento histórico sobre o surgimento do NPC e os objetivos de sua atuação. Além disso, contextualiza a cobertura da chamada grande imprensa sobre a classe trabalhadora, os movimentos sociais e sindicais no Brasil, para então buscar demonstrar como o NPC tem contribuído para contrapor o discurso hegemônico na mídia propondo debates, reflexões e alternativas de comunicação no campo popular e comunitário. Esta análise ainda busca conceituar a questão da hegemonia para justificar o conceito de comunicação contra-hegemônica. O corpus da análise a ser desenvolvida aqui é a programação do 15º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação, realizado entre os dias 11 e 15 de novembro de 2009, no Rio de Janeiro. Para dar base metodológica ao estudo, será utilizada a Análise de Discurso, tendo em vista o interesse de debater as razões das pautas adotadas para os encontros nacionais do NPC. Antes de navegar diretamente sobre o objeto de estudo desta monografia, considera-se necessário discorrer sobre alguns conceitos que, de certa forma, contribuirão para a análise posterior dos assuntos em pauta.


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Dentre esse universo conceitual é importante compreender a distinção e as conjunções entre comunicação popular e comunitária, que muitas vezes é ignorada e, com isso, pode vir a causar confusões durante o desenrolar das análises. O leitor encontrará ainda uma reflexão da importância da comunicação como prática educativa, ainda mais no seio do esboço aqui delimitado: o campo da comunicação popular. Isso será realizado no primeiro capítulo. No segundo capítulo, para situar a discussão, opta-se por construir um quadro sobre a relação da mídia brasileira com os movimentos sociais no país, principalmente em relação ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Com esse olhar pode-se compreender melhor os pré-conceitos e os esquecimentos propositais em alguns momentos e a exacerbação da crítica que a mídia dispensa a esses personagens sociais. Em seguida, faz-se necessária uma reflexão conceitual sobre hegemonia, na medida em que se reconhece o caráter contra-hegemônico desempenhado pelo NPC nos processos político-ideológicos na sociedade brasileira atual. Construído esse mosaico teórico-conceitual que circunda o tema deste trabalho segue-se, enfim, para as análises relacionadas diretamente ao Núcleo Piratininga de Comunicação. Num primeiro momento (capítulo 4) apresentamos as principais informações a respeito da organização popular em questão, a partir, principalmente, de entrevista realizada com um dos seus principais idealizadores, Vito Giannotti. No capítulo seguinte, após uma breve reflexão sobre a metodologia da Análise de Discurso, apresentamos análises relacionadas ao 15º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação na busca para compreender o papel do NPC para a formação e o apoio aos movimentos populares espalhados pelo Brasil.


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CAPÍTULO 1: ALGUMAS PRELIMINARES CONCEITUAIS

1.1 - Comunicação Comunitária

As perspectivas da Comunicação Comunitária estão demarcadas por algumas características bastante definidas: a cidadania e a participação como conquista. A busca da Comunicação Comunitária é gerar a consciência das pessoas enquanto sujeitas de seu processo de crescimento e transformação por meio da prática constante da participação e da construção da cidadania. Entenda-se por cidadania a consciência que todos devemos atingir sobre a conquista de nossos espaços de expressão, convivência e de decisão. Direito que todos devemos conquistar de participar das trocas simbólicas de uma sociedade. Como caminho para essa conquista, para estimular a cidadania, se faz necessário levar em consideração a questão da localidade. Estabelecer que é no ambiente local e no tempo cotidiano que se deve buscar e estimular a participação, gerando necessariamente a consciência crítica e o questionamento em relação à realidade. A Comunicação Comunitária se estabelece, então, não somente como um grande instrumento, mas como elemento estruturador, como um processo pedagógico. Como nos disse Paulo Freire, a comunicação é um ato pedagógico e a educação é um ato comunicativo. É nesse sentido que a Comunicação Comunitária deve agir. Uma comunicação que revele as contradições da sociedade e que desperte a crítica como maneira de superar dificuldades e para que haja uma compreensão mais aprimorada da realidade. Pedro Demo afirma que a participação “não é dádiva, é reivindicação. Não é concessão, é sobrevivência. Participação precisa ser construída, forçada, refeita e recriada” (DEMO, 1996: 18). A Comunicação Comunitária exige a participação das pessoas na sua construção. Quanto maior o nível de participação, maior o nível de democratização das decisões. Maior a partilha do poder. Por isso, democratizar a comunicação significa também democratizar a sociedade. Porém, o que não está explícito na Comunicação Comunitária é a consciência de classe. A busca pela solução entre a exploração capital e trabalho. Isso não quer


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dizer que a participação e a Comunicação Comunitária não caminhem para isso. Novamente Paulo Freire nos remete para um recorte bastante classista. Para ele, a consciência gerada na participação tem que necessariamente mostrar a relação de mais valia entre quem produz e quem detém o capital. Apesar disso, o objetivo central da Comunicação Comunitária é despertar a participação¹.

1.2 - Comunicação Popular

Podemos classificar como a primeira experiência de Comunicação Popular no Brasil a imprensa anarquista do início do século XX. Essa imprensa era produzida principalmente por imigrantes europeus que, fugindo das perseguições aos comunistas, ocorridas principalmente na Itália, Espanha e Alemanha, procuraram no Brasil uma nova seara para o trabalho e para a atividade política. Esse era um momento importante no Brasil, já que o processo produtivo deixava de ser manufatureiro e passava a ser executado em larga escala. As cidades brasileiras recebiam cada vez mais imigrantes e pessoas vindas da zona rural. Todos sonhando com uma vida melhor na zona urbana. Esse momento da revolução industrial brasileira, se assim podemos chamá-la, propiciava um ambiente novo e fértil para a discussão sobre capital e trabalho. Algo que já estava principalmente na pauta dos debates dos imigrantes europeus. Esse relacionamento entre os anarquistas e os trabalhadores urbanos se deu sobremaneira através de jornais. Esses jornais tratavam da exploração do capital sobre

a

mão-de-obra

e

da

necessidade

de

que

os

trabalhadores

se

conscientizassem da exploração estabelecida sobre eles naquele momento e que essa era uma forma adotada em outros países. Era uma comunicação dirigida à classe trabalhadora, mas não necessariamente produzida pelo proletariado da época. Estas são algumas bases da chamada Comunicação Popular. Um recorte nitidamente classista sobre as relações de trabalho exploradoras e sobre a organização de uma sociedade mais igualitária visando o socialismo. ______________ ¹ Importante considerar ainda o papel exercido pelas novas tecnologias no que concerne à comunicação comunitária que segue além dos limites geográficos e de participação citados. A possibilidade de mobilização e reivindicação possibilitadas pelas redes sociais configura-se em instrumento de grande valia para movimentos sociais e outros tipos de organizações populares; pois também estabelecem formas de integração entre cidadãos e cidadãs com interesses em comum, mesmo que distantes do ponto de vista geográfico. A ‘aproximação’ cibernética se consolida com uma aliada na busca de maior participação social.


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Depois da experiência pioneira do movimento anarquista que permaneceu forte até meados da década de 1940, pode-se tomar como exemplo de Comunicação Popular a comunicação dos partidos de esquerda no Brasil, quase sempre clandestinos. Eles tinham praticamente a mesma pauta da experiência de comunicação dos anarquistas. Um pouco mais recentemente observa-se no Brasil a comunicação no meio sindical fazendo esta leitura sobre a exploração da classe trabalhadora e as reivindicações pelo direito a melhores salários, condições de trabalho, dentre outras pautas. Diferentemente da Comunicação Comunitária, que exige a participação efetiva na construção do processo de comunicação, sem necessariamente fazer uma discussão sobre classe trabalhadora, a Comunicação Popular é uma comunicação feita para a classe trabalhadora, mas não necessariamente por ela. Exemplos mais recentes em alguns sindicatos demonstraram que é possível manter um nível importante de participação na construção da comunicação sindical, desde que esteja absolutamente evidente a disputa de classe na nossa sociedade. A respeito da comunicação popular, afirma Cicília Peruzzo:

[...] o popular situa-se no universo dos movimentos sociais. Como escreveu Canclini, trata-se de uma nova maneira de pensar o popular, ligando comunicação e cultura. Ela ocupa-se da comunicação no contexto de organizações e movimentos sociais vinculados às classes subalternas (PERUZZO, 1998: 119).

Outras autoras que contribuem para a definição de Comunicação Popular são Luzia Deliberador e Ana Rampazzo que comentam: [...] a Comunicação Popular é uma comunicação de resistência, reivindicação e pressão, ligada a movimentos populares e à luta de classes, constituindo-se enquanto veículo de manifestações de suas causas, anseios e interesses. (DELIBERADOR, 2005: 08)


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1.3 - Comunicação Popular e Comunitária Tanto o modelo de Comunicação Comunitária quanto o de Comunicação Popular definidos acima contribuem de alguma maneira para a democratização da comunicação no Brasil, bem como para a construção de espaços de trocas simbólicas, espaços de manifestação de pessoas que, em outras formas de comunicação comerciais, não teriam chance de expressão da sua realidade, dos seus desejos, de sua identidade. A trajetória das atividades do Núcleo Piratininga de Comunicação demonstra exatamente esses aspectos positivos. Inicialmente suas palestras, oficinas e cursos prioritariamente estavam mais voltados para a melhoria e ampliação da comunicação no movimento sindical, em uma perspectiva contra-hegemônica da classe trabalhadora. Não abandonando essa perspectiva, a demanda dos movimentos sociais e os resultados alcançados na comunicação sindical aproximaram ainda mais o NPC de outros setores organizados da sociedade, como Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e de todas as formas de organizações urbanas, principalmente como tem ocorrido nas comunidades do Rio de Janeiro. A cada ano, o Encontro Nacional do NPC tem atraído, além de militantes e dirigentes sindicais, pessoas ligadas a organizações de bairro, direitos humanos, estudantes e professores, inclusive aproximando as universidades da temática tratada pelo NPC. Este fenômeno de aproximação de interesses é notado por Peruzzo: [...] o caráter mais combativo das comunicações populares – no sentido político-ideológico, de contestação e projeto de sociedade – foi cedendo espaço a discursos de experiências mais realistas e plurais (no nível do tratamento da informação, abertura à negociação) e incorporando o lúdico, a cultura e o divertimento com mais desenvoltura, o que não significa dizer que a combatividade tenha desaparecido. Houve também a apropriação de novas tecnologias da comunicação e incorporação do acesso à comunicação como direito humano. (PERUZZO, 2006: 06)

A diversidade de grupos de interesse e a experiência acumulada desde a década de 1990 culminaram em atividades de cunho comunitário, mas ainda no sentido reivindicatório, seja na luta por melhores condições de vida, pelos direitos humanos, entre outros. Exemplo disso é o trabalho desenvolvido pelo NPC desde 2003 nos cursos de Comunicação Comunitária ministrados. Normalmente, o curso é


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voltado a lideranças de comunidades e movimentos populares; estudantes de comunicação moradores de favelas; e estudantes e jornalistas ligados aos movimentos sociais do Rio de Janeiro. Durante o curso os alunos têm aulas sobre história do Brasil, história da classe trabalhadora, teoria e técnica de comunicação, entre outras. O resultado final do curso é a produção do jornal Vozes das Comunidades. A publicação é produzida pelos próprios alunos, desde a elaboração da pauta passando pela apuração e produção de textos. Nesse sentido o NPC se estabelece como espaço potencializador das perspectivas da Comunicação Popular e da Comunicação Comunitária como convergentes e não como antagônicas. Elementos de construção utilizados na Comunicação Comunitária podem ser utilizados na ótica da Comunicação Popular, dando força a ela. Os aspectos Comunitários, se tratados sob a ótica da luta de classes e contra-hegemônica contribuem sobremaneira para a libertação das populações marginalizadas dos direitos atribuídos a outros setores da sociedade, como o da Educação, da Moradia, da Saúde, entre outros. Esses aspectos acabam por influenciar a pauta dos encontros do NPC, como poderá ser percebido mais adiante.

1.4 - Comunicação, Cidadania e Práticas Educativas

Não há como compreender a evolução de uma sociedade e/ou suas contradições se não levarmos em consideração as diferenças e costumes construídos e reconstruídos nas trocas sociais. Por isso, se faz necessário tentar compreender a evolução da sociedade brasileira para lançar um estudo mais sistematizado dos problemas a que se pretende debruçar este trabalho. É necessário também compreender a busca e a resistência das populações oprimidas no processo de formação da nação brasileira.

1.4.1 - Nossa história já começou desigual

Ao se observar com afinco a história do Brasil percebe-se, em um país ainda “adolescente”, que a participação efetiva da população em busca de seus direitos e


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deveres e, portanto, em busca da sua cidadania plena, é algo que ainda está em construção. Assim como um adolescente que começa a testar seus limites e a conhecer novos horizontes. Afinal, o homem é um ser inacabado. A história do nosso país, desse ponto de vista, não é alegre e nem deve servir de exemplo. A exploração da natureza e a exploração de mulheres e homens que aqui já viviam, de longe, é a mostra da desconsideração do local, do desprezo pelas culturas já instaladas. Um desrespeito ao diferente. O pensamento absolutista e a chaga dominadora dos ditos colonizadores europeus dizimaram não apenas corpos, mas sim histórias e costumes. Valores importantíssimos para compreendermos essa teia de tramas estabelecidas objetiva e subjetivamente entre as pessoas de um mesmo grupo e também de grupos diferentes. “Para que se prestem à utilidade desejada, as colônias não podem ter o necessário para subsistir por si, sem dependência da Metrópole”. Esse era o pensamento do Marquês de Pombal, em carta escrita em 1776 ao embaixador da França sobre medidas tomadas pelo governo português em relação ao Brasil. Não bastasse isso, o modo de produção extrativista e escravista estabeleceu em nossa pátria relações de poder exacerbado. Negras e negros, índias e índios, e até mesmo europeus, foram explorados em sua força de trabalho e em suas dignidades. A exclusão, entendida aqui na maior gama de sentidos que possa absorver, é uma marca que nos acompanha ainda hoje. Mas a cultura europeia também absorveu elementos da cultura de resistência existente na terra brasilis. Tanto os costumes indígenas como os costumes africanos estão presentes nos hábitos dos brasileiros. Não houve, porém, praticamente nenhuma mudança na relação de poder entre os euro-descendentes, índios e afrodescendentes. Segundo Caio Prado Junior,

Naquele passado se constituíram os fundamentos da nacionalidade: povoou-se um território semi-deserto, organizou-se nele vida humana que diverge tanto daquela que havia aqui, dos indígenas e suas nações, como também, embora em menor escala, da dos portugueses que empreenderam a ocupação do território. Criou-se no plano das realizações humanas algo novo (PRADO JÚNIOR, 1987: 10).

