Serpentes Peçonhentas e Acidentes Ofídicos no Brasil

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Copyright © 2014 Paulo Sérgio Bernarde Todos os direitos dessa edição reservados à: ANOLIS BOOKS www.anolisbooks.com.br contato@anolisbooks.com.br Capa e editoração: Nexo Design 1a edição

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Index Consultoria em Informação e Serviços Ltda. Curitiba - PR

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Bernarde, Paulo Sérgio Serpentes peçonhentas e acidentes ofídicos no Brasil / Paulo Sérgio Bernarde.— São Paulo : Anolisbooks, 2014. 224 p. : il. ISBN 978-85-65622-04-2 1. Serpentes — Brasil. 2. Cobra venenosa — Brasil. 3. Répteis. 4. Oidismo. I. Título. CDD (20.ed.) 597.960981 CDU (2.ed.) 598.12(81)

IMPRESSO NO BRASIL/PRINTED IN BRAZIL


SERPENTES PEÇONHENTAS E ACIDENTES OFÍDICOS NO BRASIL



AGRADECIMENTOS

Aos pesquisadores que cederam suas fotograias para a elaboração desse livro: Adebal de Andrade Filho, Ana Bárbara Barros, André Luiz Ferreira da Silva, Aníbal Rafael Melgarejo Gimenez, Arthur Abegg, Breno J. L. Almeida, Carlos Jared, Cláudio Buononato, Cláudio Sampaio, Daniel Loebmann, Daniel Velho, Daniella França, Diego Santana, Edelcio Muscat, Emmanuel Nicodemos Oliveira Santana, Fábio Mafei, Fernanda Centeno, Giuseppe Puorto, Gleomar Maschio, Guilherme Teixeira Braga Martins, Henrique Caldeira Costa, Hugo A. Werneck, Ivan Sazima, João Luiz Ucha, Juliana Zuliani, Kátia Regina Pena Schesquini Roriz Schesquini, Laurie J. Vitt, Leandro Oliveira Bandeira, Luiz Carlos Turci, Magno Segalla, Marco Antônio de Freitas, Marco Natera Mumaw (“In memorian”), Marcos Vinicius da Silva, Marcos Di-Bernardo (“In memorian”), Marcus Augusto Buononato, Maria Cristina dos Santos Costa, Mauro Teixeira Junior, Michel de Aguiar Passos, Paulo Hartmann, Pedro Bernardo, Philippe J. R. Kok, Rafael Balestrin, Reginaldo Machado, Renato Gaiga, Renato Bérnils, Ricardo Alexandre Kawashita Ribeiro, Robson Ávila, Rodrigo C. G. de Souza, Rui Seabra Ferreira Junior, Ryan Sawby, Saymon de Albuquerque, Sérgio Augusto Abrahão Morato, Shawn Mallan, hais Figueiredo Santos Silva, Vinícius Xavier da Silva e Willianilson Pessoa. Ao amigo Magno Segalla, que novamente proporcionou a oportunidade dessa obra ser concluída, agradeço o apoio e coniança. A todos os meus familiares e amigos e, em especial minha amada esposa Ageane, que me compreende e sempre está presente tornando minha vida muito mais feliz.



SUMÁRIO

1. Apresentação .............................................................................................................9 2. Biologia e características das serpentes .................................................................13 3. Classiicação e diversidade de serpentes ...............................................................27 4. Reconhecimento das serpentes peçonhentas ........................................................43 5. Chaves para identiicação das serpentes peçonhentas .........................................51 6. Espécies de serpentes peçonhentas do Brasil........................................................73 7. A jararaca (Bothrops jararaca) .............................................................................87 8. A jararacuçu (Bothrops jararacussu) ...................................................................91 9. A urutu-cruzeiro (Bothrops alternatus) ..............................................................95 10. A caiçaca (Bothrops moojeni).............................................................................97 11. A boca-de-sapo (Bothrops mattogrossensis) .....................................................99 12. A jararaca-ilhoa (Bothrops insularis)...............................................................101 13. A malha-de-sapo (Bothrops leucurus) .............................................................105 14. A jararaca-da-Amazônia (Bothrops atrox) ......................................................107 15. A jararaca-verde (Bothops bilineatus) .............................................................111 16. A jararaca-nariguda (Bothrocophias hyoprora) ..............................................115 17. A cascavel (Crotalus durissus)..........................................................................117 18. A surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta) .......................................................121 19. As corais-verdadeiras (Micrurus spp.) .............................................................125 20. Diagnóstico dos envenenamentos e tratamento ...............................................129 21. Acidentes com serpentes opistóglifas e áglifas..................................................141 22. Primeiros socorros e prevenção .........................................................................149 23. Epidemiologia dos acidentes ofídicos................................................................155 24. Serpentes peçonhentas e oidismo na Região Norte .........................................161 25. Serpentes peçonhentas e oidismo na Região Nordeste ...................................171 26. Serpentes peçonhentas e oidismo na Região Centro-Oeste ............................177 27. Serpentes peçonhentas e oidismo na Região Sudeste......................................183 28. Serpentes peçonhentas e oidismo na Região Sul .............................................189 29. Envenenamentos em animais domésticos.........................................................193 30. Lendas sobre as serpentes ..................................................................................201 Referências Bibliográicas .................................................................................... 207 Índice Remissivo ................................................................................................... 221



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APRESENTAÇÃO

Daniel Velho.

Cascavel (Crotalus durissus) – serpente peçonhenta presente em quase todos os estados brasileiros e responsável por aproximadamente 9% dos casos de acidentes ofídicos e de maior letalidade (1,08%).

