A REPRESENTAÇÃO DA “CLASSE C” NA NOVELA AVENIDA BRASIL

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UNIVERSIDADE PAULISTA

NEUBER DE LIMA FISCHER

A REPRESENTAÇÃO DA “CLASSE C” NA NOVELA AVENIDA BRASIL

São Paulo 2013


UNIVERSIDADE PAULISTA

NEUBER DE LIMA FISCHER

A REPRESENTAÇÃO DA “CLASSE C” NA NOVELA AVENIDA BRASIL

Projeto de pesquisa para desenvolvimento de monografia e conclusão do curso de pósgraduação – MBC – Comunicação e Mídias da Universidade Paulista – UNIP.

São Paulo 2013


NEUBER DE LIMA FISCHER

A REPRESENTAÇÃO DA “CLASSE C” NA NOVELA AVENIDA BRASIL

Orientador:________________________________________________ Nome: Instituição: Examinador (a):____________________________________________ Nome: Instituição: Examinador (a)_____________________________________________ Nome: Instituição:

São paulo, ___/___/___


RESUMO As novelas tem como missão refletirem o mais próximo a realidade da vida real. Desde de 1950, quando foi ao ar a primeira novela, elas retratam os anseios de seus telespectadores. Com o aumento da presença da “classe C”, que já representa 52% dos telespectadores da TV aberta, as emissoras perceberam a necessidade de incluir e mais do que isso priorizar essa camada da sociedade em sua programação. Para isso, criaram programas com linguagem e temas mais próximos desse público. Com este artigo temos o intuito de identificar cenas da TV que refletem essa parcela da população. Para isso vamos analisar a novela “Avenida Brasil”, exibida às 21 horas, pela Globo, em 2012.

Palavras-chave: televisão, telenovela, classe C, Avenida Brasil.


ABSTRACT The novels mission is to reflect the closer the reality of real life. Since 1950, when it aired the first novel, they depict the desires of its viewers. With the increased presence of the “class C�, which already represents 52% of the viewers of broadcast television, broadcasters realized the need to include and prioritize more than that this layer of society in its programming. For this, created programs using language and themes closer to that audience. With this article we have in order to identify the TV scenes that reflect this population. To do this we analyze the novel "Brazil Avenue", displayed at 21 hours, on Globo, in 2012.

Keywords: television, soap opera, class C, Avenue Brazil.


SUMÁRIO 1 - INTRODUÇÃO........................................................................................................6 2 - TELENOVELA NO BRASIL.....................................................................................9 3 - A NOVELA AVENIDA BRASIL...............................................................................13 4 - ASCENSÃO DA CLASSE C..................................................................................21 5 - REFLEXO DA CLASSE C NA TV..........................................................................27 6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................33 REFERÊNCIAS..........................................................................................................37


6 1 - INTRODUÇÃO

A televisão demorou um pouco para refletir o mundo da “classe C”, mas bastou descobrirem a força que esse estrato socioeconômico alcançou para mudar de postura. Executivos que atuam na área estão apostando na “classe C”, fatia da população escolhida para análise neste trabalho por apresentar o maior crescimento nos últimos anos no Brasil. E por crescimento entende-se, aumento no poder aquisitivo, proporcionado principalmente pelos resultados do sucesso da economia e aumento na representatividade desta classe, no total da população. O tema da pesquisa procura analisar a presença da “classe C” na televisão. Como essa camada da sociedade tem sido representada na programação das emissoras. Os personagens, programas, cenas, cenários e diálogos que caracterizam a classe social que mais cresce no Brasil. Para isso optamos por analisar a telenovela Avenida Brasil, de autoria de João Emanuel Carneiro, exibida em 2012, às 21 horas, na Globo. O estrato socioeconômico “C” já representa 52% dos telespectadores da TV aberta, as emissoras perceberam a necessidade de incluir e mais do que isso priorizar essa camada da sociedade em sua programação. Para isso, criaram programas com linguagem e temas mais próximos desse público. Estudar essa mudança de postura e as características da população presentes na televisão, o meio de comunicação mais consumido pela população, justifica a relevância de estudos sobre questões relacionadas a essa mídia e a sociedade. Em especial a “classe C” ascendente. A escolha da novela Avenida Brasil como estudo de caso se justifica pelo grande sucesso que foi na televisão brasileira e atualmente no mundo, sendo a telenovela brasileira mais exportada de todos os tempos. Ela já está presente em 106 países, dublada em 14 idiomas, levando aos cinco continentes a caracterização da nova classe média brasileira. As novelas tem como missão refletirem o mais próximo o espelho da vida real. Desde de 1950, quando foi ao ar a primeira novela, elas retratam os anseios de seus telespectadores. Por conta disso vamos verificar se o estrato socioeconômico “C” tem sido representado na telinha? Que características da classe média estão sendo apontadas na televisão, em especial na telenovela Avenida Brasil, objetos de estudo deste trabalho? A


7 metodologia utilizada para a pesquisa e construção da monografia é essencialmente a consulta e revisão bibliográfica de obras especializadas sobre o assunto e artigos jornalísticos. Será realizada também a consulta a profissionais da área, autores, críticos e jornalistas. A análise da telenovela Avenida Brasil em comparativo com dados e informações sobre o perfil da classe média brasileira constitui a principal ferramenta da pesquisa. Pretende-se analisar o produto telenovela em comparação com a sociedade da vida real. A classe popular assim retratada, como uma oposição entre ricos e pobres sempre ocupou as telenovelas da TV Globo. Mas, só agora o subúrbio ocupa o protagonismo da narrativa ficcional televisual. Avenida Brasil teve 80 por cento das suas personagens morando no fictício bairro do Divino; das 40 personagens, apenas 05 eram genuinamente ricas e não apresentavam nenhum passado pobre. Nas palavras do teórico da comunicação Muniz Sodré, em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura, em junho de 2012, “A periferia chegou ao centro”. E como não poderia ser diferente, ocupa o centro das atenções também na narrativa ficcional televisual, afinal, a telenovela é o retrato da nação (LOPES, 2003). E porque a nova “classe C” conquistou esse espaço? Em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, o jornalista Vaguinaldo Marinheiro explica porque os olhares estão voltados para essa classe social brasileira; ele a denomina como “A menina dos olhos” que todos querem tirar “para dançar”, em uma alusão ao mercado consumidor. Interesse justificado pelos dados da Fundação Getúlio Vargas que apontam que de 2003 a 2011, quarenta milhões de pessoas passaram das classes D e E para a classe C e que hoje esta classe é composta, segundo o Centro de Políticas Sociais da própria FGV, por famílias com renda mensal média de R$1.200,00 a R$ 5.147,00. Marinheiro reforça um ponto significativo deste novo fenômeno: a exigência e as aspirações desta nova classe social (COCA, SANTINI, 2012). Podemos observar que, o que se almeja por essa classe emergente, não são somente produtos materiais, mas também visibilidade, ou seja, eles querem se ver representados na mídia. Certo dessa compreensão, o autor da telenovela colocou essa nova “classe C” como uma personagem em “Avenida Brasil”; não consideramos exagero dizer que foi uma das protagonistas ao lado de Nina e Carminha. Isso nos remete ao


