Bule Marx e o Teatro José de Alencar

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ROBERTO BURLE MARX E O THEATRO JOSÉ DE ALENCAR


S612h Simpósio Nacional de História (... : 2009 : Fortaleza, CE) História e ética : iniciação científica [do] Simpósio Nacional de História, Fortaleza, CE, 12 a 17 de julho de 2009 / organizado por Almir Leal de Oliveira, João Rameres Regis ... [et al]. -- Fortaleza : Editora, 2009. 120p. ; 22,5 x 16cm ISBN: 000000000000000000000000000000000000000000000000 1. Brasil – História. 2. História e ética. 3. Historiografia. 1.Associação Nacional de História e ética II. Título CDD 907.2


ROBERTO BURLE MARX E O THEATRO JOSÉ DE ALENCAR



Por isso os jardins, nas grandes cidades, são como escapadas de civilização... João do Rio (In: Segawa, 1996: 228) ...os jardins construídos pelo Sr. Roberto Burle Marx, tal como o entende a crítica estrangeira, são legítimas obras de arte plástica. Lúcio Costa em ofício de 17.06.1948, dirigido ao Diretor-Geral do SPHAN, relatando problemas na proteção dos jardins do prédio do então Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, obra emblemática do final dos anos 1930, considerada o marco inicial da arquitetura moderna brasileira (In: Oliveira, 2008: 204)



A cidade e o seu theatro

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o Theatro e a sua praça

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o Theatro e a suas reformas

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BuRlE MARx – o hoMEM, o ARtIstA, o PAIsAGIstA

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BuRlE MARx E o thEAtRo José dE AlEncAR – o primeiro desenho (1973) – o jardim espetáculo

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Roberto Burle Marx e o Theatro José de Alencar Muito se escreveu sobre a obra e a vida de Roberto Burle Marx. O seu trabalho tem sido declaradamente reconhecido através de inúmeras publicações e citações por estudiosos, profissionais e amantes da arte e do ofício daquele paisagista. Este trabalho, apesar de ser mais um nessa linhagem de estudos sobre a obra de RBM, investiga um momento peculiar da sua vida profissional, quando ele, através do seu escritório, fez dois projetos para um mesmo local, num lapso de aproximadamente quinze anos, e mais interessante ainda, porque são vis-à-vis, projetos distintos em termos formais e programáticos: trata-se dos jardins do Theatro José de Alencar em Fortaleza (CE). A cIdAdE E o sEu tEAtRo Em 17 de setembro de 1910, o pano de boca do Theatro José de Alencar (TJA) se abria, pela primeira vez, na sua inauguração artística1, para que a Companhia de Leopoldo Fróes e Lucila Pérez encenasse ‘O Dote’ de Artur Azevedo, levando o público, que ‘aplaudiu de pé, longamente’, ao ‘delírio’, conforme relata o pintor e poeta Otacílio de Azevedo2, presente ao acontecimento. Fortaleza, ao final do século XIX, em seu período belle époque3, vivenciava uma efervescente atmosfera cultural, com a criação de várias agremiações de cunho educacional, científico e cultural4. Esse processo civilizador, com certeza, foi uma das principais motivações para a criação de um novo e grande teatro e, na época, representava a principal e mais imponente obra pública, que, na opinião de Liberal de Castro5, pode ser inscrita como uma das de “maior valor nos quadros do ecletismo brasileiro”. Já havia acontecido uma cerimônia de inauguração oficial, conduzida pelo então presidente do Estado, Antônio Pinto Nogueira Accioly, ainda nos meados do mês de junho daquele ano (AZEVEDO, Miguel Ângelo de (NIREZ). Fortaleza, ontem e hoje. Fortaleza: Fundação de Cultura e Turismo de Fortaleza, 1991, p. 133). 2 AZEVEDO, Otacílio de. Fortaleza descalça; reminiscências. Fortaleza: Edições UFC/PMF, 1980, p. 69 3 PONTE, Sebastião Rogério. Fortaleza Belle Époque: reformas urbanas e controle social (1860 – 1930). 2ª. ed. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1999. 4 GONDIM, Linda Maria de Pontes. O Dragão do Mar e a Fortaleza pós-moderna – cultura, patrimônio e imagem da cidade. São Paulo: Annablume, 2007, p. 99. 5 CASTRO, José Liberal de. Arquitetura do ferro no Ceará. In: DERENJI, Jussara da Silveira (Org.), Arquitetura do ferro – memória e questionamento. Belém: CEJUP, Universidade Federal do Pará, 1993, pp. 113-37, p. 125. 1

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O prédio era realmente invejável. O foyer, seguindo, ao pé da letra, as tendências afrancesadas da época, havia contado com o talento dos maiores artistas locais, apesar do painel sobre a boca de cena, vindo do Rio de Janeiro, retratando uma apoteose a José de Alencar, ter sido encomendado ao famoso pintor Rodolfo Amoedo6. A sala de espetáculos, então, essa era um colosso: uma enorme estrutura metálica, grande parte em ferro fundido, projetada e produzida em Glasgow (Escócia) por Walter MacFarlane & Co.. Segundo Castro7 essa estrutura “mistura elementos compositivos de reminiscências art-nouveau com vocabulário ao gosto da arquitetura vitoriana” configurando, assim, o caráter eclético do edifício.

Figura 1. O Theatro José de Alencar emoldurado pelo Centro de Saúde e a Faculdade de Medicina (à direita da foto) hoje a sede do IPHAN, em cartão postal dos anos 1950 (Fonte: Ah! Fortaleza, 2006, p. 159)

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AZEVEDO, 1980, p. 70. CASTRO, op. cit.

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Figura 2. Desenho da estrutura de ferro que compõe a fachada da sala de espetáculos do TJA. Fabricada em Glasgow, na Escócia, por Walter MacFarlane & Co., em 1906, e importada pela famosa firma francesa Boris Fréres. Esta estrutura, com elementos do estilo Art Nouveau, é, sem dúvida, um dos mais significativos exemplares da arquitetura de ferro no Brasil. (Fonte: Catálogo de Walter MacFarlane & Co., Glasgow, c. 1912, p. 4. In: CASTRO, 1987, p. 227)

o tEAtRo E suA PRAÇA Apesar de chamado teatro de jardim – em razão de sua destinação descrita em catálogo – a construção, encaixada entre os prédios do Quartel da Polícia e o da Escola Normal, apresentava apenas uma pequena área descoberta entre o foyer e o corpo principal. Localizada defronte a uma extensa praça do centro da cidade, a Praça José de Alencar – àquela altura, denominada praça Marques de Herval – a qual, segundo Castro8 havia sido ajardinada em 1903, como parte de um projeto de aformoseamento da capital. A praça fazia, então, as vezes de jardim para o teatro. Azevedo a descreve como um ‘verdadeiro Jardim de Afrodite’ repleta de rosas, dálias, borboletas ‘e mais uma infinidade de flores e crótons [...]’. Além 8 CASTRO, Liberal de. Arquitetura eclética no Ceará. In: FABRIS, Annateresa. Ecletismo na arquitetura brasileira. São Paulo: Nobel, 1987, pp. 209-55, p. 216.

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disso, um pavilhão, um belo coreto, bancos de ferro e madeira, e colunas com vasos chineses repletos de plantas, entre outros, complementavam a beleza dos jardins9 que, segundo Castro10 era, ainda, pontuada por cópias de estatuária grega pertencentes ao Museu do Louvre em Paris. Da sua inauguração, em 1910, até os dias de hoje, passado quase um século, a cidade e o seu teatro, e este e sua praça, passaram por imensas transformações. De uma cidade com pouco menos de 50 mil habitantes no começo do século XX, Fortaleza é hoje a quarta maior metrópole brasileira, com uma população beirando os 2,5 milhões de habitantes, segundo estimativa do IBGE11. Essas transformações, como não podiam deixar de ser, vieram a reboque de um processo de crescimento urbano desordenado, certamente provocado por perversas condicionantes políticas, econômicas, culturais e ambientais, reflexo de transformações semelhantes ocorridas nacionalmente.