As cobras (Classe dos Répteis; Subordem Serpentes) são animais que causam fascínio e também medo entre as pessoas, medo este mais pela falta de conhecimento sobre sua importância do que pelo perigo que elas realmente representam. As cobras são animais mais conhecidos pelo fato de algumas espécies serem peçonhentas e poderem causar envenenamento em humanos, do que pelo seu valioso papel na natureza como predadores e presas de vários outros animais, além do potencial farmacológico de seus venenos ainda pouco explorados e que podem trazer inúmeros benefícios para humanidade. Por isso, é fundamental preservar e conhecer melhor esses animais de importância para o homem, assim como aprendermos a respeitá-los.

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No Brasil ocorrem por ano aproximadamente 29 mil acidentes ofídicos, apresentando uma taxa de letalidade de 0,44%. Muitas vezes as vítimas estão distantes do atendimento médico nos hospitais e existe certa diiculdade no reconhecimento da serpente causadora por parte dos proissionais da Saúde; fatores estes que, associados a crendices populares, podem agravar o quadro da vítima e contribuem para essa letalidade. Uma grande diversidade de serpentes ocorre no país, com diferentes nomes populares em cada região, o que pode contribuir para gerar confusões no diagnóstico do gênero causador. Em nosso país ocorrem anualmente menos de 200 casos fatais de envenenamento por serpentes, número bem menor em relação às estatísticas de homicídios, ou seja, existe uma maior probabilidade de sermos mortos por outro ser humano do que por uma cobra. Do veneno da jararaca (Bothrops jararaca) foi produzido o anti-hipertensivo Captopril, todos nós temos um parente ou um conhecido que utiliza esse medicamento. A proteína “Enpak” (“endogenous pain killer”) obtida no veneno da cascavel (Crotalus durissus) demonstrou ter um efeito analgésico 600 vezes mais potente que o da morina. Portanto, as cobras também são responsáveis por salvarem a vida de milhares de pessoas, e existe um potencial enorme nos seus venenos para descoberta de novos remédios, o que denota a importância de se saber mais sobre a vida desses animais que estão presentes tanto nos campos e lorestas como por vezes nas cidades. Vital Brazil Mineiro da Campanha (1865 - 1950) foi o cientista pioneiro no Brasil na produção do soro-antiofídico e descoberta da especiicidade dos soros com os diferentes tipos de veneno. Antes da produção e distribuição dos antivenenos por Vital Brazil em 1901, era estimada uma letalidade de 25% entre as vítimas de acidentes ofídicos no Estado de São Paulo. Já em 1906 houve uma redução de 50% dos óbitos e 40 anos depois a letalidade variava entre 2,6 e 4,6% (atualmente 0,4%). A criação da soroterapia especíica no Brasil ofereceu à Medicina, pela primeira vez, um produto realmente eicaz no tratamento do acidente ofídico que, sem substituto, permanece salvando centenas de vidas até hoje. Esse verdadeiro herói brasileiro foi homenageado na antiga nota de dez mil cruzeiros; em um lado da nota ele aparece na cena clássica da extração do veneno de uma serpente para a produção de soros (Figura 1) e no outro lado a cena de uma cobra muçurana predando uma jararaca (Figura 2). O nome cientíico da jararaca-vermelha (Bothrops brazili) (Figura 3), que ocorre na Amazônia, foi atribuído em sua homenagem pelo pesquisador do Instituto Butantan Alphonse Richard Hoge em 1954, assim como o gênero Vitalius (de uma caranguejeira) pelos pesquisadores Sylvia Lucas, Pedro Ismael da Silva Jr. e Rogério Bertani, também desta Instituição. Vital Brazil também entrou para o Livro Figura 1. Nota de Dez Mil Cruzeiros – Vital Brazil e a extração de veneno dos Heróis da Pátria pelo Prode uma serpente. jeto de Lei n.º 1.604/2003 do

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Figura 3. Jararaca-vermelha (Bothrops brazili).

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Paulo Bernarde

Congresso Nacional, que se encontra no Panteão da Liberdade e da Democracia, no subsolo da Praça dos Três Poderes, em Brasília. Para compreender e lidar melhor com o oidismo, é fundamental conhecer mais sobre: a biologia e classiicação das Figura 2. Nota de Dez Mil Cruzeiros – Cobra muçurana predando uma jararaca. serpentes; a distribuição geográica e os nomes populares das espécies de cobras causadoras de envenenamento; a ecologia, o habitat e o comportamento das espécies; a morfologia e o reconhecimento das serpentes peçonhentas; os tipos de venenos e a sintomatologia nas vítimas; o tratamento dos pacientes; os primeiros socorros e a prevenção de acidentes ofídicos; as lendas, crendices e superstições sobre estes animais. O propósito deste livro é o de apresentar informações sobre as serpentes peçonhentas e os acidentes ofídicos no Brasil, procurando mostrar a diversidade de formas e as características destes animais em relação à história natural e também aos envenenamentos (ação do veneno, sintomas nas vítimas, primeiros socorros e prevenção). O livro é direcionado para estudantes e proissionais de Ciências Biológicas, Ecologia, Medicina, Enfermagem, Saúde Coletiva, Medicina Veterinária, Biomedicina, Farmácia-Bioquímica, Engenharia Florestal, Engenharia Agronômica, Zootecnia e também para aqueles que estão mais expostos no campo aos acidentes ofídicos (Militares, Agricultores, Pecuaristas, Fazendeiros, Ribeirinhos, Pescadores), além daqueles que querem se aprofundar mais sobre esse tema.



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Cobra-cipó (Oxybelis aeneus) predando pequeno lagarto (Gonatodes humeralis) – A maioria das serpentes no Brasil alimenta-se de anfíbios anuros, lagartos e roedores.