8 apontamento de Martín-Barbero sobre o “drama do reconhecimento” trazido pelos melodramas, que ao resgatar a memória popular também indica “modos de presença do povo de massa” (2001, p. 308). Como essa classe popular foi representada na telenovela é a preocupação central desse texto, que irá observar as funções do cenário, personagens e destaques do discurso verbal, queremos entender como esses aspectos foram articulados na produção.


9 2 - TELENOVELA NO BRASIL

Em 18 de setembro de 1950, a primeira emissora de televisão foi inaugurada no Brasil, era a TV Tupi. Criada por Assis Chateaubriand, proprietário dos “Diários Associados”, foi a segunda emissora a funcionar na América Latina. No dia em que o brasileiro sintonizou a TV pela primeira vez, havia estações funcionando na Inglaterra, Estados Unidos, França, União Soviética e México. Ao contrário do que muitos pensam, a Tupi não foi a primeira emissora de TV da América Latina, tendo entrado no ar 18 dias depois da TV mexicana, cuja inauguração oficial está toda documentada. [...] De certa forma, pode-se dizer que o Brasil foi o quinto país do mundo a ter um serviço diário de televisão aberto –isso se desconsiderarmos a Alemanha, pioneira da televisão em 1935, que interrompeu suas transmissões após a Segunda Guerra Mundial e reativou o serviço em 1952, já com o país dividido em Alemanha Ocidental e Alemanha Oriental, e União Soviética, cuja TV já funcionava em 1936, mas saiu do ar durante a guerra, sendo reativada duas vezes por semana em 1945, finalmente passando a operar diariamente em 1951 (XAVIER; SACCHI, 2000, p. 20).

A primeira telenovela exibida no País foi “Sua Vida me Pertence” em 1951, na extinta TV Tupi, mas ela não era diária. Na trama foi exibido o primeiro beijo da televisão brasileira entre os atores Walter Foster, que também era o escritor e diretor, e Vida Alves. Ninguém fotografou o beijo. [...] Também não havia videoteipe e não foi filmado. As fotos alusivas ao fato registram momentos antes e momentos depois. Mesmo assim o beijo passou a ser um fato histórico. Passou para os anais. Marcou a história da televisão (ALVES, 2008, p. 115-117).

A primeira telenovela diária da televisão brasileira foi “2-5499 Ocupado” exibida na extinta TV Excelsior. O texto original era argentino e foi adaptado por Dulce Santucci. Tarcísio Meira e Glória Menezes eram os protagonistas. Quando estreou em julho de 1963, a novela era transmitida somente três vezes na semana, as segundas, quartas e sextas. Após dois meses de sua estreia, a emissora passou


10 a exibi-la diariamente. Ismael Fernandes (1997) divide a história da telenovela brasileira em períodos. O primeiro deles é considerado o de “implementação e consolidação”. Dramalhões adaptados do rádio dominavam o cenário da teledramaturgia da época. Vale destacar nesse primeiro período, a telenovela “O Direito de Nascer”, exibida pela TV Tupi em 1964. O segundo período, de acordo com Fernandes (1997, p. 63), é marcado por um grande número de produções: “[...] a segunda metade dos anos 1960 assistiu ao maior torvelinho de emoções que a nossa televisão tem para contar. Tupi, Excelsior, Record e Globo entraram no páreo pra valer.” A cubana Glória Magadan foi a autora que mais se destacou com tramas que não se passavam e nem refletiam a realidade do País. Período de ruptura de paradigmas, a década de 1960 foi retratada em toda sua efervescência pela televisão brasileira, principalmente nos grandes festivais de música mobilizavam o público a cada ano. E é nesse cenário que se pode verificar o terceiro período da teledramaturgia brasileira, com a estreia das novelas “Antônio Maria”, de Geraldo Vietri e Walter Negrão, e “Beto Rockfeller”, de Bráulio Pedroso, ambas exibidas na TV Tupi em 1968. Os telespectadores começaram a ser identificados nas tramas cada vez mais. A TV Globo seguiu o mesmo caminho e lançou em 1969 a novela “Véu de Noiva”, escrita por Janete Clair. A novela acabou por eliminar os dramalhões de Magadan e inaugurou o quarto período, o de “liderança global”, assim chamado por Fernandes (1997). Tinha começado a chamada “era industrial da telenovela”, apoiada em planejamentos de produção e na revolução de sinopses, diálogos, direção, interpretação, edição, abertura, trilha sonora, tudo. A velha improvisação já estava devidamente aposentada, enquanto eram sepultados condes, duques, sheiks e que tais (ALENCAR, 2004, p. 26).