Além da abordagem histórica, que colabora sobremaneira para embasar de forma convincente os argumentos a serem defendidos aqui, também opta-se por


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fazer um rápido debate sobre a influência interna e externa nas relações de produção estabelecidas nesses cinco séculos da história da formação e da transformação da nação brasileira.

1.4.2 - Evolução e involução da sociedade urbanizada no Brasil

Dizem alguns autores que a globalização da economia no planeta Terra teve início com o advento das grandes navegações em busca de novas nações a serem colonizadas e em busca de novos mercados. Após esse período, cada vez mais os modos de produção, os modelos de organização social e política foram influenciados por concepções externas. Mais recentemente, após a chamada segunda Revolução Industrial, no início do século XX, o modo de produção industrializado, as sociedades cada vez mais urbanizadas, influenciadas por esse novo modelo produtivo, geraram um sistema social diferenciado. As contradições de um novo sistema que tentava se estabelecer, em conflito com hábitos culturais seculares, proporcionavam ao mundo um questionamento e, ao mesmo tempo, uma mudança muito rápida, jamais presenciada em toda a história da evolução humana. No Brasil, aspectos da nossa herança de Colônia foram sendo alterados rapidamente. Essa transição passou pelo encontro de grupos étnicos desenraizados com a formação de um povo dotado de unidade linguística e identidade cultural. Caracteriza-se também pela passagem de governos coloniais para a formação de um Estado nacional. No campo econômico, a transformação de um mercado exclusivamente externo para o mercado interno; o fim, mesmo que burocrático, do escravismo; da fragmentação à unificação da base geográfica; da instalação da indústria no país e a consequente migração da população para os centros urbanos. Em poucas décadas as relações, o modo de produção e as trocas culturais foram se transformando de forma assustadora. É chegada a modernidade. Porém, o Brasil que ainda se limitava a produzir fontes de riquezas para países da Europa não estava preparado para enfrentar essa nova etapa do capitalismo mundial. Afirma Caio Prado Júnior,


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Os processos rudimentares empregados na agricultura do país, infelizmente problemas ainda mais flagrantes na atualidade, já despertavam a atenção em pleno séc. XVIII; e enxergava-se neles como se deve enxergar hoje, a fonte de boa parte dos males que afligem a colônia e que ainda agora afligem o Brasil nação em 1942 (PRADO JÚNIOR, 1987: 12).

O novo modelo de produção que salta da manufatura para a indústria remete multidões rurais para as periferias dos grandes centros urbanos. Sem mão-de-obra especializada e um modo de vida completamente distinto, essa população vê-se novamente sem perspectivas. No entanto, a velocidade das mudanças, as dificuldades geradas por esse novo modo de produção e a tentativa de reorganização social dentro das cidades foram elementos que levaram as populações urbanas a um forte questionamento e à produção de um novo modelo, mesmo que inacabado, de relação das trocas simbólicas. Segundo José Murilo de Carvalho, “o ano de 1930 foi um divisor de águas na história do país. A partir dessa data, houve aceleração das mudanças sociais e políticas, a história começou a andar mais rápido” (CARVALHO, 2001: 87).

1.4.3 - A atualidade da luta pela cidadania

Esse novo modo de sobrevivência e de consciência das necessidades geradas por essa nova relação estabelecida no meio urbano trouxe à tona muitas contradições desse modelo de desenvolvimento. A busca por direitos passou a fazer parte do espectro de necessidades do dia-a-dia. A sociedade tornava-se mais complexa à medida de sua explosão demográfica. A distância entre a produção e seu destino aumenta proporcionalmente à distância da convivência entre as pessoas. Era preciso resgatar o sentido do local e do cotidiano. Neste sentido, Raquel Paiva afirma a necessidade de que: Estabelecer vínculos, na ótica da possibilidade comunitária, significa instaurar um sistema capaz de gerar o sentimento e o direito regidos pelo “fazer parte” da coletividade. Esse pertencimento exige adoção de regras objetivas capazes de assegurar sobrevivência. O conjunto de regulamentos criados pela civilização, de acordo com a avaliação


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de Freud, funcionaria como proteção contra os instintos hostis dos homens (PAIVA, 1998: 117).

Foi dessa maneira que se estabeleceram em boa parte das periferias das grandes cidades um processo referencial de pertencimento e de trocas simbólicas geradoras de identidades, já que “supõe-se que os sujeitos, vivendo em comunidade, estariam necessariamente num patamar diferente do restante da humanidade, pois afinal estariam em comunhão uns com os outros” (PAIVA, 1998: 118). Esse processo de comunhão revela um despertar da consciência crítica sobre seu meio, sobre a comunidade, sobre a necessidade de que cada cidadão, cada cidadã possa e deva participar de maneira efetiva nas decisões coletivas que resultam em alterações de sua condição de vida. Dessa forma, para Paiva, “o sujeito deixaria de atuar como mero figurante no processo social, seguindo no sentido de consolidar-se como autor - como grupamento - de sua realidade social. Passa a vigorar, nesse horizonte, a perspectiva de reformulação do status quo” (PAIVA, 1998: 124). Nessa mesma perspectiva, Maria do Rosário de Fátima e Silva nos revela que

[...] nesse cotidiano de movimentação ganha evidência a contribuição de todos os segmentos sociais, considerando etnias, o gênero, as faixas etárias, a inserção social política, econômica e cultural, em um esforço de aumentar a qualidade e as possibilidades de vida para todos os cidadãos (SILVA, 1997: 209).

Ainda segundo a autora, essa cidadania deve instituir “cidadãos portadores de direitos e deveres e, sobretudo, “criadores de direitos”, co-participantes da gestão pública, co-gestores de responsabilidades sociais” (SILVA, 1997: 218). O desencadear dessa cidadania, dessa conquista, passa necessariamente por um aprendizado. Por um processo pedagógico. Não se trata da pedagogia formal, que estamos acostumados a observar nos bancos das escolas, mas de um processo de ensino e aprendizagem que se estabelece nas relações de trocas simbólicas do cotidiano que, em grande parte, são fragmentadas e desorganizadas. E este sim também é um projeto comunicacional, como indica Paulo Freire. A realidade é a base do nosso conhecimento. A virtude da curiosidade e a força de vontade podem revelar saberes extremamente representativos para o crescimento


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da sociedade. Principalmente, nas situações onde as populações estão alijadas dos processos sociais. Para Cicília Peruzzo, estudiosa da questão, “a comunicação produzida por setores subalternos organizados vem contribuindo para ampliar o espectro educativo em torno do exercício da cidadania” (PERUZZO, 2001: 111). Quanto maior a organização, quanto maior for o envolvimento da sociedade civil, maior será o grau de aprendizagem e consciência crítica sobre a realidade e sobre o papel da comunicação nos nossos dias. E o sentimento de identidades locais também contribui para esse crescimento, conforme reforça Peruzzo.

As pessoas, ao participarem de uma práxis cotidiana voltada para os interesses e necessidades dos próprios grupos a que pertencem, ou ao participarem de organizações e movimentos comprometidos com interesses sociais mais amplos, acabam inseridas num processo de educação informal que contribui para a elaboração-reelaboração das culturas populares e a formação para a cidadania (PERUZZO, 2002: 1).

As ideias apresentadas acima colaboram no sentido de compreender a importância da participação e organização social dos movimentos populares em busca de sua autonomia aliadas às práticas de comunicação auto-referenciadas. Principalmente, quando se pretende destacar, no capítulo a seguir, o papel dos meios de comunicação de massa no Brasil que, de um lado procuram ignorar os movimentos populares e sociais e, de outro, os marginalizam e os criminalizam.


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CAPÍTULO 2: MÍDIA, MOVIMENTOS E MOBILIZAÇÕES SOCIAIS

Esta etapa do trabalho busca contribuir com a reflexão sobre o papel da mídia no Brasil em relação aos movimentos sociais e suas mobilizações. Historicamente percebe-se que os movimentos sociais, de maneira geral, têm sido tratados com descaso pelos meios de comunicação de massa e, de modo específico, até mesmo de forma preconceituosa. Há muitos fatores que contribuem para esse olhar dos grandes meios de comunicação de massa sobre os movimentos. Segundo José Arbex Jr., a hostilidade em relação movimentos sociais não é recente.

O processo de criminalização dos movimentos sociais não é um fenômeno recente na América Latina, e menos ainda no Brasil. Ao contrário, o jornalismo moderno brasileiro, por exemplo, foi marcado, desde sua origem, por uma demonstração explícita de hostilidade para com as organizações populares. Basta mencionar a revolta de Canudos, liderada por Antônio Conselheiro, o primeiro grande evento nacional para cuja cobertura foram enviados correspondentes dos grandes jornais da época, situados principalmente na capital da nascente República e, secundariamente, em São Paulo (ARBEX JR., 2003: 149).

Segundo o autor, o conflito em Canudos é resultado de uma intriga fabricada pela mídia que “serviu para justificar e encobrir o massacre praticado pelo Exército Nacional” (ARBEX JR., 2003: 150). Também se procura apontar aqui algumas das razões que podem levar a crer que o jornalismo brasileiro não se encaixa no que se pode classificar como jornalismo público. Trata-se de um jornalismo de interesses que, em determinados momentos, age sob interesses políticos e, em outros, sob interesses econômicos e, mais ainda, em boa parte, sob os dois interesses concomitantemente. A imprensa propriamente dita chegou ao Brasil em 1808 com a vinda da família real de Portugal para as terras tupiniquins. Fazia-se naquela época uma cobertura sobre os acontecimentos da corte, muito distantes do cotidiano do resto do país. Sobre a Gazeta do Rio de Janeiro, considerado o primeiro periódico do Brasil, Werneck Sodré diz que o jornal era “feito na imprensa oficial, nada nele constituía


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atrativo para o público, nem essa era a preocupação dos que o faziam, como dos que haviam criado” (SODRÉ, 1998: 20). No fim do século XIX e início do século XX, juntamente com o aumento de publicações tradicionais, começaram a se desenvolver no Brasil uma série de publicações de partidos e outros movimentos políticos, como o anarquista, que durante mais de 40 anos teve uma forte influência sobre a opinião pública no Brasil. Mesmo assim, a presença, explícita ou mais sutil, do governo sobre os jornais era ainda muito grande. No advento do Estado Novo, logo após a chegada do Rádio no Brasil, o governo Getúlio Vargas descobriu a força do então novo meio de comunicação de massa que encantava o país. Foi nessa época que se criou a “Voz do Brasil”, programa que levava informações sobre o governo federal aos quatro cantos do país. Na mesma época, o governo construiu acordos para que as informações do governo fossem veiculadas. Mais tarde, Getúlio se valeu dessa estratégia para vencer as eleições. Ainda no poder, Getúlio também experimentou a chegada da TV no Brasil. Ele e seus sucessores souberam utilizar da TV e do Rádio como instrumentos de propaganda ideológica. Costumeiramente, os grandes meios de comunicação impressos também mantinham um vínculo muito próximo dos governantes, afastando assim a possibilidade de um jornalismo crítico e de interesse público. Quem dera, então, uma cobertura digna dos movimentos populares. Outros episódios são reveladores dessa relação quase intrínseca entre os meios de comunicação de massa e os governos. A criação da Rede Globo pode ser considerada um dos fatos mais marcantes nesse sentido. O governo federal favoreceu a entrada de capital estrangeiro no país e privilegiou uma única emissora. Um escândalo do ponto de vista da sobreposição do interesse privado em relação aos interesses públicos. Para Pedrinho Guareschi, A história da TV Globo Rio, Canal 4, é cheia de artimanhas, marcadas por sérias interrogações. Sua inauguração data de 26 de abril de 1965. A associação entre a Globo e o grupo norte-americano Time Life resultou numa injeção, por parte dos americanos de 5 milhões de dólares, além do envio de técnicos (GUARESCHI, 2005: 70).

Mais recentemente, já na época da abertura política, o então presidente José Sarney presenteou parlamentares com mais de 300 concessões de radiodifusão, em


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troca do voto favorável à prorrogação de seu mandato por um ano. Na era Fernando Henrique Cardoso, o enredo que se seguiu foi o mesmo. Em troca de votação favorável aos projetos do governo, o presidente facilitou concessões de radiodifusão a políticos. Segundo Venício Lima, o “levantamento divulgado em 1995 indicava que 31,12% das emissoras de rádio e televisão no Brasil eram controladas por políticos e, em alguns estados da Federação, metade ou quase a metade das emissoras de rádio estavam sob controle de políticos (LIMA, 2001: 107). Ainda de acordo com Lima, a revista Carta Capital fez um levantamento em 1998 para tentar identificar os candidatos que estavam à frente nas pesquisas em seus estados e constatou que “em pleitos majoritários - governadores e senadores - em pelo menos 13 estados eram políticos vinculados à área da mídia” (LIMA, 2001: 108). Em outro estudo a que Lima se refere, realizado em 1997 por Costa e Brener, o autor revelou que “das 1848 estações repetidoras de televisão autorizadas depois de 1995, 268 foram entregues a empresas ou entidades controladas por políticos profissionais” (LIMA, 2001: 109). Com esses dados faz ainda mais sentido a afirmação do professor Arlindo Machado, no prefácio da obra de John Downing. Para ele,

As mídias, entendidas em seu sentido mais amplo, compreendem um complexo intrincado de interesses, demandas, um conflito permanente entre as diferentes forças que constituem (proprietários, patrocinadores, trabalhadores, cidadãos, políticos militantes), além de envolverem também negociações com os sujeitos representados e com os públicos a que se destinam (MACHADO, 2002: 9/10).

