Revista Noize #71 - O Terno - Abril | Maio | Junho 2017

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TUDO ESTÁ MELHOR DO QUE PARECE


#71 // Ano 11

expediente

A NOIZE #71 vem acompanhada de Melhor do Que Parece, álbum feito por três amigos que resolveram falar de seus NOIZE COMUNICAÇÃO Direção Leandro Pinheiro Pablo Rocha Rafael Rocha Gerente Financeiro Pedro Pares Gerente de Planejamento Cássio Konzen Diretor de Criação Rafael Rocha Diretor de Arte Jaciel Kaule Diretor de Arte Jr. Isabela Nunes Daudt Lucas Ribeiro Nilo Moraes Produção Francine Mello Nicole Fochessato

sentimentos através de versos

NOIZE FUZZ

simples e potentes em suas

Editor Leonardo Baldessarelli

composições.

Coordenação de Projetos Carolina Cottens Pedro Weber

Em meio a harpas, violinos,

Redação Daniela Barbosa Guilherme Flores Jhonathan Rath Joana Barboza Marta Karrer Pedro Heps Rodrigo Laux Tássia Costa Victória Favero

flautas, pandeiros e órgãos, divagam sobre a angústia do nosso tempo. Rapidez, notificações, efemeridades, escolhas, conexões, múltiplas informações… Como lidar com

Planejamento Bernardo Costa Carolina Santos Dionisio Urbim Gisele Rebelo Julia Brito Juliano Mosena Vitoria Comarin

tudo isso e ser feliz? O Terno samba no rancor, faz uma balada na culpa e canta um bolero para a lua nesse disco

Vídeo Denis Carrion Giovanni Ceconello Mateus Roese Pedro Krum Shandler Franco

Mídia Aline Oelrich Débora Duarte

Foto Mell Helade

GRITO

Seria um álbum tropicalista,

Gerente de Planejamento Marcel Maineri

de rock ou de MPB? Vamos

REVISTA / SITE / RECORD CLUB Editora Marília Feix Repórter Ariel Fagundes

que chacoalha até tímidos corações de pedra.

Community Manager Amanda de Abreu

fugir dos rótulos do passado

Coordenação de Projetos Carolina Farias

e aproveitar a liberdade de escolha que queremos para o

Redação André Sevante Camila Benvegnú Carina Schröder Jéssica Teles Lucas Regio Pedro Veloso

futuro. Afinal, como já diria O Terno, “faz tempo que está tudo certo”.

NOIZE BOOST boost@boost.mn boost.mn

Marília Feix

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colaboradores

noize.com.br

Leonardo Baldessarelli Jornalista e publicitário. Fã do bizarro, do surpreendente e do

O Terno

mentiroso - ainda não sabe se isso é bom ou ruim, mas segue

Três amigos apaixonados por

confundindo vida e música

timbres mirabolantes. Melhor

como uma coisa só.

do Que Parece é o terceiro - e mais emocionante - disco do trio paulistano.

Helton Mattei Patobranquense residindo em Chapecó (SC), é artista, ilustrador e diretor de arte. Seu portfólio está disponível em

heltonmattei.com.

Gui Jesus Toledo Dono do Estúdio Canoa e fundador do coletivo Risco, é o “quarto elemento” d’O Terno. Produtor do Melhor

do Que Parece e de outros discos lançados pelo selo.

Maurício Pereira Cantor, compositor e multiinstrumentista, criou a banda Os Mulheres Negras com André Abujamra nos anos 80. Tem seis discos

Leo Felipe

solo gravados e um sétimo

Escritor e curador, é Mestre

a caminho. Pai coruja do Tim

em Artes Visuais pela UFRGS

Bernardes.

e diretor da Galeria Ecarta, em Porto Alegre. Desde o início da década de 90 tem se envolvido em diversos projetos compreendendo música, literatura, festa, jornalismo, artes visuais, cinema, tele e radiodifusão.

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_ texto Tim Bernardes _ilustração Helton Mattei



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Arthur Verocai no voo da fĂŞnix texto Ariel Fagundes fotos Fernando Schlaepfer

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Corria o ano de 1955 quando o pequeno Arthur foi matriculado no Colégio Valenciano São José. Aos 10 anos, a criança detestava a ideia de estudar em um internato em Valença, a quatro horas de estrada do Rio de Janeiro. Vendo isso, seu pai resolveu lhe dar uma pequena gaita de boca. Era das que se vendem nos camelôs, mas esse primeiro instrumento foi suficiente para que Arthur Verocai sentisse que o mundo da música era onde queria habitar. Aos 71 anos, hoje ele é um maestro e arranjador aclamado por seu trabalho em discos como Negro É Lindo do Jorge Ben, Índia, da Gal Costa, e muitos outros. Nas mãos de Verocai, faixas desses álbuns tornaram-se hinos, gravações grandiosas repletas de camadas harmônicas que lhe dão uma atmosfera épica. Não é à toa que bandas atuais como O Terno e Dônica são seus fãs declarados, assim como não é à toa que dezenas de rappers dos Estados Unidos usaram trechos do seu primeiro disco como samples de suas músicas. Seu álbum mais recente, No Voo do Urubu, honra esse nexo imprevisto de sua obra com o rap trazendo as participações especiais de Mano Brown e Criolo. Nada mais justo: por quase 30 anos, Verocai ficou de lado da cena artística... Foi o rap que lhe resgatou. Um ninho de música “Na casa da minha vó tinha um piano e eu ficava tocando”, conta Verocai em uma longa conversa. Hoje, ele é um senhor que traz no olhar o brilho penetrante de quem já viu e ouviu muito. Seja pelo grave da voz ou pelos cigarros que fuma, não é fácil imaginá-lo criança ouvindo-o falar desses tempos. Tanto por habilidade nata quanto por influência de uma família ligada à música, ele começou a brincar no piano da vó aos cinco. Ou seja, quando ganhou aquela gaita, seu ouvido já estava bem familiarizado com os caminhos rítmicos que as notas musicais percorrem construindo melodias. - Era coisa de ouvido, a pessoa tem que ter esse dom. Hoje, afino um violão sem precisar de nada. Tenho muita facilidade, boto um fone no ouvido e tiro qualquer música - explica.

A segurança musical que demonstra era apenas suspeitada pelo jovem Arthur, cuja adolescência chegou junto ao surgimento da bossa nova. Sua irmã, Iara Cortês Verocai, começou a fazer aulas com Carlos Lyra e foi bisbilhotando seu caderno que ele aprendeu a tocar violão aos 14 anos. “Quando comecei, fiquei meio fanático, não podia ouvir o som que aquilo mexia comigo”, diz. O passo seguinte foi estudar os discos que havia em casa, de artistas como Luiz Bonfá e Baden Powell, e tirar suas músicas por conta própria. - Eu já tinha facilidade pra entender a harmonia, foi assim que começou. A música é como um mar: na superfície está a melodia; no fundo, a harmonia. É ali que está o segredo todo da coisa - explica. Esse início ligado à bossa (e consequentemente ao jazz e aos ritmos brasileiros) foi decisivo para ele. “Aprendendo jazz, bossa e erudito, você tá completo. Não precisa mais nada porque tá tudo ali”, comenta. Em 1962, ele fez 12 aulas com Roberto Menescal e, depois, estudou violão com virtuoses como Antonio Rebello e Sergio Abreu, da dupla Sergio e Eduardo Abreu. Em 63, formou um conjunto de bossa que ensaiava na casa do pianista Aloisio Milanez Aguiar. Foram muitos finais de semana passados lá ensaiando e ouvindo discos de jazz e a música já ocupava boa parte da vida de Verocai aqui. Porém, por influência da família, ele foi cursar Engenharia na PUC do Rio. “Ninguém queria que o filho fosse tocador de violão”, explica emendando uma gargalhada. - Eu me formei em 68 e trabalhei na Ponte Rio-Niterói em 69. Um dia, cheguei em casa e o Wilson Simonal e o Paulinho Tapajós estavam lá. E eu tinha ido num canteiro no fundo da baía, cheguei enlameado, aí falei: “Caramba... Que que eu tô fazendo? Vou ser músico, seja o que Deus quiser”. 13


“Eu sofri muito, cara... Foi um sofrimento desgraçado”

Arthur Verocai no voo da fênix

Uma queda das alturas Talvez seja a música que escolhe a pessoa e não o contrário. No caso de Arthur, a faculdade veio junto à vida de artista. Sua estreia em disco foi a faixa “Olhando o Mar”, que compôs com Ronaldo Soares, e foi lançada no LP Estamos Aí, da Leny Andrade, em 1965. Três anos depois, ele se envolveu no projeto Musicanossa, que reunia músicos no Teatro Santa Rosa, no Rio de Janeiro, e foi por isso que saíram suas gravações seguintes. Os LPs Musicanossa O Som & O Tempo e Musicanossa registraram “Nôvo Amanhã” e “Madrugada” - ambas parcerias com Paulinho Tapajós. Também havia uma efervescência de festivais e, em 68, Verocai inscreveu no Festival Universitário de Música de Porto Alegre “Minha Chegada”, na voz de Eduardo Conde, e “Lá vem ela”, “Tá na hora” e “Domingo antigo”, cantadas por Beth Carvalho. “Rosa menina” foi para o Festival de Niterói. “Saudade demais”, para o Festival Internacional da Canção defendida por O Quarteto. E, no Festival Universitário do Rio de Janeiro, ele estava nas composições de “O Quarto Poder”, cantada por Maria Creuza, e “Um novo rumo”, parceria com Geraldo Flach defendida por Elis Regina. “Foi uma época muito bacana, né”, diz Arthur como se com saudade. Foi aí que ele começou a fazer arranjos, arte pela qual ficaria famoso em breve. “Em 69, comecei a ter aula de harmonia funcional pra ficar mais íntimo das notas no pentagrama [nome dado às cinco linhas de uma partitura]. Aí comecei a trabalhar como arranjador”, lembra.