A TV Globo se consolidou como líder de audiência e crítica no gênero. “Na década de 1970, a Globo define de maneira fixa seus horários e os temas de cada um deles, além de padronizar a duração das novelas e dos capítulos” (ALENCAR, 2004, p. 28). O horário das 18 horas ficou marcado por adaptações de obras da literatura brasileira e o das 19 horas se caracterizou por histórias mais leves e


11 descontraídas. “O horário das 20 horas abordava termas rurais e urbanos, além de discussões sobre acontecimentos do dia a dia. E o horário das 22 horas, já não tão vigiado pela censura, exibia tramas adultas” (ALENCAR, 2004, p. 31). Destacaram-se autores como Dias Gomes, que escreveu a primeira novela gravada em cores, “O Bem-Amado”, de 1973, e Janete Clair com “Irmãos Coragem” de 1970 e“Pecado Capital”, de 1976. Ainda na década de 1970, Gilberto Braga escreveu em 1976 as novelas “Escrava Isaura”, adaptada do romance homônimo de Bernardo Guimarães e que foi vendida para mais de 80 países, e “Dancin’ Days”, de 1978. Na década de 1980, o cenário de liderança global permanece e, entre outros sucessos, vale destaque para “Roque Santeiro”, de 1985, que foi escrita originalmente para ser exibida em 1975 e foi vetada pela censura. Assim como “Roque Santeiro”, outros títulos da década também tinham como pano de fundo a política, como é o caso de “Vale Tudo”, escrita por Gilberto Braga em 1988; “O Salvador da Pátria”, de Lauro César Muniz e exibida em 1989 e do mesmo ano “ Que Rei Sou Eu?” de Cassiano Gabus Mendes. Em 1990, a TV Manchete ameaçou a hegemonia global: colocou no ar a novela “Pantanal”, de Benedito Ruy Barbosa. Outra novela de sucesso fora da TV Globo veio do México: a história infantil “Carrossel”, exibida no SBT, pela primeira vez, em 1991 ameaçou a liderança em audiência do “Jornal Nacional”. A TV Globo inaugurou em 1995 um complexo de estúdios, batizado de PROJAC, em uma área de 1 milhão e 300 mil m². “O PROJAC foi concebido para introduzir na televisão o processo empresarial da indústria cinematográfica, concentrando em um único local o maior número de etapas de uma produção” (DICIONÁRIO..., 2003, p. 237). Nos anos 1990, Benedito Ruy Barbosa escreveu as tramas “Renascer”, de 1993, “O Rei do Gado”, de 1996 e “Terra Nostra”, em 1999. A TV Globo também produziu muitos remakes nessa década, como “Mulheres de Areia” (1993) e “A Viagem” (1994) dos originais de Ivani Ribeiro na TV Tupi de 1973 e 1975, respectivamente. Na virada de século, a novela “Laços de Família”, de Manoel Carlos, se caracterizou com um modelo de merchandising social. Com o drama da personagem Camila, interpretada por Carolina Dieckmann, sofrendo com leucemia na novela, houve uma mobilização de doadores de medula óssea. “O Instituto Nacional do


12 Câncer, que registrava dez novos cadastramentos por mês, passou a receber 149 nas semanas que se seguiram ao término da novela.” (DICIONÁRIO..., 2003, p. 278). Nos anos 2000, um dos maiores sucessos de teledramaturgia foi a novela de Glória Perez “O Clone”, exibida em 2001. Mais recentemente, o autor João Emanuel Carneiro emplacou as novelas “Da Cor do Pecado”, de 2004 e “A Favorita”, de 2008. A TV Record entrou no filão dominado há anos pela TV Globo e colocou no ar uma adaptação de “Escrava Isaura”, feita por Tiago Santiago em 2004. No ano seguinte, o mesmo autor escreveu “Prova de Amor”, a primeira telenovela gravada no RecNov, um complexo de estúdios no Rio de Janeiro, comparada ao PROJAC. Em 2011, em comemoração aos 60 anos da telenovela no Brasil, a TV Globo inaugurou um novo horário de novelas: o das 23 horas com “O Astro”, adaptação de Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro da novela de Janete Clair exibida na mesma emissora em 1977. Em 2012, outro remake entrou no ar. Desta vez é “Gabriela”, baseada no romance “Gabriela Cravo e Canela” de Jorge Amado e escrita por Walcyr Carrasco. E, em 2013, no mesmo horário o remake da fantasiosa “Saramandaia”, adaptada por Ricardo Linhares do original de 1976 de Dias Gomes. Em 2012, a TV Globo lançou um a novela que se transformaria em um fenômeno mundial. “Avenida Brasil”, objeto do estudo deste artigo, de autoria de João Emanuel Carneiro, retrata muito bem a questão da ascensão da classe C por meio de seus personagens, representações de uma classe que deixou de ser coadjuvante e passou a ser protagonista. “Avenida Brasil” é hoje a telenovela brasileira mais exportada para o mundo, ela já é exibida em 106 países e dublada em 14 idiomas, entre elas espanhol, inglês, russo, grego, polonês e francês. Os números, impressionantes por si só, tornam-se ainda mais vistosos quando se leva em conta que “Avenida Brasil” está disponível para o mercado internacional há apenas seis meses. A vingança de Nina está sendo assistida em países como Rússia, Croácia, Grécia, Portugal, e em várias nações de América Latina e África.


13 3 - A NOVELA “AVENIDA BRASIL”