Figura 3. Cena de 1911, cartão postal colorizado a mão, mostra o Jardim Nogueira Accioly na Praça Marquês de Herval. O pavilhão no centro da praça, segundo Castro (1987, p. 216) servia para a prática de patinação e demonstrações de ginástica infantil, então muito em voga, e concertos do Batalhão de Segurança. Note-se, ainda, a presença de uma caixa d´água suprida pelo catavento que se vê, parte, a direita, para a irrigação do próprio jardim. Esta era a paisagem defronte ao Theatro José de Alencar na época da sua inauguração. (Fonte: AH! FORTALEZA, 2006, p. 74)

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AZEVEDO, 1980, p. 70 CASTRO, op. cit. http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007 - acessado em 16.03.08

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Figura 4. A praça do teatro em 1930. Já tinham sido retirados o pavilhão, a caixa d’água e o cata-vento. No ano anterior, em comemoração ao centenário de nascimento de José de Alencar, é feita uma reforma total na praça, pelo prefeito Álvaro Weyne, quando foi erguido monumento em homenagem ao escritor. Nota-se o perfil horizontal da cidade, onde as torres das igrejas ainda são os principais marcos na silhueta urbana. (Fonte: THEATRO JOSÉ DE ALENCAR, 2002, p. 22)

De pacato logradouro, palco de retretas e do passeio tranqüilo de gente de família até a primeira metade do séc.XX, passando por caótico e barulhento terminal de ônibus urbanos por quase cinco décadas, até 1990 e, hoje – após uma reforma modernizadora inconclusa, objeto de concurso em 1999 – é uma verdadeira arena do circo urbano. Dessa forma, a Praça José de Alencar e o seu teatro têm passado por processos sucessivos de degradação e recuperação. E ligado, especificamente, ao Theatro José de Alencar, Burle Marx participou de dois significativos momentos de revitalização daquele patrimônio cultural brasileiro. o tEAtRo E suAs REFoRMAs Ao longo da sua vida, o TJA passou por várias recuperações e uma grande reforma. As primeiras foram em 1918, 1938, 1957, 1973 e a última foi em 199012. Apesar de tombado, pelo IPHAN, como Monumento Nacional, desde 1964, o teatro só teve um levantamento feito, do seu conjunto arquitetônico, em 1969. Esse minucioso trabalho, produzido por alunos do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará, sob a orientação do arquiteto e professor José Liberal de Castro – o qual havia, igualmente, solicitado a concessão do tombamento – foi primordial para a 12 THEATRO JOSÉ DE ALENCAR. Theatro José de Alencar: o teatro e a cidade. Fortaleza: Terra da Luz Editorial, 2002, p. 47-50. O texto desse trabalho é de autoria de Oswald Barroso, intelectual cearense cuja trajetória está intimamente ligada ao TJA, que, no momento, coordena naquela instituição grupo de estudos e pesquisas cênicas.

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recuperação de 197313. A essas alturas, o edifício se encontrava em péssimas condições e o governador do Estado, na época o Cel. César Cals, resolveu, não somente, recuperar o prédio como, também, demolir a edificação vizinha, o antigo quartel da polícia, então, um centro de saúde14, para, aí, ser criado um jardim para o teatro15. E para isso, é chamado, então, por sugestão de Liberal de Castro, o mais famoso paisagista brasileiro: Roberto Burle Marx.

Figura 5. O Centro de Saúde que foi demolido para dar lugar ao jardim do TJA, no início dos anos 1970. As clínicas de doenças infectocontagiosas davam para o lado do teatro, de onde se ouviam as conversas entre médicos, enfermeiras e pacientes. (Fonte: Arquivo Luís Antônio de Alencar, In: AH! FORTALEZA, 2006, p. 41.)

CASTRO, 1993, p 123 Uma das fortes queixas do diretor do TJA, Haroldo Serra, era que no vizinho centro de saúde, ficavam coladas, muro a muro, com o teatro, as clínicas ligadas às patologias infecto-contagiosas (lepra, tuberculose, doenças venéreas, etc.). Do teatro, então, que funcionava com portas e janelas abertas, podiam ser ouvidas conversas de médicos, enfermeiras e pacientes (segundo depoimento do arquiteto Liberal de Castro, em 28 abr. 2009) 15 THEATRO JOSÉ DE ALENCAR, 2002, p. 49 13 14

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Figura 6. Demolido o Centro de Saúde, pronto para dar início às obras do jardim de 1973. (Fonte: Arquivo Theatro José de Alencar)

BuRlE MARx – o hoMEM, o ARtIstA, o PAIsAGIstA Roberto Burle Marx fez o seu primeiro jardim para uma residência no Rio de Janeiro em 1932 projetada por Lúcio Costa e Gregory Warchavichk. Depois disso, em 1934, é convidado pelo governo de Pernambuco para assumir a chefia do Setor de Parques e Jardins, com apenas 25 anos, tendo em vista a decisão do governo de modernizar a cidade do Recife, o que implicaria na reforma dos espaços públicos existentes e proposta de implantação de novos, onde permanece até 1937. Antes de chegar ao Recife, observou plantas brasileiras em estufas de jardins botânicos na Europa, o que constitui um ponto de partida para a concepção do jardim brasileiro unido à sua admiração pela paisagem local. No jardim ele aplica seu conhecimento de pintura e música, adquirido na Alemanha, e de botânica e ecologia, com o levantamento e identificação das espécies vegetais, visando com esse conteúdo à educação da população. Como objeto educativo, o jardim seria um meio de instruir, de transmitir conhecimento através do conjunto dos seus elementos dentre os quais a vegetação avulta como principal. E assim nasce o jardim moderno, das características locais da paisagem brasileira assimiladas na composição artística do projeto, na pintura de pessoas simples e nas descobertas de espécies vegetais realizadas ao lado de botânicos nas expedições exploratórias pelo interior do país. A sua concepção do

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moderno era conduzida por um pensamento ordenando a natureza, segundo intenções que almejavam criar no habitante da cidade o amor à natureza. Sua trajetória artística como pintor teve inicio em 1941 quando recebe a Medalha de Ouro da Escola Nacional de Belas Artes e daí realizou várias exposições e projetos paisagísticos por todo o Brasil e em vários países. É importante notar que, além do paisagismo e da pintura, Burle Marx praticou, ainda, com maestria, várias outras linguagens artísticas tais como: desenho, escultura, tapeçaria, design de jóias, arte mural e gravura.

Roberto Burle Marx – “Artista de expressão poliédrica, Roberto Burle Marx teve uma formação cultural atípica para uma época que tende à extrema especialização. Foi pintor, escultor, gravador, desenhista, designer de jóias, barítono e paisagista. Mas foi nos jardins, parques e intervenções de desenho urbano que encontrou a sua forma de expressão mais conhecida, divulgada e celebrizada internacionalmente” (ALVES, 1998: 103). “Nascido em São Paulo em 4 de agosto de 1909, muda-se com a família para o Rio de Janeiro poucos anos depois e aí viverá até sua morte, em 1994, aos 84 anos de idade. A forte personalidade do seu pai, Wilhem Marx, alemão nascido em Trier, e a de sua mãe, Cecília Burle, mulher culta e refinada, de origem franco-holandesa, pertencente à velha sociedade pernambucana, dão origem à sua educação esmerada. A permanente curiosidade de conhecer novos questionamentos e uma atividade febrilmente aberta a todas as manifestações da arte caracterizam o artista” (ALVES, op.cit.: 106).