BIOLOGIA E CARACTERÍSTICAS DAS SERPENTES

No Brasil ocorrem 385 espécies de serpentes (Bérnils & Costa 2012), das quais 62 são peçonhentas. O termo “peçonhento” se refere a um animal que apresenta veneno e algum tipo de mecanismo que possibilita sua inoculação em outro organismo. Muitas cobras são venenosas, como espécies de Colubridae, mas poucas são peçonhentas (apenas Elapidae e Viperidae). As serpentes peçonhentas apresentam glândulas de veneno desenvolvidas e associadas a um aparelho inoculador (Figura 4), cuja função primária é de subjugar (matar) e digerir suas presas (Melgarejo 2009). O veneno é uma mistura de várias toxinas (enzimas, proteínas e peptídeos) que induzem atividades biológicas em suas vítimas (Santos 1994) e, apesar de sua função primária estar relacionada à captura de alimento, o veneno pode ser usado secundariamente como defesa, causando acidentes em seres humanos e animais domésticos. SERPENTES PEÇONHENTAS E ACIDENTES OFÍDICOS NO BRASIL

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Rafael Balestrin.

Figura 4. Surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta) e seus dentes inoculadores de veneno.

Rafael Balestrin.

Daniel Loebmann.

As cobras (Classe Reptilia: Subordem Serpentes) (Figura 5) caracterizam-se pelo corpo alongado, por não apresentarem patas e pela ausência do osso esterno e as maxilas ligadas fracamente proporcionando uma grande abertura da boca, permitindo que elas possam ingerir presas de grande diâmetro (Bernarde 2012a). São animais muito próximos ilogeneticamente (“aparentados”) aos lagartos (camaleão, teju-açu, lagartixa) e anisbênios (cobras-cegas ou cobras-de-duas-cabeças). O surgimento do veneno em algumas espécies de serpentes para subjugarem (matarem) os animais de que elas se alimentam, também surgiu em alguns lagartos de outras regiões do mundo, como o

Figura 5. Jararaca (Bothrops jararaca) – Principal serpente causadora de acidentes na região sudeste do Brasil.

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Figura 6. Cobra-cega ou cobra-de-duas-cabeças (Amphisbaena alba) – Réptil anisbênio.


Paulo Bernarde

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monstro-do-gila (Heloderma suspectum) da América do Norte e Central (Campbell & Lamar 2004). Na América do Sul não ocorrem espécies de lagartos venenosos, apesar de algumas crenças populares. Alguns animais que apresentam o corpo serpentiforme podem ser confundidos com as serpentes, como as cobras-cegas (Répteis anisbênios e os Anfíbios gimnoionos) (Figuras 6 e 7) e também o lagarto ápodo conhecido popularmente como cobra-de-vidro (Ophiodes sp.) (Figura 8).

Figura 7. Cobra-cega ou cecília (Siphonops paulensis) – Anfíbio gimnoiono.

Figura 8. Cobra-de- vidro ou quebra-quebra (Ophiodes sp.) – Lagarto ápodo.

Paulo Bernarde

Daniella França.

As serpentes apresentam o corpo recoberto por escamas e a camada supericial desse revestimento é trocada durante as mudas (Marques et al. 2001) (Figuras 9 e 10). Quando a serpente está prestes a trocar de pele seus olhos tornam-se opacos (Figura 11). São animais ectotérmicos dependendo de fontes externas (o Sol) para aquecerem o corpo para suas atividades metabólicas, o que fazem por meio da termorregulação (alternando entre áreas ensolaradas e sombreadas ou entre micro-habitats quentes e mais frios). As serpentes são animais vertebrados (apresentam coluna vertebral), apresentando os órgãos internos (fígado, estômago, rins etc.) muito alongados e um crânio com os ossos móveis (Marques et al. 2001).

Figura 9. Caiçaca (Bothrops moojeni) em início de processo de muda de pele.

Figura 10. Muda de pele de Caninana (Spilotes pullatus).

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CLASSIFICAÇÃO E DIVERSIDADE DE SERPENTES

Renato Gaiga

Jararaca-vermelha (Bothrops brazili) – Amazônia. O nome “brazili” é em homenagem a Vital Brazil. Essa serpente pertence à família Viperidae que é caracterizada pela presença da fosseta loreal (órgão termo-orientador) e dentição do tipo solenóglifa.

No mundo são conhecidas atualmente 3.496 espécies de serpentes (Uetz 2014). No Brasil estão registradas 386 espécies (Bérnils & Costa 2012); destas, 62 pertencentes às famílias Elapidae (32 espécies) e Viperidae (30) são consideradas peçonhentas. Em sua maioria (324 espécies), as serpentes conhecidas para o Brasil não são peçonhentas, apenas os viperídeos (jararacas, cascavéis e surucucu-pico-de-jaca) e elapídeos (corais-verdadeiras) apresentam maior potencial para causar envenenamento em seres humanos. Portanto, convém conhecer algumas das principais serpentes não peçonhentas para que elas não sejam mortas indiscriminadamente e também para que não ocorra aplicação de soro antiofídico de forma desnecessária (o que diminuiria o estoque de soro e poderia deixar a pessoa sensível a ele).

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Willianilson Pessoa.

Jararaca-da-seca (Bothrops erythromelas) – Dentição solenóglifa (aparelho inoculador de veneno característico de Viperidae).

RECONHECIMENTO DAS SERPENTES PEÇONHENTAS

Existe uma confusão entre os leigos e em alguns livros no Brasil em relação ao reconhecimento das serpentes peçonhentas, devido ao fato de as informações sobre a distinção destas das não peçonhentas terem sido baseadas na fauna de serpentes da Europa (Bernarde 2012a). A aplicação de certas regras como pupila do olho (vertical = peçonhenta e redonda = não peçonhenta), escamas dorsais (carenadas = peçonhenta e lisas = não peçonhenta), forma da cabeça (triangular = peçonhenta e arredondada = não peçonhenta) e tamanho da cauda (se aila bruscamente = peçonhenta e se é longa não é peçonhenta) não são aplicáveis a oiofauna brasileira devido a inúmeras exceções. Por exemplo, a jiboia apresenta a cabeça triangular e a pupila do olho vertical (Figura 80) e a papa-ovo (Pseustes sulphureus) tem escamas carenadas no dorso do corpo (Figura 81)

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chaveS para identificaçÃo daS SerpenteS peçonhentaS

Renato Gaiga.