20h30, o programa era apresentado por Elis Regina e Ivan Lins e só trazia atrações musicais de peso, como Tim Maia, Os Mutantes, Chico Buarque, Milton Nascimento e até mesmo Caetano Veloso em uma rara visita ao Brasil durante seu exílio londrino. Apesar do prestígio da TV, Verocai não sente falta dela. “Era meio chato, né?”, diz enfatizando que o ritmo de lá entrava em choque com seu senso artístico. “Era assim: passava e gravava, do jeito que tocou, ficou. As coisas saiam no tapa”, lembra. Som Livre Exportação ficou no ar até 22/8/1971, depois Arthur saiu da Globo, para onde voltaria por volta de 1974. Ele não sabe bem a data, mas houve um segundo convite da emissora para o maestro, ocasião em que fez trilhas para os programas A Grande Família e Chico City, do Chico Anysio. “No Chico, não tinha muito pra fazer, mas foi lá que conheci o Arnaud Rodrigues+2”, conta. Seu impressionante álbum Murituri foi arranjado por Verocai e inclusive traz uma parceria dele com Arnaud, a faixa “Conscachá, fimará (magnífico)”. Não é fácil manter um norte cronológico ao falar com Verocai, mas aqui é importante voltarmos a 1971 porque aquele ano foi decisivo. Além de ter sido quando fez os arranjos de Negro É Lindo, do Jorgen Ben, e de “Ciça Cecília”, do clássico Carlos, Erasmo, foi também quando arranjou o disco de estreia da cantora Célia. Em 1972, ela lançou outro disco, também arranjado por Verocai, e ambos fizeram sucesso. Por isso, ela havia conquistado grande prestígio perante sua gravadora, a Continental, lembra Verocai: – Um dia, ela chegou lá em casa e disse: “Falei pra Continental fazer um disco com você e eles toparam”. Eu falei: “Ok, que bom… Se eu for o produtor e mandar em tudo, eu faço”. Eles liberaram, aí eu fiz. Com liberdade total, o maestro decidiu que faria algo em que acreditasse. “Não vou fazer sucesso mesmo, pelo menos vou fazer uma coisa que preste”, pensou na época. “Aí misturei tudo, bossa com samba, com soul, jazz, folk…”, explica: “Não foi nada planejado, saiu naturalmente do meu gosto”.

No ano seguinte, sua vida mudou. Seu amigo Paulinho Tapajós foi escalado como Diretor de Produção do disco de estreia d’O Terço e o chamou para arranjá-lo. Essa obra da psicodelia nacional foi o primeiro álbum com arranjos assinados por Arthur. Ele conta que, ainda em 1970, trabalhou no Força Bruta, do Jorge Ben (que não traz em sua ficha o nome do responsável pelos arranjos).

Usando dezenas de músicos, não foi um disco barato. “Acredito que tenha sido bem caro”, diz Arthur com certa satisfação. O problema foi que, depois de pronto, a gravadora não quis gastar nem um centavo divulgando a obra. “A Continental gostou tanto que não fez porra nenhuma, não promoveu nada”, ironiza Arthur. Resultado: “O disco não vendeu”, diz.

Eis que a TV Globo o convidou para um projeto audacioso chamado Som Livre Exportação+1. Exibido nas quintas-feiras às

Ele achou que não teria nada a perder com isso, porém o álbum soou tão ousado que abalou sua imagem profissional: 14


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[+1] Em 1971, saíram dois LPs gravados ao vivo com registros desses programas. Ironicamente, Som Livre Exportação e Som Livre Exportação Nº 2 foram feitos pela gravadora Forma, e não pela Som Livre. [+2] Morto em 2010, Arnaud Rodrigues era músico e humorista parceiro de Chico Anysio. Ele gravou discos que trazem uma união ímpar de psicodelia e ritmos brasileiros e sua música “A Carta de Pero Vaz de Caminha” é considerada por muitos o primeiro reggae brasileiro.

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Arthur Verocai no voo da fênix

“A música é como um mar: na superfície está a melodia; no fundo, a harmonia. É ali que está o segredo todo da coisa”

Arthur Verocai gravando seu disco homônimo de estreia lançado em 1972.

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Após gozar o sucesso, Verocai viu sua carreira ser manchada pelo seu disco solo, que ele sabia que era bom, em um processo kafkiano. “O Arthur pirou, olha só o que ele tá fazendo”, eram os comentários na época, segundo o maestro. Ainda que tenha feito outros álbuns históricos como Índia (1973), da Gal Costa, e Tim Maia (1976), Verocai deixou de ser disputado pelas gravadoras a partir da metade dos anos 70. Pelo menos, não precisou voltar à engenharia; Arthur achou exílio na publicidade, onde viveria nos 30 anos seguintes. - Eu sofri muito, cara... Foi um sofrimento desgraçado. Porra, você tá fazendo tudo e, de repente, você não é mais aceito... Isso magoa muito. Tanto é que eu falei: “Que se foda, vou sustentar minha família”. Reerguido pelos beats A publicidade e a arte podem se aproximar pelo uso das suas ferramentas, mas, para Verocai, há um abismo entre elas: – Uma vez, fiz uma fita pra apresentar nas agências e começava com uma trilha cheia de orquestras. Quando tocou, ninguém teve reação nenhuma. Aí entrou um jingle que eu tinha feito pra um vermífugo pra animais, assim: “Hipercal é muuuito bom” [mugindo] e “Hiperca-ca-ca-cal, aqui no galinheiro só tomamos Hipercal” [cocoricando]. Quando tocou isso, começaram a gritar: “Que maravilha! Como você não botou num prêmio?” (Risos) Aí entendi que publicidade não é música - conta. Após o fracasso do seu disco, Arthur trocou os arranjos refinados por jingles, trilhas e spots comerciais. No fim dos anos 70, criou uma produtora de áudio, a Kapa Produções, e, em 1983, inaugurou seu próprio estúdio no Rio, o Casa do Som, que só fechou em 2002. Foram décadas dedicadas à publicidade, mas aos 57, Arthur sentiu que precisava voltar à arte. Seu segundo disco, Saudade Demais, saiu de forma independente no mesmo ano em que fechou o Casa do Som. Enquanto isso, do outro lado do Oceano Atlântico, seu álbum de estreia estava cada vez mais valorizado pelos DJs. O maestro lembra que, com o surgimento do CD, os LPs ficaram muito baratos no Brasil. “Aí o pessoal vinha da Europa, comprava milhares de discos e levava para lá. Meu disco foi nessa onda”, afirma. Como um tesouro esquecido achado nos sebos, Arthur Verocai 17

ganhou status de relíquia a partir dos anos 90. Tudo mudou após 2003, quando a gravadora Ubiquity Records relançou o álbum nos EUA através do selo Luv N’ Haight. No ano seguinte, saiu o primeiro rap que usava um sample seu: “Passion Flower”, do Metal Fingers, que usa um trecho da faixa “Seriado”. Em 2005, saíram outras três gravações gringas contendo samples do disco. Hoje, ao consultar o site WhoSampled.com, vê-se listadas 41 faixas que usam pedaços de suas músicas. Arthur conta que somente quatro delas trazem seus créditos e lhe rendem direitos autorais: “Do The Right Thing”, do Ludacris, “We Got Now”, do Little Brother, “You See It” do Curren$y e “Sunroof” também do Curren$y com Corner Boy P. Quanto às outras, ele nem se preocupa. “É uma coisa tão difícil, tem que entrar com processo nos EUA, é caríssimo. Deixei pra lá até porque eles divulgaram bastante meu trabalho”, explica. Saudade Demais foi um disco que não repercutiu muito, mas quando saíram raps com samples de Verocai renovou-se o interesse por sua obra. Em 2007, ele lançou um terceiro álbum chamado Encore, que conta com Ivan Lins e Azymuth, e esse disco impactou mais que o anterior, saindo também no Reino Unido e Japão. Já em 2009, Arthur Verocai foi apresentado ao vivo pela primeira vez, 37 anos após seu lançamento. O show aconteceu em Los Angeles dentro do Timeless, série que homenageia músicos e arranjadores influentes do hip hop. Lançada em vinil, CD e DVD em 2010, a apresentação contou com 30 músicos, incluindo Airto Moreira, Carlos Dafé e o pianista Aloisio Aguiar, que estava no álbum de 72. Esse registro fez sucesso e, agora, Verocai é aclamado. “Hoje, tenho um nicho de mercado pelo mundo inteiro. Em todas capitais do mundo, tem pessoas que gostam da minha música”, diz orgulhoso. O reconhecimento tardou e veio do estrangeiro, mas chegou ao Brasil. Em 2015, Arthur tocou no Rock In Rio com a Dônica. Seu novo disco, No Voo do Urubu, saiu em 2016 e já há planos de ser lançado na Europa. Na primeira edição do Red Bull Music Academy Festival São Paulo, que aconteceu no início de junho, Verocai tocou ao lado de artistas como Racionais MC´s e Oneohtrix Point Never. Para o Record Store Day de 2017, a gravadora inglesa Mr. Bongo fez uma reedição de luxo de Arthur Verocai masterizada em Abbey Road. Depois de conversar com essa lenda viva, só consigo me perguntar se o maestro está realizado. Está? “Olha, eu tô feliz com o que sobrou pra mim”, resume Arthur Verocai sorrindo com elegância e ironia enquanto mais um cigarro chega ao fim.

_fotos acervo pessoal

- Na cabeça das pessoas, não tinha nenhum apelo comercial. E não tinha mesmo porque o que eu fiz foi música, não um produto enlatado. Quando um cara aparece com algo que é música, não é mercado, aí é maluco.