2.1 - Concentração dos meios de comunicação

O problema está também aí. As concessões são de um serviço público. Há regras que deveriam ser seguidas para que as concessões pudessem ser outorgadas ou renovadas. Mas, no Brasil, os meios de radiodifusão se comportam como empresas privadas, de serviços privados, que não precisam prestar contas ao país, muito menos responder à legislação do setor. Quando não estão nas mãos de políticos, as concessões de radiodifusão concentram-se nas mãos de poucas famílias, que também têm seus interesses políticos vinculados aos interesses comerciais. Lima nos revela:


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[...] alguns poucos grupos familiares ainda controlam a radiodifusão e a mídia impressa no Brasil. De fato, estimativa feita por Nuzzi (1995) indicava que cerca de 90% da mídia brasileira era controlada por apenas 15 grupos familiares. Hoje são apenas 13. Os oito principais grupos familiares do setor de rádio e televisão no Brasil são: a) nacionais: família Marinho (Globo); família Saad (Bandeirantes); família Abravanel (SBT); e b) regionais: família Sirotsky (RBS), família Daou (TV Amazonas), família Jereissati (TV Verdes Mares); família Zahran (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul); e família Câmara (TV Anhangüera) (LIMA, 2001: 105).

A situação dos meios de comunicação de massa no Brasil se configura como monopólio, mesmo contrariando a legislação que impede esse tipo de atuação. A Constituição Federal trata no seu capítulo 5, artigo 220, parágrafo 5: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Mas, segundo Venício Lima, há prática do monopólio em quatro tipos de concentração da mídia. São elas: a) Concentração Horizontal. “Trata-se da oligopolização ou monopolização que se produz dentro de uma mesma área do setor. O melhor exemplo desse tipo de concentração no Brasil continua a ser a televisão, paga ou aberta” (LIMA, 2001: 96). Esse tipo de concentração é visto na Rede Globo, que mantém uma rede de TV aberta além de uma rede de TV por assinatura. b) Concentração Vertical. “Trata-se da integração das diferentes etapas da cadeia de produção e distribuição. Por exemplo, um único grupo controla desde os vários aspectos da produção de programas de televisão até a sua veiculação comercialização e distribuição” (LIMA, 2001: 99-100). Novamente as Redes de TV brasileiras, (Globo, Bandeirantes, SBT) aparecem como produtoras e distribuidoras de programação televisiva. c) Propriedade Cruzada. “Trata-se da propriedade, pelo mesmo grupo, de diferentes tipos de mídia do setor de comunicações. Por exemplo: TV aberta, TV por assinatura (a cabo, MMDS, ou via satélite-DTH), rádio, revistas, jornais e, mais recentemente, a telefonia (fixa, celular, móvel, via satélite), provedores de internet, transmissão de dados, paping etc” (LIMA, 2001: 101). Repetidamente, as organizações Globo se destacam nesse tipo de concentração, já que mantêm uma editora com diversos títulos de revistas, um jornal, várias rádios e uma rede de televisão.


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d) Monopólio em Cruz. “Trata-se da reprodução, em nível local e regional, dos oligopólios da ‘propriedade cruzada’, constituindo o que se chamou ‘monopólios em cruz’. Verificou-se que, na grande maioria dos estados da Federação, os sistemas regionais de comunicação são constituídos por dois ‘braços’ principais, geralmente ligados às Organizações Globo” (LIMA, 2001: 103). Há vários exemplos de grupos que mantêm jornais, emissoras de rádio e emissora de televisão ao mesmo tempo, como é o caso do grupo Sirotisky, no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Este é apenas um pequeno relato da situação das propriedades dos meios de comunicação de massa no país. Não se pretende discutir exaustivamente esses aspectos da concentração da mídia no Brasil. Porém, a história da mídia no país, a relação da política com os meios de comunicação e as políticas de comunicação dos governos, que privilegiam a concentração da propriedade nos meios de comunicação, se constituem em um amplo e fértil espectro de relações de interesses. Este, por sua vez, está muito distante do interesse público, aquele que deveria orientar os meios de comunicação; como consequência, estão também muito distantes dos interesses dos movimentos populares ou sociais. Para compor um cenário ainda mais esclarecedor sobre o tema e corroborar com a tese do professor Arlindo Machado, é importante observar que um dos interesses privados que se sobrepõem aos interesses públicos são as campanhas das

empresas

de

comunicação

do

Brasil

contra

qualquer

tentativa

de

democratização das comunicações em terras brasilianas. 2.2 – Cobertura dos movimentos sociais

A luta pela democratização da comunicação no país tem sofrido ataque constante dos grandes meios de comunicação, que entendem ser esta uma atividade única e exclusivamente comercial e de direito de poucos. As concessões de rádios comunitárias são lentas. As entidades organizadas da sociedade, que pretendem buscar um canal de expressão, levam anos para conseguir uma concessão de radiodifusão de 25 kWh. Muitas concessões, mesmo para rádios comunitárias, têm sido influenciadas por apadrinhamentos dos mesmos políticos ou grupos políticos que mantêm a concentração dos meios de comunicação de massa.


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Outras centenas de rádios são fechadas no país. Principalmente aquelas que realmente defendem a liberdade de expressão e não estão ligadas a partidos ou a políticos, geralmente conservadores. Há claramente uma perseguição política sobre aquelas comunidades organizadas que buscam expressar sua voz e a crítica, tão necessária em uma democracia. A Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) tem sistematicamente denunciado abusos da Polícia Federal e de outros órgãos fiscalizadores do setor contra as rádios comunitárias. Poucos são os exemplos de cobertura jornalística que possibilitaram aos movimentos populares se expressar através da mídia. Um exemplo já citado aqui, que demonstra a escassez de espaço para as classes populares e para os assuntos não oficiais na mídia, foi a cobertura da Guerra de Canudos, que resultou em livro. Mesmo assim, parte significativa da população, até hoje, sequer tem ideia do que aconteceu naquele conflito. Para Arlindo Machado,

Em se tratando de discussão sobre mídias, parece-me que no Brasil, são as próprias mídias hegemônicas que colocam os temas para o debate público. Jornais e televisão, principalmente, ditam as questões que em seguida serão discutidas, não apenas nos lares, bares e escritórios, mas também nos ambientes intelectuais, nas salas de aula, nas publicações e revistas especializadas (MACHADO, 2002: 10).

Nesse sentido, Perseu Abramo revela que há padrões de manipulação na imprensa brasileira que corroboram para que os movimentos populares e expressões não oficiais fiquem de fora do interesse dos noticiários. Dentre eles, o que classifica como oficialismo; quando em lugar dos fatos utiliza-se uma versão, “mas de preferência a versão oficial. A melhor versão oficial é a da autoridade, e a melhor autoridade, a do próprio órgão de imprensa” (ABRAMO, 2003: 30). A esse respeito, Patrick Champagne vai ainda mais longe. O autor afirma que “a mídia doravante faz parte integrante da realidade ou, se preferir, produz efeitos de realidade criando uma visão mediática da realidade que contribui para criar a realidade que ela pretende descrever” (CHAMPAGNE, 2000: 75). Considerando a história da imprensa no Brasil, a concentração das emissoras, as políticas de comunicação que privilegiam essa concentração e o perfil da cobertura jornalística, busca-se lançar atenção à cobertura da grande imprensa


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nos acontecimentos dos movimentos sociais mais recentes no Brasil. Mais especificamente, tentar decifrar algumas condutas dos meios de comunicação de massa em relação ao período da abertura política brasileira até o final dos anos da década de 1990. Faz-se uma leitura bastante rápida de movimentos importantes como as “Diretas Já”, o “Fora Collor”, e busca-se dar mais atenção à atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, que tem sido um dos alvos preferenciais de ataques dos ditos meios de comunicação de massa. O movimento das “Diretas Já” foi o primeiro grande acontecimento após o processo de abertura política no Brasil. Manifestações em todas as grandes cidades do país pediam a aprovação da Emenda Dante de Oliveira, que previa eleições diretas imediatas para presidente da República. Os meios de comunicação, de um modo geral, e a Rede Globo de Televisão, em particular, ignoraram o quanto puderam as manifestações que aconteciam no país, até um momento que elas não eram mais invisíveis, nem mesmo para a mídia internacional. A Rede Globo foi quase que obrigada a cobrir os acontecimentos para que não perdesse credibilidade perante seus telespectadores. Matéria sobre esse movimento apareceu na emissora no dia em que a Praça da Sé reuniu milhares de pessoas em grupos políticos que reivindicavam o direito da população escolher seu presidente. Frustrando até certo ponto o movimento, a emenda constitucional foi rejeitada no Congresso e as eleições aconteceriam apenas anos depois, em 1989. Não se pretende entrar aqui nas avaliações referentes à cobertura da imprensa nas eleições de 1989. Mas, sem dúvidas, há vários estudos na área da comunicação apontando para um favorecimento de Fernando Collor de Mello, o candidato das elites. O importante aqui, no entanto, é lembrar que o movimento pelo impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, nascido quase que concomitantemente na classe política e também do desejo dos movimentos populares, recebeu tratamento insignificante pela maior emissora de televisão do país. Havia motivos para isso. A Rede Globo foi uma das apoiadoras de Collor reservando-lhe espaço privilegiado na emissora, antes mesmo da campanha oficial começar. Após pressão dos movimentos populares por todo o país e da mídia internacional, novamente a Rede Globo se viu obrigada a mostrar de maneira ampla e não velada, como vinha fazendo, o que estava acontecendo.


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A mais recente e importante vítima da mídia é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), “cujo o (sic) crime é dar uma expressão organizada à multissecular luta pela reforma agrária” (ARBEX JR., 2003: 151). O MST nasceu no início da década de 1980 no sul do país. Suas reivindicações e suas estratégias de atuação acabaram chamando a atenção de outros trabalhadores rurais no restante do Brasil, principalmente, aqueles que perderam as suas terras para bancos, grileiros e outros exploradores. Essas famílias de agricultores não tinham como enfrentar o desemprego nas grandes cidades; muitos até tentaram, mas não tinham mão-de-obra específica para o meio urbano. Sem terra e sem rumo, apostaram nas propostas do MST como uma possibilidade de vida melhor. Mas foi na década de 1990 que houve uma redefinição no cenário das lutas sociais no Brasil. As ocupações de terra se intensificaram. Vários conflitos começaram a explodir pelo país. No estado São Paulo, em especial na região do Pontal do Paranapanema, no Paraná e Rio Grande do Sul as lutas se intensificaram. O MST chegou ao norte e, particularmente o sul do Pará, se revelou uma região de conflitos permanentes. Foi nessa região que ocorreu o chamado massacre de Eldorado dos Carajás, que será comentado mais adiante. Importante observar que o tom dado pela imprensa brasileira ao avanço da organização dos movimentos por terra refletia quase que única e exclusivamente os interesses dos donos de grandes concentrações de terra. É necessário chamar a atenção para os índices de concentração no Brasil. Eles passam pela concentração na mídia, pela concentração de terras e pela concentração de riquezas. A mídia encara os conflitos de terra como caso de polícia e tenta criminalizar o MST, incluindo-o na mesma categoria das guerrilhas da América Latina, com as Forças Armadas Revolucionários da Colômbia (FARC), no país andino. Muito gradativamente o assunto da concentração de terra começou a tomar parte do debate público. Importante frisar que o MST, a exemplo de outros movimentos, não se baseou apenas nos grandes meios de comunicação de massa para fazer a disputa hegemônica na sociedade. Em particular a Revista Veja tem se mostrado um veículo de comunicação opositor ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Por diversas vezes


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suas páginas imprimiram matérias tendenciosas e até caluniosas em relação ao movimento e a seus integrantes. Artigo do prof. Dr. Roberto Boaventura da Silva Sá, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), analisa a edição 1648, de maio de 2000 da revista Veja, cujo título da capa é: “A Tática da Baderna - o MST usa o pretexto da reforma agrária para pregar a revolução socialista”. Dentre outras coisas, comenta o autor que após a abertura da matéria a revista “ultrapassa todos os limites da decência. Numa afronta a um jornalismo que se pretende sério, apropria-se indevidamente de poderes jurídicos, toma o lugar de um juiz, antecipa sentenças e decide o tempo de punição” (SÁ, 2001: 18-19). Esse é um retrato sistemático da cobertura dos meios de comunicação de massa em relação ao MST. Entretanto, a mídia também sobrevive de acontecimentos

que

permitem

uma

cobertura

menos

preconceituosa

dos

movimentos. E também certa apropriação temporária dos espaços da mídia pelos próprios movimentos. Com o MST não foi diferente. Em determinada época, principalmente após o massacre de Eldorado dos Carajás, em 17 de abril de 1996, o MST aproveitou-se da comoção social em torno da tragédia para disputar espaços na mídia. A imprensa internacional novamente contribuiu para essa tendência. Não se pretende dizer aqui que a mídia internacional seja a redentora da mídia brasileira, nem de qualquer forma avaliar a cobertura das mídias externas no Brasil. Porém, com certeza, nesse caso, a repercussão internacional do massacre em outros países influenciou a cobertura local. Como forma simbólica de reação, o MST preparou, um ano mais tarde, a Marcha dos Sem-Terra. Em 17 de abril de 1997 chegava à capital federal, segundo o movimento, cerca de 100 mil pessoas. A grande maioria era de integrantes do MST vindos à pé de todas as regiões do Brasil. A cobertura da mídia sobre esse evento sensibilizou a nação em relação à questão agrária e colocou na pauta os problemas da concentração de terras. De certa forma, contribuiu ainda para a mudança de conceito sobre o tema da luta pela terra no Brasil, como afirma Maria da Glória Gohn: “O MST tem promovido várias transformações na cultura política dominante no país em relação a representações que a sociedade tinha a respeito da reforma agrária e ‘obrigando’ os governantes a colocarem em pauta a questão rural” (GOHN, 2000: 155).


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Mesmo assim, ainda hoje, pequena parte da população tem conhecimento sobre o trabalho desenvolvido pelo MST na área da Educação, por exemplo. A esse respeito, Arbex Jr. relata que “em 2000, o MST mantinha 1800 escolas de ensino fundamental em 23 estados brasileiros, empregando 3900 educadores responsáveis por 160 mil crianças e adolescentes” (ARBEX JR., 2003: 152). Sonia Serra, no entanto, destaca as contradições que a própria mídia revela em coberturas como as das mortes de jovens pobres das favelas. Para ela,

[...] não basta olhar apenas para os produtores de notícias nas empresas jornalísticas, suas ideologias e códigos ocupacionais, as rotinas organizacionais, os critérios de noticiabilidade, de forma isolada e endógena. É preciso observar também como os jornalistas interagem entre si e com os outros atores sociais, que são também fornecedores de potenciais notícias (SERRA, 2002: 48).