Coral-verdadeira (Micrurus hemprichii) – Amazônia. Dentre as corais (Micrurus), as do complexo “hemprichii” se diferenciam por apresentarem a placa anal única ou inteira (indicada na seta).

à

Para elaboração destas chaves foram utilizadas as informações presentes nos seguintes trabalhos: Jorge-da-Silva Jr. & Sites Jr. (1999; 2001), Carvalho (2002), Campbell & Lamar (2004), Passos & Fernandes (2005), Di-Bernardo et al. (2007), Feitosa et al. (2007a; b), Xavier-da-Silva & Rodrigues (2008), Barbo et al. (2012) e Pires et al. (2014). Para simpliicar e facilitar a utilização, foi elaborada uma chave geral para as famílias presentes no Brasil e uma para cada região do país para identiicação das espécies peçonhentas.

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chave para identificaçÃo daS faMíliaS de SerpenteS peçonhentaS (elapidae e viperidae) do BraSil: 1) - Escamas ventrais indistintas das dorsais............................................ .......... Escolecofídios (Anomalepididae, Leptotyphlopidae e Typhlopidae). - Escamas ventrais maiores do que as dorsais (Figura 103)................................................. 2

SC

PA

VE

Figura 103. Escamas ventrais (VE) maiores do que as dorsais que se estendem por toda região ventral; Placa anal inteira (PA); Subcaudais divididas (SC).

2) – A largura das escamas ventrais não se estende por toda região ventral........................... 3 – Largura das escamas ventrais se estende por toda região ventral (Figura 103) .............. 4 3) – Escamas grandes no dorso da cabeça; padrão de colorido com anéis pretos e vermelhos ao longo do corpo; olho situado dentro de uma única escama (Figura 104).... Aniliidae. – Escamas pequenas no dorso da cabeça; sem padrão de anéis coloridos pelo corpo (Figura 105) ............................................................................................................................ Boidae

Figura 104. Aniliidae – escamas grandes no dorso da cabeça e olho situado dentro de uma única escama.

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– Escamas dorsais carenadas no meio do corpo não em forma de protuberâncias cônicas; subcaudais distais não se dividem em mais de duas escamas; menos de 30 ileiras de escamas dorsais no meio do corpo.........................................................12 12) – Maioria das subcaudais inteiras (Figura 115) ............................ Bothrops taeniatus. – Maioria das subcaudais divididas (Figura 103) ......................................................13 13) – Cauda preênsil fortemente, porção distal geralmente curva fortemente para baixo; coloração dorsal verde clara com uma faixa amarela contínua ventrolateralmente.. .................................................................................................... Bothrops bilineatus. – Cauda e coloração não como acima........................................................................14 14) – Faixa pós-ocular geralmente indistinta (Figura 116) ....................Bothrops brazili. – Faixa pós-ocular escura distinta. ............................................................................15 15) – Prelacunar fundida com a segunda supralabial (Lacunolabial presente) (Figura 117) ............................................................................................................................16 – Prelacunar separada das supralabiais (Lacunolabial ausente) (Figura 118) ............24 16) – 155 ou menos escamas ventrais .............................................Bothrops muriciensis. – Mais de 155 escamas ventrais .................................................................................17 17) – Margens das manchas dorsais mais ou menos perpendiculares ao eixo longitudinal da serpente ..........................................................................................Bothrops atrox. – Margens das manchas dorsais mais ou menos diagonais ao eixo longitudinal da serpente.....................................................................................................................18 18) – Área ocupada pelos espaços entre as manchas dorsais cerca de 1,5 – 2 vezes maior do que a das manchas ..............................................................................................19 – Área ocupada pelos espaços entre as manchas dorsais de tamanho igual aos das manchas. ....................................................................................................................21 19) – Internasais externas alongadas separadas entre si por uma ou mais internasais menores. .............................................................................................Bothrops moojeni. – Internasais externas alongadas em contato entre si. .............................................20 20) – Menos de 170 escamas ventrais .....................................................Bothrops pirajai. – Escamas ventrais 170 ou mais ................................................... Bothrops jararaca. 21) – Ventre amarelo-claro ou com pontuações escuras espalhadas; focinho muito arredondado; 8 supralabiais. .........................................................Bothrops jararacussu. – Ventre intensamente pigmentado; focinho agudo; geralmente 7 supralabiais. ...22 22) – Margem pálida das manchas dorsais geralmente com cerca de duas escamas de largura. ..........................................................................................Bothrops leucurus. – Margem pálida das manchas dorsais geralmente com cerca de uma escama de largura ...........................................................................................................................23 23) – Supralabiais geralmente imaculadas ...................................Bothrops marajoensis. – Supralabiais geralmente com pelo menos duas pequenas manchas escuras (uma abaixo do olho e outra sob a fosseta loreal) ou ainda mais pontilhada por várias pintas escuras .....................................................................................Bothrops atrox. 24) – 19 a 21 ileiras de escamas dorsais; escamas ventrais 158 (139 – 158) ou menos ..... ............................................................................................... Bothrops erythromelas. – 21 a 29 ileiras de escamas dorsais; escamas ventrais 152 ou mais (152 - 188). ..25

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André Luiz Ferreira da Silva.

Jararaca-verde (Bothrops bilineatus bilineatus) - Sua ocorrência na Amazônia e na Mata Atlântica é um exemplo de que esses dois biomas eram contínuos no passado.