Desculpa Qualquer Coisa Melhor do Que Parece é o terceiro disco de três garotos ternos que vivem a espontaneidade dos amigos antigos. A sintonia é tanta, que às vezes até parecem um só. Gabriel, Guilherme e Tim libertaram a ternura e a filosofia simples das coisas para compor esse disco cheio de timbres encantadores e poesias comunicativas, como uma iluminada conversa de sons.

texto Marília Feix fotos Rafael Rocha 18


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Desculpa qualquer coisa

NOIZE: A entrada dos arranjos de cordas e metais colaborou muito para a atmosfera do disco. Como acontecia o diálogo entre vocês e os músicos convidados? Tim: Sim, tínhamos essa vontade de fazer uma sonoridade mais sinfônica em todas as músicas, só que a gente não costuma escrever partitura. Os músicos que escolhemos foram bons para fazer essa transição entre popular e erudito. A gente só falava: “A melodia é essa, depois a terça é essa.” E só cantando eles já tiravam o som que a gente queria. Fomos na casa da harpista antes de gravar, a Marina Mello, e mostramos as faixas para ver como soariam. Ficamos meio maravilhados porque harpa é um instrumento meio maravilhoso. Muito raro de se ouvir ao vivo. Fizemos com cabeça de banda uma parada meio de câmara. Biel: Conseguimos chegar já sabendo o que dava pra inventar depois. A cada álbum que você faz, entende mais como funciona o processo. É como fazer um macarrão, na primeira vez erra o tempo da massa, do molho, depois não tem como voltar atrás. Com o disco é a mesma coisa. Depois que você tem experiência, refoga a cebola antes, pensa em tudo direitinho. Vai entendendo o tempo das coisas. NOIZE: Vocês dizem que o Gui Jesus Toledo é o “quarto elemento” d’O Terno. Como foi trabalhar com ele na produção do álbum? Tim: Um lado muito legal desse disco foi encontrar o Gui Jesus. A gente curte timbrar as nossas próprias sonoridades e ele nos dava liberdade para isso. Hoje em dia acontece muito de você cair na mão de certos técnicos que não deixam você escolher o seu som. NOIZE: É verdade que caiu um raio no estúdio durante a gravação da música “Melhor do que Parece”? Biel: Sim, aparece bem no começo da música, muito sutil. Na hora, a gente nem percebeu o raio. Mas quando terminamos o take, o Gui Jesus, que estava na técnica e tem uma janela para a rua, ficou super nervoso, e veio perguntar se a gente estava bem. Chovia muito. Tim: Quando caiu o raio, a guitarra, por ser velha e co-

nectada a um amplificador antigo, alterou a corrente e fez esse barulhinho bem de leve. Essa música teve muitas incursões. Tinha a nossa parte, depois a gente gravou metais em cima, vozes, depois as cordas. Ela teve uma série de tardes inteiras em cima dela. Essa e “Nó”. No final ouvir ela pronta foi muito legal. NOIZE: Apesar de o Biel ter entrado oficialmente na banda para esse disco, vocês já tinham outros projetos juntos, certo? Biel: Foi o primeiro disco que eu gravei inteiro com O Terno. Mas no EP TicTac-Harmonium eu já tinha tocado a percussão, depois na composição de “Brasil” eu tinha feito as camadas sonoras… Música experimental (risos). E a gente já tinha gravado juntos o Ávida Dúvida também, que é uma coletânea do Selo Risco. NOIZE: Vocês parecem ser amigos há muito tempo. Como isso começou? Tim: Em 2010, eu estudava música com o Biel na Faculdade Santa Marcelina e tocava com o Guilherme. O Biel também era da banda Memórias de um Caramujo, com o André Vac. E, um dia, o Biel falou: “Vamos pra Minas, nós quatro, que vai dar banda!” Então fizemos essa viagem para Minas e inventamos uma banda de “cover autoral” chamada Juscelino e os Kubitschekers (risos). Ia rolar um curso sobre trilhas sonoras no Festival de Inverno de Diamantina com o pianista Túlio Mourão, que trabalhou com Os Mutantes. Chegamos lá de noite, com bateria, amplificador, guitarra, tudo apertado num Fox, cansados. Tomamos uma cerveja num lugar no centrinho e dissemos para a dona do bar: “Temos uma banda, podemos tocar aí amanhã?” E ela disse: “Podem, vêm aí!”. Guilherme: A gente nunca tinha tocado juntos (risos). Tim: Tiramos umas 20 músicas e, no dia seguinte, tocamos lá e depois foram mais sete shows! NOIZE: Mas o Tim e o Guilherme estudaram na mesma escola, certo? Tim: Sim, tocamos juntos desde a oitava série, desde os 20


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Tim Bernardes, Gabriel Basile e Guilherme D’Almeida no pátio do estúdio Canoa, em São Paulo.

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“Se você olhar pra gente de cima do prédio, a gente tá no mesmo ponto” (Gabriel Basile)

Desculpa qualquer coisa

14 anos. Criamos o Terno na escola e a gente interpretava músicas do The Kinks. Guilherme: E querendo ou não já tinha o nome. Se chamava só Terno, sem o “O”. NOIZE: Vocês se vestiam como mods? Usavam terno e bota? Tim: A gente não sabia onde comprar a botinha então a gente não conseguiu ser mod, mas o nome da banda tem um pouco disso, desse clima anos 60. O legal é que “O Terno” é um nome que está se transformando nos sentidos. Inicialmente era porque era um trio, mas tinha também esse lado da coisa meio retrô. NOIZE: E agora é a ternura? Tim: Hoje em dia acho que é a ternura. Porque liberou e a gente não tem mais medo de não ser rock’n’roll. Guilherme: Quando a gente começou a tocar, com 11, 12 anos, nós dois éramos muito focados. A gente chamava o baterista para tocar e se ele faltava um ensaio, a gente já pensava: “Esse cara vai dar pra trás, é melhor já procurar um outro.” Tim: Com 13 anos a gente já chegava pro cara e dizia: “Então Lipe, esse lance de você ficar viajando para praia não dá, estamos levando a parada a sério e vamos ter que chamar outro batera. Mas a gente não achou outro (risos) e acabou chamando ele de novo… Com uns 16, 17, meu pai nos convidou para abrir um show dele, só que a gente estava sem baterista porque ninguém tinha o comprometimento que a gente queria (risos). Lembro que eu falei: “Tô ligado no melhor baterista que tem no rolê, ele

toca numa banda da outra escola chamada Arquiduques”. Guilherme: E eu perguntei: “Quem que é esse cara?” Tim: Era o Gabriel Basile. E eu liguei pra ele e disse: “Oi Biel, não sei se você me conhece, sou amigo do seu amigo, e a gente tem uma banda chamada Terno e tal...” E convidei pra tocar. E ele disse: “Putz cara, eu tô com muita coisa, não vai dar.” Biel: Eu neguei o show (risos). Tim: Mas em 2015 ele entrou na banda!

Tim: Tem até samba no disco, né? Tu não precisa ser sempre rock’n’roll. Talvez o samba seja a música mais rock’n’roll do disco. Guilherme: O samba, nesse caso, sim. Por exemplo “Volta” é uma das que a galera mais canta junto nos shows. Tim: Choram. É doido isso, as pessoas choram. Biel: Quando você fica muito preocupado em manter um gênero ou uma tradição ou alguma coisa, obrigatoriamente acaba se tornando ainda mais conservador.

NOIZE: E a entrada oficial do Biel foi justamente para gravar o Melhor do Que Parece, um disco menos razão e mais emoção do que os outros, certo? Tim: O Rafael Castro falou que esse é um disco menos impressionante e mais emocionante (risos). Pensamos menos em letras mirabolantes e em histórias doidas e mais em músicas simples para falar de uma emoção universal sem ser banal. Buscando um caminho na simplicidade que fosse tão satisfatório quanto fazer uma letra muito maluca. Às vezes, parece que você tem que fazer um arranjo muito doido, com uns timbres muito doidos, com uma letra muito doida. Dessa vez, colocamos a bola no chão e pensamos em músicas mais sinceronas, com arranjos bonitos e uns timbres legais. Mais econômico, mas tentando atingir com potência. Eu gosto, acho que, no começo, por ser uma banda de rock’n’roll, havia uma certa timidez de falar de sentimentos, mas aos poucos a gente foi mandando isso pro caralho. Guilherme: Mudou o conceito do que era uma música pra caber no Terno, sabe?

NOIZE: Seria uma contradição vocês se sentirem obrigados a seguir um estilo em nome dessa “liberdade”. Biel: Exatamente, se O Terno somos nós três e nós três gostamos de uma música, o que impede de a gente tocar? Tim: O maluco é que o rock’n’roll cai nessa cilada muitas vezes. De vir como uma música que é justamente a libertação, de chutar o pau da barraca e fazer o que você quiser. E às vezes, se você entra e se fecha nisso, você “tem” que chutar o pau da barraca, você “tem” que ser porrada, você “tem que isso e aquilo”. E assim, o que era progressista vira conservador.

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NOIZE: E têm muitas bandas que caem nisso, né? Guilherme: Não só a banda, mas também o público. Porque às vezes a banda tenta fazer algo diferente e a galera diz, “se vendeu” ou “isso não é rock n’ roll de verdade”. NOIZE: As letras também estão mais leves, coloquiais. Parece que você está ou-


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“Essas músicas são um caminho de volta, de falar as coisas como elas são” (Tim Bernardes) vindo a voz de um amigo. Há uma influência do Maurício Pereira? Tim: Em algum ponto sim. Não que eu fique escutando as músicas dele e queira compor no mesmo estilo. Tenho isso mais pela convivência do que pela questão diretamente musical, de ser comunicativo e simples, mesmo pra tratar de algo complexo. Ele fala que música diverte e educa, não é só entretenimento, mas não precisa ficar só ensinando. Não gosto de música muito erudita, com “tu és” ou cheia de metáforas. Você ouve e não tem a menor ideia do que o cara está falando. Tem que ser acessível, não excluir quem estudou menos. Gosto desse lado coloquial dele. Muitos artistas têm isso e sempre admirei. NOIZE: “Culpa” é um bom exemplo disso, tem esse contraste de ser divertida e abordar um tema bem humano. Como surgiu a ideia de falar sobre isso em uma música? Tim: Eu não sei, foi tão rápida essa composição... Eu fico meio antenado no que passa na minha cabeça pra ver se encaixa em uma música. Por algum motivo eu deveria estar culpado sem saber porque e comecei a escrever: “Culpa”. E pensei em frases a respeito e num refrão que aparecesse quatro vezes. Queria fazer uma música pop com um assunto que não fosse tão pop. Totalmente como se fala. Gosto de usar uma frase que eu falaria, que soa de boa, ver qual é a sonoridade que ela tem e musicar a partir disso. E não fazer uma melodia doida e tentar encaixar palavras bonitas. Normalmente vem uma frase. “Parece que eu fico o tempo todo culpado, com culpa eu não sei do quê”.