Figura 7. Duas imagens de Roberto Burle Marx, um dos maiores paisagistas do século XX, reconhecido internacionalmente. Combativo defensor da natureza, aliou, com maestria e originalidade, as artes plásticas, o paisagismo, o design e o joie de vivre. (Foto da direita: Haruyoshi Ono, em www.rio.rj.gov.br, acesso em 10.jun.2009 – Foto da esquerda: Marcel Gautherot, Acervo Instituto Moreira Salles, In: TABACOW, 2004, p. 221.)

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Em defesa da natureza brasileira Existe, no entanto, outra importante face do artista/profissional que merece ser aqui destacada: sua ardorosa atuação como defensor da natureza. Percorrendo a extensa bibliografia sobre RBM composta de livros e matérias em periódicos16 percebese, claramente, sua permanente luta pela preservação da natureza. Já no final dos anos 1960, traz para a pauta pública questões como desmatamento, devastação de florestas, desertificação e destruição do patrimônio histórico, entre outros. Depreende-se, também, dessa extensa lista de reportagens em jornais e revistas publicadas pelo Brasil e pelo mundo, e, principalmente, da suas conferências – selecionadas e publicadas por José Tabacow17, seu estreito colaborador entre 1965 e 1982 – a sua consciência social. Em inúmeras dessas matérias, RBM defende o cidadão comum, os pobres, preocupado com a qualidade de vida da população urbana, seus elementos culturais, seus direitos civis, principalmente aqueles ligados ao meio ambiente. A importância do estudo da obra de RBM A obra de Roberto Burle Marx tem sido motivo de inúmeros estudos. A sua atividade como paisagista é, evidentemente, o foco central desses. Um dos primeiros trabalhos de maior vulto publicado sobre RBM é de autoria de Pietro Maria Bardi18 – o criador, junto com o jornalista paraibano Assis Chateaubriand, do Museu de Arte de São Paulo, o MASP. Esse livro, editado pela Colibris, em 1964, foi publicado simultaneamente na Inglaterra, Alemanha, Itália, Estados Unidos e Brasil. Burle Marx tem sido, ainda, motivo de vários outros estudos, transformados em livros, dentre os quais se destacam aqueles escritos e/ou organizados por Motta19, Leenhardt20, Vaccarino21, Montero22, Siqueira23, Berrizbeitia24 e Tabacow25. Apesar desses estudos esparsos, publicados no Brasil e no exterior, os jardins de Burle Marx, somente a partir do ano de 2001, passam a constituir objeto de pesquisa no campo do patrimônio cultural. Esse MOTTA, Flávio L. Roberto Burle Marx e a nova visão da paisagem. São Paulo: Nobel, 1983, p. 209-221. SIQUEIRA, Vera B.. Burle Marx. São Paulo: Cosac & Naify, 2004, p. 123 17 TABACOW, José. Roberto Burle Marx, arte e paisagem – conferências escolhidas. São Paulo: Studio Nobel, 2004. 18 BARDI, Pietro Maria. The tropical gardens of Burle Marx. Amsterdam; Rio de Janeiro: Colibris, 1964. 19 MOTTA, op. cit. 20 LEENHARDT, Jacques (Org.) Nos jardins de Burle Marx. São Paulo: Perspectiva, 1994. 21 VACCARINO, Rossana (ed.). Roberto Burle Marx. Landscape reflected. Princeton: Princeton Architectural Press, 2000. 22 MONTERO, Marta I.. Burle Marx – The lyrical landscape. London: Thames & Hudson, 2001. 23 SIQUEIRA, op. cit. 24 BERRIZBEITIA, Anita. Roberto Burle Marx in Caracas: Parque del Este, 1956-1961. Filadelfia: University of Pennsylvania Press, 2004. 25 TABACOW, op. cit. 16

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Tais experiências foram realizadas a partir de uma parceria entre a Prefeitura do Recife e o Laboratório da Paisagem da UFPE, tendo como fundamento teórico a Carta de Florença de 1981 que trata da conservação de jardins históricos. De 2004 a 2008 foram concluídas as restaurações dessas três praças, o que se considera um significativo avanço ao estudo da obra do artista.


trabalho foi iniciado pela equipe de pesquisadores do Laboratório da Paisagem da Universidade Federal de Pernambuco com a oferta de um curso de extensão em paisagismo denominado “Pensar a Paisagem, projetar o lugar” que teve como exercício prático o projeto de restauração da Praça Faria Neves, idealizada pelo paisagista em 1958 e que até pouco tempo servia de estacionamento para os visitantes do Jardim Zoo-botânico do Recife. No ano de 2003 ficou concluído o projeto de restauração dessa praça e das praças do Derby e Euclides da Cunha, que também estavam em situação de abandono26. O grupo de pesquisadores ampliou-se em 2007, a partir da realização do Encontro Regional “Paisagem na História, jardins e Burle Marx no Norte e Nordeste”, organizado pelo Laboratório da Paisagem da UFPE no Recife que reuniu pesquisadores das universidades e instituições do norte e nordeste brasileiros, formalizando o compromisso para a criação junto ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) do grupo de pesquisa “Jardins de Burle Marx”. No Ceará, isso impulsionou, no ano de 2008, o engajamento do Laboratório de Estudos em Arquitetura e Urbanismo – LEAU, da Universidade Federal do Ceará – UFC, bem como a criação do Laboratório da Paisagem na Universidade de Fortaleza – UNIFOR, estando essa parceria, no momento, se empenhando em estudar a obra de RBM nessa cidade, com vistas futuras à recuperação e preservação desses jardins27.

O grupo de pesquisa Jardins de Burle Marx tem aproveitado encontros nacionais para realizar reuniões preparatórias para a comemoração do Centenário de Burle Marx nesse ano de 2009. Em termos de Nordeste, em Recife, o Laboratório da Paisagem da UFPE, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN e a Prefeitura do Recife estão concluindo o inventário de seis jardins incluindo alguns dos mais antigos, para fundamentar o tombamento como patrimônio cultural.

Burle Marx e Fortaleza Apesar de o Nordeste estar diretamente ligado ao início da sua trajetória profissional, mais especificamente a cidade de Recife, nos anos 1930, Burle Marx só produziu seu primeiro projeto em Fortaleza em 1968, no caso a residência Benedito Macedo – sobre projeto do arquiteto Acácio Gil Borsoi. De acordo com Diógenes e Paiva28, a colaboração entre esses dois profissionais seria responsável pela “inserção do paisagismo moderno em Fortaleza”. Entre esse primeiro trabalho e o projeto para os jardins do TJA, em 1973, Burle Marx elabora alguns Tais experiências foram realizadas a partir de uma parceria entre a Prefeitura do Recife e o Laboratório da Paisagem da UFPE, tendo como fundamento teórico a Carta de Florença de 1981 que trata da conservação de jardins históricos. De 2004 a 2008 foram concluídas as restaurações dessas três praças, o que se considera um significativo avanço ao estudo da obra do artista. 27 O grupo de pesquisa Jardins de Burle Marx tem aproveitado encontros nacionais para realizar reuniões preparatórias para a comemoração do Centenário de Burle Marx nesse ano de 2009. Em termos de Nordeste, em Recife, o Laboratório da Paisagem da UFPE, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN e a Prefeitura do Recife estão concluindo o inventário de seis jardins incluindo alguns dos mais antigos, para fundamentar o tombamento como patrimônio cultural. 28 DIÓGENES, Beatriz Nogueira & PAIVA, Ricardo Alexandre. Jardins de Burle Marx em Fortaleza, In: ENCONTRO REGIONAL PAISAGEM NA HISTÓRIA – Jardins e Burle Marx no Norte e Nordeste, 2007, Recife. Anais... Recife: Laboratório da Paisagem, UFPE, 2007. 26