“Avenida Brasil” foi uma nova novela das 21 horas ou novela das 9 como é conhecida popularmente. A estreia aconteceu em 26 de março de 2012 em substituição a novela “Fina Estampa”. Avenida Brasil foi escrita por João Emanuel Carneiro e dirigida por Ricardo Waddington. Na história, Carminha, personagem de Adriana Esteves, aparentemente humilde, se casa com Genésio, papel de Tony Ramos, pai da garotinha Rita. No decorrer do casamento Carminha mostra sua verdadeira face e se apresenta como uma pessoa maldosa e ambiciosa, aplicando um golpe em Genésio com a ajuda de seu companheiro Max, vivido por Marcello Novaes. Genésio acaba sendo morto, atropelado na Avenida Brasil por Jorge Tufão, um craque de futebol, interpretado por Murillo Benício. A maldade de Carminha se estende para a pequena Rita, nessa fase vivida por Mel Maia. Para ficar com a herança deixada por Genésio ela entrega a pobre garotinha nas mãos de Nilo, vivido por José de Abreu, um explorador de crianças. Apesar de toda intolerância, Rita acaba recebendo o carinho e os cuidados de Lucinda, personagem de Vera Holtz. Enquanto vive no lixão, Rita acaba se tornando muito amiga de Jorginho, nessa fase vivido por Bernardo Simões, mas acabam se separando quando Tufão descobre o talento do garoto para o futebol. Jorginho passa a viver com a família de Tufão e aos cuidados de sua mãe Muricy, personagem de Eliane Giradini, apesar do marido Leleco, vivido por Marcos Caruso, ser contra a adoção. Na segunda fase da novela “Avenida Brasil”, Rita, agora já adulta, interpretada por Débora Falabella, tornou-se uma profissional Chefe de Cozinha formada na Argentina. Quando retorna para o Brasil ela assume a identidade de Nina. Nina começa seu plano de vingança, ela consegue emprego na casa de Jorge Tufão que está casado com ninguém menos que Carminha e assim ficar próxima daquela que acabou com sua vida. Carminha juntamente com Max armou para conseguir se casar com Tufão e alcançar a alta sociedade, mas ainda assim manter todo seu baixo nível de maldade e ambição, traindo o marido com homens mais jovens e mantendo um caso com Max.


14 Na mansão de Tufão, Nina se aproxima de Jorginho, agora vivido por Cauã Reymond, para conseguir executar seu plano de vingança, sem saber que se trata do seu grande amigo de infância. Para piorar um pouco o destino, Carminha é louca por Jorginho que é noivo de Débora, personagem de Nathália Dill, e vai se apaixonar por Nina. Amor e ódio andam de mãos dadas! Nina também se apaixona por Jorginho, que nunca a esqueceu desde a época do lixão quando ainda eram crianças e essa paixão deixará Nina dividida entre a vingança e o amor. Ficha técnica: Formato - Telenovela Gênero - Drama / Vingança Duração - 70 minutos Criador - João Emanuel Carneiro País de origem - Brasil Idioma original - Português brasileiro Diretores - Ricardo Waddington, Amora Mautner e José Luiz Villamarim Produtor - Central Globo de Produção Emissora de televisão original - Rede Globo Formato de exibição - 480i (SDTV) / 1080i (HDTV) Transmissão original - 26 de março de 2012 a 19 de outubro de 2012 Nº de episódios - 179 Elenco e respectivos personagens: Débora Falabella - Nina García Hernández / Rita Fonseca de Souza Adriana Esteves - Carminha (Carmen Lucia Moreira de Souza Araújo) Murilo Benício - Tufão (Jorge Araújo) Cauã Reymond - Jorginho (Jorge Moreira de Araújo Filho) / Cristiano Oliveira / Batata Marcello Novaes - Max (Maxwell Pereira Oliveira)


15 Eliane Giardini - Muricy Araújo Marcos Caruso - Leleco Araújo José de Abreu - Nilo Oliveira Vera Holtz - Mãe Lucinda Ísis Valverde - Suelen Juca de Oliveira - Santiago Heloísa Perissé - Monalisa Barbosa Nathalia Dill - Débora Magalhães Queirós Leticia Isnard - Ivana Araújo Oliveira Alexandre Borges - Cadinho (Carlos Eduardo de Souza Queirós) Débora Bloch - Vêronica Magalhães Queirós Camila Morgado - Noêmia Buarque Queirós Carolina Ferraz - Aléxia Bragança Queirós Juliano Cazarré - Adauto Cacau Protásio - Zezé Bruno Gissoni - Iran Barbosa Fabíula Nascimento - Olenka Cabral Thiago Martins - Leandro Débora Nascimento - Tessália das Graças Mendonça José Loreto - Darkson Silas Daniel Rocha - Roni "Roniquito" Ailton Graça - Paulo Silas Cláudia Missura - Janaína Otávio Augusto - Diógenes Paula Burlamaqui - Dolores Neiva (Soninha Catatau) Betty Faria - Pilar Albuquerque Bianca Comparato - Betânia de Almeida Luana Martau - Beverly Emiliano D'Ávila - Lúcio Carol Abras - Begonia García Hernández Ronny Kriwat - Tomás Buarque Cláudia Assunção - Neide


16 João Henrique Gago - Valdo Felipe Abib - Jimmy Bastos André Luiz Miranda - Valentim Murilo Elbas - Branco Patrícia de Jesus - Jéssica Ana Karolina Lannes - Ágatha Moreira Araújo Bruna Griphao - Paloma Bragança João Fernandes - Picolé Jean Pierre Noher - Martin García Hernández Márcio Tadeu - Padre Solano Vilma Melo - Conceição Marcella Valente - Renata Tony Ramos - Genésio Fonseca Souza Mel Maia - Rita Fonseca de Souza (Criança) Bernardo Simões - Batata / Jorginho (Jorge Araújo Filho) (Criança) Repercussão: A novela notavelmente foi um sucesso de crítica e de público; durante a trama, vários personagens se sobressaíram. Foram os casos da piriguete Suélen, vivida por Ísis Valverde; das empregadas Zezé, personagem de Cacau Protásio e Janaína, papel de Cláudia Missura; do divertido Adauto, vivido por Juliano Cazarré; do casal Leleco e Muricy, formado pelos veteranos Marcos Caruso e Eliane Giardini; do dançarino Darkson papel de José Loreto; da cabeleireira Beverly, vivida por Luana Martau; do pai do lixão Nilo, vivido por José de Abreu; além da própria vilã da novela, Carminha, interpretada por Adriana Esteves. A novela virou assunto preferido nas redes sociais na internet, principalmente, quando da reviravolta na trama, na qual Nina/Rita começou a humilhar Carminha na mansão da família de Tufão (seu marido), na cena em que Carminha enterra viva Nina/Rita ou naquela em que a família de Tufão desmascara Carminha após saber de sua traição com Max, papel de Marcelo Novaes. Dentre os profissionais da própria TV Globo, vários se manifestaram por meio