Fico pensando nisso já com a melodia, letra e música ao mesmo tempo. NOIZE: E “Nó” é a mais orquestrada do disco, cheia de alternâncias e brincadeiras na sonoridade. Tim: É a música que mais gostei do processo. Porque foi um bom exercício, uma aula de percepção. “Nó” foi crescendo ao longo dos dias. Adorei fazer o arranjo das cordas e sopros. Tem um clima lado B meio programa de auditório dos anos 60, mais tosquinha com uma parte mais hi-fi. NOIZE: Em “Não Espero Mais” já entra outro clima, um pouco diferente da narrativa que permeia o álbum. Tim: Eu não imaginava que gravaria essa. Ainda sentia que a música precisava ser mirabolante e que a letra tinha que se destacar. Eles que insistiram para gravar. Eu tinha um esboço, mas achava ela meio Tim Maia. E não sabia se cabia para O Terno. Meio nessa sensação: “O Terno” é algo que eu não sei explicar. Biel: A canção comunica pela letra, mas também pelo som. Se você pensar no James Brown, a letra é simples, mas a música faz seu corpo mexer. Isso tem um valor inestimável. Às vezes uma letra que valoriza o som é algo bonito também. Tim: Ou mesmo de achar beleza no simples. A “História Mais Velha do Mundo” é assim. NOIZE: É a “Nature Boy” de vocês… Simples e potente. Tim: É isso, no fim das contas são quatro assuntos: “Eu te amo”, “eu tomei um pé na bunda”, “você não me ama” e “eu vou

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zoar” (risos). Há combinações infinitas pra você dizer as coisas. Estamos num tempo, e o último disco [O Terno] vai nessa leva, de falar das coisas de sempre de jeitos muito malucos. Somos os hipsters que querem fazer tudo diferentão. Por isso essas músicas são um caminho de volta, de falar as coisas como elas são. Não precisa encher de cacareco a filosofia simples das coisas. NOIZE: “Depois que A Dor Passar” soa como a voz de um amigo. É uma música acolhedora. Tim: É uma reflexão sobre a vida, fases que são difíceis e outras que são fáceis. Desses ciclos que são naturais. É mais uma da série de “conselhos para mim mesmo”. Guilherme: Se você ver os comentários dessa música na internet são: “Obrigado, eu tava precisando ouvir isso”. NOIZE: “Lua Cheia” foi a única faixa em que vocês fizeram a melodia antes da letra, certo? É a mais mirabolante do disco. Guilherme: Nem só a melodia, os arranjos também, tudo. Tim: Acho que, se não tivesse prazo, nunca teria feito a letra. Compus só com um “lalala”, mas, nos ensaios, ela já se destacava porque era legal ter uma música rock‘n’roll. Equilibrava esse lado. Tem um tempero meio bolerão diferente, esquisito. Quando eles disseram “vamos gravar, você vai ter que fazer a letra”, comecei a pensar no cara que tá alucinado, nessa sensação que a lua às vezes provoca. De ser um elemento da vida real, meio mágico, não enxergável. Ficou uma música mais mística, mais doida.


Desculpa qualquer coisa

“Acho que a gente mudou o conceito do que era uma música pra caber n’O Terno, sabe?” (Guilherme D’Almeida) 28


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E eu queria que deixasse margem para tipo assim: “Não sei se eu tô falando de drogas, não sei se eu tô falando de astrologia, não sei se eu tô falando de hiperrealismo ou se realmente estão explodindo coisas ali...” Biel: E é uma letra que é mais diferentona do que você costuma fazer, né Martim? Tim: Sim, ela tem imagens. Ela é um pouco mais… Guilherme: “Surge tal como um gigante” (Risos). Tim: Exatamente! Porque justamente ela não é falada como eu falaria num bar. E eu nunca tinha explorado fazer desse jeito, então foi legal achar uma maneira diferente de fazer isso na minha cabeça. NOIZE - “Orgulho e Perdão” é um samba que tem a cara d’O Terno. Tim: É, tinha essa preocupação de não fazer algo banal, uma fórmula. Guilherme: Não faria sentido pra gente gravar um violão de sete cordas e chamar um pandeirista. Tim: Quando eu compus essa música, o Biel tinha me mostrado um disco do Nelson Cavaquinho e eu fiquei ouvindo e pensei: “Cara, isso é igual a Black Sabbath! Esse cavaquinho é música de terror, é Tom Waits!” Então a ideia era fazer um samba meio Tom Waits, só que sem precisar de uma letra de assassinatos. NOIZE - E voltam os contrastes, quando a música é mais lúdica, a letra é mais densa. Biel: É, total. Tim: Acho que é pra sair do óbvio que a pessoa iria no automático. Pra rolar um estranhamento. E um estranhamento é legal. NOIZE - E “Volta”, traz a exaltação do amor. Tim: Essa é a mais romântica. Vejo muita gente interpretar “Volta” como uma música triste, mas pra mim é a mais alegre do álbum. Você pode entender como um cara que tomou um pé na bunda e quer que a pessoa volte, mas, na minha cabeça, foi só a minha namorada que viajou por dez dias e eu sou tão apaixonado que queria que ela voltasse logo. É legal não explicar para as pessoas interpretarem do jeito que quiserem. NOIZE - “Minas Gerais” foi composta durante a primeira

viagem de vocês juntos ou em outro contexto? Tim: Faz seis anos que a gente fez aquela viagem para Minas. E essa eu devo ter composto em 2014. Também não imaginava que ela iria para O Terno. Mas bateu no coração do Biel (risos). E no final das contas essas músicas mais simples chegam forte nas pessoas. Aquela coisa do Lóki?+1, de ser crua. NOIZE - Já “Deixa Fugir” tem uma narrativa inventada, certo? Como foi composta? Tim: Eu fiz na última hora, eles nem conheciam. Biel: Lembro que o Tim disse: “Essa música vai dar um ar diferente, vai fazer bem para o disco.” E a gente concordou e gravou. Você até já tinha mostrado ela, só que em outra onda. Tim: Era mais lenta, meio Mac DeMarco, derretida. Então pensei que faltava uma música mais animadinha, e ela não é animada na letra, então ficou esse contraste. NOIZE - Vocês costumam concordar com facilidade para decidir o caminho das músicas, ou acontecem algumas discussões? Tim: Acho que, de modo geral, a gente é muito sintonizado. Não discordarmos de nada muito forte. Biel: Se você olhar pra nós de cima do prédio, estamos no mesmo ponto. Tim: A gente é idêntico. Biel: Mas as particularidades de cada um existem, ainda bem. NOIZE - “Vamos Assumir” é a única que não tem nenhum outro elemento, certo. São vocês três? Tim: É a única? Eu já sei o que você ia falar e eu também vou falar. Vamos falar nós três juntos então: Tim, Biel e Guilherme: Foi gravada ao vivo, sem fone, e é bem power trio! NOIZE - E por que “Melhor Do Que Parece” foi escolhida para dar nome ao disco? Tim: Porque ela está filosofando sobre o mundo hoje. Sobre como é tudo muito rápido, no sentido de: “Ah, deixa eu ver se tem notificação aqui.” De você ficar duas horas escolhendo um filme e depois achar que é muito tempo perder uma hora assistindo. De uma geração meio bizarra que nós somos. Sobre não ter paciência, se fechar no “zoom in” e não enxergar o todo, achar que está tudo uma bosta. No fim das contas, é a música mais significativa do disco.

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[+1] Lóki (1974) foi o primeiro álbum solo de Arnaldo Baptista (ex-Mutantes). Gravado sem nenhuma guitarra e com o protagonismo do piano, quebrou os padrões do que era considerado “rock’n’roll”.



EU OLHO E VEJO TUDO ERRADO


E

S

O

L

A nova cara fragmentada e horizontal da mĂşsica independente brasileira

texto Leonardo Baldessarelli arte Jaciel Kaule


Lista de Selos

noize.com.br

Conversando ao telefone numa tarde de abril, Gui Jesus Toledo descrevia a criação do Selo Risco, organização de

Fizemos um levantamento de

que fora principal idealizador e co-fundador em 2013,

142 selos ativos espalhados

como um processo muito natural - algo que aconteceu por

pelo Brasil para você ficar

questões quase óbvias. “Tudo surgiu quando pensamos em

por dentro da cena.

unir uma série de bandas e artistas que tinham ideias, estéticas e até amigos semelhantes e gravavam no mesmo lugar”, comentou. Esse local era o Estúdio CANOA, em São Paulo, espaço que tem o próprio Gui como dono, diretor

NORDESTE 19 SELOS

artístico e diretor de produção - e tanto o lugar quanto

Alagoas:

o RISCO se tornaram a “casa” de artistas como Luiza Lian,

Gangue do Beijo - Maceió facebook.com/ganguedobeijo

Charlie e os Marretas, Mustache & os Apaches e de Melhor

Transtorninho Records - Maceió transtorninhorecords.bandcamp.com

do Que Parece, o álbum d’O Terno que é tema desta edição

do Noize Record Club.