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projetos para Fortaleza, destacadamente para o poder municipal, onde estão listados, por Motta29 as avenidas Aguanhambi, Leste-Oeste e José Bastos, e os jardins para a então sede da Prefeitura Municipal (Bosque D. Delgado do chamado Palácio do Bispo). Sua trajetória em Fortaleza segue em projetos esparsos, principalmente, para residências, até sua segunda versão para os jardins do Theatro José de Alencar, em 1990. Em 1993, ele produz o que seria o seu último projeto para a cidade: o desenho para o jardim botânico de Fortaleza, na Fazenda Raposa, projeto esse ainda não executado30. Burle Marx e o Theatro José de Alencar – O primeiro desenho (1973) – o jardim espetáculo A indicação de RBM para elaborar, o que seria a primeira versão do projeto dos jardins do TJA, em 1973, seria natural já que ele estava, desde o ano anterior, fazendo vários trabalhos para a Prefeitura Municipal de Fortaleza. O primeiro desenho para os jardins do TJA, cujo projeto é também assinado pelos arquitetos Haruyoshi Ono e José Tabacow, é bem representativo da linguagem formal criada por RBM: um equilibrado jogo de linhas retas, paralelas e oblíquas, ligadas por arcos de circunferência, criando uma sensação de planos superpostos onde se definem canteiros, áreas pavimentadas, elementos aquáticos e mobiliário. Um grande espelho d´água, com uma fonte luminosa, domina toda a composição. Esse elemento, que cobre cerca de um quarto daquele jardim, divide o espaço disponível para circulação e convivência em dois, dando-se a ligação entre esses através de uma pequena ponte sobre o espelho d´água. Percebe-se, igualmente, que esse projeto elaborado em 1973 valoriza, principalmente, o aspecto contemplativo do conjunto: um verdadeiro espetáculo de plantas e água em movimento. Apesar de não existir nesse projeto qualquer alusão ao estilo eclético do edifício a que se presta, conforme Tabacow31, havia uma posição firmada pelo paisagista de procurar, em seus projetos para prédios históricos, criar um desenho mais simples, buscando, assim valorizar a edificação em si. 29 MOTTA, op. cit., p. 189-198 30 BEZERRA, Ricardo F. & MOURA, Newton B. de. Burle Marx e a Fazenda Raposa – um projeto para o jardim botânico de Fortaleza, In: ENCONTRO REGIONAL PAISAGEM NA HISTÓRIA – Jardins e Burle Marx no Norte e Nordeste, 2007, Recife. Anais... Recife: Laboratório da Paisagem, UFPE, 2007. 31 Entrevista concedida aos autores, por telefone, pelo arquiteto José Tabacow em 14.04.2009.

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Principais projetos de RBM em Fortaleza. 1968 - Residência Benedito Dias Macedo 1972 - Avenida Aguanhambi; - Posto de abastecimento Petrobrás 1973 - Avenidas Leste-Oeste e José Bastos - Anteprojeto para a sede da Prefeitura Municipal de Fortaleza (Palácio do Bispo); - THEATRO JOSÉ DE ALENCAR (1ª. Versão) 1978 - Sede do Grupo J. Macedo (antiga residência Benedito Macedo) 1975 - Ministério da Fazenda (Receita Federal) - Hotel Colonial 1980 - Residência José Carlos e Denise Pontes 1983 - Vicunha do Nordeste S.A Indústria Têxtil 1984 - Sede do Banco do Nordeste do Brasil (Passaré) 1985 - Edifício Portal da Enseada; 1986 - Thiffany’s Sea Flat Hotel; 1988 - Centro Empresarial Clóvis Rolim - Residência Pio Rodrigues Neto 1990 - THEATRO JOSÉ DE ALENCAR (2ª, versão) 1992 - Projeto para Hotel Beira Mar - Fazenda Mulata 1993 - Anteprojeto para Jardim Botânico de Fortaleza (Fazenda Raposa - Maracanaú) - Anteprojeto Av. Beira Mar (trecho Ceasar Park) 1994 - Edifício Residencial na Avenida Beira-Mar;


Figura 8. Planta baixa do projeto de 1973. Percebe-se as linhas características da arte de RBM. A grande fonte foi, ao mesmo tempo, elemento de grande relevância estética e razão do acelerado processo de degradação por seus elevados custos de manutenção. Nota-se, ainda, a previsão de demolição do anexo do prédio histórico onde, depois, seria instalada a sede do IPHAN. (Fonte: Temístocles Anastácio - LEAU-DAUUFC/Laboratório da Paisagem-Unifor)

Figura 9. Cena do que deve ter sido o projeto de 1973. Depois de uma busca exaustiva e infrutífera por fotos da fase logo após a sua implantação, optou-se por esta simulação em desenho, buscando retratar a exuberância do que chamamos o jardim espetáculo, onde o grande espelho d’água e sua fonte são os seus elementos dominantes. (Desenho de Temístocles Anastácio, sobre foto de arquivo do Jornal O Povo)

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Um dos arquitetos32 participante das equipes que trabalharam tanto no projeto de 1973 como no de 1990, lembra que em uma das visitas que o paisagista fez à Fortaleza, junto com o seu assistente José Tabacow, foi aventada a possibilidade de integrar o jardim, a ser criado, à Praça José de Alencar. Por intervenção do arquiteto José Liberal de Castro, este partido não foi adotado, justificando esse, que o espaço estaria, em pouco tempo, indevidamente ocupado por camelôs, principalmente considerandose que, àquela época, na praça funcionava um dos mais movimentados terminais de ônibus da cidade. Aceita a argumentação, foi adotado um gradil que permitiu a visualização dos jardins a partir do espaço público, restringindo, no entanto, o seu acesso aos usuários do teatro. Esse jardim, no entanto, teve vida muito curta, principalmente, devido à sua extensa fonte. Como esse equipamento, dependente de sistemas hidráulico e elétrico para bombeamento e iluminação, era acionado muito esporadicamente, cada vez que era preciso usá-lo, havia necessidade de serviços de manutenção. Nesse sentido, os custos para manter o jardim estavam além dos recursos disponíveis e o jardim, em dois ou três anos, entrou em pleno processo de degradação. 33 Em matéria no final de 1986, a imprensa alerta para o deplorável estado de abandono em que se encontrava o jardim. De acordo com esta reportagem, Gabriel d´Ávila, o zelador que trabalhava no local há 15 anos, conta que quase não vinham mais turistas por causa da sujeira. Segundo ele “[i]sso era muito bonito, tinha sempre visita. Mas agora não vem quase ninguém. A não ser o pessoal que entra pra [sic] fazer ‘serviço aqui’”34.

32 Entrevista concedida aos autores pelo arquiteto Francisco Augusto Sales Veloso em 09.06.2008 no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFC, em Fortaleza. 33 Certamente, não são, exclusivamente, os jardins projetados por Roberto Burle Marx que sofrem processo de degradação por serem, em boa parte, jardins de preciosa elaboração e execução, demandando cuidados especializados e de maior custo. Pode-se observar, em nosso meio, com mínimas exceções, um endêmico descuidado pelos jardins públicos, quaisquer que sejam eles. Isso está muito claro na grande maioria das nossas praças, inclusive na própria Praça José de Alencar que, apesar de recentemente reformada e, hoje, praticamente em ruínas, está interditada com tapumes. 34 O POVO. Teatro é imagem do abandono e tristeza – jardins negam as glórias do José de Alencar. O Povo, Fortaleza, 27 dez. 1986.