17 das redes sociais sobre a novela, como o jornalista, editor e apresentador do Jornal Nacional, William Bonner, se disse "viciado" na trama de João Emanuel, além do apresentador Luciano Huck, que foi outro que se disse "grande fã da novela", chegando, inclusive, a visitar os estúdios de gravação da trama. Outro destaque da telenovela, também ficou por conta da atriz inciante Mel Maia, que viveu Rita/Nina na infância, a atriz-mirim contou que Adriana Esteves a ajudou durante as cenas, afirmando que "tinha medo de contracenar com ela. Era uma bruxa má" em referência a personagem da atriz, Carminha, que foi sua madrasta. Segundo a imprensa, o último capítulo de “Avenida Brasil”, praticamente parou o país. Ainda segundo a mesma imprensa, o desfecho da trama fez com que ruas de grandes metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Salvador, Recife, Belo Horizonte, Manaus e Belém ficassem desertas. Tanto o Jornal Nacional, como o Globo Repórter, em seus roteiros, tiveram pautas exclusivas sobre a novela. Pela mesma imprensa, foi noticiada a possibilidade de haver um apagão em grande parte do pais, em vista da audiência do capítulo final. Segundo os jornais, haveria risco da ocorrência de um fenômeno conhecido como "rampa de carga", que ocorreria logo após a exibição da novela, pela sobrecarga de energia dos aparelhos doméstico utilizados, pelo hábito, após a exibição, uma vez que as pessoas retomam suas atividades rotineiras: abrem a geladeira, vão tomar banho, acendem a luz, ..., a sobrecarga deixaria o país no escuro, fato que não ocorreu. Outra questão, que também foi notícia internacional, foi o fato da presidente Dilma Rousseff mudar sua agenda de compromissos, reagendando um evento por conta do último capítulo. Segundo a crítica televisa, as personagens Carminha e Flora (esta última de “A Favorita”, do mesmo autor de "Avenida Brasil") seriam as maiores vilãs da história da teledramaturgia brasileira, ganhando da personagem Odete Roitman da novela “Vale Tudo”, interpretada pela atriz Beatriz Segall, alegando que o jeito "povão" de Carminha a fez se "familiarizar" com o público. De acordo com a revista estadunidense Forbes, a novela teria faturado cerca de R$ 2 bilhões, sendo o maior faturamento já alcançado por uma produção televisiva da América Latina. Ainda segundo a publicação norte-americana, a telenovela foi um grande sucesso pelo fato de a TV Globo ter apresentado a "Classe


18 média" como protagonista da trama, tendo assim conquistado 46 milhões de telespectadores brasileiros. “Avenida Brasil” é sucesso absoluto em Portugal. Chegando à reta final no país, a trama repetiu o sucesso no Brasil e foi uma verdadeira febre em terras europeias. Não faltam elogios para a trama, tanto por parte do público quanto da crítica. José Marmeleira, do jornal português “Público”, afirmou que a novela de João Emanuel Carneiro é a melhor série de ficção exibida neste ano pela televisão do país. “Avenida Brasil” tornou-se a telenovela mais exportada da Rede Globo, superando Da Cor do Pecado (do mesmo autor), que era a líder de vendas para outros países até então. Em julho de 2013, já foi licenciada para 106 países e dublada em 14 línguas. A trama recebeu 108 indicações e ganhou 36 prêmios, entre eles o “Extra”, “Quem”, “APCA”, “Trofeu Imprensa” e “Contigo”. João Emanuel Carneiro, Adriana Esteves, Murilo Benício, Mel Maia e Ísis Valverde foram os mais premiados. Além de um grande sucesso de audiência e crítica, “Avenida Brasil” tornou-se um fenômeno popular no Brasil. A telenovela consagrou personagens únicos e, por meio das redes sociais, gerou diversos memes. Foi considerada por alguns críticos como um retrato da nova “classe C” brasileira, uma mudança nas tramas da emissora, conhecida por retratar em seus programas a elite econômica, o que teria motivado tamanho sucesso, notadamente superior às suas anteriores, e adesão do público. A telenovela foi contemporânea a Cheias de Charme, que também seguiu a mesma linha em relação à representação da “classe C” como núcleo principal. Levantamento feito por Veja indicou que 79% dos personagens da trama representam a “classe C” brasileira e que esse padrão não foi seguido por nenhuma outra novela das nove da emissora durante toda a década de 2000. O que acontece agora é que, por um conjunto de variáveis econômicas, as classes populares vêm incrementando sua participação na sociedade e sofrendo mudanças de hábito e de comportamento. Como é natural que queiram ver esse movimento refletido na televisão. (CGC, 2012)


19 Além de personagens caricatos, a representação da classe média e do subúrbio carioca passou pela construção de diversos cenários de “Avenida Brasil”, como na mansão da família de Tufão, em que é evidente o estilo "novo rico", com exageros na decoração e obras de artes caras, e no bairro fictício do Divino, com bares movimentados, camelôs e postes carregados por propagandas de jogo de búzios e outras superstições populares. A telenovela teve participação histórica nas redes sociais, sobretudo no microblog Twitter, em que a hashtag '#OiOiOi' (em referência à música de abertura) alcançou quase todos os capítulos os trending topics1 mundiais. No total, “Avenida Brasil” ocupou 7 dos 10 trendings topics Brasil no microblog em seu final de capítulo. Foram criados diversos memes durante o desenrolar da trama, entre eles o 'congelamento', em que um personagem tinha sua imagem paralisada no final de cada capítulo sob fundo musical de suspense e que definia uma cena de suspense a ser concluída no capítulo seguinte. A personagem Carminha teve como bordão a frase em que culpava a empregada Nina (Rita) por vários problemas. A frase foi usada como meme em diversas situações nas redes sociais. Audiência: “Avenida Brasil” estreou em 26 de março de 2012 com audiência de 37 pontos e 61% de share2, batendo esse recorde em 21 de maio, dia em que atingiu 42 pontos de audiência e 65% de share. Tal audiência foi repetida algumas vezes antes de o número ser novamente alcançado em 19 de junho, quando a telenovela registrou 43 pontos e 37% de share. Durante a exibição do centésimo capítulo de “Avenida Brasil”, em 19 de julho, quando a personagem Carminha descobre quem Nina é, houve expectativa de quebra do recorde anterior, porém, a trama teve média de 40 pontos, com alguns picos de 48, e 68% de share na cidade de São Paulo. Em 24 de julho, a trama marcou 45 pontos com 40% de share, desempenho repetido no dia seguinte, mas com 72% de share. Porém, no dia 30 de julho a trama voltou a bater recorde e registrou 46 pontos de média com 51 de pico. O mesmo índice de 46 pontos voltou a ser atingido em 4 de outubro, quando a telenovela chegou a 47 1 Índice de contagem do número de citações no Twitter 2 Participação no total de televisores ligados no momento de exibição.