Conclui a autora que os representantes de grupos subordinados “encontram formas de operar nas brechas para modificá-las e, desta forma, influenciar a opinião pública e as políticas públicas” (SERRA, 2002: 48). Mas essas ações se constituem ainda em exceção. 2.3 – Melhoria da comunicação popular

Dentre as alternativas para que os movimentos sociais e populares possam obter uma cobertura com mais coerência da mídia brasileira, elencamos algumas contribuições que demonstram, de certa monta, a necessidade de ações advindas da sociedade como um todo, das universidades, dos governos federal, estaduais e municipais, do seio dos movimentos populares e dos meios de comunicação de massa, por iniciativa própria ou por pressão externa. A sociedade brasileira tem buscado, ainda que de maneira tímida, apostar em iniciativas que buscam fazer uma leitura crítica da mídia, como, por exemplo, o surgimento de espaços virtuais de informações e discussões na internet como no caso dos sites “Mídia Vigiada”, “Observatório da Mídia”, “Carta Maior”, dentre outros. Tem também buscado discutir a necessidade da democratização das comunicações no país, como são os casos do Fórum Nacional pela Democratização dos Meios de Comunicação (FNDC) e da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço).


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As universidades também têm produzido estudos e pesquisas que apontam para a necessidade da democratização da comunicação no país. Essas iniciativas da sociedade e das universidades devem ser estimuladas ainda mais. Mas, se isoladas, não obterão êxitos que sejam compatíveis com o esforço que empregam em suas atividades. Já os governos federal, estaduais e municipais também deveriam dar mais atenção ao tema, tendo em vista que a cada dia as comunicações assumem um papel mais estratégico na sociedade. As comunicações, definitivamente, devem galgar o espaço de políticas públicas em todas as esferas de governo. Em âmbito federal, seria necessário dar mais rapidez às concessões de rádios comunitárias e aumentar a fiscalização sobre aquelas que utilizam esse espaço para promoção pessoal e política ou econômica e, por isso, estão longe do conceito de emissoras comunitárias. Da mesma forma garantir o respeito às regras de concessão para as emissoras de grande potência e ampliar a fiscalização sobre elas. Há muitos casos no Brasil de desrespeito à legislação e que não são coibidos. Muitas emissoras e jornais são utilizados para propaganda política e para a defesa de interesses econômicos. Cobrar também que os canais a cabo efetivem o espaço comunitário como determina a legislação. Dentro do sistema de ensino, os governos federal, estaduais e municipais devem incentivar a inclusão de espaços ou disciplinas destinadas à leitura crítica da mídia, tendo em vista que boa parte do tempo de crianças, jovens e adultos é destinada aos meios de comunicação de massa. Ainda, em se tratando de governos, os municípios deveriam incentivar a criação de conselhos municipais de comunicação com o objetivo de fiscalizar, propor políticas públicas de comunicação e propor mudanças na pauta e na programação dos meios de massa. Esse debate já vem tomando corpo na sociedade, tendo em vista que as rádios comunitárias, por funcionarem com pequena potência, deveriam ser de responsabilidade legal dos municípios. Os movimentos populares, historicamente, têm buscado espaços nos meios de comunicação de massa e também têm produzido sua própria comunicação, como forma de ser ouvido pela sociedade e também como forma de reafirmação identitária. Como já abordado aqui, os espaços reservados pela mídia em relação aos movimentos populares deixam de reservar tratamento mais adequado de forma


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geral, principalmente, quando esses movimentos são pautados pela mídia. Mesmo assim, quando os movimentos buscam encontrar espaços nos meios de comunicação de massa, nem sempre são compreendidos de maneira correta. Em outros momentos, os movimentos se transformam em ferramenta de disputa hegemônica, como também já tratado aqui. Por isso, defende-se a importância de políticas públicas de comunicação que preservem o espaço de manifestação e comunicação desses movimentos na mídia, como enseja um sistema democrático pleno, ou seja, a pluralidade de expressões nos meios de comunicação de massa. A pauta desses meios tem sido influenciada pela classe política e pelo poder econômico, como trata bem os autores que discorrem sobre a Agenda-Setting. Ou seja, o agendamento público deve deixar de ser pautado por interesses particulares. Além disso, é preciso ampliar a produção de comunicação dos movimentos para que eles conquistem cada vez mais a liberdade de expressão garantida na Constituição Federal. Neste sentido, chama a atenção Cicília Peruzzo, professora e pesquisadora do campo da Comunicação Popular e Comunitária, entendendo que quanto maior a participação de integrantes dos movimentos na construção da comunicação maior será sua autonomia. Para a autora,

[...] é premente tentarmos compreender o envolvimento popular na produção, no planejamento e na gestão da comunicação comunitária, como forma até de contribuir para o avanço em qualidade participativa e na conquista da cidadania (PERUZZO, 1998: 144).

O fortalecimento de processos comunicacionais é importante para os movimentos, não apenas para alcançar maior visibilidade e compreensão na sociedade de disputas hegemônicas, mas também para que os processos comunicacionais possam, além de tudo, contribuir para que seus próprios militantes tenham condições de, a partir da consciência do papel da comunicação, conhecer uma leitura mais aprofundada das disputas na sociedade. As mais variadas formas de comunicação contribuem também para a compreensão identitária dos movimentos e comunidades. A comunicação nesses espaços tem um papel importante de formação e educação para a consciência crítica e consequentemente para o fortalecimento dos movimentos, como argumentam José Vanderley Gouveia e Nilton José dos Reis Rocha:


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A descoberta mais espetacular pode-se dizer, é quando se descobrem os caminhos invisíveis da comunicação, onde caminham as idéias, as cantigas, as mentiras, as verdades, os sonhos, os poemas e os desejos. Quem sabe ler, escreve. Quem não sabe, dita. Assim os artigos de letrados e não-letrados vão dar corpo aos jornais populares dentro do cotidiano das posses urbanas (GOUVEIA; ROCHA, 2002: 73).

Peruzzo, entretanto, chama a atenção para os desafios e limites da comunicação no campo popular. Dentre outras coisas, aponta para a abrangência reduzida, meios inadequados, falta de competência técnica no seio dos movimentos. Para diminuir essas e outras dificuldades, as universidades poderiam investir em projetos de pesquisa e extensão; estimulando dessa forma um olhar dos alunos para outros aspectos da comunicação. No entanto, além dessa colaboração da academia, há a necessidade do aperfeiçoamento dos processos de comunicação, principalmente neste tempo em que os fluxos de informações e de comunicações tendem a romper as barreiras do tempo e do espaço. A chamada globalização e as novas tecnologias possibilitaram novos caminhos também para a Comunicação Popular. Há vários autores tratando sobre a constituição de redes de comunicação populares. Downing defende que não há ruptura entre as redes de mídia e as redes de Comunicação Popular e que as duas são importantes para contribuir com os movimentos.

Lamentavelmente, a ruptura entre a mídia e comunicação interpessoal que se vê nos estudos sobre comunicação é particularmente prejudicial para a tentativa de entender as ligações entre mídia radical alternativa e redes sociais. No entanto, tais redes são essenciais tanto para essa mídia como para os movimentos sociais e políticos (DOWNING, 2002: 70).

Principalmente, em épocas de crise, as redes interpessoais de comunicação podem cumprir papel importante, como aconteceu recentemente na Venezuela com o golpe de Estado cometido contra o presidente Hugo Chavez, em abril 2002. Uma rede de informações interpessoais, obviamente com o apoio de rádios comunitárias, colocou milhares de pessoas nas ruas pedindo a volta do presidente ao poder. Os meios de comunicação de massa diziam que o presidente havia renunciado, quando na verdade fora tirado à força do poder. A mobilização popular acabou desmentindo


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os meios de comunicação de massa e contribuiu para o fracasso do golpe de Estado e o retorno de Chavez à presidência daquele país. A constituição de redes comunicacionais, sejam elas midiatizadas ou não, sem dúvida, são um importante instrumento para os movimentos e para a democratização das comunicações na sociedade. Gouveia e Rocha afirmam,

[...] a rede se propõe a conferir um tratamento não fragmentado, mas transdisciplinar, às coberturas jornalísticas do cotidiano das comunidades e dos grupos sociais. Quer dizer, ao lado de trabalhar o cruzamento da comunicação e da educação dentro e fora da escola, a proposta é incluir áreas da saúde, da cultura do esporte e do lazer, e das políticas públicas que contribuem na construção da cidadania sem exclusão material ou simbólica (GOUVEIA; ROCHA, 2002: 75).

Ao menos parte dos movimentos sociais no Brasil tem procurado aperfeiçoamento no que diz respeito à disputa hegemônica pautada sob a égide dos meios de comunicação de massa. Não é mais possível ignorar a força dos meios de comunicação de massa nas sociedades modernas. Ao mesmo tempo, a população, de um modo geral, ainda não está habituada, ou não tem consciência, para fazer uma leitura crítica sobre o que é veiculado diariamente e, no caso do Brasil, principalmente, no que é transmitido pela chamada mídia eletrônica. Gohn constata, [...] os movimentos dependem do meio ambiente externo, afirma Tarrow, e eles representam um contrapoder à massificação da mídia... os movimentos podem formar opiniões que contraformatam as opiniões difundidas pela mídia. Por outro lado, eles podem usar recursos da mídia para mobilizar seguidores (GOHN, 2000: 49).

Por último, os movimentos sociais, na realidade toda a sociedade, deve buscar interferir nos meios de comunicação de massa no país, que se transformaram em grandes grupos com poder político e econômico muito forte. E esses interesses privados têm interferido demasiadamente, e de forma negativa, na pauta e na angulação das coberturas jornalísticas, artísticas e culturais da mídia brasileira.


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2.4 - Regulamentação dos meios

Faz-se mais do que necessário o debate sobre a regulamentação e a fiscalização dos meios de comunicação de massa. Entretanto, esta é uma batalha a ser travada com interesses econômicos e políticos, como já foi abordado; por isso, não se pode esperar uma mudança na mídia brasileira, sem uma pressão externa sobre os governos e sobre a própria mídia. Dentre outras formas para contribuir com essa questão dois aspectos importantes devem ser levados em consideração: a) o respeito à Constituição Federal que diz no seu capítulo 5, artigo 220, parágrafo 5º: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”; b) criar formas de controle público sobre os meios de comunicação de massa. Sobre a questão do monopólio, Venício Lima tem tratado muito bem do assunto, como já foi demonstrado anteriormente. Já o pesquisador Claude Jean Bertrand apresenta uma abordagem muito rica sobre a fiscalização interna ou externa dos MCMS. Defende o autor quaisquer maneiras de fiscalização da mídia; o que ele denomina de MAS - Mídia Accontabilit Sistems: sistemas de fiscalização ou de apontamento da mídia. “O conceito engloba perto de sessenta desses meios. Todos já foram empregados, em alguma parte e em alguma época” (BERTRAND, 2002: 35). Como não é possível abordar neste artigo todos os tipos de MAS, faz-se a opção de classificar e exemplificar alguns deles. Bertrand diz que há alguns tipos de ações de fiscalização da mídia encontradas pelo mundo. Elas podem ser: a) um programa impresso ou difundido, como o “código de ética, um conjunto de regras discutido e consensualmente aprovado pelos profissionais de mídia” (BERTRAND, 2002: 36); b) indivíduos ou grupos, como “uma crítica interna ou ‘comissão de avaliação de conteúdos’ (como os shinsa-shitsu adotados pelos diários japoneses nos anos 20) para inspecionar o jornal” (BERTRAND, 2002: 37); c) processos, nesse caso destaca-se a importância da educação superior. “A mídia de qualidade deveria contratar apenas pessoas com diploma universitário, de


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preferência (embora isso seja controvertido) em comunicações. Um curso separado de ética da mídia, exigido de todos os estudantes de jornalismo” (BERTRAND, 2002: 40); d) internos, externos e cooperativos; o autor diz que além dos controles internos dos meios há a possibilidade de controles externos e até mesmo cooperados. “Os MAS externos demonstram que a responsabilidade pode ser imposta aos meios de comunicação a sua revelia [...] Os MAS cooperativos são sem dúvida os mais interessantes, pois implicam que a imprensa, os profissionais e o público se aliem para promover o controle de qualidade” (BERTRAND, 2002: 42);

Para abordar esses sistemas de controle, o autor busca mostrar suas vantagens e limites e que nem todos podem ser aplicados no mesmo país ou ao mesmo tempo. São apontamentos importantes que demonstram possibilidades que devem ser adequadas a cada realidade e que novas formas de controle da mídia podem e devem surgir. De certa maneira, no Brasil há exemplos de controle interno na figura do Ombudsman e de controle externo por iniciativas de entidades da sociedade civil. O importante a destacar neste trabalho é a urgência de um debate mais amplo e verdadeiramente público sobre o papel dos meios de comunicação de massa na sociedade contemporânea, cada vez mais globalizada e pautada pelos sistemas de comunicação. É inegável que a sociedade reconheça que os movimentos

populares

sempre

foram

tratados

de

maneira

indevida

ou

preconceituosa e, até mesmo, ignorados pelos grandes meios de comunicação. E essa abordagem, ou a falta dela, refletem, na realidade, uma disputa hegemônica de modelo de sociedade, que caminha a passos lentos no sentido da democracia, mas que também tem sofrido vários golpes com traços de autoritarismo e preconceito. Neste capítulo apresentamos um singelo panorama e algumas pequenas sugestões que podem contribuir com a tarefa, que deve ser assumida por toda sociedade, de democratização dos meios de comunicação, que se pretende ser mais igualitária. Não há outro caminho a seguir a não ser o respeito e o espaço para a manifestação das diferenças.


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CAPÍTULO 3: SOBRE HEGEMONIA

A palavra hegemonia é muito empregada hoje em dia, principalmente pelo campo das ciências sociais e política. Porém, não é uma expressão nova. O primeiro conceito de hegemonia nasce, na realidade, na Grécia sob o significado de guia, chefe, condutor. “Na Grécia antiga, a hegemonia era a preponderância política e a direcção militar de um Estado ou de uma cidade numa confederação (a hegemonia de Atenas na Liga de Delos)” (BIROU, 1982: 190). Mais tarde, o conceito de hegemonia foi utilizado por Lênin e outros autores socialistas, mas sem a utilização direta do termo e sem a definição mais profunda do que a explicada por Antônio Gramsci no final da década de 1920 e início da década de 1930. A perspectiva apresentada por esses autores para o conceito de hegemonia é extremamente atual e muito eficaz para explicar a relação de disputas ideológicas na sociedade contemporânea. Entretanto, o tratamento dado por Gramsci ampliou o conceito de hegemonia ao utilizá-lo para explicar os modos de dominação pela burguesia.