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Em depoimento ao Jornal da Confiança (15 mar. 1975), Liberal de Castro afirma que ‘[é] preciso lembrar que os jardins são privativos do teatro e como tal devem ter separação física. Os jardins públicos brasileiros, do século passado e do começo deste sempre foram cercados. O nosso passeio público e a primeira Praça do Ferreira, feitas por Guilherme Rocha, eram cercados’. A inauguração - Após essa reforma, o teatro é reaberto em 1º de março de 1975, em cerimônia presidida pelo então governador César Cals, com as apresentações, todas ‘prata da casa’, da banda da Polícia Militar, da orquestra sinfônica Henrique Jorge, e, coroando a noite, a encenação da peça Demônio familiar, de José de Alencar, pela Comédia Cearense (O Povo, 3 mar. 1975).


Figura 10. O projeto de 1973 em pleno estado de abandono e decadência. A enorme fonte com seus inerentes custos de manutenção, somados à insuficiência de recursos públicos, levaram a uma degradação prematura deste jardim. Na segunda versão do projeto, em 1990, os projetistas criariam um partido diametralmente oposto: o jardim utilitário. (Foto: arquivo do Theatro José de Alencar)

Considerando que o principal elemento focal do jardim, sua extensa fonte, não mais funcionava e que a área projetada para convivência era, relativamente, de difícil acesso, o espaço do jardim perde importância e apressa-se, assim, seu processo de deterioração. Isso prossegue até que, numa iniciativa do governo estadual, se dá início a uma grande reforma do TJA. o segundo desenho – o jardim utilitário Corria o ano de 1987. A nova geração de políticos cearenses, liderada por Tasso Jereissati, havia assumido o comando do governo estadual após uma sucessão de coronéis ligados ao governo militar. Nessa composição política, é indicada, então, para a Secretaria de Cultura, Violeta Arraes Gervaiseau. Essa intelectual, que foi para Paris, em exílio imposto pelo governo militar, em 1964, de família originária do Cariri cearense (irmã de Miguel Arraes), com extensa carreira de militância política, pessoa de reconhecida capacidade aglutinadora35, idealiza e toma a frente de um amplo projeto de reforma do Sobre essa importante figura da vida política e cultural brasileira podem ser acessados: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u413551.shtml http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=547221 35

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Figura 11. Violeta Arraes em três momentos. Grande figura da cultura cearense, com dimensão nacional e grandes ligações internacionais, mais especificamente, com a França, foi chamada a Rosa de Paris, por sua militância em prol dos exilados políticos naquele país. Quando retornou ao Brasil, após a anistia, ocupou importantes cargos no Estado do Ceará. Foi, como titular da Secretaria de Cultura, a grande artífice da reforma do Theatro José de Alencar de 1990. (Fotos: quando jovem, em www.fundacaocasagrande.org.br; com o compositor e cantor Gilberto Gil em www. diariodonordeste.globo.com; foto oficial como Secretária de Cultura do Ceará, em www.enciclopedianordeste.com.br.; acessos em 10 jun. 2009)

Theatro José de Alencar. Para executar a obra civil, por notória especialização, é selecionada a construtora Método36, empresa com sede em São Paulo e para a reforma do jardim é novamente contratado o escritório de Roberto Burle Marx. O projeto elaborado dessa vez – assinado, além de RBM, pelo arquiteto Haruyoshi Ono, como arquiteto associado e Leonardo de Almeida como paisagista colaborador – diverge por completo do primeiro: é um jardim intrinsecamente utilitário. Agora, em vez da ampla fonte e seu espetáculo de água e luz, temos um extenso piso, de recorte ortogonal, em tijolo cerâmico vermelho e ladrilho hidráulico cinza, com discretos detalhes em granito cinza. http://www.opovo.com.br/opovo/opiniao/797374.html OBS.: os acessos a esses sítios se deram em 13/04/2009. 36 Como gerente geral da obra, veio para Fortaleza, o engenheiro Humberto Manoel Videira Rodrigo. Profissionais que trabalharam com ele atestam, além da sua competência técnica, o seu espírito colaborativo e rápida adaptação ao meio local, tendo, inclusive, se casado com uma moça cearense, estudante de arquitetura que trabalhava como estagiária na obra. Há quem afirme que boa parte do sucesso dessa grande reforma é devida a esse engenheiro.

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Maria Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau cearense, da região do Cariri, tendo sido educada em Pernambuco, torna-se muito ligada a D. Helder Câmara; participa da direção da Juventude Universitária Católica - JUC. Estudando na França, no início dos anos 1950, conhece Pierre Gervaiseau, militante socialista. Volta para Recife, onde se casam; participa do Movimento de Cultura Popular ao lado de Paulo Freire. Acompanha o irmão Miguel Arraes, então governador de Pernambuco, quando este é deposto pelo regime militar; se exila na França. O apartamento do casal em Paris se torna um refúgio para exilados brasileiros de todos os naipes: políticos, artistas, intelectuais... Acima de qualquer divisão político-partidária, Violeta torna-se porta-voz denunciando os crimes cometidos pela ditadura militar, envolvendo-se, inclusive, com exilados do Chile, de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. É chamada, carinhosamente, de ‘Rosa de Paris’. Faz pós-graduação em psicologia e exerce a função de terapeuta, ajudando brasileiros que haviam sido torturados. Torna-se importante divulgadora da arte e da cultura brasileiras na França; cria fortes laços de amizade com artistas brasileiros do porte de Caetano Veloso e Chico Buarque. Em 1979, com a anistia, retorna ao Brasil. Em 1984 volta para a França como adida cultural da Embaixada Brasileira. Em 1987 vem para o Ceará assumir a Secretaria de Cultura do Estado, época em que idealiza e toma a frente de uma ampla reforma do Theatro José de Alencar, em Fortaleza. Em 1997 torna-se reitora da Universidade Regional do Cariri – URCA, onde funda, com Pierre, seu marido, uma ONG para a preservação da Chapada do Araripe, importante reserva natural da região onde nasceu. Nos últimos anos morava no Rio de Janeiro (FOLHA DE SÃO PAULO, 2008).


Figura 12. O projeto de 1990: o jardim utilitário; formado por um grande pátio que tem sido usado para os mais diversos eventos. Vários espécimes arbóreos foram aproveitados do projeto anterior, como os jucás e um pau-ferro (Caesalpinia férrea e Caesalpinia leiostachya, respectivamente) e, logicamente, os velhos oitizeiros (Licania tomentosa) que lá estavam desde os tempos do quartel e do centro de saúde. Ao sul do pátio está o palco que serve de abrigo para boa parte dos equipamentos de infra-estrutura do teatro, incluindo, ainda, um camarim. Ao longo do acesso de veículos, ao sul, está a famosa “cascata” de tumbérgia (Thunbergia grandiflora). Note-se o pequeno pátio do anexo, prédio que foi mantido para o funcionamento dos serviços administrativos do TJA, onde se destacam as macaubeiras (Acrocomia intumescens). (Fonte: Temístocles Anastácio - LEAU-DAUUFC/Laboratório da PaisagemUnifor)

Figura 13. O projeto de 1990: o pátio de múltiplos usos com seu extenso piso em tijolo cerâmico e ladrilho hidráulico. O longo banco de concreto delimita o piso, emoldurado por densa vegetação. Esse espaço verde, em pleno núcleo central da cidade, representa um refrigério para o atual frisson urbano em sua volta. O plano de vegetação original sofreu várias mudanças, não tendo sido possível identificar quais foram autorizadas pela equipe do paisagista. Do plano original podemos identificar as palmeiras-leque-de-fiji (Pritchardia pacifica) à esquerda, e do centro para a direita vê-se um cajueiro (Anacardium occidentale), com sua folhagem mais clara, um pau-brasil (Caesalpinia echinata) com sua floração amarela, e uma pequena nesga dos velhos oitizeiros (Licania tomentosa). (Foto: Ricardo Bezerra)

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No conjunto formado, sobressai, ao fundo, um palco descoberto37, o qual surgiu como uma feliz e oportuna solução de projeto para camuflar uma cisterna – necessária ao combate de incêndios, para a qual não havia condição técnica de ser totalmente enterrada – bem como os equipamentos do sistema de ar condicionado, a subestação e os quadros do sistema elétrico, e, ainda, camarim para servir ao palco. À frente dele, um grande espaço central livre, praticamente circundado por extenso banco em concreto, tem servido para múltiplos fins, principalmente eventos ligados à própria pauta do teatro.