ESPÉCIES DE SERPENTES PEÇONHENTAS DO BRASIL

Nas tabelas 1 e 2 são listadas as 74 espécies e subespécies de serpentes peçonhentas que ocorrem no Brasil pertencentes às famílias Elapidae (Coral, cobra-coral, coral-verdadeira, coral-venenosa, ibiboboca ou boicorá) e Viperidae (jararaca, jararacuçu, urutucruzeiro, cascavel e surucucu-pico-de-jaca). As informações sobre a distribuição e ocorrência das espécies nas regiões e nos estados do Brasil foram obtidas nas seguintes literaturas: Jorge-da-Silva Jr. & Sites Jr. (1999; 2001), Carvalho (2002), Feio & Caramaschi (2002), Campbell & Lamar (2004), Fernandes et al. (2004), Passos & Fernandes (2005), Jorge-da-Silva Jr. (2007), Di-Bernardo et al. (2007), Feitosa et al. (2007a; b), Xavier-da-Silva & Rodrigues (2008), Loebmann (2009),

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Daniel Loebmann. Mauro Teixeira Junior.

Figura 126. Coral-verdadeira (Micrurus brasiliensis). Ocorrência: TO, BA, MT, GO e MG.

Gleomar Maschio.

Pedro Bernardo

Figura 127. Coral-verdadeira (Micrurus corallinus). Ocorrência: BA, SE, AL, PE, PB, RN, MS, MG, ES, RJ, SP, PR, SC e RS.

Figura 128. Coral-verdadeira (Micrurus decoratus). Ocorrência: SP, MG, RJ, PR, SC e RS.

Figura 129. Coral-verdadeira (Micrurus iliformis).

Figura 130. Coral-verdadeira (Micrurus frontalis). Ocorrência: TO, MT, MS, GO, DF, MG e SP.

Ricardo Alexandre Kawashita Ribeiro.

Fábio Mafei.

Ocorrência: AM, PA e MA.

Figura 131. Coral-verdadeira (Micrurus hemprichii hemprichii). Ocorrência: RR, AP, AM, PA, MA e MT.

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a Jararaca (BOTHROPS JARARACA)

Paulo Hartmann

Jararaca (Bothrops jararaca).

A jararaca (Bothrops jararaca) (Figuras 177 a 178) é uma das serpentes de maior importância na Saúde Pública nas regiões Sul e Sudeste do Brasil (Campbell & Lamar 2004). Apresenta um tamanho médio de 1,20 m, podendo atingir um tamanho máximo de 1,60 m (Campbell & Lamar 2004). Apresenta dentição solenóglifa, com veneno de ação proteolítica, coagulante e hemorrágica (Acidente botrópico). A distribuição geográica da Jararaca (Bothrops jararaca) coincide principalmente com a da Mata Atlântica ocorrendo nas regiões Sul, Sudeste e também na Bahia; é considerada a principal serpente peçonhenta causadora de acidentes ofídicos ao longo de sua ocorrência (Campbell & Lamar 2004; Melgarejo 2009).

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a Jararacuçu (BOTHROPS JARARACUSSU)

Pedro Bernardo

Jararacuçu (Bothrops jararacussu).

A jararacuçu (Bothrops jararacussu) (Figuras 180 a 183) corresponde à segunda maior serpente peçonhenta do Brasil (podendo atingir 2,20 m) (Campbell & Lamar 2004) e com maior capacidade de produção e inoculação de veneno (Melgarejo 2009), ocorrendo desde o sul da Bahia até o noroeste do Rio Grande do Sul. Quando a serpente causadora for reconhecida como sendo B. jararacussu, pode-se utilizar preferencialmente o soro antibotropicocrotalico para uma melhor reversão do quadro de envenenamento (Furtado 1992; Santos et al. 1992). Apresenta dentição solenóglifa, com veneno de ação proteolítica, coagulante e hemorrágica (Acidente botrópico). Seus dentes inoculadores de até 2,5 cm podem, numa extração de veneno, expelir 1.670 mg de veneno lioilizado, equivalentes a 6,7 ml (Melgarejo 2009).

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a urutu-CruzeirO (BOTHROPS ALTERNATUS)

Paulo Bernarde

Urutu-cruzeiro (Bothrops alternatus).

A urutu-cruzeiro (Bothrops alternatus) (Figuras 184 a 186) é uma espécie de serpente peçonhenta muito temida pelas pessoas em especial pelo desenho em forma de cruz no dorso da cabeça. Outra característica dessa serpente são as manchas dorsais ao longo do corpo em forma de ferradura ou de gancho de telefone. Seu tamanho em geral é entre 80 cm e 1,20 m, com recorde de 1,69 cm (Campbell & Lamar 2004). Presente em uma variedade de habitats (áreas abertas, banhados, matas ciliares), desde as áreas de cerrado das regiões Centro-Oeste e Sudeste e também em lorestas semidecíduas e campos da Região Sul do Brasil (Campbell & Lamar 2004). A urutu-cruzeiro é uma importante serpente causadora de acidentes ao longo de sua distribuição geográica (Campbell & Lamar 2004). Apresenta dentição solenóglifa, com veneno de ação proteolítica, coagulante e hemorrágica (Acidente botrópico).

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a CaiçaCa (BOTHROPS MOOJENI)

Ricardo Alexandre Kawashita Ribeiro

Caiçaca (Bothrops moojeni).

A caiçaca (Bothrops moojeni) (Figuras 187 a 190), também conhecida como jararaca, é uma das mais importantes serpentes responsáveis por acidentes ofídicos nas áreas de cerrado por onde ocorre (Campbell & Lamar 2004). Sua distribuição geográica compreende as áreas de cerrado das regiões Centro-Oeste e Sudeste, também estando presente no Nordeste (BA, SE, PE, CE, PI e MA) e no Sul, na porção noroeste do Paraná (Campbell & Lamar 2004; Lira-da-Silva et al. 2009). Atinge aproximadamente até 1,60 m de comprimento (Campbell & Lamar 2004). Apresenta dentição solenóglifa, com veneno de ação proteolítica, coagulante e hemorrágica (Acidente botrópico). Outros nomes populares: jararacão e jararaquinha-do-rabo-branco (juvenil). No Mato Grosso também é chamada de bopeva, mesmo nome popular atribuído para a serpente não-peçonhenta Xenodon merremii.