Ele

também

avança

no

sentido

de

observar

os

fenômenos

superestruturais da política, da cultura e do sistema de valores no contexto da ordem capitalista. O fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que sejam levados em conta os interesses e as tendências dos grupos sobre os quais a hegemonia será exercida, que se forme um certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa; mas também é indubitável que tais sacrifícios e tal compromisso não podem envolver o essencial, dado que, se a hegemonia é ético-política, não pode deixar de ser também econômica; não pode deixar de ter seu fundamento na função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade econômica (Gramsci, 2002b;48)

Em outras palavras, se o proletariado procurasse construir a sua hegemonia política sobre o conjunto da sociedade precisaria, além da luta econômica contra o patrão e o governo, se colocar à frente das lutas contra qualquer manifestação de arbitrariedade e de opressão onde quer que ela se produza. Um sistema de alianças


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se faz necessário para mobilizar contra o capitalismo e o Estado burguês a maioria da população trabalhadora. Percebe-se que não há em Gramsci uma supervalorização da subjetividade em detrimento da objetividade. Se por um lado ele não vê a economia como mera produção de objetos materiais, por outro não nega a determinação em última instância da totalidade social pela economia. “A estrutura e as superestruturas formam um ‘bloco histórico’, isto é, o conjunto complexo e contraditório das superestruturas é o reflexo do conjunto das relações sociais de produção”. (Gramsci, 2004: 250).

Gramsci interpreta a determinação política pela economia não como uma imposição mecânica, mas como algo que condiciona. A sua originalidade esta demonstrada ainda quando aplica o conceito de hegemonia à burguesia; aos mecanismos de exercício da hegemonia das classes dominantes. Segundo ele, as relações capitalistas de produção podem ser mantidas sob condições democráticas e, consequentemente, a exploração pode ocorrer. Nota-se ainda que Gramsci discorre a respeito de hegemonia como sendo direção intelectual e moral. Ele afirma que essa direção deve ser exercida no campo das ideias e da cultura, manifestando assim a capacidade de conquistar o consenso e de formar base social, uma vez que não há direção política sem consenso. “O critério metodológico sobre o qual se deve basear o próprio exame é este: a supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como ‘domínio’ e como ‘direção intelectual e moral’. Um grupo social domina os grupos adversários, que visa a ‘liquidar’ ou a submeter inclusive com a força armada, e dirige os grupos afins e aliados. Um grupo social pode e, aliás, deve ser dirigente já antes de conquistar o poder governamental (esta é uma das condições principais para a própria conquista do poder); depois, quando exerce o poder e mesmo se o mantém fortemente nas mãos, torna-se dominante, mas deve continuar a ser também ‘dirigente’” (Gramsci, 2002 a: 62-63). E as dinâmicas sociais, na visão de Gramsci, passam pela compreensão do papel da sociedade civil. E o conceito de sociedade civil introduzido por Gramsci se coloca como extremamente coerente para explicar a relação conflitante, em princípio estruturada no significado da dialética, que se estabelece nas relações sociais.


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Gramsci busca compreender os conceitos aplicados por Hegel na definição de sociedade civil, para então organizá-lo sob um enfoque distinto. A sociedade civil, segundo Hegel, é o espaço onde o homem realiza suas necessidades. É o espaço da vida privada. Se a sociedade civil é o espaço da propriedade privada, tem dessa maneira sua base no capitalismo. Não se pode perder de vista que a classe dominante repassa sua ideologia e realiza o controle do consenso através de uma rede articulada de instituições culturais, que seriam os aparelhos privados de hegemonia, como a escola, a igreja, e os meios de comunicação. Nesse sentido, há no capitalismo o dono do capital e o vendedor da força de trabalho; a exploração. O Estado então aparece como mediador em favor da acumulação do capital, pois possui o poder de garantir a propriedade privada. Dessa maneira, na sociedade de classes não existe Estado neutro. Existe um Estado de interesses. Segundo Downing, Gramsci considera que o papel do Estado não deve ser de protetor da propriedade privada, mas sim, dentro de sua leitura de sociedade civil, o Estado deve garantir o bem-estar social. Essa concepção de construção, de processo em desenvolvimento, corrobora com o sentido do pensamento dialético e reforça o sentido de que as disputas no cotidiano são entrelaçadas por

sentidos

e

necessidades,

que às vezes

contraditórios, resultam da disputa de ideias nem sempre tão claras e precisas, mas sempre disputas de poder, seja ele local ou macro, na política, na religião, na cultura, enfim, em todos os espaços de manifestação da sociedade civil. De acordo com Downing,

a) a hegemonia nunca é um cadáver congelado, sendo constantemente negociada pelas classes sociais superiores e subordinadas, b) a hegemonia cultural capitalista é instável e sujeita a graves crises intermitentes, ainda que, ao mesmo tempo, c) possa desfrutar longos períodos de uma normalidade raramente questionada (DOWNING, 2002: 50).

A sociedade civil está concentrada em duas esferas: organismos privados como sindicatos, igreja, que desenvolvem políticas e significados no campo dos valores simbólicos; e nas instituições públicas, como governos e justiça que exercem


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dominação e controle. Para Gramsci, a política é um instrumento de mediação entre o homem e a realidade. A sociedade civil é um todo com suas contradições. Todos são iguais perante o Estado e desiguais em relação ao trabalho e ao poder que exercem em determinadas situações. No capitalismo, a força hegemônica está nas mãos e mentes dos donos do capital. E a grande maioria, expropriada pelo capital. A hegemonia do lucro sobre o social exclui do mercado de trabalho milhões de pessoas em todo o mundo, sob a ordem do acúmulo de lucros, da propriedade privada. No

campo

simbólico,

na

sociedade

contemporânea,

os

meios

de

comunicação de massa mantêm papel fundamental para sustentar esse modelo social, econômico e político. Tornou-se mais um aparelho ideológico do Estado. Não é exagerado ressaltar que o Estado é responsável por garantir a normalidade dessa situação. A disputa de hegemonia, como diz Gramsci, em nossos tempos passa necessariamente também por uma disputa no campo simbólico e cultural da sociedade. Da sociedade do entretenimento, da exploração e da concentração de renda e de capital sobre novas bases de produção: a globalização. Esses elementos constituem as bases das preocupações e discussões proporcionadas pelo Núcleo Piratininga de Comunicação em seu curso anual. Nesse trabalho em particular, serão analisadas mais adiante as questões discutidas durante o 15º Curso Anual do NPC.


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CAPÍTULO 4: NÚCLEO PIRATINIGA DE COMUNICAÇÃO

O Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) nasceu em meados da década de 1990 por uma iniciativa do metalúrgico, militante sindical e escritor Vito Giannotti, e da jornalista e militante Cláudia Santiago. Vito Giannotti, em 2006, em e entrevista exclusiva 1 contou um pouco dessa história:

Na prática (O NPC) nasceu da experiência minha de São Paulo, que durante vários anos estive na direção da CUT e viajando, dando palestras sobre a CUT, sobre a história dos trabalhadores e sempre falando muito da comunicação dos trabalhadores (GIANNOTTI, 2006: 1).

Naquela época, Vito já havia escrito alguns livros sobre a luta dos trabalhadores e sobre comunicação sindical. Cláudia Santiago já trabalhava na Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Rio de Janeiro. Os dois mostravam-se preocupados em melhorar a comunicação dos trabalhadores, principalmente com a intenção de alertá-los sobre a exploração do capital, mas também para que tivessem chance de divulgar suas opiniões, ideias e experiências. Chamava a atenção de Giannotti e Santigo a influência dos chamados meios de comunicação de massa, como as redes de rádio, televisão e, de certa maneira, os jornais.

Os trabalhadores repetiam o que a Globo falava. No começo da Globo, quando comecei a trabalhar em São Paulo, eu estava impressionado com a penetração das mensagens da Globo entre os trabalhadores e com a dificuldade enorme que nós tínhamos de fazer penetrar nossas mensagens (GIANNOTTI, 2006: 1).

Os dois tinham uma preocupação especial com o discurso e a linguagem utilizados pelos meios de comunicação dos sindicatos ligados à CUT. Não era uma linguagem que a grande maioria dos trabalhadores pudesse compreender bem, considerando também o baixo nível de interesse da população pela leitura. Mais tarde, Claudia Santiago e Vito Giannotti acabaram editando um livro sobre o tema. Mas antes disso, resolveram ministrar cursos e palestras para explicar ideias e ações que poderiam melhorar a comunicação dos trabalhadores, a comunicação dos 1

A íntegra dessa entrevista com Vito Giannotti está no Apêndice desta monografia.


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sindicatos com suas bases e com a sociedade na busca de uma comunicação contra-hegemônica. Os cursos começaram chamar a atenção de vários sindicatos e movimentos populares. Outras pessoas com a mesma preocupação de Vito Giannotti e Cláudia Santiago começaram a se aproximar.

[...] desde o início começaram a aparecer pessoas que tínhamos conhecido em cursos e que começaram a se ligar muito nesses assuntos. E se criou quase uma comunidade de interesses e aí se criou e nós pensamos em criar alguma coisa mais estável, definitiva, que seria um núcleo de comunicação que chamamos de Piratininga (GIANNOTTI, 2006: 2).

Em 1995, o NPC começou a ministrar cursos por todo o País. Em vários estados se espalhou a notícia da existência de um grupo de pessoas preocupadas em melhorar a comunicação da classe trabalhadora.

Pouco a pouco, cada ano que passava, se incorporava um grupo, diria, de amigos. Acabavam se incorporando, pessoas como você, que era de Campinas, que fez vários cursos condizia das ideias do núcleo, junto com você outras pessoas do Rio Grande do Sul, de Sergipe, do Maranhão, do Rio de Janeiro. Então pouco a pouco se criou uma equipe, um núcleo (GIANNOTTI, 2006: 3).

Para se sustentar juridicamente, o núcleo se transformou em uma Organização Não-Governametal, apesar de toda as críticas de seus integrantes ao papel da ONGs na sociedade capitalista. Os integrantes em torno do NPC compartilhavam das mesmas preocupações, de como melhorar os aspectos da comunicação - pauta, linguagem, meios, formatos - para a disputa de ideias na sociedade. A demanda crescente dos cursos, a produção de vários materiais comunicativos específicos e a necessidade de tentar reunir o expoente de dirigentes sindicais e comunicadores em torno da trocas de ideias sobre a comunicação dos trabalhadores fez surgir em 1997 o Encontro Anual do NPC, que passou a reunir representantes de todo o país em um único debate. O NPC convida personalidades da área acadêmica de comunicação, jornalistas e militantes para impulsionar os debates nas mesas temáticas. O acúmulo


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de cursos e debates pelos estados e os cursos anuais reuniu um mosaico de conceitos em torno da comunicação popular e sindical no Brasil.

Acho que a nossa grande virtude foi saber incorporar ideias que andavam espalhadas pelo Brasil a fora com as quais nós tivemos contato devido a essas viagens, a esses cursos regionalizados. Nós incorporamos e criamos um conjunto de ideias que está muito claro (GIANNOTTI, 2006: 4).

A ideia central é a de que os trabalhadores têm direito a sua comunicação direito de fazer sua própria comunicação. Ou seja, a comunicação não é neutra, está a serviço de um modelo de sociedade. Os trabalhadores têm também o direito a entender a comunicação feita para ele, com linguagem e meios adequados. Os estudos e os anos de experiência mostraram que muitas vezes a comunicação feita para os trabalhadores não é compreendida pela maioria. A linguagem deve ser adequada ao seu nível de escolaridade e ao seu repertório. Outra grande preocupação do NPC é a pauta dos trabalhadores. Giannotti afirma o “profundo senso político” necessário para se discutir a questão da pauta, afinal,

Nós temos que fazer uma comunicação para disputar a hegemonia da sociedade. Nós não fazemos comunicação neutra, para informar, para deleitar os trabalhadores. Nós fazemos uma comunicação de combate, de batalha, de guerra, de luta (GIANNOTTI, 2006: 5).

Nesse sentido, a pauta deve ser ampla, que interesse ao trabalhador. Que o trabalhador sinta-se atraído por ela. Uma pauta que fale da vida, dos filhos, da educação, do namoro, da escola, da diversão. A pauta deve tratar de questões da classe trabalhadora, principalmente as econômicas, mas não somente, a despeito do que discorre Gramsci sobre a necessidade da disputa de hegemonia passar pela estrutura e também pela superestrutura. Assim sendo, os trabalhadores têm o direito a uma informação decente na televisão; têm direito ao lazer, dentre outros porque na concepção do NPC, em uma sociedade capitalista não existe democracia para a classe trabalhadora.

[...] não existe democracia nenhuma para os trabalhadores. Isso é uma ficção. É uma fantasia que se repete a cada eleição. Isso é uma grande mentira. Nós queremos que haja uma democracia sim. E, em


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todas as mensagens do Núcleo [...] existe uma perspectiva nítida, clara, de construção de uma sociedade socialista (GIANNOTTI, 2006: 5).

O NPC defende que é necessário construir outra sociedade a serviço da classe trabalhadora, que é a imensa maioria da população. Giannotti afirma que é preciso “mudar o poder para poder democratizar” (2006: 3). Mas isso não representa o abandono das lutas dentro da sociedade capitalista. É uma luta de disputa hegemônica. Há espaços para essa luta, mesmo que pequenos. A classe trabalhadora continua pouco organizada. Não há um grande jornal que faça contraponto ao pensamento único da mídia no Brasil. Existem revistas, mas com pouca tiragem e não atingem a maioria, bem como importantes experiências locais, mas também de pouco alcance. A respeito da imprensa sindical, Giannotti afirma:

A imprensa sindical entrou em crise junto com o sindicalismo na década de 90, que caiu com a sua combatividade e seu enfrentamento com o sistema e com o empresariado. A imprensa sindical também andou diminuindo de número, de frequência, se empobrecendo na pauta, mas até 2002, até a eleição do Lula, a imprensa sindical teve uma presença forte no Brasil (GIANNOTTI, 2006: 8).