Figura 14. O pátio, vendo o palco ao ar-livre, sob o qual está boa parte do maquinário ligado à infra-estrutura do teatro, um camarim e uma cisterna para segurança contra incêndio. À esquerda, os velhos oitizeiros (Licania tomentosa) e, à direita, os jucás e o pau-ferro, espécies nativas do gênero Caesalpinia. No muro do fundo, a famosa “cascata” de tumbérgia (Thunbergia grandiflora). (Foto: Ricardo Bezerra) 37

O projeto desse elemento ficou a cargo do arquiteto Ricardo Rodrigues, membro da equipe técnica responsável pela reforma.

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Comparada ao desenho do projeto anterior, de 1973, contrasta a simplicidade da nova proposta, que não apresenta as características peculiares da obra de RBM. Excetuando a maestria do plano de vegetação, nada, ali, poderia revelar, mesmo a um estudioso do paisagismo, a mão daquele artista. Não se vê seus magníficos pisos de mosaico português, nem seus canteiros em desenhos de sofisticada geometria, tampouco seus costumeiros elementos ornamentais como painéis, murais e esculturas. Ao contrário, no conjunto, como um todo, realçam a sobriedade e singeleza de linhas e volumes. Dessa forma, o projeto, inteligentemente, destaca dois elementos principais: a edificação do próprio teatro e a vegetação do jardim, que tem hoje, depois de crescida, o importante atributo de isolar o jardim da rua, atualmente, conforme previra o professor Liberal de Castro, repleta de bancas de camelôs, mendigos e barulhentos ônibus. Este é um trabalho, que, de certa forma, foge dos padrões de desenho de RBM, mas se sobressai, no conjunto da obra produzida pelo seu escritório, pela demonstração de saber adotar um partido que seja próprio para aquela situação onde as características peculiares daquele gênio criador dão lugar a uma solução consciente da sua adequação, mostrando uma preocupação com a utilização do espaço tanto para a realização de grandes eventos, como para o convívio em prazerosos espaços sombreados e, principalmente, respeito à edificação histórica a que serve. O JARDIM DO ANEXO Até aqui fizemos uma análise do jardim principal do TJA em suas duas versões. No entanto, para que possamos entender os projetos na sua totalidade, em ambas as versões existe uma porção de jardim, no lado oeste do teatro, que precisa também ser vista. Para isso, é importante entender o contexto imediato daquele edifício. Quando o teatro foi construído, no início do Séc. XX, na sua lateral oeste já se encontrava o prédio da Escola Normal. Essa edificação, construída entre 1881 e 1884, conforme o Guia dos Bens Tombados do Estado do Ceará veio posteriormente a ser a sede da Escola de Medicina, para a qual é construído um anexo na extensão sul do terreno. Anos depois essas instalações passam a abrigar a Faculdade de Odontologia38. Na versão de 1973 RBM propõe derrubar esse prédio anexo – apesar da posição contrária expressada por Liberal de Castro – mantendo a edificação histórica para abrigar os serviços administrativos do teatro. No entanto, na época da implantação do jardim de 1973, o prédio ainda era usado como faculdade, ficando, por esse motivo, postergada, a desocupação e derrubada desse anexo39. Com a fundação da Universidade Federal do Ceará em 1955 essas escolas são a ela incorporadas. A partir de depoimento prestado pelo arquiteto Francisco Veloso, em 17 abr. 2009, na pastelaria Leão do Sul, à Rua Antônio Augusto, no bairro Aldeota, em Fortaleza (CE). 38 39

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O desenho do jardim oeste de 1973. Analisando o projeto nota-se que este lado não tem maiores ligações formais com o jardim principal. Os elementos mais marcantes deste são as várias áreas de convivência criada sob as copas das árvores propostas e uma aléia formada por quatorze palmeiras imperiais (Roystonea oleracea) Além desses, se nota um estacionamento com doze vagas e um acesso para veículos de serviço. O grande valor dessa idéia seria soltar o prédio do teatro, dando espaço para sua visualização por três das suas fachadas. No entanto, devido à rápida deterioração sofrida pelo jardim principal, conforme dito acima, ficou fora de cogitação derrubar o prédio anexo que tinha uma boa condição construtiva. Alguns anos depois, a Faculdade de Odontologia40 muda-se também para o campus do Porangabussu e os dois prédios ficam desocupados. Através de um acordo entre o Ministério da Educação e o Ministério da Cultura, a SPHAN/Pró-Memória (Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) passa a utilizar o prédio histórico com um projeto de ocupação igualmente do anexo. Nessa situação fica, então, totalmente descartada a implantação do jardim oeste, nesta versão de 1973. Dessa forma, quando RBM elabora o projeto de 1990 nele está incluído o prédio do anexo que, após uma extensa reforma, passa a abrigar os serviços administrativos e de apoio ao teatro41. O desenho do jardim oeste de 1990. Nesta versão, tendo sido mantido o prédio do anexo, um pátio central que aí existia passa a ser um ponto focal desse pequeno jardim. Considerando o clima de poucas chuvas e as temperaturas relativamente elevadas o ano todo, dá-se a esse espaço, numa escala menor, uma solução semelhante à do jardim principal e aí foi instalado um pequeno palco para a realização de eventos artísticos. Os materiais de pavimentação de piso e mobiliário seguem a mesma linguagem do jardim principal e no plano de vegetação destacam-se alguns espécimes de macaubeira (Acrocomia intumescens), palmeira nativa do nordeste.

40 A essa época a Medicina já havia se transferido para o campus do Porangabussu e o prédio havia sido ocupado pela Faculdade de Farmácia e Odontologia. Posteriormente essa é desmembrada e lá fica somente a Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Ceará – UFC. 41 A partir de depoimento prestado pelo arquiteto Francisco Veloso, em 7 mai. 2009, no Laboratório de Estudos em Arquitetura e Urbanismo – LEAU, do DAUUFC.