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a bOCa-de-sapO (BOTHROPS MATTOGROSSENSIS)

Paulo Bernarde

Boca-de-sapo (Bothrops mattogrossensis).

A boca-de-sapo (Bothrops mattogrosensis) (Figuras 191 e 192) no Brasil está presente nas áreas de cerrado do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Tocantins, Goiás, sul de Rondônia (Vilhena e Parque Nacional dos Pacaás Novos) e no Amazonas (campos de Humaitá) (Jorge-da-Silva Jr. 1993; Xavier-da-Silva & Rodrigues 2008). É uma das espécies mais comuns de serpentes no pantanal (Strüssmann & Sazima 1993). A Bothrops mattogrossensis também é conhecida como jararaca, jararaquinha-do-rabo -branco (juvenil) e rabo-de-osso. Seu nome é em alusão ao Estado do Mato Grosso. Seu tamanho em geral é de 70 a 80 cm, com recorde de 1,30 m (Campbell & Lamar 2004). Apresenta dentição solenóglifa, com veneno de ação proteolítica, coagulante e hemorrágica (Acidente botrópico).

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a jararaCa-ilHOa (BOTHROPS INSULARIS)

Edelcio Muscat.

Jararaca-ilhoa (Bothrops insularis).

A jararaca-ilhoa (Bothrops insularis) (Figuras 193 e 194) é uma serpente ameaçada de extinção e endêmica da Ilha da Queimada Grande (43 hectares), distante 33 km de Itanhaém, litoral sul do Estado de São Paulo (Sazima et al. 2008). Mede em geral 70 cm (Campbell & Lamar 2004), com o máximo registrado de 1,09 m (fêmea) e de 91,2 cm (macho) (Guimarães et al. 2010). É estimado que ocorram na área de loresta (30 ha) da ilha em torno de 1.500 a 2.000 serpentes (50 a 70 serpentes por hectare) (Martins et al. 2008; Sazima et al. 2008). Apresenta dentição solenóglifa, com veneno de ação proteolítica, coagulante e hemorrágica (Acidente botrópico).

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a malHa-de-sapO (BOTHROPS LEUCURUS)

Marco Antônio de Freitas

Malha-de-sapo (Bothrops leucurus).

A malha-de-sapo (Bothrops leucurus) (Figura 197) é a espécie de viperídeo mais comum na Mata Atlântica do Nordeste, desde o Ceará até o Espírito Santo e provavelmente trata-se da principal serpente causadora de acidentes ofídicos por onde ocorre (Lirada-Silva et al. 2009). Atinge normalmente 1,20 m de comprimento (Campbell & Lamar 2004), com registros de até 1,50 m (Argôlo 2004). Apresenta dentição solenóglifa, com veneno de ação proteolítica, coagulante e hemorrágica (Acidente botrópico). Outros nomes populares: Jaracuçu, boca-podre, cabeça-de-patrona, quatro-ventas, jararaca-do-rabo-branco (ilhote) e caiçaca (jovens) (Argôlo 2004).

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a jararaCa-da-amazônia (BOTHROPS ATROX)

Paulo Bernarde

Jararaca-da-Amazônia (Bothrops atrox).

A jararaca-da-Amazônia (Bothrops atrox) (Figuras 198 a 201) é a serpente peçonhenta mais abundante e a que mais causa acidentes ofídicos na Amazônia (Campbell & Lamar 2004; Bernarde & Gomes 2012). Em relação ao tamanho em geral os indivíduos machos atingem até 1 m e as fêmeas 1,5 m, com um máximo de 1,72 m registrado (Campbell & Lamar 2004). Apresenta dentição solenóglifa, com veneno de ação proteolítica, coagulante e hemorrágica (Acidente botrópico).

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a jararaCa-verde (BOTHROPS BILINEATUS)

Paulo Bernarde

Jararaca-verde (Bothrops bilineatus smaragdinus).

A jararaca-verde (Bothrops bilineatus) (Figuras 202 a 208) geralmente não costuma ser frequente nas localidades onde ocorre (Campbell & Lamar 2004; Bernarde et al. 2011b); entretanto, em algumas lorestas no Acre essa serpente é abundante (Turci et al. 2009). Geralmente apresenta menos de 70 cm de comprimento, raramente ultrapassando 1 m (Campbell & Lamar 2004). Apresenta dentição solenóglifa, com veneno de ação proteolítica, coagulante e hemorrágica (acidente botrópico). O nome da espécie “bilineatus” vem do Latim em alusão às duas linhas ventrolaterais de coloração amarela que percorre o corpo (Campbell & Lamar 2004), que é uma das características diagnósticas para reconhecê-la entre as demais jararacas. Essa espécie apresenta duas subespécies, a Bothrops bilineatus smaragdinus, que ocorre apenas na Amazônia nos estados do Acre, Amazonas

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a jararaCa-nariguda (BOTHROCOPHIAS HYOPRORA)

Paulo Bernarde

Jararaca-nariguda (Bothrocophias hyoprora).

Essa pequena serpente Viperidae apresenta entre 40 a 50 cm de comprimento, com um tamanho máximo registrado de 80 cm (Campbell & Lamar 2004) (Figura 209 e 210). A Jararaca-nariguda (Bothrocophias hyoprora) é uma espécie pouco frequente e a outra espécie congenérica (B. microphthalmus) é ainda mais rara. Essa espécie se destaca pela presença de uma protuberância na ponta do focinho de onde provém o nome popular de “nariguda”. É conhecida para o noroeste do Acre, Amazonas e Rondônia (Bernarde et al. 2011a) e também na Floresta Nacional do Trairão no Pará (Mendes-Pinto & Souza 2011). Apresenta dentição solenóglifa, com veneno de ação proteolítica, coagulante e hemorrágica (acidente botrópico).

