Em busca de Zoë

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capítulo um

Dizem que o luto tem cinco estágios: 1) Negação 2) Revolta 3) Barganha 4) Depressão 5) Aceitação Até o ano passado, eu não sabia que havia listas como essa. Não fazia ideia de que as pessoas realmente acompanhassem essas coisas. Mas, mesmo que eu soubesse, nunca imaginaria que poucos dias antes do meu aniversário de quatorze anos passaria pelo primeiro estágio. Só que a gente nunca acha que essas notícias horríveis vão bater à nossa porta. Isso porque esse tipo de história, que envolve um apresentador com cara de paisagem interrompendo o seu programa favorito para informar “as últimas notícias”, é sempre sobre a desgraça dos outros, de outras famílias. A gente nunca pensa que vai ser sobre a nossa. 8

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E, para piorar tudo, eu fui a primeira a saber. Quer dizer, depois da polícia. E, óbvio, da Zoe. Sem contar o monstro responsável por toda a confusão, que foi o primeiro. E mesmo que, de fato, não tivessem dito nada além de “Podemos falar com seus pais, por favor?”, o arrependimento na cara daqueles detetives, a derrota estampada em seus olhos cansados, praticamente os denunciou. Foi depois da escola. Eu estava em casa sozinha, fazendo as coisas de sempre, comendo cookies, assistindo à TV, fazendo a lição de casa, para variar, mesmo que, de fato, não estivesse conseguindo me concentrar em nenhuma dessas atividades. Quer dizer, nor­malmente, às 16h10, meus pais ainda estariam no trabalho, minha irmã Zoe estaria em algum lugar com o namorado, e eu estaria sentada no chão com as pernas cruzadas, espremida entre o sofá e a mesa de centro, mergulhando biscoitos Oreos em um copo grande de leite gelado e comendo até que meus dentes ficassem pretos, o leite estivesse todo empapado e meu estômago estufado, me fazendo ter uma sensação de náusea. Então, acho que de algum jeito eu só estava tentando reproduzir tudo isso e fingir que tudo estava normal, que meus pais não estavam realmente lá fora procurando Zoe, e que eu já não estava no estágio da negação, muito antes de ter uma boa razão para isso. Mas, agora, quase um ano depois, posso dizer honestamente que sou capaz de riscar do papel os estágios um, dois e três, e que estou começando a adentrar o estágio cinco. Embora, às vezes, de manhãzinha, quando a casa está em silêncio e meus pais ainda estão dormindo, eu me veja regredindo para o estágio quatro. Sobretudo agora, que setembro chegou e nos deixou a poucos dias do aniversário de um ano da última vez que Zoe subiu naquele carvalho imenso, escalou-o até chegar à minha varanda e entrou pela minha janela destrancada. 9

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Eu me lembro de ter rolado para o lado, tentando enxergar através dos raios de luz fortes da manhã. Ela andava na ponta dos pés, enquanto colocava o dedo indicador sobre os lábios que sorriam, sua unha curta e vermelha que mais parecia o pontinho do ponto de interrogação virado de cabeça para baixo, sua atuação exagerada, como um desenho animado, saindo do meu quarto e descendo as escadas em direção à entrada. Atualmente, quando penso naquele dia, às vezes crio uma cena totalmente nova. Uma cena em que, em vez de me virar e voltar a dormir, eu digo alguma coisa importante, significativa, alguma coisa que faria com que ela soubesse, sem dúvida nenhuma, quanto eu a amava e a admirava. Mas a verdade é: eu não disse nada. Quer dizer, como eu deveria saber que aquela seria a última vez que eu a veria?

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