Bahia: NHL Music - Salvador nhlmsc.bandcamp.com

O RISCO é um dos muitos exemplos para o que

Tosco Todo - Vitória da Conquista toscotodo.blogspot.com.br

seria, concretamente, o termo ‘selo’, ou ‘selo

TheMetalVox - Feira de Santana themetalvox.com.br

musical’ - um conceito difundido no imaginá-

Tropical Death - Salvador facebook.com/tropicaldeath

rio da música independente brasileira, mas que mesmo os seus próprios líderes de selo têm dificuldade para explicar do que se trata. Nas palavras do próprio Gui Toledo, é algo como um meio termo entre “companhia” e “coletivo”, algo

Ceará: Banana Records - Fortaleza bananarecords.bandcamp.com Dente Pôdi Records - Fortaleza dentepodirecords.blogspot.com.br SuburbanaCo.- Fortaleza suburbanaco.bandcamp.com

organizado e planejado, com ideias e identidade fortes, mas que não tem o aporte financeiro

Paraíba

de uma grande empresa fonográfica. “O selo não

Mardito Discos - João Pessoa facebook.com/mardito.discos.3

tem uma estrutura de gravadora, mas é um modo

Fiasco Records - João Pessoa fiascorecordspb.bandcamp.com

de fazer com que músicos com gostos e perfis artísticos semelhantes fiquem juntos, discutam sobre o que fazem, tenham todo um apoio especializado e ajudem uns aos outros”, comenta, complementando: “É um modo de se situar no

T U N T S T U M - João Pessoa www.tuntstum.com Pernambuco: OKMusic Records - Recife facebook.com/Okmuzik

espaço da música independente e de conquistar

PWR Records - Recife pwrrecords.bandcamp.com

aos poucos seu lugar - algo que ganha relevân-

Velho Rabugento - São José do Egito facebook.com/VelhoRabugentoZine

cia como marca e que pode ajudar as bandas a crescerem.” São inúmeras as pequenas organizações com perfil semelhante ao RISCO que se formaram no Brasil nos últimos 5 a 10 anos, num fenômeno que pode ser descrito como um “boom de selos” dentro do país.

Piauí Geração Tristherezina - Teresina geracaotristherezina.bandcamp.com Rio Grande do Norte: Catamaran Discos - Natal facebook.com/catamarandiscos DoSol - Natal facebook.com/DosolCultura Sergipe

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Badoh Negro - Gararu badohnegro.wordpress.com


CENTRO-OESTE 8 SELOS Distrito Federal Lombra Records - Brasília facebook.com/lombrarecords Miniestéreo da Contracultura Brasília miniestereo.org Share This Breath - Brasília sharethisbreath.bandcamp.com Goiás Falante Records - Goiânia facebook.com/FalanteRecords Lalonge - Goiânia facebook.com/selolalonge Mandinga Records - Goiânia mandingarecords.bandcamp.com Monstro Discos - Goiânia monstrodiscos.com.br Propósito Recs - Goiânia propositorecs.tumblr.com SUDESTE 79 SELOS Espírito Santo Subtrópico - Vitória facebook.com/subtropico Läjä Records - Vila Velha laja.minestore.com.br Minas Gerais Burning London Records Belo Horizonte blrecords.com.br Cena Cerrado - Uberlândia facebook.com/CenaCerrado Galope Discos - Pouso Alegre galopediscos.bandcamp.com Geração Perdida de Minas Gerais Belo Horizonte geracaoperdida.bandcamp.com La Femme Qui Roule - Belo Horizonte facebook.com/LaFemmeQuiRoule Pug Records - Juiz de Fora www.pugrecords.com Sapólio Rádio - Uberaba sapolioradio.com.br Seminal Records - Belo Horizonte seminalrecords.bandcamp.com Rio de Janeiro 40% Foda/Maneiríssimo Rio de Janeiro 40porcentofodabarramaneirissimo.bandcamp.com Efusiva - Rio de Janeiro facebook.com/efusivadiy Guadalupe Distro Records Rio de Janeiro guadalupedistrorecords.bandcamp.com Lixo Records - Rio de Janeiro facebook.com/lixorecords Na Cara e Coragem - Rio de Janeiro nacaraecoragem.blogspot.com.br NovaDema Records - Rio de Janeiro facebook.com/novademarecords

Comparando a história e a estrutura do RISCO com outros selos do Brasil, as semelhanças vão além de época e tamanho. Apesar de muitos selos serem projetos pessoais, partindo de uma ou duas pessoas, a ideia de artistas próximos tanto musical quanto ideologicamente se unido em grupo é constante. O Honey Bomb Records, de Caxias do Sul, é outro exemplo: idealizado por Jonas Bender Bustince, o selo surgiu depois de ele perceber que muitas pessoas ao seu redor tinham uma atuação relevante dentro do meio artístico: “Eu tinha uma banda, meu irmão tinha outra e ainda participava de um zine - e muitos amigos também se envolviam com todo o tipo de arte. Então foi só ter a ideia da Honey Bomb que as coisas começaram a se formar”, comenta. Os fanzines, aliás, são outro elemento que se repete na história de muitas organizações. A Midsummer Madness Records, de São Paulo, é um dos nomes mais conhecidos na cena underground e surgiu como um zine no fim da década de 80, uma publicação focada em abranger a arte e cultura mais alternativa e experimental. O insight para a criação da Midsummer surgiu justamente nesse contato com os músicos, como conta o líder do selo, Rodrigo Lariú: “Existia uma produção gigantesca de demos e fitas K7 no Brasil naquela época que não chegava ao público, ou pelo menos chegava para muito pouca gente, isso mais ou menos na virada dos anos 80 para os 90. E muitas daquelas produções eu considerava tão boas ou melhores do que o que era feito pelas grandes companhias naquela época”. Assim, Lariú deu início a um selo que se “converteu” ao CD no fim da década de 90 e que hoje segue atuando no meio digital - além de ser uma produtora de vídeo. Mergulhado no mundo da cena independente

Petites Planètes - Rio de Janeiro petitesplanetes.bandcamp.com Quintavant/QTV - Rio de Janeiro quintavant.bandcamp.com Oxenti Records - Rio de Janeiro oxentirec.bandcamp.com

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há tanto tempo, Rodrigo Lariú e sua Midsummer Madness produziram a série “O Outro Lado do Disco” para o Canal Brasil em 2015, abordando a história das gravadoras independentes no Brasil e abrangendo organizações como selos que fazem parte de multinacionais ou mesmo gravadoras independentes maiores, do nível da Deckdisc. Rodrigo explica bem a diferença conceitual entre um selo e uma gravadora: “Gravadora é aquela que banca toda a gravação, faz um contrato prévio com definições do que deve ser produzido, se envolve profundamente na criação artística - que abraça o músico e praticamente dita o futuro dele. Um selo pode fazer um pouco de tudo isso, mas será muito mais focado no seu conceito, no seu estilo central e na curadoria, do que essencialmente no lucro.” Falando sobre esse assunto, Lariú é o mais firme em suas definições, mas seu discurso é quase um resumo de tudo o que outros líderes de selo explicam. Como trabalha um selo independente Há selos que se envolvem profundamente com as gravações, como é o caso do Transfusão Noise Records, do Rio de Janeiro, um dos nomes mais influentes da cena lo-fi. O líder e idealizador Lê Almeida comenta que praticamente tudo que é lançado pela TNR é produzido dentro do Escritório, um misto de estúdio, casa de shows e sede do selo que fica no centro do Rio de Janeiro - e o que leva eles a isso é uma busca por identidade, como o próprio Lê comenta. “Me atrevo a dizer que somos o único selo, pelo menos no Rio, que tem uma sede que funciona como estúdio e oferece a produção, gravação e masterização por nossa conta e cuidados - temos muito interesse na produção, em termos o nosso som, o lo-fi sem plugin.” O RISCO é outro selo que tem participação direta nas gravações, mas Gui Jesus Toledo destaca


Porangareté - Rio de Janeiro facebook.com/porangarete Rock It! - Rio de Janeiro noize.com.br rockitdigital.bandcamp.com RWND Records - Rio de Janeiro soundcloud.com/rwnd-records

que, mais do que uma “produção executiva” dos lançamentos, o selo busca estabelecer uma conversa com os artistas: “Apesar de dirigirmos a parte da captação, os artistas têm liberdade criativa completa para trabalhar nas músicas, EPs, discos. Nosso trabalho é mais técnico e de orientação, pelo menos nessa parte.” Pensando em como funcionam os selos, um outro padrão surge: a incidência de profissionais de comunicação na sua liderança - e isso tem uma enorme relação com o que acaba sendo um “selo independente” nos dias de hoje. “Temos a sorte de trabalhar apenas com música - da produção à divulgação -, por isso, tentamos abordar todos os lados possíveis do mercado, dar uma cobertura de 360º para o trabalho dos artistas”, comenta Gui Jesus Toledo, enquanto explana como o RISCO trabalha em parceria com seus músicos em praticamente todas as partes do fazer musical. “Pensamos desde o planejamento artístico até o marketing e a divulgação, mas, claro, respeitamos a diferença de autonomia entre cada integrante do selo - enquanto uma banda consegue tomar suas decisões e discutir facilmente, um artista solo talvez não tenha nem com quem fazer um brain, e existimos também para isso.” A força da comunicação também se destaca no Honey Bomb Records - Jonas Bustince vê a identidade visual e o posicionamento do selo como pontos centrais do sucesso no meio independente, com o universo das abelhas dominando todo o conceito da organização. “É muito normal a galera nos elogiar pelo nosso estilo, pelo nosso visual, acredito que rola um ar muito ‘profissional’ ao redor disso e, com certeza, é um diferencial.” Conversando sobre isso, porém, Jonas toca num ponto essencial: os modos como a Honey Bomb sobrevive. “Dos fonogramas mesmo, da distribuição digital,

a entrada de dinheiro é praticamente nula. Temos um escritório em que os integrantes do selo se reúnem e fazem diversos trabalhos, desde freelas negociados pessoalmente até trabalhos acertados por meio do selo e produção de eventos em geral.” Acima de serem “selos musicais”, os coletivos acabam assumindo o papel de produtoras de shows das bandas, prestadores de serviço e realizam qualquer trabalho possível que seja relacionado à música - e os que não fazem isso são os que não têm nenhum fim lucrativo, nem de simples “sustento” de seus líderes. Esses últimos, basicamente, são os selos que não têm um viés tão profissionalizado, como a Transtorninho Records, com sede dividida entre Maceió e Recife. Segundo Felipe Soares, um dos líderes e cofundador da Transtorninho, o selo trabalha de uma forma mais do it yourself, sem nenhum fim lucrativo, tirando dinheiro no máximo do merch em camisetas, discos e até cadernos, em sua maioria manufaturados pelos próprios integrantes das bandas ou da organização. Felipe chega a brincar: “A receita da Transtorninho está na mente! O que vendemos paga, no máximo, a gasolina para ir e vir dos shows e das turnês.” Mas, ao mesmo tempo, eles não descartam uma profissionalização, apenas se sentem condicionados a essa situação pelo modo como o selo é tocado atualmente - e resume: “o lance é que não estamos muito aí pra algumas formalidades que o underground acaba reproduzindo do mainstream.” O ponto central que surge, porém, é que o modelo de negócio “música gravada” se mostra tudo menos sustentável para os selos independentes e a sobrevivência vem ou da produção de turnês e prestação de serviços relacionados às profissões dos integrantes da organização, ou da venda de merch - casos