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a CasCavel (CROTALUS DURISSUS)

Ana Bárbara Barros

Cascavel (Crotalus durissus).

A cascavel (Crotalus durissus) (Figura 211) é uma serpente peçonhenta presente em todas as regiões do Brasil e típica de áreas abertas (cerrado, campos, caatinga e em áreas antrópicas) e que na Amazônia ocorre em algumas áreas de cerrado (Jorge-daSilva 1993; França et al. 2006; Bernarde 2012a). Na Amazônia essa espécie está presente em áreas de cerrado nos estados de Rondônia (Vilhena, Chupinguaia, Rolim de Moura, Alta Floresta do Oeste e Guajará-Mirim), Amazonas (Humaitá), Roraima, Amapá e no Pará (Serra do Cachimbo, Santarém e Ilha do Marajó). No estado do Acre a cascavel está ausente (Bernarde 2012b). Com a destruição de lorestas, a cascavel está se tornando uma espécie considerada invasora e colonizando áreas da Mata Atlântica no Rio de Janeiro (Marques et. al. 2001; Bastos et al. 2005) e no litoral (áreas de dunas e restingas)

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a suruCuCu-piCO-de-jaCa (LACHESIS MUTA).

Saymon de Albuquerque.

Surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta).

A surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta) (Figuras 213 a 217) corresponde à maior serpente peçonhenta do Brasil e das Américas (Campbell & Lamar 2004), podendo chegar até 3,5 m de comprimento. As protuberâncias cônicas de suas escamas lembram uma casca de jaca, de onde provém o nome popular “pico-de-jaca”. O nome “muta”, cuja origem é o Latim, signiica “muda”, referindo ao fato de essa espécie parecer com a cascavel, mas sem ter um guizo ou chocalho na ponta da cauda (Campbell & Lamar 2004). Apresenta dentição solenóglifa, com veneno de ação proteolítica, coagulante, hemorrágica e neurotóxica (acidente laquético). É relevante salientar que em 20 anos de experiência pela Amazônia nunca vi uma pessoa chamar essa espécie de serpente de “surucucu”, nome popular que é atribuído a

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as COrais-verdadeiras (MICRURUS spp.)

Paulo Bernarde

Coral-verdadeira (Micrurus lemniscatus).

No Brasil ocorrem 32 espécies de corais-verdadeiras (Capítulos 3 e 6; Figuras 218 a 228) pertencentes à família Elapidae e tendo representantes por todo país. A maioria das corais geralmente não ultrapassa 1 m de comprimento (Campbell & Lamar 2004), com um recorde de Micrurus spixii com 1,6 m (Roze 1996). Apresentam dentição proteróglifa, com veneno de ação neurotóxica (acidente elapídico). Nesse grupo de serpentes peçonhentas a fosseta loreal não está presente. Os elapídeos no Brasil apresentam os nomes populares de coral-verdadeira, cobracoral e coral pelo fato de a maioria das espécies terem sequência de anéis coloridos ao longo do corpo de forma tricolorida (preto, vermelho ou laranja e branco ou amarelo). Entretanto, algumas espécies amazônicas não apresentam esse padrão de anéis coloridos

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20 Paulo Bernarde

DIAGNÓSTICO DOS ENVENENAMENTOS E TRATAMENTO

Soro Antibotrópico.

Acidente ofídico é o envenenamento causado pela picada ou mordida de uma serpente peçonhenta, podendo causar alterações locais e sistêmicas. As serpentes peçonhentas pertencem a duas famílias: Viperidae (causadoras dos acidentes botrópico, laquético e crotálico) e Elapidae (acidente elapídico). São quatro os tipos de acidentes ofídicos causados por essas serpentes: Botrópico (Bothrops e Bothrocophias): São os acidentes causados pelas jararacas, jararacuçu, caiçaca, urutu-cruzeiro, etc (Figura 229).

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ACIDENTES COM SERPENTES OPISTÓGLIFAS E ÁGLIFAS

Paulo Bernarde

Paulo Bernarde

Bicuda ou papagaia (Oxybelis fulgidus) – Serpente opistóglifa.

Mordida de jiboia (Boa constrictor) – serpente áglifa.

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Paulo Bernarde

Grande parte dos acidentes ofídicos ocorre na região abaixo dos joelhos e o uso de botas pelas pessoas nos campos e lorestas é a melhor prevenção.

PRIMEIROS SOCORROS E PREVENÇÃO

Uma pessoa na área rural ou em lorestas está sujeita a ser picada por uma serpente peçonhenta. Os riscos aumentam nas proximidades de ambientes aquáticos e durante o período noturno, o que signiica que os pescadores precisam ter muita atenção quando estiverem em rios, lagos e igapós, especialmente nas margens e barrancos. Juvenis de várias espécies de jararacas alimentam-se de pequenas rãs e pererecas e costumam ocorrer nas margens onde muitas vezes icam empoleirados sobre a vegetação, caçando, à espera suas presas (Figura 257). Muita atenção em campo é a principal medida preventiva, porque uma serpente pode estar em qualquer lugar, desde o chão ou sobre a vegetação, imóvel camulada ou se deslocando (Figuras 258 a 260). Todo passo em uma loresta precisa ser feito com atenção.

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Ficha de notiicação de acidente ofídico do SINAN - O grande número anual dessas ichas não preenchidas devidamente ocasiona a perda de valiosas informações epidemiológicas.