A imprensa dos trabalhadores, de certa maneira reflete o momento em que a eleição de um presidente que foi operário resolveria as demandas acumuladas pelos movimentos. A disputa de hegemonia nesse momento se arrefece. Mas não acaba. Em suma, o objetivo central do NPC é melhorar a comunicação dos trabalhadores para construir um mundo com justiça e sem exclusão. O ponto de partida é a certeza de que sem comunicação não há possibilidade de os trabalhadores lutarem para alcançar a hegemonia política na sociedade. A explicitação desses aspectos que dão sentido ao Núcleo Piratininga de Comunicação passarão mais adiante pela investigação sob a ótica da Análise de Discurso. O objetivo é identifica-los na programação do 15º Encontro Anual do

NPC.


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CAPÍTULO 5: 15º CURSO ANUAL DO NPC: DISCURSO E CONTRA-HEGEMONIA

O estudo a que se propõe este trabalho trata da análise de discurso do 15º Curso Anual do NPC. Busca-se mostrar como a coerência histórica do núcleo, de luta contra-hegemônica no seio dos movimentos sindical e popular, está expressa nos temas que geraram debate durante o encontro realizado entre os dias 11 e 15 de novembro de 2009. Para analisar o tema sugerido nesta monografia optou-se pela Análise de Discurso como ferramenta metodológica. Trata-se de uma forma coerente para debater os efeitos e contradições da linguagem como instrumento, como elemento constituidor, e que está no centro da disputa de hegemonia. Por meio das palavras uma sociedade ou grupo expressa seus valores, costumes, crenças, inquietudes e vontades. O discurso e linguagem nascem com o ser humano, da necessidade da sociedade se comunicar.

5.1 - O discurso

Os estudos das palavras, do discurso são tão antigos quanto o próprio surgimento destas. Da intensa interpretação e reinterpretação de seus significados foram criando, durante o tempo, outras formas de relação da sociedade com o mundo das linguagens, das palavras e, portanto, dos discursos, como representação ou negação daquilo que se quer saber, como diz Michel Pêcheux, um dos principais estudiosos do assunto. O discurso, por sua vez, necessita da palavra e da linguagem para se tornar realidade. Mas, imprescindível se torna compreender que palavras, que linguagens podem estar presentes nas análises do discurso. O próprio discurso precisa ser bem definido para que as questões em seu entorno possam trazer razão de estudos, de análises. Segundo Helena Brandão, o discurso

[...] é o efeito de sentido construído no processo de interlocução (opõe-se à concepção de língua como mera transmissão de informação). ‘O discurso não é fechado em si mesmo e nem é do domínio exclusivo do locutor: aquilo que se diz significa em relação


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ao que se diz, ao lugar social do qual se diz, para quem se diz, em relação a outros discursos (Orlandi) (BRANDÃO, 2004:106).

Eni Orlandi também avalia que o discurso é “palavra em movimento, prática da linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando” (ORLANDI, 2005: 15). Ou seja, o discurso tem uma relação histórica e social com quem o transmite, como confirma Pêcheux:

[...] todo discurso é o índice potencial de uma agitação das filiações sócio-históricas de identificação, na medida em que ele constitui ao mesmo tempo um efeito dessas filiações e um trabalho (mais ou menos consciente, deliberado, construído ou não, mas de todo modo atravessado pelas determinações inconscientes) de deslocamento e espaço: não há identificação plenamente bem sucedida, isto é, sóciohistórica que não seja afetada, de uma maneira ou de outra, por uma ‘infelicidade’ no sentido performativo do termo - isto é, no caso, por um ‘erro de pessoa’, isto é, sobre o outro, objeto da identificação (PÊCHEUX, 2006: 56/57).

Como as contradições de identidades se revelam por meio do discurso é também nesse espaço que o conhecimento e o poder se articulam, onde as trocas sociais encontram o cenário para o seu desenvolvimento, como comenta Foucault.

[...] o discurso é o espaço em que saber e poder se articulam, pois quem fala, fala de algum lugar, a partir de um direito reconhecido institucionalmente. Esse discurso que passa por verdadeiro, que veicula saber (o saber institucional), é gerador de poder (apud BRANDÃO, 2004: 37).

Este é o interesse principal para a aplicação da análise de discurso na programação do encontro do Núcleo Piratininga de Comunicação, que se fará a seguir. Buscar revelar que o discurso constituidor do programa de um encontro de comunicadores, líderes sindicais e de movimentos sociais em torno do assunto comunicação, traz consigo, carregada em sua fala, em sua competência de dizer, valores ideológicos, saberes acumulados como função da linguagem; como explica Orlandi: “[...] a ideologia não é ocultação mas função da relação necessária entre linguagem e mundo. Linguagem e mundo se refletem no sentido da refração, do efeito imaginário de um sobre o outro” (ORLANDI, 2005: 47).


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Nesse sentido, é importante ainda perceber que o discurso é um processo em curso. Ele não é um conjunto de textos, mas uma prática. É essa prática do discurso o interesse maior a ser apresentado na análise que se segue.

5.2 - Análise de Discurso do 15º Curso Anual do NPC

O 15º Curso Anual do NPC foi realizado na cidade do Rio de Janeiro entre os dias 11 e 15 novembro de 2009. O evento reuniu mais de 150 pessoas, entre comunicadores sociais do campo popular e sindical, dirigentes sindicais e de movimentos sociais e populares de todas as regiões do país e teve por objetivo debater alternativas de comunicação, em formato e discurso, que possibilitassem à classe trabalhadora formas e meios de comunicação. Sob o tema central "Mídia, o verdadeiro partido da burguesia" o encontro trouxe subtemas extremamente relevantes no sentido de explicitar que meios de comunicação de massa, em todo o mundo e, particularmente no Brasil, são instrumentos de dominação e controle, ou seja, de poder, e que seu discurso está atrelado a um modo de pensar, a uma ideologia, que tenta inibir avanços da classe trabalhadora. De outro modo, e não menos importante, ao evidenciar tal fato, o encontro propõe alternativas de enfrentamento a esse modelo social excludente que utiliza a mídia como uma das principais ferramentas de luta ideológica. Reagir e mostrar à classe trabalhadora a necessidade e o direito à comunicação tem sido a busca da prática-discurso do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC). Quando o NPC se propõe a colocar no centro do debate o tema “Mídia, o verdadeiro partido da burguesia" pode-se perceber, pelo discurso, a nítida disposição em revelar e denunciar que não há espaço de manifestação da classe trabalhadora pelos meios de comunicação de massa. Na análise desse discurso ainda cabe enfatizar que não se trata de procurar o seu sentido verdadeiro, mas o real sentido em sua materialidade linguística e história. Para o Brasil, como visto no Capítulo 2, os meios de comunicação se materializam na história como meio de discurso da disputa hegemônica em defesa dos interesses da burguesia. Se o discurso da “Mídia, o verdadeiro partido da burguesia" parte neste momento da análise de um movimento de combate às


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desigualdades sociais, em defesa de uma sociedade mais justa e igualitária, contrário aos interesses da burguesia, a materialidade história e linguística se mostra coerente em torno dessa prática comprometida. O processo discursivo desse enunciado tem relações ideológicas e, como o discurso é um processo não acabado, ele produz sentidos, desde a análise de quem o produz, conforme afirma Orlandi: “Como autor, o sujeito ao mesmo tempo em que reconhece uma exterioridade à qual ele deve se referir, ele também se remete a sua interioridade, construindo desse modo sua identidade como autor” (2005: 76). O autor é o sujeito que, tendo domínio de certos mecanismos discursivos, representa, pela linguagem, esse papel na ordem em que está inscrito, na posição em que se constitui, assumindo a responsabilidade pelo que diz, como diz. Entretanto, não se deve esquecer que não é natural do autor a produção desse discurso. Já o processo de produção de sentido sofre deslizes. Falamos a mesma língua, mas falamos diferentes. As palavras remetem a discursos que derivam seus sentidos das formações discursivas. Desse modo, historicidade deve ser compreendida como aquilo que faz com que os sentidos sejam os mesmos e também que eles se transformem. Para um público ideologicamente identificado com a classe trabalhadora, o discurso do NPC sugere o que Orlandi classifica como discurso polêmico, como descrição do funcionamento discursivo em relação a suas determinações históricosociais e ideológicas. “[...] aquele em que a polissemia é controlada, o referente é disputado pelos interlocutores, e estes se mantêm em presença, numa relação tensa de disputa pelos sentidos” (ORLANDI, 2005: 86). Dessa forma, o discurso polêmico configura-se como uma prática de resistência e afrontamento, próprios da história do NPC narrada no Capítulo 4 e do público a quem ele se destina.

5.2.1 - A programação do encontro A mesa de abertura do evento discutiu o tema: “Mídia, o verdadeiro partido da burguesia” e foram convidados para a mesa Virgínia Fontes, professora de História da Universidade Federal Fluminense, José Arbex Júnior, professor de Comunicação


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da PUC-SP, Pascual Serrano, jornalista do Le Monde Diplomatic e Site Rebelion e Ignácio Ramonet, jornalista do Le Monde Diplomatic, em espanhol. Nota-se nessa mesa a discussão do tema central do encontro. Um discurso diretamente contra-hegemônico em relação aos meios de comunicação de massa no Brasil e no mundo. Como aponta Gramsci, os meios de comunicação são aparelhos de disputa de hegemonia que atuam na superestrutura. Os convidados também são estudiosos da luta de classes e optaram por uma comunicação contra-hegemônica, seja ela na academia ou na produção de periódicos. Como aponta Orlandi, o processo discursivo acima tem relações ideológicas e, como o discurso é um processo não acabado, ele produz sentidos, desde a análise de quem o produz. E o sentido deste discurso é notadamente contrahegemônico. A segunda atividade do primeiro dia tratou da “Cultura brasileira e identidade nacional”. Um tema delicado e repleto de significados e compreensões distintas. Tratado por acadêmicos como Adelaide Gonçalves, professora de História da Universidade Federal do Ceará, Renato Ortiz, professor de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas, Beatriz Vieira, professora de História da Universidade Cândido Mendes e por Adriana Facina, professora de Antropologia da Universidade Federal Fluminense o tema buscou mostrar sob a ótica da classe trabalhadora a força significante das manifestações culturais no seio da sociedade e sua importância para o sentido de pertencimento de reafirmação de sua identidade, não hermética e caricaturizada, mas construtora de sujeitos da história, de sua história particular e regional, como retalhos de uma colcha que se alinhava colorida. Outra forma discursiva que se apresenta como alternativa aos meios de comunicação empresariais está evidente na primeira mesa do segundo dia de atividades. Sob o tema “Mídia e resistência na América Latina hoje”. Tema este tratado por Dênis de Moraes, professor de Comunicação da Universidade Federal Fluminense e Altamiro Borges, jornalista do Portal Vermelho. Quando se fala em resistência refere-se à resistência dos trabalhadores frente à mídia comercial, que opera como instrumento de hegemonia do capitalismo. A resistência latinoamericana frente à produção da indústria cultural do hemisfério norte que, quase em sua totalidade, nega a identidade cultural regional.


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O segundo tema do dia tem relação direta com o objeto deste trabalho e explicitamente considera a comunicação como um instrumento de disputa de hegemonia: “Comunicação de resistência e hegemonia”. O tema inicialmente seria abordado por Vito Giannotti, coordenador do NPC, Jocilene Chagas, jornalista do Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal do Estado de São Paulo, Roberto Ponciano, coordenador de Comunicação do Sindicato dos Servidores das Justiças Federais do Rio de Janeiro (Sisejufe), Clomar Porto, coordenador de Comunicação do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul e Maria Melo, representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. No entanto, Henry Figueiredo representou o Sisejufe e Cida Marchi, representante do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf) substituiu Jocilene Chagas. Novamente, o tema resistência aparece para demonstrar a necessidade de um bloco histórico, como afirma Gramsci no sentido de combater a hegemonia da classe dominante. Ainda no mesmo dia, a mesa “Mídia de Resistência: Revistas e Alternativas” contou com a participação de Reginaldo Moraes, professor de Política da Unicamp, Renato Rovai, editor da revista Fórum, Hamilton de Souza, jornalista de revista Caros Amigos, Alipio Freire, jornalista do jornal Brasil de Fato e Raimundo Pereira, jornalista da revista Retratos do Brasil. O sentido da palavra resistência como contraponto à hegemonia capitalista por meio de seus instrumentos de comunicação está latente no tema apresentado aos participantes. Mostra ainda exemplos de alternativas ao discurso dominante, insinuando a necessidade da construção de meios de comunicação fortes que levem adiante os interesses da classe trabalhadora para que seja protagonista de sua história. No dia13/11, o debate se dá primeiramente sob o tema “Mídia no Brasil: realidades regionais”, com Venício Lima, professor de Comunicação da Universidade de Brasília, Christian Góes, jornalista do Sindicato dos Jornalistas de Sergipe e Nildo Oriques, professor de Política da Universidade Federal de Santa Catarina. Também para combater o discurso único dominante é preciso respeitar as características regionais; os costumes e valores da classe trabalhadora em cada região. Também revela o centrismo da comunicação ao mostrar em grande parte a realidade do


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Sudeste brasileiro como modelo de organização social, que exclui outras expressões regionais. Logo depois “O Direito à informação e a Confecom” foram abordados por Gustavo Gindres, jornalista e integrante do Coletivo Intervozes, Marcos Dantas, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Laurindo Leal, Ouvidor da Empresa Brasileira de Comunicação e professor de Comunicação da USP. No mesmo sentido do debate anterior, pretende-se colocar a Comunicação como um direito que deve ser buscado por meio da organização social; que a comunicação novamente transparece como meio e instrumento reivindicatório. Na parte da tarde, Cláudia Santiago, jornalista e coordenadora do NPC, Gizele Martins, jornalista do jornal O Cidadão (Comunidade da Maré/RJ) e Maurício Campos, engenheiro e membro da Rede Contra a Violência, discorreram sobre “Mídia e a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais”. Com o mesmo efeito da discriminação regional, a mídia no Brasil e também em outros locais se apresenta para desvalorizar a população pobre e os movimentos sociais, colocandoos como criminosos ao passo que se constituem em importantes formas de resistência. Como já tratado em capítulo anterior, ser pobre não é sinônimo de violência como tenta demonstrar os meios de comunicação, o mesmo ocorre com a organização da classe trabalhadora ao reivindicar seus direitos, como o direto à terra. As atividades desse dia encerram-se com o debate sobre “Atualidade de batalha da mídia na América Latina hoje”. Estiveram à mesa Beto Almeida, jornalista e diretor da TV Sul, Shirlei Orozco, jornalista e Cônsul da Bolívia, e Maria Lúcia Fattorelli, auditora Cidadã da Dívida. Os temas anteriores levam a crer que se vive hoje em uma verdadeira batalha na mídia, na América Latina, mas não somente. O debate dessa mesa busca trazer elementos que demonstram que os meios de comunicação comerciais, como instrumentos hegemônicos do capitalismo, agem no mesmo padrão em outros países do nosso continente, formando parte do ‘bloco histórico’ como classifica Gramsci, para manter sua hegemonia. O sábado foi dedicado à prática da comunicação popular e comunitária por meio de oficinas. Foram elas: Linguagem, Ilustração, Fotografia, Rádio Comunitária, Novas mídias e suas aplicações, Cinema militante e Infográficos. Como a práxis é a forma como as forças se renovam e se retroalimentam para novas disputas, este dia