Sagitta Records - Rio de Janeiro facebook.com/sagittarecords Transfusão Noise Records Rio de Janeiro transfusaonoiserecords.tumblr.com Valente Records - Duque de Caxias valenterecords.bandcamp.com Violeta Discos - Rio de Janeiro violetadiscos.com.br São Paulo: a onda errada - São Paulo aondaerrada.bandcamp.com Al revés - São Paulo www.alreves.org Absurd Records - São Paulo www.absurd.com.br Agogô Cultural - São Paulo agogocultural.com.br Balaclava Records - São Paulo www.balaclavarecords.com Back On Tracks Records - São Paulo www.backontracks.net Baphyphyna - São Paulo facebook.com/baphyphyna Bigorna Discos São José dos Campos bigornadiscos.bandcamp.com Coletivo Marte São Bernardo do Campo facebook.com/martecoletivo Crasso - São Paulo www.crasso.com.br Contra Boots - São Paulo contraboots.bandcamp.com Cospe Fogo Gravações - São Carlos www.cospefogo.com Dama da Noite Discos - São Paulo damadanoitediscos.bandcamp.com Desmonta - Guarulhos www.desmonta.com Dissenso Records - São Paulo dissensorecords.com Dull Dog Records - São Paulo dulldogrecords.bandcamp.com EAEO - São Paulo eaeo.bandcamp.com / eaeorecords.com FEIO Records - São Paulo facebook.com/feiorecords Fluxxx - São Paulo fluxxx.bandcamp.com Goma Gringa - São Paulo www.gomagringa.com Grind Your Mind Records São Paulo facebook.com/GrindYourMindRecords Hammer of Damnation - Santo André www.hodrecs.com Hearts Bleed Blue - São Paulo www.hbbrecords.com Hérnia de Discos - São Paulo herniadediscos.com.br Howlin’ Records - São Paulo www.howlinrecords.com.br Liberatia Records - São Paulo facebook.com/libertatiarecords Lunare Music - São Paulo facebook.com/LunareMusic

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M4 Music - São Caetano do Sul www.m4music.com.br


Malware - Campinas selomalware.bandcamp.com Matrero Records São José dos Campos soundcloud.com/familiamatrero MAMBA NEGRA - São Paulo soundcloud.com/mamba-negra-9 Midsummer Madness - São Paulo mmrecords.com.br Mono.Tune Records - São Paulo monotunerecords.bandcamp.com Motim Records - Valinhos motimrecords.bandcamp.com Nada Nada Discos - São Paulo www.nadanadadiscos.com Neves Records Santa Bárbara D’Oeste nevesrecords.com.br No Yearning - Piracicaba noyearning.bandcamp.com No Gods No Masters - São Paulo nogods-nomasters.com Outprint Tapes - São Paulo outprint.iluria.com Pessoa Que Voa - São Paulo pessoaquevoa.bandcamp.com

como o do RISCO, em que CDs e discos de vinil têm parte relevante na receita, são cada vez mais raros. “Se o Midsummer Madness não tivesse se transformado numa produtora de vídeo, definitivamente não teríamos como nos sustentar. São produções como ‘O Outro Lado do Disco’ que nos permitem sobreviver”, comenta Rodrigo Lariú. Já os casos de Lê Almeida e do próprio Felipe Soares, como já comentamos, são diferentes: os selos não se sustentam, e nem têm isso como propósito final.

Pé de Macaco Discos - São Carlos Red Star Recordings - São Paulo www.redstar77.com Refil Records - Limeira refilrecords.bandcamp.com Risco - São Paulo www.selorisco.com Seven Eight Life - Santo André www.seveneightlife.com.br Sinewave - São Paulo sinewave.com.br Thrash Corp Records - São Paulo thrashcorp.bandcamp.com Trashcan Records - Campinas facebook.com/trashcanrecords TRNQR - São Paulo trnqr.bandcamp.com TUDOS - Campinas cargocollective.com/tudos Unleashed Noise Records - São Paulo unleashednoiserecs.com.br UIVO Records - São Paulo facebook.com/uivorecords Um Distante Maestro Discos São Paulo umdistantemaestro.com.br NORTE 2 SELOS Pará Lazybones Records - Belém lazybonesrecords.loja2.com.br Xaninho Discos - Belém facebook.com/xaninhodiscosfalidos SUL 33 SELOS

Selos pelo Brasil Pelo menos um grande consenso surge nas conversas sobre os selos independentes no Brasil: o foco em curadoria não se perde. O grande trunfo dos selos, o que os mantêm relevantes e constrói a maior parte do interesse por eles, é inevitavelmente o viés de filtro que têm, sendo quase gatekeepers da cena underground. “Nada importa mais do que o fato de que estamos trabalhando com algo que amamos, fazendo música que achamos incrível e que as pessoas gostam muito disso”, comenta Gui Toledo - uma opinião compartilhada por todos, e que Lariú, do Midsummer Madness, resume muito bem: “Esse negócio de se vender, de lançar um artista só porque ele tem chances comerciais, não me parece fazer sentido num selo independente. Já tentamos isso no MM e não deu certo, e nunca mais pensamos em fazer algo semelhante porque não tem nada a ver com a gente. Claro, acontece naturalmente de alguns selos terem um padrão de som mais acessível e, com isso, fazerem mais sucesso, mas isso acaba sendo da identidade deles - eles não fogem do seu som. Essa é a parte mais legal de se ter um selo: poder pensar no que vai ser lançado e fazer algo legal.”

Paraná Hyena Tapes - Curitiba hyenatapes.com Meia-Vida - Curitiba meiavida.bandcamp.com NapNap Records - Curitiba napnaprecords.bandcamp.com Terceiro Mundo Chaos - Curitiba www.terceiromundochaos.com.br Terry Crew - Curitiba terrycrew.tumblr.com

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Em evi dên cia RISCO

São Paulo www.selorisco.com

Geração Perdida Belo Horizonte geracaoperdida. bandcamp.com

180 Selo Fonográfico

Passo Fundo selo180.com Fundado por Rodrigo de Andrade em 2013, começou com a ideia de ser uma referência na produção independente de discos de vinil de alta fidelidade - e realmente conseguiu. Hoje, também trabalha com produção de CD e distribuição digital.

Balaclava Records

São Paulo www.balaclavarecords.com

Criada em 2012 por Fernando Dotta e Rafael Farah, é talvez o maior modelo de sucesso entre os novos selos. Foca no indie e atua distribuindo tanto discos nacionais quanto internacionais, licenciando artistas de gravadoras como Merge e Polyvinyl, e produzindo eventos. Já trouxeram nomes como Mac DeMarco e Real Estate ao Brasil.

Movimento que se tornou um selo em 2013 ao redor da banda Lupe de Lupe e de músicos parceiros, como Jonathan Tadeu, Paola Rodrigues e Fernando Motta. Hoje, é um dos protagonistas do underground, destacando-se pela relação colaborativa com os fãs.

EAEO

São Paulo eaeo.bandcamp.com /eaeorecords.com

Nascido em 2015, tem foco na cobertura 360º da carreira dos artistas, atuando desde a gravação até a distribuição, divulgação e booking de turnês. Hoje, conta com nomes como Cólera, Guizado e Cidadão Instigado no casting.

Hearts Bleed Blue São Paulo www.hbbrecords.com

Selo lendário de rock alternativo e hardcore que tem artistas como Dead Fish, Dance Of Days e Autoramas no casting. Seu trabalho com merch e produção de turnês lhe tornou uma referência internacional de selo punk.

Honey Bomb Records

Caxias do Sul www.honeybombrecords. com.br Criado em 2013 tendo Jonas Bender Bustince como “porta-voz”, sempre impressionou pelo profissionalismo e por suas identidades sonora e visual. Entre seus artistas estão Bike, Catavento e My Magical Glowing Lens.

midsummer madness São Paulo mmrecords.com.br

Desde o ápice da sua produção independente de K7, em 1994, é uma referência de curadoria no independente. Englobando um zine e uma produtora de vídeo e prestes a completar 30 anos de vida, é um dos selos há mais tempo na ativa.

PWR Records

Recife pwrrecords.bandcamp.com

Fundado por Hannah Carvalho e Letícia Tomás, surgiu em 2016 com o objetivo de lançar, dar suporte e viabilizar a carreira de artistas femininas. É resultado de uma pesquisa de ambas com Nanda Loureiro (do Banana Records) para mapear projetos independentes brasileiros liderados por mulheres - e o PWR foi o principal insight do estudo: além de observar, era preciso agir.