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A inauguração de 1991 – Dessa vez o teatro foi reinaugurado com uma extensa pauta que começou logo na manhã do dia 26 de janeiro de 1991. Foram destaques: o espetáculo concebido e dirigido por Amir Haddad, o mestre do teatro de rua, que começou em cortejo na Praça do Ferreira, indo para a Praça José de Alencar “para finalmente invadir as dependências do teatro já no final da tarde” e o Concerto ruidístico (Ver nota seguinte). O espetáculo principal, à noite, foi a Narração da Viagem à Província do Ceará, dirigido por Aderbal Freire Filho, com “numeroso elenco de artistas locais, encenando textos de poetas, contistas e romancistas cearenses”, tendo Paulo Abel do Nascimento, o famoso contratenor (‘castrato’) cearense, no papel de Antônio Conselheiro” (THEATRO JOSÉ DE ALENCAR, 2002: 69). Algo curioso sobre a inauguração – No final de janeiro de 1991 era inaugurado o novo teatro. Totalmente restaurado, com a implantação de sistema de ar condicionado, recuperação da magnífica estrutura de ferro e do grande salão do foyer, implantação de novos banheiros, restauração de todos os painéis e pinturas artísticas, novos sistemas de iluminação e som, tudo reluzia! A programação foi intensa durante todo o dia. Aqui, no entanto, gostaríamos de salientar um desses momentos, ocorrido logo no começo da manhã desse dia: a execução do Concerto ruidístico. Isso mesmo. Uma peça musical composta e regida pelo cultuado e respeitadíssimo compositor, musicólogo, maestro e professor Hans-Joachim Koellreutter. Os instrumentos tocados pelos operários da obra, no caso, os músicos, eram marteletes pneumáticos, serras, betoneiras, martelos percutidos em


talhadeira, furadeiras elétricas...etc.. O maestrocompositor regeu esse inusitado conjunto usando cartões numerados correspondentes, cada número, a um grupo de instrumentos-ferramentas (segundo depoimento do engenheiro Argos Mesquita, membro da equipe técnica responsável pela reforma, em 17 abr. 2009).

Figura 15. O pátio do edifício anexo é de pequenas proporções, mas nele também foi projetado um palco aberto. No plano de vegetação se destacam alguns espécimes de macaubeira (Acrocomia intumescens) palmeira nativa do nordeste brasileiro, que produz um pequeno fruto que era muito apreciado pelas crianças no passado. Hoje, com todo o “bombardeio” para o consumo de alimentos industrializados, são pouquíssimos os jovens que conhecem o sabor do fruto dessa palmeira. (Foto: Ricardo Bezerra)

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OS PLANOS DE VEGETAÇÃO PARA O JARDIM PRINCIPAL A descrição e análise dos planos de vegetação das duas versões serão feitas conjuntamente. Dessa forma poderemos compreender, como, num espaço de quase vinte anos, modificações e adaptações foram feitas. Vale salientar que era bastante normal o paisagista fazer mudanças na indicação de espécies vegetais nos seus projetos durante sua execução. Essas mudanças – fossem por dificuldade de aquisição, de adaptação ao local, ou mesmo por considerar que seria uma melhor solução de desenho – dificilmente eram registradas, sendo esse um sério problema interposto para a documentação e preservação da obra de RBM, principalmente, considerando, ainda, que parte das mudanças podiam ser não autorizadas, o que soma, então, um grau extra de dificuldade nessa tarefa42. No entanto, antes que sejam analisados os planos de vegetação propostos nas duas versões do projeto do TJA, é importante nos referir acerca dos velhos oitizeiros que lá estão. Os velhos oitizeiros Quando da derrubada do centro de saúde para dar lugar ao jardim para o teatro, três oitizeiros (Licania tomentosa) foram salvos e essas árvores magníficas foram logo e logicamente incorporadas ao projeto paisagístico. É muito provável que essas árvores já existissem lá desde o tempo do quartel da polícia, que ali havia. Aliás, é curioso notar que o uso urbano dessa espécie, em Fortaleza, havia sido recomendado por Pereira Passos43 – o grande artífice da reforma urbana do Rio de Janeiro no início do Séc. XX – em matéria publicada no jornal Ceará Ilustrado em edição de janeiro de 1925. Na época do primeiro projeto, essas árvores, já de grande porte, passam a ser um importante elemento no desenho da vegetação, servindo como fonte de generosa sombra e pano de fundo para o desenho do jardim, por sua localização na parte posterior deste. (Veja Figura 14) Análise comparativa da seleção vegetal - seguindo uma tendência natural do seu trabalho, no que concerne a seleção do material vegetal, em ambas versões do projeto, percebe-se a utilização de espécies exóticas e nativas, dispostas, harmonicamente, lado a lado. No que concerne essa questão de origem das espécies utilizadas, em ambos os projetos, nativas brasileiras e exóticas se equivalem. A grande mudança que se pode perceber entre os dois planos de vegetação, OLIVEIRA, Ana Rosa de. ‘A conservação de obras modernas – estudo de caso de jardins restaurados de Roberto Burle Marx’, In: CORREIA, Maria Rosa, org., Oficina de estudos da preservação, Coletânea I. Rio de Janeiro: IPHAN-Rio, 2008, pp. 203-214, p. 203. 43 PASSOS, Pereira. A arborização da cidade. Ceará Ilustrado. Fortaleza, 18 jan. 1925. Anno I, num. 28. 42

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Plantas introduzidas por RBM – Roberto Burle Marx foi responsável pela introdução de inúmeras espécies nativas brasileiras e de outros países em projetos de paisagismo modernos. Entre suas predileções estão espécies das famílias das aráceas, bromeliáceas, musáceas, orquidáceas, marantáceas, velosiáceas e apocináceas. Vale salientar, ainda, que em suas famosas incursões pelas diversas regiões brasileiras, normalmente acompanhado de botânicos, RBM foi responsável pela descoberta de mais de vinte novas espécies de plantas além de um gênero o qual foi denominado Burlemarxia (MOTTA, 1983: 182).

refere-se ao bioma nativo daquelas espécies: tropical seco e tropical úmido. Tomando como fonte de referência básica o trabalho do Instituto Plantarum, dirigido pelo botânico Harri Lorenzi44, notase que, enquanto no primeiro projeto essas categorias se equivalem, no segundo projeto – não mais existindo a fonte – há um forte predomínio das espécies de clima tropical seco. Nessa seleção, passam a representar cerca de três quartos das espécies utilizadas. Percebe-se, nesse caso, uma preocupação, na definição do plano de vegetação, com a escolha de espécies mais resistentes ao clima local, daí essa mudança, a qual se reflete, diretamente, no nível de manutenção requerido. Nesse projeto, o grande ponto focal do jardim é formado por uma aléia da espécie palmeira-lequede-fiji (Pritchardia pacifica) que domina toda a parte frontal do espaço, sendo esta, inclusive bem visualizada a partir da rua. Em relação ao desenho dos canteiros do jardim, nessa versão de 1990, a subdivisão rígida do desenho de 1973 dá lugar a uma apresentação mais solta das espécies, sem o uso de delimitadores rígidos entre os agrupamentos de arbustos, herbáceas e forrações. É importante notar, ainda, que três espécimes de jucá (Caesalpinia férrea) e um de pau-ferro (Caesalpinia leiostachya) espécies arbóreas que haviam se desenvolvido a contento no projeto de 1973, foram mantidos, bem como, logicamente, os velhos oitizeiros que lá já estavam.

Figura 16. As aléias de palmeiras-leque-de-fiji (Pritchardia pacifica). Parecidas com a nossa carnaubeira (Copernicia prunifera), essas palmeiras dispostas em aléias, funcionam como um dos principais pontos focais do plano de vegetação. (Foto: Ricardo Bezerra) 44 LORENZI, Harri et al. (2004) Palmeiras Brasileiras e Exóticas Cultivadas. Nova Odessa, SP: Plantarum. LORENZI, Harri et al. (2003) Árvores Exóticas no Brasil: Madeireiras, Ornamentais e Aromáticas. Nova Odessa, SP: Plantarum. LORENZI, Harri et al. (1995) Plantas Ornamentais no Brasil: Arbustivas, Herbáceas e Trepadeiras. 2a. ed., Nova Odessa, SP: Plantarum. LORENZI, Harri et al. (1992) Árvores Brasileiras: Manual de Identificação e Cultivo de Plantas Arbóreas Nativas do Brasil. Vol I e II, Nova Odessa, SP: Plantarum.