20 pontos de pico com 42% de share. Em 6 de outubro, a telenovela atingiu sua melhor audiência em um sábado, atingindo 42 pontos de média, 45 de pico, com 53% de share em um dia onde as audiências costumam ser baixas. Em 8 de outubro, “Avenida Brasil” fez 49 pontos de audiência e 54% de share. Encaminhando-se para o fim, a trama continuou tendo excelentes audiências. No dia 19 de outubro, encerramento da trama, a telenovela bateu seu próprio recorde, como esperado pela maioria dos críticos. “Avenida Brasil” fez 52 pontos de audiência e 80% de share, um número muito elevado, fazendo da telenovela o programa que atingiu a maior audiência em 2012 no Brasil.


21 4 - ASCENSÃO DA “CLASSE C”

“A classe mais importante em qualquer comunidade é a classe média, os homens de vida módica, que vivem à base de milhares de dólares por ano ou perto disso”, escreveu Walt Whitman na metade do século XIX. Whitman era jornalista e também poeta, e por esse ofício entrou para a história. Naquele ano de 1858, em que percebeu a relevância da classe média, o jornalista Whitman deu um furo. Percebia que o destino do país estava atrelado definitivamente àquela grande parcela da população com renda alta o bastante para se educar, criticar, influenciar e recusar trocar seu voto por benesses populistas. Ao mesmo tempo, essa parcela da população, bem diferente dos ricos,, dependia do próprio trabalho e não podia ignorar crises e trapalhadas econômicas de governos incompetentes. Whitman entendeu o conceito, mas não chegou nem perto de definir, precisamente, que habitantes dos Estados Unidos formavam a classe média. Não foi culpa dele. Essa conceituação continua, até hoje, a confundir. E, quando é usada por governos, serve para dourar a realidade. Por não haver uma definição indiscutível desse grupo, governantes tendem a adotar ou a criar as que melhor se adaptem a sua conveniência. Classificar vastos contingentes da população como de “classe média”, em vez de “pobres”, faz qualquer governo parecer mais eficaz. A prática leva a contradições evidentes. No Brasil, tratar toda a “classe C” como classe média significa afirmar também que são de classe média 65% dos moradores de favelas no país. Na China e na índia, o inegável enriquecimento, por vezes, nubla os fatos: a população é, majoritariamente, pobre. Há várias formas objetivas de identificar a classe média, e elas contam diferentes histórias sobre a real melhora do Brasil e do mundo. Uma dessas formas é descobrir onde estão as famílias com poder considerável para comprar bens e serviços, sob o ponto de vista de vendedores de qualquer lugar do planeta. O critério pode parecer injustamente rigoroso com nações muito pequenas ou pobres. Não é o caso do Brasil, um país extremamente desigual, mas com renda per capita de média para alta e com preços e salários elevados, diante da média mundial. Com esse enfoque, a consultoria Ernst & Young (EY) chegou a uma definição própria, a partir de estudos iniciados em 2010 pela


22 Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Num relatório recente, a EY denomina como pertencentes à “classe média global” os indivíduos com rendimento diário entre US$ 10 e US$ 100, uma renda mensal equivalente, agora, à faixa entre R$ 660 e R$ 6.600. O governo brasileiro considera de classe média os cidadãos com renda entre R$ 291 e R$ 1.019. Pelo critério do governo, a classe média é maioria no Brasil: 53% dos habitantes. Pelo critério da EY, a classe média encolhe para 41%, e os pobres são a maior parte da população. Embora possa parecer renda de rico para os milhões de brasileiros pobres, a faixa proposta pela EY ainda inclui famílias com ganhos módicos. É um grupo próspero o bastante para consumir eletrodomésticos, carros, lazer, educação e serviços de saúde, de forma semelhante em qualquer lugar do mundo, esteja na América Latina, na África ou na América do Norte. O critério da EY é tão atacável quanto qualquer outro. Tem a seu favor o objetivo de aplicação prática: presente em 140 países, a EY tem de orientar seus clientes, interessados unicamente em vender. No mundo, ainda mais que no Brasil, o critério rigoroso faria um estrago terrível nos discursos de governantes. Se o adotarmos, em vez do critério mais frouxo do Banco Mundial, a fatia da população classificada como classe média cai, globalmente, de 48% para 30% da humanidade. Na China, a queda é de 62% para 11%. Para o Banco Mundial, pertence à classe média quem tem rendimento diário entre US$ 2 e US$ 13 (o equivalente a uma renda mensal entre R$ 132 e R$ 858). No Brasil, a definição foi dada em 2012 pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), ligada à Presidência da República. Esse encolhimento estatístico em nada minimiza o impressionante movimento de ascensão social ocorrido nas últimas décadas, no Brasil e no mundo. Por aqui, as classes D (dos indiscutivelmente pobres) e E (dos miseráveis) diminuíram, à medida que as famílias enriqueceram. A “classe C” ganhou 35 milhões de integrantes numa década e concentra, hoje, a maioria dos empreendedores e consumidores. Esse grupo passou a ver possibilidades reais de melhorar de vida. Obrigou empresas e governos a trabalhar com escalas maiores de produção e infraestrutura. “Para os países que passam por transformações assim, o impacto é brutal. Aumenta o consumo de produtos industrializados, a exigência por serviços, como educação e transporte”, diz André Ferreira, sócio líder de mercados Estratégicos da EY. Mesmo