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Criado por Gui Jesus Toledo e Guilherme Giraldi (hoje, conta também com João Bagdadi como sócio), é a casa d’O Terno e de artistas como Charlie e os Marretas, Pedro Pastoriz, Luiza Lian e Mustache & Os Apaches. Nasceu como um coletivo unindo bandas amigas que gravavam no estúdio CANOA, em São Paulo.

Sinewave

São Paulo sinewave.com.br

Na ativa desde 2008, é um net label sem fins lucrativos que foca completamente na distribuição e curadoria. Com Elson Barbosa e Lucas Lippaus como líderes e A&R, é uma das principais referências em música experimental no Brasil, já tendo lançado mais de 170 obras.

Zombilly - Maringá zombilly.blogspot.com.br

noize.com.br

Rio Grande do Sul:

180 Selo Fonográfico - Passo Fundo selo180.com Chupa Manga Records - Porto Alegre chupamanga.tumblr.com Corda Records - Canoas cordarecords.com.br Escápula Records - Pelotas facebook.com/EscapulaRecords Honey Bomb Records - Caxias do Sul www.honeybombrecords.com.br Kowa Records - Viamão kowarecords.bandcamp.com Lezma Records São Leopoldo/Porto Alegre lezmarecords.com.br LoFi In High Records - Capão da Canoa www.lofi-in-high.com Lovely Noise Records - Rio Grande facebook.com/lovelynoiserecords Loop Discos - Porto Alegre loopdiscos.com Mansarda Records - Porto Alegre mansardarecords.wordpress.com Mito Records - Caxias do Sul soundcloud.com/mito-records Mutilation Records - São Paulo facebook.com/Mutilationrecords NAS - Porto Alegre facebook.com/somosnas Plataforma Records - Santa Maria facebook.com/plataformarecords Punch Drunk Discos - Porto Alegre facebook.com/punchdrunkdiscos Retrola Discos - Caxias do Sul facebook.com/retroladiscos The Southern Crown - Gravataí facebook.com/TheSouthernCrown Thrash Unreal Records Santa Cruz do Sul thrashunrealrecs.bandcamp.com Ué Discos - Santiago uediscos.net Umbaduba Records - Porto Alegre umbadubarecords.bandcamp.com Under Rocks Records - Pelotas facebook.com/underrocksrecords Yeah You! - Porto Alegre yeahyourecords.bigcartel.com Santa Catarina: Aquagreen Records - Blumenau facebook.com/aquagreenrecords Black Hole Productions - Joinville blackholeprods.com/pt Estorvo Records - Florianópolis estorvorecs.bandcamp.com Muff Discos - Florianópolis muffdiscos.bandcamp.com Hexagram Media - Joinville facebook.com/hexagrammedia PS: Mesmo que avançada, a pesquisa está longe de definitiva. Se você quiser indicar um selo ou mesmo mostrar seu próprio trabalho, envie um e-mail par leonardobaldessarelli @noize.com.br


Mapa dos Selos no Brasil

Selos

O que mais impressiona em toda a cena dos selos é a diversidade - de nomes, estilos, lógicas de trabalho e também de origem. Com um filtro qualitativo de relevância, identificamos mais de 140 selos ativos e com lançamentos constantes por todo o país - e, para você ter uma noção da distribuição deles, criamos um mapa mostrando a quantidade de selos em cada região. Ao longo da matéria, citamos a lista detalhando por cores diferentes as regiões do país, como se vê no mapa. Quando pensamos em “selos independentes do Brasil” para construir o mapa, buscamos excluir organizações que, mesmo independentes, já possuem uma grande representatividade na fatia do mercado fonográfico brasileiro. Um bom exemplo disso é a Deckdisc, que é uma gravadora independente, porém tem números altos e artistas de projeção nacional em rádio e televisão - querendo ou não, é uma independente com lógica de major. Assim como Joia Moderna, Coqueiro Verde, Biscoito Fino e outros. Além disso, selos independentes com porte de gravadora, seja por apoio privado ou público, também foram excluídos do mapeamento - alguns exemplos desses casos seriam o Selo SESC, o Natura Musical e a yb. Como centro, tivemos a ideia de observar casos semelhantes ao RISCO e aos outros selos citados na matéria: que sejam completamente independentes, que atuam dentro da “cena” e que estejam ativos na produção de música.

Norte 2 selos Nordeste 19 selos Centro-Oeste 8 selos Sudeste 79 selos Sul 33 selos

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“Pode ser tecnologia da tosqueira, da gambiarra, do circuit bending, do improviso. Tecnologia considerada como ampliação de modos de fazer”

A música do futuro

Isabel Nogueira

Arkestra de Sun Ra, formada em meados da década de 1950, voltou a tocar depois de ele ter partido novamente para o espaço (morreu em 1993) e, desde então, tem apresentado a música inventiva de seu criador em clubes de jazz e importantes festivais mundo afora. A sonoridade e o visual de Sun Ra também influenciaram afrofuturistas da música pop como o combo funk psicodélico de George Clinton Parliament-Funkadelic e Afrika Bambaataa, um dos DJs fundadores do hip hop. Quando ganhou destaque em fins da década de 1970 a partir do Bronx, em Nova Iorque, Bambaataa foi imediatamente percebido como um revolucionário que trazia para o âmbito do pop expedientes tipicamente vanguardistas, como apropriação e sobreposição. Visões de futuro A ideia de uma música do futuro aparece sempre que artistas percebem como esgotada, de alguma forma e em algum aspecto, a música do presente. O compositor, instrumentista e professor da UFRGS Luciano Zanatta observa: “Pensar o futuro envolve questionar e desacomodar o que e quem está confortável no presente. Às vezes, o futuro chega sem muito aviso e emperra as narrativas hegemônicas e aí começa uma queda

de braço em termos de determinar o que é um caminho de futuro legítimo ou não”. Luciano entende que, no Brasil, o funk carioca é um caso típico deste processo: “Chega um dia em que a realidade torna a negação impossível”. O funk, primeiro gênero brasileiro de música eletrônica dançante, aposta na experimentação estética, partindo de um uso subversivo da tecnologia e da linguagem musical (seus criadores não possuem educação formal), levantando questões sobre o lugar da fala e da escuta, sobre as relações entre alta cultura e cultura popular, além de trazer para o campo da criação artística – e do debate crítico – muitas das contradições que permeiam nossa sociedade altamente machista, classista e racista. “A música do futuro tem raiz no que consigo perceber de mim e do meu entorno hoje, do meu lugar de fala com os significados conferidos pelo que quero fazer com ele, e trazendo para o meu lugar de escuta”, aponta Isabel Nogueira, compositora, instrumentista e professora da UFRGS: “A música do futuro segue negociando com os campos e espaços de representatividades, ressignificando identidades e sentidos atribuídos”. Isabel lembra que a relação da música com a abertura de possibilidades tecnológicas não necessariamente se refere à alta tecnologia: “Pode ser tecnologia da tosqueira, da gambiarra, do circuit bending, do improviso. Tecnologia considerada como ampliação de modos de fazer.” As pesquisas de Luciano e Isabel os levaram à gravação de um disco conceitual: num futuro distante, os Musikéllogs publicam uma tese de doutorado do tamanho de uma postagem de rede social. Eles acreditam ter compreendido a música do Brasil do início do século XXI: aqui viviam os Betamaxers, habitantes de casas de tupperware que ouviam música eletrônica algorítmica. O trabalho, assinado como Edit Post & Save Draft, foi lançado pelo selo peruano de música eletrônica experimental Chip Musik. Luciano e Isabel explicam: “Construímos certezas a respeito da música do passado baseadas em dados imprecisos e parciais filtrados por um processo que não é neutro, logo as certezas construídas no futuro sobre a música de hoje serão resultados de imprecisões acumuladas, conduzindo a incongruências absurdas”. A ampliação nos modos de fazer música permite a expansão de seu próprio campo. O Novas Frequências, festival que terá a sétima edição no Rio de Janeiro em dezembro de 2017, apresenta o trabalho de artistas que buscam novas linguagens sonoras a partir da ruptura com “fronteiras pré-estabelecidas”,

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ecoando muitas das ideias e práticas das vanguardas precursoras. Em 2016, foram 44 artistas de 13 países. Tathiana Lopes, diretora e produtora do festival, acredita que a música do futuro terá cada vez menos barreiras entre os gêneros musicais e as diferentes linguagens: “Na verdade, ela já é uma realidade, é uma música que permite a experimentação e exploração de novas linguagens sonoras e incorpora referências que misturam todas as formas de arte. Talvez essa música esteja bem próxima do que hoje chamamos de arte sonora, uma música com cada vez menos fronteiras, difícil de descrever e enquadrar num único conceito”. Tathiana cita o austríaco Andreas Trobollowitsch. Especialista em musicologia e teoria do jazz, Trobollowitsch se dedica à criação de composições conceituais, instalações sonoras e instrumentos musicais. Na última edição do Novas Frequências, o artista apresentou a performance sonora Hecker, uma composição executada por três lenhadores com seis machados e 200 tocos de madeira de diferentes tamanhos que são cortados a partir da indicação de uma partitura. “É música, é performance, instalação ou arte sonora?”, pergunta Tathiana. O futuro é hoje “Bicha, trans, preta e periférica.” Mc Linn da Quebrada desafia preconceitos de gênero, raça e classe, sendo hoje uma das vozes mais originais do pop nacional. Usando o funk como base, Linn constrói um discurso político sobre seu próprio corpo e o lugar dele no mundo. Ela lançou em abril o clipe “blasFêmea” (com exclusividade no site da Noize), que descreveu como “um ato profano de ocupação e invasão” que procura discutir os conceitos de masculino e feminino. A arte como

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meio de expressão de um futuro pós-humano que vê o corpo como campo de disputa política. Linn imagina que a música do futuro virá das ruas: “Será múltipla. Coro. Será povo. Fará barulho. Trará movimento”. A música como dispositivo que consegue capturar o espírito do tempo: “A música do futuro será presente e se comunicará direto com seu tempo e seus viventes”. A música e sua relação com o tempo é uma das preocupações do crítico britânico Simon Reynolds, autor do aclamado Retromania, um estudo sobre o fascínio da música pop contemporânea por seu próprio passado. “O futuro é incognoscível – e isso vale para a música do futuro também”, explica o crítico: “As chances são de que será algo completamente diferente do que esperávamos ou prevíamos”. Mesmo assim, Simon arrisca alguma previsão: “A música que ouço agora e que me faz sentir como se estivesse vivendo no futuro é, curiosamente, do artista chamado Future”. O quinto álbum do rapper estadunidense, que leva seu nome, foi lançado em fevereiro e traz como principal produtor o beat-maker Metro Boomin. “Quando ouço faixas do novo álbum de Future como ‘I’m So Groovy’ e ‘Zoom’”, conta o crítico, “penso que esta é uma música verdadeiramente contemporânea, que só poderia ter saído em 2017”. Enquanto dirige seu carro pelas auto-estradas de Los Angeles, cidade onde vive, Simon Reynolds ouve nas rádios especializadas em hip hop o futuro da música. O rap e o R&B “comercial e deformado” com os típicos vocais de auto-tune de Future, Rae Sremmurd, Migos, Young Thug, Jeremih, Travis Scott: “é a música do futuro feita agora”, para Simon.