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O estado do jardim atual merece, aqui, uma ressalva. Muitas plantas foram introduzidas desvirtuando o projeto original. Algumas podem, de certo modo, ser consideradas como contribuições positivas, como a grande touceira de pândano-amarelo (Pandanus baptisti), o denso arbusto de uma pleomele (Pleomele reflexa) e dois espécimes de palmeira-triangular (Dypsis decary), bem como um canteiro de piteira-do-caribe (Agave angustifolia). No mais, o jardim, hoje, carece de toda uma recuperação, para a qual sejam avaliadas as condições de permanência das plantas introduzidas, o controle de crescimento e a reposição das espécies existentes propostas no projeto.

Figura 17. Os jucás e o pau-ferro. Espécies do gênero Caesalpinia, muito semelhantes entre si, são os principais representantes da flora nativa nordestina no plano de vegetação do jardim do teatro. Implantados desde o projeto de 1973, estas árvores foram corretamente mantidas no projeto de 1990. Sua suave sombra e seus troncos de exuberante beleza se destacam naquele ambiente. (Foto: Ricardo Bezerra)

A “cascata” de Thunbergia Esse elemento do desenho de vegetação merece um pequeno destaque. Já no projeto de 1973 é indicada a implantação de uma trepadeira (Thunbergia grandiflora) na parede de fundo do jardim

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principal45. Essa trepadeira foi implantada, de um em um metro, de forma a subir num alambrado afastado cerca de dez centímetros do muro, criando, assim, uma cortina verde de ponta a ponta do plano de fundo do jardim principal. Esse elemento, por suas características plásticas, ficou conhecido pelo nome de “cascata”.

Figura 18. Comparando o material vegetal indicado no projeto de 1990 com as espécies que lá se encontram, nota-se que uma série de plantas foram introduzidas posteriormente. É impossível saber quais foram autorizadas pelo paisagista e sua equipe. Dois desses casos, no entanto, merecem destaque: o grande e magnífico exemplar de pândano-amarelo (Pandanus baptisti) que pode ser visto ao fundo e os espécimes de piteira-do-caribe (Agave angustifolia) que aqui aparecem em primeiro plano. Ambas espécies são exóticas mas, tendo sido autorizadas ou não, elas contribuem formalmente com o desenho geral do jardim. Num futuro projeto de restauração deve ser considerada a permanência desses espécimes. (Foto: Ricardo Bezerra) Por sugestão de Liberal de Castro, que diz ter-se amparado em comentário do arquiteto Lúcio Costa acerca de um caso semelhante, tendo esse lhe dito que as “árvores serviam para dar sombra, para embelezar e para esconder arquitetura ruim” (em comentários acerca deste trabalho, passados aos autores em 09.06.2009) 45

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Quando da implantação do projeto de 199046, no entanto, o prédio vizinho teve mais dois pavimentos adicionados, levando esse muro a uma altura acima de dez metros. Na época, apesar de não constar do plano de vegetação de 1990, foi sugerido, pelos paisagistas, complementar o alambrado até o topo do muro, e Burle Marx, conforme lembra o arquiteto Haruyoshi Ono, ficou na dúvida se a planta conseguiria subir tão alto. Na verdade, ela não só conseguiu como é hoje um dos pontos de destaque do jardim.

Figura 19. A famosa “cascata” de tumbérgia. Camuflando o muro do fundo do jardim desde a versão de 1973, o uso dessa trepadeira (Thunbergia grandiflora), quando da reforma de 1990 foi mantido. O prédio ao lado havia subido mais dois pavimentos, ficando com uma altura superior a dez metros. No momento da decisão de elevar o alambrado para que ela continuasse subindo, Burle Marx chegou a duvidar se ela conseguiria, segundo lembrou o arquiteto Haruyoshi Ono, seu auxiliar direto. Como conseguiu! (Foto: Ricardo Bezerra) A implantação do plano de vegetação do projeto de 1990 foi de responsabilidade do engenheiro agrônomo e paisagista Ricardo Marinho, o qual implantou vários dos projetos de RBM em Fortaleza. 46

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CONCLUINDO... Hoje, muitos são os caminhos a trilhar na importante missão de preservar a obra deste paisagista brasileiro que alcançou dimensão planetária e que é citado, mundo afora, como um dos artistas mais influentes do Séc. XX. Sua obra, em nível nacional e internacional é de grande vulto, e neste meio estão seus trabalhos produzidos no norte e nordeste brasileiros. Mesmo considerando as marcantes desigualdades regionais no Brasil, seus projetos aí realizados, são tão importantes quanto qualquer outro. Esse estudo, de certo modo, busca resgatar um momento perdido na memória da cidade, o primeiro jardim do Theatro José de Alencar (de 1973). Esse projeto, que se saiba, jamais havia constado das inúmeras publicações acerca de Burle Marx e que hoje já quase se perde na oralidade dos que presenciaram aquele magnífico jardim. Por outro lado, esse estudo procura fazer uma análise do atual projeto (de 1990), a qual pode vir a servir de base para um necessário trabalho de preservação desse projeto que se insere num espaço tão afetivamente caro à população cearense. Nesse sentido, é fundamental o registro, a compreensão e, por fim, a preservação desse patrimônio cultural, artístico, histórico e ambiental que possuímos através dos jardins de Roberto Burle Marx, para seu usufruto pela nossa geração e gerações vindouras, pois ele retrata a obra de um artista que, com absoluta certeza, é fundamental na invenção do Brasil moderno.

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Prof. Liberal de Castro / Eng. Agr. Sérgio Castro / Arq. Francisco de Sales Veloso / Arq. Ricardo Rodrigues / Eng. Argos Mesquita / Prof. Clóvis Ramiro Jucá / Profa. Adelaide Gonçalves / Isabel Gurgel, diretora do TJA / Arq. Haruyoshi Ono / Arq. José Tabacow / Eng. Agr. Ricardo Marinho

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Sobre os autores Ricardo Figueiredo Bezerra

Arquiteto urbanista (Universidade Federal do Ceará – UFC), professor associado do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFC, pesquisador do Laboratório de Estudos em Arquitetura e Urbanismo – LEAU-DAUUFC, membro (vice-líder) do Grupo de Pesquisa Jardins de Burle Marx. Mestre em Arquitetura Paisagística (Universidade do Arizona-EUA) e doutor em Planejamento Urbano (Universidade de Nottingham-UK), coordenador, na instituição receptora, do programa de Doutorado Interinstitucional em Arquitetura e Urbanismo FAUUSP-DAUUFC. Fernanda Cláudia Lacerda Rocha Arquiteta urbanista (Universidade Federal do Ceará – UFC). Especialista em Paisagismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUC-PR e em Arquitetura Paisagística pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAUUSP. Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza - UNIFOR, criadora e pesquisadora do grupo de pesquisa Laboratório da Paisagem e coordenadora do Programa de Pós-graduação em Paisagismo naquela instituição. Membro do Grupo de Pesquisa Jardins de Burle Marx. Ana Rita Sá Carneiro

Arquiteta urbanista (Universidade Federal de Pernambuco – UFPE), professora associada do Departamento de Arquitetura e Urbanismo - UFPE, criadora, pesquisadora e coordenadora do Laboratório da Paisagem naquela instituição. Líder do Grupo de Pesquisa Jardins de Burle Marx. Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFPE), e doutora em Arquitetura (Oxford Brookes University). Membro do International Committee on Historic Gardens and Cultural Landscapes – ICOMOS e do Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada – CECI. Temístocles Anastácio de Oliveira Graduando do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, membro-fundador do Laboratório da Paisagem da Universidade de Fortaleza – Unifor, e membro do Grupo de Pesquisa Jardins de Burle Marx, co-organizador do Catálogo de Espécies Vegetais de Interesse Paisagístico no Ceará.

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