Revista NOIZE #11 - Março de 2008

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reviews shows :::

FESTIVAL PSICODÁLIA

Recanto da Natureza, de 02 a 05 de fevereiro

Natália Utz

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O cartaz de divulgação anuncia a proposta do Movimento Psicodália: “Por um mundo mais rock’n’roll”. Com o intuito de fazer folia sem Ivete e “só alegria”, milhares de pessoas se dirigiram para a chácara Recanto da Natureza, em São Martinho (SC), rumo à terceira edição do Festival Psicodália de Carnaval. De fora, podem parecer apenas quatro dias com 23 shows de rock e psicodelia no meio do mato, “ripongagem”, um mundo à parte. Não é só isso. É um evento criado para mostrar bandas independentes a um público que quer músicas boas de seu tempo e que cresce a cada edição. A parte do à parte que completa o todo. Ô, glória! A intenção parecia ser mesmo a de se construir uma espécie de mundo paralelo. A proposta se tornava real a cada instante, através de pequenos detalhes, dos 2.447 psicodálicos num pasto de 65 hectares e dos shows performáticos de cada dia. Tem coisas que só se vê no Psicodália. Uma placa onde se lê “placa” ou “favor não alimentar o tatu”. PF não era prato feito, e sim feliz. Nem reais, centavos ou cartões corporativos para pagar as despesas—lá eram dálias e psicocentes. Um homem com bóia de pato na cintura, vestido com uma lycra vermelha, nariz de palhaço (a esta altura dispensável) e um guarda-chuva de cabeça. Tudo para descer num toboágua improvisado de lona e sabão. Antes desta infra-estrutura, outros já desciam o morro escorregando na palha. Difícil ter estado lá e não ter dado gargalhadas, soltado gritos homéricos e presenciado cenas cômicas a todo instante. Ir da piscina de água natural para a cachoeira, da ressaca para uma oficina ou palestra que trariam novos conhecimentos. Os shows eram verdadeiras amostras de talento e criatividade. Vinte e três bandas afinadas com a proposta de rock’n’roll, psicodelia e “só alegria” durante todo o Carnaval. Caso o alienista visse o show da Casa de Orates (SC), eles seriam internados pelas fantasias, pirofagias e poesias na certa. Na linha mais psicodélica também Tântalus Cantantes e Gato Preto (PR). Electric Trip (blueszera do RS), Variantes (SC) e Fantomáticos (RS) na direção mais rock. Mas o favorito, o Psicodália em pessoa—a banda de um homem só e agregados, o mais “velho” e o que mais fez shows, o Plá—é o que teve a apresentação mais popular e aclamada. Suas performances eram responsáveis pela alegria local. Foi durante uma delas que surgiu a idéia de prolongar os quatro dias de mundo paralelo. Por que não “comprar o sítio, fazer uma morada, assim a gente compartilha”? Não é só isso Ano passado, a organização levou ao festival o mutante Sérgio Dias. Agora, fizeram a Casa das Máquinas, banda de rock progressivo dos anos 70, renascer. Desta vez, foram 747 psicodá-

licos a mais que em 2007. O Movimento Psicodália surgiu em 2001, de forma independente e continua assim até hoje. Sem um centavo de patrocinadores, ele funciona à base de cheques pré-datados. Segundo Manuela Santana, uma das organizadoras do festival, é tudo calculado “na tampa, sem lucros ou prejuízos significativos. Não nos preocupamos em enriquecer, só queremos ver a magia do festival acontecer”. Fato comprovado no preço acessível, desde o ingresso até os comes e bebes. Esse já é o 11º evento promovido pelo grupo. A prioridade do festival é a divulgação da música independente. No último dia, ocorreu uma reunião das bandas para tratar sobre interesses afins. Enquanto um perdido (Wagner?) ficava a par da morte de Beto Carreiro, ocorrida dias atrás, discutia-se o intercâmbio de bandas. Um grupo local tenta ajudar o que vem de fora no contato com os bares, por exemplo. Junior, da Casa de Orates, falou sobre o projeto da banda que conseguiu fundos da Lei de Incentivo. A grana serviu para lançar CD, DVD e fazer turnê por Santa Catarina. Para Klauss Pereira, um dos organizadores, “perde o sentido morrer a coisa depois do festival”. Desde o primeiro Psicodália os shows são inteiramente gravados e o material é disponibilizado gratuitamente para os grupos. O Movimento já lançou três coletâneas. Elas estavam à venda no bazar Psicodália, junto ao trabalho das bandas. Aproveitar os shows para vender. Aproveitar o festival para comprar. Simplesmente oportuno, e mais que isso. Tudo acertado com os alemães, donos da chácara. O Psicodália de Carnaval 2009 será no Recanto da Natureza. O mundo das pequenas-coisas-que-fazem-toda-diferença estará de volta com mais pessoas-que-protagonizam-cenas-hilárias-com-totaldesprendimento. Que as latas de cerveja e bitucas caiam mais dentro do cesto do que no chão (porque tava porca a coisa), que a Julieta se recupere, que novas bandas compareçam e que seja tão divertido quanto. Piegas, de coração, “por um mundo mais rock’n’roll”. Natália Utz


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