23 pelo critério exigente dos consultores, o movimento de ascensão nos países emergentes continua perceptível. Hoje, 60% da classe média global vive na Europa e na América do Norte. Em 2030, esses 60% deverão estar na Ásia. Mesmo se nos ativermos apenas aos critérios econômicos, é possível construir conceitos mais sólidos que uma faixa de renda. Em 2011, os economistas Luis Lopez-Calva e Eduardo Ortiz-Juarez, do Banco Mundial, mostraram quão frágil era a classe média de México, Chile e Peru, três países emergentes que também exibem resultados de enriquecimento impressionante na última década. Eles dividiram a classe média oficial entre domicílios vulneráveis e não vulneráveis a cair na pobreza. Nos três países, tanto nas cidades como no campo, os domicílios vulneráveis superavam os não vulneráveis. No Brasil, o governo leva em consideração apenas a renda corrente, de que o indivíduo dispõe no mês. “Ao considerar apenas a renda corrente, o governo deixa o critério extremamente pobre”, afirma o professor José Mazzon, da Faculdade de Economia e Administração da USP. “A mudança de comportamento no consumo ocorreu, em parte, por causa da expansão do crédito. A população se endividou.” Em 2012, as dívidas comprometeram, em média, 42% da renda das famílias brasileiras. Na “classe C”, essa fatia chegou a 47%. A própria SAE reconhece as limitações do critério exclusivamente por renda, que chama de “unidimensional”. No relatório de 2012, em que conceituou a classe média brasileira, o governo explicita sua opção pela simplicidade. Tal simplicidade tem seu valor, além de rechear facilmente os discursos com números impressionantes. Ela permite que o governo defina políticas públicas mais fáceis de compreender. Com a simplicidade, porém, vem o perigo de acomodação e percepção distorcida da realidade. Um país de classe média certamente tem menos de que reclamar e menos a exigir. Não sem motivo, o Partido Trabalhista britânico e o Partido Democrata americano debatem o uso indiscriminado, por seus filiados, da expressão “classe média” para designar a maior parte da população, de que se apresentam como defensores. As alas mais à esquerda dessas agremiações temem perder a identidade com os mais pobres. No Reino Unido, os trabalhistas mais à esquerda preferem usar “classe trabalhadora”, quando se referem a todos que dependem de salário. No Brasil, o sociólogo Jessé de Souza, da Universidade


24 Federal de Juiz de Fora, chama a classe C de “batalhadora”, em vez de classe média. Na origem, “média” é um conceito puramente matemático. Todos os estudiosos do tema, porém, reconhecem que a expressão “classe média” ganhou contornos mais sofisticados, que podem incluir visão de mundo, educação e aspirações. A sociedade ganharia na qualidade do debate público se considerasse os fatores que permitem ao cidadão manter seu padrão de vida, mesmo em momentos mais difíceis. Um desses fatores é o grau de instrução – com mais anos de educação, aumentam as chances de o indivíduo buscar outro emprego ou abrir um negócio próprio. Tal segurança econômica deveria ser um traço característico e desejável em qualquer grupo denominado classe média. Podemos dizer que a classe média iniciou sua escalada em 1994 com o governo Fernando Henrique Cardoso e a criação da moeda Real. A estabilização da economia mudou um cenário comum nos anos 1980 e 1990, quando o país atravessou um período em que a inflação fazia parte do dia a dia do brasileiro. Preços mudavam às vezes no mesmo dia em supermercados e era necessário que essa situação tivesse fim. Com a estabilidade econômica, o Brasil também passou a atrair investimentos estrangeiros, o que trouxe a modernização do parque industrial e a entrada de produtos estrangeiros a preços competitivos no país. Outros fatores que contribuíram para a ascensão dessa classe foram o investimento dos governos de FHC até 2002, Lula e Dilma de 2002 até os dias atuais em programas sociais e de estímulo ao emprego no País. Com isso a população passou a ter poder maior renda e crédito além do alto nível de emprego. Juros menores e a possibilidade de maior parcelamento no momento da compra, possibilitou ao brasileiro consumir mais produtos que não eram considerados básicos. De mera coadjuvante, hoje a classe média é protagonista. E muitas empresas que criavam produtos para as classes A e B, hoje apostam na nova classe emergente como público-alvo. Segundo dados do “Observador Brasil 2012”, estudo anual da empresa especializada em crédito, financiamento e investimento Cetelem GNB realizada em parceria com o instituto de pesquisa Ipsos-Public Affairs, de 2010 para 2011 2,7 milhões de brasileiros saíram da miséria para classe média, que hoje representa


25 54% dos consumidores do país. Em 2005, estrato socioeconômico “C” era composto de 62.702.248 brasileiros. No ano passado, esse número havia subido para 103.054.685. A classificação de “classe média” segue o sistema proposto pelo Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB), que tem como objetivo dividir a população não em classes sociais e sim em classes econômicas, ao avaliar o seu poder de compra. A pesquisa ainda apontou um dado importante: o aumento da renda média disponível da classe média, de 50% em 2011, comparado a 2010, segundo o “Observador Brasil 2012”. Essa elevação no poder aquisitivo vem acompanhada de maior exigência. Marcelo Néri, economista-chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), confirmou esse dado na reportagem “Reflexo da vida real” (BRITTO, 2012): A nova classe média brasileira tem uma renda familiar de R$1.800 a R$7.400: Das 105 milhões de pessoas que compõem esse grupo hoje, 40 milhões foram incorporados a partir de 2003. Foi um crescimento enorme. É uma classe média nova, não é igual à tradicional. São pessoas otimistas e consumidores valorizados, pois sua renda cresce em pleno momento de estagnação no mundo inteiro.

Outra pesquisa do Ibope revelou que o consumidor da classe média não tem um comportamento uniforme e sim perfis diferentes, que podem ser classificados em três tipos. Um dos perfis que o estudo identificou é o consumista. Como o próprio nome sugere, ele compra muito e por impulso, frequentemente mais do que a renda permite. É aventureiro, extrovertido, vaidoso e sonhador. Acostumou-se a viver com dívidas e não se preocupa com isso. “Muita gente o classificaria como o emergente deslumbrado com as benesses que o dinheiro pode trazer” (HERZOG, 2009, p.58). O segundo perfil identificado pela pesquisa é o planejador. Trata-se do extremo oposto do consumista: um consumidor mais cauteloso, que gasta seus rendimentos com parcimônia e mostra-se cético quanto à propaganda. Por se preocupar com o futuro, ele investe em sua educação e na de seus filhos. Não gosta de dívidas e, em alguns meses, consegue até guardar um dinheirinho (HERZOG,


26 2009, p.59). Há ainda um terceiro perfil, batizado pelo Ibope de retraído, um sujeito que muda seu comportamento segundo a situação e, por isso mesmo, é mais difícil de ser compreendido.