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EPIDEMIOLOGIA DOS ACIDENTES OFÍDICOS

Nos anos 90 do século passado eram registrados cerca de 20.000 acidentes ofídicos anualmente no Brasil, apresentando letalidade de 0,4%. Entretanto, Bochner & Struchiner (2002) discutem a eiciência e a abrangência dos quatro sistemas nacionais de informação sobre oidismo: SINAN (Sistema de Informações de Agravos de Notiicação), SINITOX (Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas), SIH-SUS (Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde) e SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade), enquanto Fiszon & Bochner (2008) abordam casos de subnotiicações no Estado do Rio de Janeiro. Outro problema relacionado com as notiicações deste tipo de agravo à saúde é o grande número anual (cerca de 3.880 casos) de ichas (Figuras 265 e 266) não preenchidas (ignoradas ou em branco), o que ocasiona a perda de valiosas informações epi-

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Marco Antônio de Freitas

O número de óbitos diminuiu de cerca de 250 por ano no início dos anos 80 para cerca de 110 casos atualmente (Cardoso & Wen 2009). Antes da produção e distribuição do soro antiofídico por Vital Brazil, era estimada uma letalidade de 25% entre as vítimas de acidentes ofídicos no Estado de São Paulo (Vital Brazil 1901). Já em 1906 houve uma redução de 50% dos óbitos e 40 anos depois a letalidade variava entre 2,6 e 4,6% (Barroso 1943/44; Wen 2009). A maioria desses acidentes ocorre com trabalhadores rurais do sexo masculino com idade entre 15 e 49 anos e os membros inferiores são os mais atingidos (Bochner & Struchiner 2003; Oliveira et al. 2009). Em relação à sazonalidade, existe uma tendência de ocorrer um maior número de acidentes durante os meses de maior pluviosidade e temperatura (Oliveira et al. 2009), o que vai diferir em cada região de acordo com sua característica climática. As serpentes não têm interesse em picar pessoas e, quando o fazem, é apenas para se defender. No Brasil, nenhuma espécie peçonhenta se dirige intencionalmente a uma pessoa para picá-la; em geral são as pessoas que não percebem a presença da cobra e se aproximam dela inadvertidamente. Por isso, toda atenção é recomendada quando estamos no habitat desses animais. A função básica do veneno das serpentes produzido por glândulas especializadas e injetado por meio de um aparelho inoculador (dente) (Figura 267) é o de matar por envenenamento os animais que elas se alimentam.

Figura 267. Dentição solenóglifa de um viperídeo (Bothrops bilineatus) e o veneno sendo secretado pelos dentes.

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PAULO SÉRGIO BERNARDE


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SERPENTES PEÇONHENTAS E OFIDISMO NA REGIÃO NORTE

Paulo Bernarde

Paulo Bernarde

Floresta amazônica.

Jararaca-da-Amazônia (Bothrops atrox) – principal serpente causadora de acidentes na região norte do Brasil.

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SERPENTES PEÇONHENTAS E OFIDISMO NA REGIÃO NORDESTE

Willianilson Pessoa

Sérgio Morato

Caatinga.

Jararaca-da-seca (Bothrops erythromelas).

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SerpenteS peçonhentaS e ofidiSMo na regiÃo centro-oeSte.

Rafael Balestrin

Renato Gaiga

Cerrado.

Caiçaca (Bothrops moojeni).

SerpenteS peçonhentaS e acidenteS ofídicoS no BraSil

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SERPENTES PEÇONHENTAS E OFIDISMO NA REGIÃO SUDESTE.

Daniel Loebmann

Renato Gaiga

Mata Atlântica.

Jararaca (Bothrops jararaca).

SERPENTES PEÇONHENTAS E ACIDENTES OFÍDICOS NO BRASIL

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SERPENTES PEÇONHENTAS E OFIDISMO NA REGIÃO SUL

Magno Segalla

Magno Segalla

Mata de Araucária.

Cotiara (Bothrops cotiara).

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ENVENENAMENTOS EM ANIMAIS DOMÉSTICOS. Paulo Bernarde

Soro antiofídico para animais domésticos.

As serpentes também podem ocasionar acidentes ofídicos nos animais domésticos (boi, cavalo, ovelha, cão, gato), contudo são relativamente poucos os estudos disponíveis em literatura sobre esse tema (Tokarnia & Peixoto 2006; Bicudo 2009). No meio veterinário, as opiniões sobre a importância dos acidentes ofídicos como causa de mortes no gado bovino são divergentes (Tokarnia & Peixoto 2006), podendo estar muito superestimada. Os casos atribuídos a acidentes ofídicos no gado bovino, em sua maioria, foram apenas suposições sem embasamento, com diagnósticos realizados à distância dos animais que faleceram, à revelia de exame clínico, necropsia e estudo histopatológico (Tokarnia & Peixoto 2006). O homem de campo tende a atribuir às serpentes a responsabilidade pela maioria dos casos de morte súbita do gado bovino (Tokarnia & Peixoto 2006). Muitos casos de botulismo, carbúnculo (hemático e sintomático) e intoxicação por plantas tóxicas no gado bovino podem ter sido diagnosticados como acidente ofídico (Tokarnia & Peixoto 2006). Estudos experimentais de envenenamento revelaram que as serpentes com maior potencial de levar um bovino adulto ao óbito são a cascavel (Crotalus durissus) (Figura 292) e a urutu-cruzeiro (Bothrops alternatus) (Figura 293).

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LENDAS SOBRE AS SERPENTES

Sérgio Morato

Paulo Bernarde

Urutu-cruzeiro (Bothrops alternatus) – Lenda: “Urutu se não mata aleija”. Serpente muito temida especialmente pelo desenho no dorso da cabeça que lembra uma cruz. O envenenamento é revertido pelo soro antibotrópico e a vítima sendo atendida no devido tempo não terá sequelas.

Guizo de cascavel (Crotalus durissus) – Lenda: “Cada anel do guizo da cascavel corresponde a um ano de vida dela”. Cada anel na verdade corresponde a uma troca de pele que a serpente sofreu.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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