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A música do futuro No ano passado, o New York Times

Controversa, a lista dizia mais

tentou apontar, a partir da esco-

sobre a crítica musical e seus

lha de uma série de especialistas,

critérios bastante subjetivos do

um possível caminho para a música

que sobre a própria música, obser-

no futuro. “25 Songs That Tell Us

vação que não passou despercebida

Where Music Is Going” foi publica-

pela Vice. Na semana seguinte o

da no site do jornal em março de

site da revista trouxe uma lis-

2016 com uma seleção das canções

ta apontando equívocos na matéria

que por variadas razões influencia-

do Times. Algo como: “Minha lista

riam os músicos do porvir.

será sempre melhor que a sua”.

texto Leo Felipe arte Jaciel Kaule


A música do fututo

Mas de modo geral, a Vice tinha razão. Pensada a partir do mainstream, a lista das 25 canções que apontavam o futuro da música segundo o New York Times virtualmente ignorava a produção de música eletrônica e as emanações mais experimentais vindas do underground global. Uma decisão questionável já que, pelo menos desde o início do século passado, a idéia de música do futuro sempre esteve conectada a questões como tecnologia e experimentação. Outro problema corretamente apontado: o número reduzido de mulheres (apenas quatro artistas dentre 25). A música do futuro será também o espaço de disputa da representatividade e da discussão de gênero, incluindo questionamentos sobre os próprios gêneros musicais e suas linguagens. Futurismo e outros ismos Enaltecendo o mundo moderno, a cidade industrial e a rapidez e eficiência das máquinas – e também seus ruídos – o Futurismo foi lançado em Paris em 1909, em uma Europa que rumava para a Primeira Guerra Mundial. O movimento de vanguarda pretendia varrer o passado, atacando a tradição e propondo uma reorganização radical de toda sociedade a partir de uma estética que abarcava literatura, artes visuais, teatro, arquitetura, moda, e, claro, música (politicamente, o Futurismo se alinhava ao fascismo). Dos teóricos e músicos futuristas o mais célebre foi Luigi Russolo, autor do manifesto A Arte do Ruído. Russolo também desenvolveu uma série de instrumentos geradores de ruídos os quais chamou intonarumori. A partir do fim da Segunda Guerra, o termo “música de vanguarda” passou a ser empregado para denominar as novas tendências da música erudita comprometidas com a ruptura da tradição. Embaixo do guarda-chuva vanguardista

coabitam distintos modos de composição e diferentes abordagens – muitos ismos – que se referem aos vários modos de se conceber música. Entre vanguardistas célebres do século XX estão Arnold Schönberg, Edgar Varèse (esses nascidos no século XIX), Pierre Schaeffer, John Cage, Pierre Boulez, Karlheinz Stockhausen, Philip Glass. Os nomes, selecionados de uma lista do verbete “Música de Vanguarda” no Wikipédia, compõem um clube de homens brancos. Mas a música da diáspora africana também imaginou o futuro. Fundado na improvisação coletiva, o free jazz surgiu em fins dos anos 1950 nos Estados Unidos propondo uma ruptura radical nos modos convencionais do gênero. Os primeiros álbuns de um dos pilares do estilo, o saxofonista e compositor Ornette Coleman, traziam em títulos como Tomorrow is the question! (1959) e The shape of jazz to come (1959) a preocupação com o futuro que não se apresentava apenas em termos musicais: o free jazz se tornaria um dos gêneros musicais associados ao movimento Black Power. Outra figura importante é a do genial compositor Sun Ra, precursor daquilo que viria a ser conhecido como afro-futurismo: cosmologia estético-cultural que conjuga ficção científica, afrocentrismo, magia e tecnologia para propor uma reescrita crítica do passado colonial do povo africano – e de seu futuro descolonizado. Sun Ra foi um experimentalista incansável que dizia ter vindo do espaço sideral e, tal qual um alienígena que caiu na Terra, foi pioneiro no uso de sintetizadores no jazz. Sun Ra também entendeu que a música do futuro deveria circular independente do controle das grandes corporações e lançou grande parte de seu catálogo pelo próprio selo Saturn Records. Em 2010, a

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Bandas que você

não conhece _ texto Leonardo Baldessarelli _foto Aline Belfort

mas

deveria

M a ri a Bera l d o y o u t u b e.c o m / m a ria b er ald o b a stos

– Sabe quem é essa mulher aí da foto? – Olha, saber, mesmo, eu não sei, mas se você está me mostrando aqui é porque ela é uma musicista, não é? – Sim, com certeza, mas ela não é uma artista qualquer, ela é a Maria Beraldo: uma clarinetista reconhecida, que já

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tocou com gente como Arrigo Barnabé, Iara Rennó e Dante Ozzetti, e faz parte de um projeto artístico lindíssimo: o Quartabê, focado em releituras modernas para composições de Moacir Santos. – Nossa, já é um baita currículo. Mas imagino que as razões por que você está me mos-


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trando ela vão além disso. – Com certeza! Na verdade, essas são só as credenciais básicas, porque a relação da Maria com a música vai além disso. Pra você ter uma noção, ela estuda o som desde os 6 anos, cursou Música Popular na Unicamp e vem de uma família de músicos - e dá pra sentir

essas experiências em tudo que ela faz. O principal, porém, é o trabalho solo que ela está mostrando aos poucos - algo que carrega a essência do que ela é. – Peraí - como assim “mostra aos poucos”? E explica melhor o que é essa ‘essência’, por favor. – Calma, uma coisa por vez. Ela

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tá mostrando bem aos poucos mesmo, postando músicas e performances no canal de YouTube enquanto prepara o primeiro disco solo. E a essência dela é, basicamente, tudo o que ela mais ama, né? É só pensar que ela trabalhou com Arrigo, com Iara, e que a vanguarda paulistana e a música mais acadêmica estão em toda formação dela, que você já consegue imaginar. Mas vai bem além disso. Dois bons exemplos são “De Menor Importância” e “amor verdade”, faixas que ela já subiu e que mostram o clima da sua canção - tensa e bela, de ritmo e arranjo quebrados, mas sólida. E tudo carregado com inspirações modernas e experimentais. – Interessante, mas explica melhor essas inspirações ‘modernas’ e ‘experimentais’? – Comece assistindo ao vídeo ao vivo de “De Menor Importância” para ter uma noção do que é o show dela e, óbvio, perceber o que é a música. Tem muito de toda a canção popular brasileira, de Itamar, de Caetano (Caê que, segundo a própria Maria, é sua maior inspiração), mas também tem muito de coisas gringas do alternativo e eletrônico atual, como Dirty Projectors e St. Vincent - além de uma forma mais melódica do que harmônica de compor e performar, mais baseada em hooks e frases musicais do que

em atmosferas e que lembra gente tipo Passo Torto e todo o Clube da Encruza. – Pois é, tô percebendo. E a letra me chamou atenção também. – Sim! Rola um mergulho de toda essa forma sonora no universo queer que é muito massa e eu não lembro de ter visto por aí. E isso é muito autêntico porque representa a vida da Maria. Tem trechos como “Enquanto eu não ouço sua voz eu não sei dizer se é um homem ou uma mulher (...) mas suas pernas tortas eu quero para mim” que são de arrepiar, e as músicas que ela pretende lançar na sequência caem ainda mais num dos temas mais sensíveis pra ela: o lesbianismo. – Pô, incrível mesmo - e ainda tem aquela bailarina no vídeo… Aliás, isso é um estúdio ou é gravado ao vivo? – É ao vivo e é o show dela! Ah, e a bailarina faz parte de todo um pensamento visual ao redor da música e da performance. A Maria também é muito interessada por cinema e já disse que está pensando em acompanhamentos de imagem para todo som que produzir - e, como o caso da bailarina, tudo que for visual terá uma relação forte com a semântica da música, seja sonora ou lírica. Então, dá pra esperar coisas muito lindas, como esse primeiro exemplo já mostra.


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Nomes_ Irmãs Fridman (Lina e Maira)

O Que Fazem_ Formadas em Cinema, atuam como diretoras de cena e arte.

Uma Banda_ Claude Debussy

Quando crianças, no banco de trás do carro do nosso pai, ouvíamos os clássicos do Rock – como Beatles, Yes, Pink Floyd e Zappa – ainda tocados em fitas cassetes. Mesmo não entendendo inglês, saíamos cantarolando todas as músicas com novas letras que criávamos em cima das melodias. A música sempre nos tocou assim, de uma forma natural, ligada à inspiração e à criatividade. Com ela, conseguimos contar histórias e abrir portas para novos universos. 5

_foto Irmãs Fridman

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