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foi dedicado a oferecer aos participantes oportunidades de conhecimentos mais específicos sobre a técnica da comunicação, mas sempre sobre a ótica da pauta da classe trabalhadora; de como utilizar os instrumentos de comunicação em favor da classe trabalhadora. No domingo, os participantes assistiram à exibição do filme Linha de Passe seguido de debate com o diretor do filme Walter Moreira Salles, João Pedro Stédille, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, MC Leonardo, MC e presidente da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk) e Cláudia Santiago, jornalista e coordenadora do NPC. A obra é bastante realista, sensível e, sobretudo, humana. Sua estética crua e documental, que busca captar e representar a realidade tal qual ela se apresenta aos nossos sentidos. Ele trata do crescimento das igrejas evangélicas no Brasil e do futebol como esperança de ascensão social. Temas que perpassam o cotidiano dos brasileiros, que trazem discussões importantes sobre a influência da superestrutura na tomada de decisões sobre os dilemas e angústias morais e existenciais de seres humanos em uma busca diária pela sobrevivência. Está latente ainda o confronto entre o morro e o asfalto ao retratar a vida na periferia sob uma perspectiva um tanto quanto original, sem estereotipar ou vitimizar os personagens e sem perpetuar o lugar-comum de que a favela é, necessariamente, o reduto da violência e da criminalidade. Como se percebe as preocupações do filmes estiveram presentes em grande nos debates do encontro, bem como a sua abordagem para que se compreenda um pouco mais a deplorável situação social do país, sem o confronto clichê entre morro e asfalto. Como o discurso é gerador de poder percebe-se na programação do encontro nacional do NPC, como espaço de saberes que se articulam, a busca pela conscientização e organização da luta contra-hegemônica por meio da comunicação e da cultura, sem esquecer os temas estruturais que devem ser pauta do dia a dia da classe trabalhadora. A programação desta edição do encontro anual demonstra a coerência entre discurso e prática em torno da construção de uma comunicação contra-hegemônica da classe trabalhadora e dos movimentos sociais no Brasil diante de um modelo de meios de comunicação de massa extremamente excludente. Demonstra também a


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necessidade da organização desse setor da sociedade na produção de seus meios de comunicação, na reivindicação por um marco regulatório que permita maior controle social sobre os meios comerciais de comunicação e ainda espaço para os setores sociais que ainda não possuem voz ativa, tendo como horizonte a comunicação como serviço público e como direito social. É nesse sentido que, desde sua criação até, hoje o NPC atua.


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CAPÍTULO 6: CONSIDERAÇÕES FINAIS

A trajetória da mídia no Brasil, como instrumento de dominação sobre a classe dominante efetivou um discurso hegemônico de que estes trabalhadores não são sujeitos do processo de construção da sociedade. Esse discurso autoritário ganhou resistência ao correr dos tempos, principalmente na classe trabalhadora, por ser quem sofria os efeitos sociais, econômicos e culturais desse discurso-prática. O processo mais recente da história brasileira de desmilitarização do autoritarismo do Estado e do capital no Brasil serviu como ponta de lança para que os movimentos sociais buscassem seus direitos e encontrassem em suas formas de expressão por seus próprios meios de comunicação de massas, considerados até então alternativos, como uma ferramenta poderosa de discurso contra-hegemônico. Apesar de desiguais, em relação à força do Estado e da burguesia, essas iniciativas culminaram na organização de setores progressistas em torno do tema comunicação como um direito universal. A partir de meados dos anos 1990 destaca-se a participação do Núcleo Piratininga de Comunicação no sentido de fomentar esse direito e de praticá-lo efetivamente no seio da população que até então não tinha acesso à produção da sua própria comunicação como forma de expressão do seu discurso. As mudanças construtivas na sociedade acabaram ocorrendo, de forma mais ou menos ampla, por conta dos movimentos sociais e também pela atuação intrínseca da comunicação contra-hegemônica nesse processo. É notável no meio popular a importância da atuação do conjunto de colaboradores do Núcleo Piratininga de Comunicação, em especial da jornalista Cláudia Santiago e do escritor Vito Gianotti nessa construção. O discurso de que a classe trabalhadora merece, necessita e é capaz de produzir sua própria comunicação, de expressar de sua forma sua história, seus sentimentos, angústias e desejos é marca constante nas ações do NPC. Libertar o trabalhador, que como diz o Manifesto Comunista, “não tem nada a perder”, tem sido a constante nas atividades do NPC, seja no seu encontro nacional ou nas outras iniciativas levadas a todos os estados brasileiros.


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REFERÊNCIAS

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ANEXOS

ANEXO A

CONHEÇA O NPC

NPC — Quem somos Somos um grupo de jornalistas, professores, formadores, ativistas sindicais e de movimentos sociais vindo de várias experiências, e residentes em vários estados do País. Nosso ponto de partida é a certeza de que sem comunicação não há possibilidade de os setores populares lutarem pela hegemonia na sociedade. Acreditamos que os trabalhadores e os setores populares precisam aperfeiçoar-se constantemente em sua comunicação para alcançar seu objetivo de construção de uma nova sociedade. Apresentamos a esses grupos sociais nossos conhecimentos adquiridos por meio da nossa formação específica e da nossa prática social.

O que queremos Melhorar a comunicação dos trabalhadores para construir um mundo com justiça e sem exclusão. Para isto criamos o Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC).

O que fazemos         

Ministramos cursos ligados à área de comunicação sindical e popular e história dos trabalhadores. Realizamos palestras/debates sobre temas da nossa ação; Produzimos jornais, cartilhas, revistas e livros destinados aos trabalhadores; Avaliamos e propomos mudanças em publicações sindicais; Fazemos planejamento na área da comunicação; Fazemos reportagens dentro e fora do Brasil; Promovemos cursos nacionais, anualmente, de atualização em comunicação; Criamos o Observatório da Imprensa Sindical, um arquivo de publicações sindicais de todos os estados do país, produzidas na última década: jornais, cartilhas, revistas, vídeos e outros; Mantemos uma videoteca mínima com o objetivo de sensibilizar sobre a utilidade e necessidade de se utilizar o vídeo.

Fonte: Extraído da página oficial do Núcleo Piratininga de Comunicação.


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Disponível em: <www.piratininga.org.br>

ANEXO B

PROGRAMAÇÃO DO 15º CURSO NPC 2009

Dia 11/11 - Quarta-feira 13h30 às 18h Mídia, o verdadeiro partido da burguesia Virginia Fontes (Introdução) - Professoras de História da UFF José Arbex Jr. - Professor de Comunicação da PUC/SP Pascual Serrano - Jornalista Le Monde Diplomatic e Site Rebellion Ignácio Ramonet - Jornalista Le Monde Diplomatic em espanhol 18h às 20h30 Cultura brasileira e identidade nacional Adelaide Gonçalves (Introdução) - Professora de História da UFCE Renato Ortiz - Professor de Sociologia da Unicamp Beatriz Vieira - Professora de História da UCAM Adriana Facina - Professora de Antropologia UFF

Dia 12/11 - Quinta-feira 09h às 11h30 Mídia e resistência na América Latina hoje Dênis Moraes - Professor de Comunicação da UFF Altamiro Borges - Jornalista do Portal Vermelho 11h30 às 13h30 Comunicação de Resistência e Hegemonia Vito Giannotti (Introdução) – Escritor e coordenador do NPC Jocilene Chagas - Jornalista do Sintrajud/SP Roberto Ponciano - Coordenador de Comunicação do Sisejufe/RJ


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Clomar Porto - Coordenador de Comunicação do Sindicato Metalúrgicos de Caxias do Sul/RS Representante do MST 15h às 18h Mídia de Resistência: Revistas e Alternativas Reginaldo Moraes (Introdução) - Professor de Política da Unicamp Renato Rovai - Editor da Revista Fórum Hamilton de Souza - Jornalista da Revista Caros Amigos Alípio Freire - Jornalista do Jornal Brasil de Fato Raimundo Pereira - Jornalista da Revista Retratos do Brasil

Dia 13/11 - Sexta-feira 09h às 11h A mídia no Brasil: realidades regionais Venício Lima - Professor de Comunicação da UNB Christian Góes - Jornalista do Sindijor /SE Nildo Oriques - Professor de Política da UFSC 11h às 13h O direito à informação e a CONFECOM Gustavo Gindre - Jornalista e integrante do Coletivo Intervozes Marcos Dantas - Professor da UFRJ Laurindo Leal - Ouvidor Geral da EBC e Professor de Comunicação da USP 14h às 16h30 Mídia e a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais. Cláudia Santiago - Jornalista e coordenadora do NPC Gizele Martins Jornalista do jornal O Cidadão Maurício Campos - Engenheiro e membro da Rede Contra a Violência 16h30 às 20h Atualidade da batalha da mídia na América Latina hoje Beto Almeida - Jornalista e Diretor da TV Sul Shirlei Orozco - Jornalista e Cônsul da Bolívia Editor de El Câmbio - Bolívia Maria Lúcia Fattorelli - Auditoria Cidadã da Dívida


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Dia 14/11 – Sábado Oficinas Opcionais OFICINA 1 - Linguagem - Vito Giannotti OFICINA 2 - Ilustração - Carlos Latuff OFICINA 3 - Fotografia - Mário Camargo e João Zinclar OFICINA 4 - Rádio comunitária - Arthur William OFICINA 5 - Novas mídias e suas aplicações - Gustavo Barreto OFICINA 6 - Cinema militante - Carlos Pronzato OFICINA 7 - Infográficos - a definir Dia 15/11 – Domingo 09h às 13h Exibição do filme Linha de Passe (Cine Odeon) Debatedores Cláudia Santiago (Apresentação) - Jornalista e coordenadora do NPC João Pedro Stédile - Coordenação do MST MC Leonardo - MC e Presidente da Apafunk Walter Moreira Salles - Cineasta e Diretor do filme Linha de Passe


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APÊNDICE

Entrevista realizada por Mário Camargo com Vito Giannotti em 2006

Como surgiu a idéia de construir o NPC? Não é que teve uma ideia de formar o núcleo de comunicação. Na prática nasceu da experiência minha de São Paulo, que durante vários anos estive na direção da CUT e viajando, dando palestras sobre a CUT, sobre a história dos trabalhadores e sempre falando muito da comunicação dos trabalhadores. Naquela época já tinha escrito um ou dois livros sobre a comunicação dos trabalhadores, porque era uma preocupação minha, desde que comecei a trabalhar na fábrica eu via que a nossa comunicação estava muito falha. Os trabalhadores repetiam o que a Globo falava. No começo da Globo, quando comecei a trabalhar em São Paulo, eu estava impressionado com a penetração das mensagens da Globo entre os trabalhadores e com a dificuldade enorme que nós tínhamos de fazer penetrar nossas mensagens. Sempre me preocupei com a linguagem. Nesse sentido, quando vim para o Rio de Janeiro e me encontrei com a Cláudia Santiago, jornalista da CUT estadual, evidentemente, essa preocupação aumentou muito. Essa preocupação existia do lado da Cláudia Santiago, jornalista de uma instituição de trabalhadores muito forte na época. Ela estava com as mesmas preocupações. Dessa junção das duas preocupações nasceu a ideia de começar a fazer algum curso, alguma palestra para explicar algumas ideias que tínhamos e que poderiam dar dicas de como melhorar a comunicação dos trabalhadores. Ou melhor, a comunicação dos sindicatos com seus trabalhadores na base e dos próprios sindicatos e da central sindical com a sociedade. Aí começaram a aparecer alguns esboços de curso. Os primeiros cursos empíricos dados baseados na experiência da Claudia ou da minha. Começamos a ser chamados em vários lugares do país.


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E quando foi isso? Foi em 1993, início de 1994. Começamos a ser chamados para transmitir essas ideias de como melhorar a comunicação dos trabalhadores. Pouco a pouco isso começou a se estruturar e se transformou num grupo de pessoas, num núcleo, porque éramos nós dois, eu e Cláudia no começo, mas desde o início começaram a aparecer pessoas que tínhamos conhecido em cursos e que começaram a se ligar muito nesses assuntos. E se criou quase uma comunidade de interesses e aí se criou e nós pensamos em criar alguma coisa mais estável, definitiva, que seria um núcleo de comunicação que chamamos de Piratininga. Um nome indígena que lembrava São Paulo, de onde eu vinha, e que era um nome universal da língua Tupi que pegava desde a Bahia até o Paraná. Um nome sem grande significado. Para nós o nome não tinha importância nenhuma porque o importante era que existia um grupo de pessoas preocupadas com a comunicação dos trabalhadores.

Mas o nome tem alguma relação com a Escola Piratininga, em São Paulo? Eu também tinha participado da Escola Piratininga, em São Paulo. Mas só pegamos o nome na verdade. São campos completamente diferentes. A escola de São Paulo era voltada para a formação profissional e até política. E nós passamos justamente ao aspecto comunicação. Não tinha nada a ver. Às vezes mais a saudade, a proximidade histórica. Mas, do ponto de vista do conteúdo éramos completamente diferente.

Em que ano o NPC se consolidou enquanto núcleo? A partir de 1995 nós começamos a andar o Brasil todo. Fomos chamados no Nordeste, no Sul. Rio Grande do Sul, Recife, me lembro muito bem em Sergipe. Em vários estados, e rapidamente se espalhou a voz que havia um grupo, um núcleo que era muito útil chamá-los para melhorar sua própria comunicação. Então começamos a ser chamados em vários estados do país e aí nós tivemos que assumir uma pessoa jurídica e ficamos um ano tentando definir que pessoa jurídica assumiríamos.


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Nos constituímos como uma organização não governamental, embora sem nenhuma paixão por muitas organizações não governamentais, as quais temos fortíssimas críticas. Mas, ao mesmo tempo, não queríamos nos constituir como uma empresa patronal. A forma que achamos mais adequada foi a organização não governamental, que é tudo. O Palmeiras, o clube Palmeiras, o Corinthians é uma organização não governamental, o Flamengo. Quer dizer, ou é do governo ou não é do governo. Como não éramos do governo, nem queríamos ser, pegamos esse nome sem fins lucrativos. Nós tivemos uma decisão política interessante de viver do nosso trabalho, do nosso serviço. Nós cobraríamos o serviço que faríamos. Vimos os preços do mercado e tentamos adequá-los à capacidade que nós tínhamos e às necessidades que nós tínhamos de sustentar uma pequena estrutura e aí cobrar os serviços o suficiente para nos sustentar. Não dava para acumular nada, mas ao final dava para se sustentar, nossas atividades de publicações, viagens.

No começo o NPC não era tão amplo. Qual era o foco principal das atividades do núcleo? Pouco a pouco, cada ano que passava, se incorporava um grupo, diria, de amigos. Acabavam se incorporando pessoas como você, que era de Campinas, que fez vários cursos, condizia das ideias do núcleo, junto com você outras pessoas do Rio Grande do Sul, de Sergipe, do Maranhão, do Rio de Janeiro. Então, pouco a pouco, se criou uma equipe, um núcleo. Formalmente, do ponto de vista jurídico, as pessoas não estavam fazendo parte da estrutura, porque a estrutura era mínima. O mínimo exigido pela burocracia estatal para pagamento de impostos, etc. Mas, do ponto de vista de ideias, ideologia, ideais, era um grupo de pessoas que conviviam e tinham uma forte afinidade. Isso foi a partir de 1997. Outra coisa interessante é que nós criamos um curso mais centralizado, um curso anual, fora os cursos nos vários estados, curso anual por quê?, Porque acontecia uma vez por ano. Não teve nenhuma mágica nisso. E vinha gente de dez, vinte estados para participar desse curso. E nesse curso anual, rapidamente, a gente convidada cinco, seis, sete pessoas além das pessoas do núcleo. Pessoas de fora. Personalidades da área acadêmica de comunicação, ou jornalistas de renome como Ricardo Kotscho, Bernardo Kucinski, José Luis Proença. Alguns escritores de


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livros como Orival Chinen. Tudo isso para propiciar aos que vinham participar, o melhor. E aí então as ideias foram se definindo. As ideias andaram se enriquecendo muito à medida que nós fazíamos dez, vinte, trinta cursos por ano. Em cada curso existiam jornalistas, estudantes de jornalismo, professores de comunicação e militantes ativistas da comunicação. Em cada curso a gente pegava uma riqueza enorme de ideias, sugestões, propostas que nós íamos incorporando. Acho que a nossa grande virtude foi saber incorporar ideias que andavam espalhadas pelo Brasil afora com as quais nós tivemos contato, devido a essas viagens, a esses cursos regionalizados. Nós incorporamos e criamos um conjunto de ideias que está muito claro.

E qual é esse conjunto de ideias? A primeira grande ideia é a de que os trabalhadores têm direito a ter a sua comunicação. Ou seja, a fazer sua comunicação. Romper com a amarra de proibições

legais,

de

censura,

combate

a

qualquer

imposição

externa,

governamental e, ao mesmo tempo, romper as amarras internas. Ou seja, além de ter o direito a ter sua comunicação, de fazer sua comunicação, os trabalhadores têm o direito de entender a comunicação feita para ele; a comunicação que os sindicatos fazem para ele, que a sociedade, a universidade, os estudiosos, os jornalistas produzem para os trabalhadores. Por quê? Nós descobrimos muito rapidamente que muitas vezes a comunicação que é feita para os trabalhadores é deixada numa caixa hermeticamente fechada, bloqueada e os trabalhadores não conseguem chegar dentro por várias razões. Uma das mais graves, sobre a qual escrevemos dois, três ou quatro livros e damos palestras e organizamos cursos, é a linguagem. Uma das ideias básicas nossa é que a linguagem para os trabalhadores deve ter uma linguagem adequada. Adequada a quê? Ao seu nível de escolaridade. Não falo nível cultural. A tragédia da comunicação dos trabalhadores é que o trabalhador, em média, há várias estatísticas que mostram isso da Fiesp, do Senai, do IBGE, na sua maioria tem uma escolaridade extremamente baixa no Brasil. A média de escolaridade do trabalhador no Brasil não chega a seis anos de presença nos bancos escolares. Ou seja, quem tem quatro, cinco ou seis anos de escola tem uma


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dificuldade infernal de entender a palavra infernal. A linguagem de quem tem o terceiro ano é absolutamente diferente de quem tem o terceiro grau. Essa é uma das nossas obsessões em todos os cursos que nós demos.

Essa

é

uma

das

grandes

barreiras

para

a

comunicação

dos

trabalhadores? É uma grande barreira. No último livro que nós escrevemos, fruto de uma discussão coletiva, é a Muralha da Linguagem. A linguagem é uma muralha que impede o Zé Povinho de entrar nos assuntos que nós queremos que ele entre.

Você fala que a linguagem impede os trabalhadores de compreender esses assuntos. Mas quais são eles. Qual é a pauta tratada pela comunicação dos trabalhadores? Outro grande dogma nosso é a pauta dos trabalhadores, primeiramente, com um profundo senso político. Nós temos que fazer uma comunicação para disputar a hegemonia da sociedade. Nós não fazemos comunicação neutra, para informar, para deleitar os trabalhadores. Nós fazemos uma comunicação de combate, de batalha, de guerra, de luta. Ou seja, uma comunicação para ganhar a visão dos trabalhadores. Nós queremos dialogar,

discutir, conversar. Mas queremos

apresentar uma outra proposta de mundo, uma outra proposta de sociedade. Ou seja, nós temos que ter uma pauta que responda a esse objetivo político. Uma pauta que dispute a hegemonia. Nesse sentido, tem que ser uma pauta ampla, que interesse ao trabalhador. Que o trabalhador sinta-se atraído por ela. Uma pauta que fale da vida, dos filhos, da educação, do namoro, da escola, da diversão, de tudo. E que fale nitidamente qual a nossa visão de sociedade que queremos; que direitos o trabalhador tem, qual a visão que temos sobre a luta dos trabalhadores. Tudo isso ligado aos interesses mais gerais dele pela educação dos filhos, pela cultura de seus filhos, pelo direito que ele tem de uma informação decente na televisão, pelo direito ao lazer, pela liberdade, porque não existe democracia nenhuma para os trabalhadores. Isso é uma ficção. É uma fantasia que se repete a cada eleição. Isso é uma grande mentira. Nós queremos que haja uma democracia sim. E, em todas as mensagens


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do Núcleo, nas entrelinhas, ou às vezes declarado, existe uma perspectiva nítida, clara, de construção de uma sociedade socialista. Nós achamos que a perspectiva dos trabalhadores só tem sentido se destruir esta sociedade, ou seja, as raízes, os fundamentos ideológicos, políticos, econômicos, estruturais da sociedade. Construir uma outra sociedade a serviço da classe trabalhadora, que é a imensa maioria da população.

O NPC faz então uma comunicação de classe? Uma comunicação de classe a serviço da classe. Do combate da classe contra a outra classe, a classe exploradora, opressora, dominadora. Essa é a mensagem do núcleo colocada em todas as linhas do que o Núcleo escreve, do que ele fala, do que divulga. Uma outra ideia chave, conclusão de tudo isso, é a de que a comunicação não é neutra. Nós somos violentamente contra as ilusões semeadas nas escolas de comunicação pela burguesia, pela direita. Por professores que foram de esquerda, iludidos pela quimera de uma sociedade harmônica, justa, que viva democracia. Nós dizemos que não existe neutralidade. A comunicação, estamos preparando o décimo segundo curso anual. O tema para o décimo segundo curso que já foi discutido entre umas dez ou doze pessoas é “Mídia para a Manipulação das Consciências e sua Fusão com o Estado”. Estamos denunciando que a mídia que está aí, não que a nossa mídia tem que ser para manipular. Estamos denunciando que não há nenhuma neutralidade na Veja, na Folha de São Paulo, na Rede Globo, em todo esse aparato. A mídia existe, a mídia patronal, a mídia burguesa, a mídia empresarial, é assim que nós chamamos em todas as palestras, em todos os papos, essa é uma mídia para manipular as consciências. E é totalmente integrada ao Estado. Nós temos que ter uma mídia de esquerda, seja nos sindicatos, seja no movimento popular para contrapor essa mídia empresarial, a chamada “Grande Imprensa”. Para nós é grande no sentido que tem dinheiro. A Fiesp tem mais dinheiro do que os movimentos populares. Mas nós não a chamamos de “Grande Imprensa”, nós a chamamos de mídia empresarial, mídia patronal, a mídia burguesa. Dependendo, uma expressão está mais usada do que outra. Mas o sentido é esse: a mídia do sistema que está aí é uma mídia para manipular, para controlar, para


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condicionar as consciências e é uma mídia absolutamente fundida com o Estado. Não é um quarto poder. Achamos ridícula a definição de quarto poder. Ela é o poder, intimamente fundido. Isso de 1970 para cá. Antes era o quarto poder. Hoje é parte essencial do poder. É como o sangue, Não existe o corpo sem o sangue. O cérebro é uma parte do corpo. Mas tira as veias para ver o que sobra. Tira a mídia do Estado e você não tem mais Estado.

Qual é a linha mestre dos temas que o NPC tem utilizado nos cursos nestes dez anos? O ano passado o tema era “Uma Comunicação de Esquerda para o Brasil de Hoje”. É óbvio que é uma esquerda plural, esquerda sindical, esquerda popular. Não é uma esquerda de partido A ou B. Partido cada um escolhe o seu. Mas tem uma definição do que é uma comunicação de esquerda. Uma comunicação que defenda, por exemplo, a Reforma Agrária. Que defenda o direito de todos os trabalhadores de ter acesso à universidade. Uma imprensa de esquerda que defenda o direito dos trabalhadores de ter seus veículos de comunicação financiados. E não unicamente o Estado, o sistema, o poder, financiar a Globo através das suas propagandas ou das subvenções ou dos abonos, das renúncias fiscais. Nós queremos que os trabalhadores estejam em pé de igualdade com a grande mídia que está aí. No mínimo, em pé de igualdade para começar. Depois nós queremos muito mais. Os trabalhadores são 90% da população. Nós queremos a democratização da mídia. Nós não usamos essa expressão, é uma grande ilusão. Como bandeira é bonito. É uma expressão simpática, mas não passa de uma ilusão. Não existe democratização da mídia possível neste sistema. Neste sistema é a democracia da Fiesp, a democracia da UDR, a democracia de quem tem o dinheiro, de quem tem o poder. Nós precisamos mudar o poder para poder democratizar. Enquanto isso, vamos apresentar projetos de lei que não vão passar, que vão ser torpedeados, que vão ser comprados pelos deputados. E vamos lutar. Ao mesmo tempo em que lutamos no Parlamento para conseguir que aqueles corruptos, os 70% de bandidos do parlamento, para tentar que eles sejam enganados ou comprados para votar algum projeto. Mas enquanto isso, vamos lutar para mudar esse Parlamento de cabo a rabo. Torná-lo um instrumento obsoleto e


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implantar as assembleias populares, o poder popular no lugar desse instrumento burguês, que é o Parlamento da Revolução Francesa.

Gostaria que você fizesse uma comparação rápida entre a comunicação burguesa e a comunicação de esquerda hoje. É triste. A comunicação de esquerda é um desastre. Para começo de conversa. Me cita um jornal de esquerda hoje no Brasil? Não tem nenhum. Nenhum jornal de esquerda. Existem alguns pequenos semanários. Existe o Brasil de Fato, um jornal heróico. Eu sou fanático defensor do Brasil de Fato. Mas está com a situação econômica catastrófica. Diminuiu o seu volume, de dezesseis páginas para oito e não tem um financiamento público. Tem que ter. Financiamento público que amarre. O Brasil de Fato é um semanário, mas com alcance muito pequeno. Insignificante num Brasil de 187 milhões de habitantes. Temos outras revistas mensais, como Caros Amigos, com 25 ou 30 mil exemplares. Mensal, já é um desastre. Não informa ninguém. É velha, recozida. Mas quebra o galho. Tem uma informaçãozinha razoável. Mas não atende minimamente a uma disputa de hegemonia. Fora isso, temos pequenos jornais de grupos políticos, com três ou quatro mil exemplares. A imprensa sindical já foi um grande instrumento. Na década de 90 foi um instrumento fortíssimo para influenciar os trabalhadores na luta contra o neoliberalismo. A imprensa sindical entrou em crise junto com o sindicalismo na década de 90, que caiu com a sua combatividade e seu enfrentamento com o sistema e com o empresariado. A imprensa sindical também andou diminuindo de número, de frequência, se empobrecendo na pauta, mas até 2002, até a eleição do Lula, a imprensa sindical teve uma presença forte no Brasil. Acho que foi um dos fatores que influenciaram muito na eleição do Lula. Levou milhões de votos através da repetida propaganda de uma nova perspectiva, uma nova esperança. Com a eleição do Lula, houve uma crise no movimento sindical, crise que já existia, uma crise de identidade, de linha política, que acabou se agonizando e ficou crônica, aguda e explosiva. A grande crise se configurou em como defender a independência frente a um governo que foi eleito pelos trabalhadores. Alguns diziam que o grande perigo era se tornar adesista, outros


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diziam que era se isolar da massa e não apoiar o nosso governo. Um governo que seria nosso porque fomos nós que elegemos, entre aspas. Nessa conjuntura, nessa situação, o sindicalismo entrou em uma crise cada vez maior. Se dividiu, se rachou. Hoje você encontra sindicalistas que estavam na mesma diretoria, no mesmo lado, dividido em três blocos diferentes, em três centrais diferentes, outros que não estão em central nenhuma, todos se digladiando. E a imprensa sindical reflete esse momento. Muito mais enfraquecida. Existe alguma imprensa sindical até bonita, que é de um adesismo tremendo e uma falta de crítica ao governo absurda e outra imprensa que fica histericamente só atacando o governo sem analisar o conjunto da situação. Mas as duas acabam sendo muito parciais. Muito enfraquecidas. E hoje a imprensa sindical tem uma função muito menor do que teve até 2002. Pode voltar a ter em outra situação, em outro momento. Mas agora está muito difícil.


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