27 5 - REFLEXO DA “CLASSE C” NA TV

Com o aumento do poder aquisitivo, essa nova “classe C” brasileira tem atraído também as emissoras de televisão. Segundo a pesquisa “Classe C urbana do Brasil: Somos iguais, somos diferentes” realizada pelo Ibope Mídia em 2010, a TV é a maior fonte de entretenimento dessa parcela da população. Além disso, de toda a audiência dos canais abertos em 2011, 52% era de telespectadores da “classe C”. As emissoras não perderam tempo e já acompanham essa tendência. Em março deste ano o diretor-geral da Rede Globo, Octavio Florisbal, ressaltou que a classe média era tema de seus estudos. “São mudanças importantes, que precisamos acompanhar na nossa dramaturgia, com nosso humor, na prestação de serviço com o jornalismo. As próximas novelas terão realmente uma abordagem mais popular”, explicou o diretor-geral (BRITTO, 2012). Prova disso são as novelas exibidas nos últimos tempo. Especialmente “Avenida Brasil” que possui como fio condutor a vingança de Rita, interpretada pela atriz Débora Falabella, contra sua madrasta Carminha, papel de Adriana Esteves. Alguns críticos apontam a novela como um plágio da séria americana “Revenge”. Mas a grande diferença está na classe social retratada, enquanto “Revenge” mostra a vida da elite norte-americana, “Avenida Brasil” se passa na rotina da “classe C” brasileira. Na época da exibição do folhetim de João Emanuel Carneiro, muitos acusaram a novela de plagiar a série, que começou a ser exibida seis meses antes, em setembro de 2011. A premissa das duas tramas é mesmo parecida: em “Avenida Brasil”, Nina quer se vingar de Carminha, que trapaceou seu pai. Em “Revenge”, Amanda Clarke, vivida por Emily VanCamp planeja uma revanche contra Victoria, papel de Madeleine Stowe, que traiu seu pai. O motivo para tanto rancor é que Carminha casou com seu pai, deixou-a na miséria e a ainda a abandonou criança em um lixão. Adotada por um médico, Rita vai morar na Argentina e torna-se chefe de cozinha - aqui temos uma característica da “classe C”, jovens brasileiros desse nível econômico nunca fizeram tantos intercâmbios como atualmente. Após a morte do pai adotivo, ela retorna ao Brasil com o nome de Nina e aproxima-se de Carminha para realizar sua vingança,


28 tornando-se cozinheira da família. Além disso, Carminha traía seu pai com Max. Atormentado com a descoberta da traição, o pai de Rita morre no primeiro capítulo, sendo atropelado pelo jogador de futebol Tufão na Avenida Brasil, que dá nome à história. Depois o craque do Flamengo é seduzido pela vilã, com quem se casa e adota Jorginho, que vivia em um lixão e que na verdade é filho de Carminha com Max – aqui também outras características da “classe C”, jogadores de futebol alçam novo status na sociedade ao longo da carreira e com o maior poder aquisitivo também adotam mais crianças. Inspirado no Aterro Sanitário e em Gramacho, o lixão apesar das más condições traz esperança para a vida de crianças de rua, que são abrigadas pela generosa Lucinda. No local nasce uma linda história de amor, das crianças Batata e Rita, que depois se reencontrarão na vida adulta com novos nomes: Jorginho e Nina – aqui crianças pobres crescem e tem novas oportunidades na vida, passando a ser da “classe C”. O estilo de vida do subúrbio e os personagens carismáticos que nele vivem são um marco da ascensão da “classe C” brasileira que chegou à televisão. Além de altas doses de drama, brigas, vingança e reviravoltas, especialistas dizem que muito do sucesso da novela de João Emanuel Carneiro se deveu ao fato de retratar a “classe C” brasileira e refletir mudanças na sociedade, afastando-se dos personagens e bairros ricos que geralmente estão no centro das tramas. "A novela reflete uma classe C que quer se ver. É diferente do novo rico do passado, que queria parecer quem não era e tinha vergonha de falar de onde vinha", diz Renato Meirelles, sócio diretor do instituto de pesquisa Data Popular, especializado na nova classe média. "Agora não. O Tufão tem orgulho de falar de sua história e de sua origem. Ele ficou rico, mas não saiu de seu bairro", exemplifica Renato Meirelles. A trama centrada no subúrbio destoa de uma tradição na teledramaturgia de protagonistas ricos e donos de um padrão de vida "inalcançável". Para Meirelles, a novidade de “Avenida Brasil” é trabalhar com o que chama de "aspiracional possível". "É o aspiracional que está ao alcance das mãos. O espectador vê a novela e pensa, 'se eu trabalhar um pouco, eu consigo ter um bar como o do Silas, ou um


29 salão como o da Monalisa. O Tufão enriqueceu, mas olha, ficou no bairro dele'." No Rio que se vê na tela, mal há espaço para os bairros da zona sul, as praias, o Leblon, tão explorados em novelas anteriores. O espírito é dos bairros da zona norte carioca, dos arredores da Avenida Brasil, que corta bairros do subúrbio e leva até o centro da cidade. O sentimento de orgulho do subúrbio se reflete na história de Monalisa, que resolve ir tentar a vida em Ipanema mas se sente um peixe fora d'água em meio a vizinhos que não se conhecem e homens que não têm "pegada". Logo volta para o Divino. "A imagem do morador que sonha em sair do subúrbio é muito cristalizada. Nossa ideia foi fugir disso e criar um subúrbio gostoso e alegre, onde exista prosperidade", disse o diretor de núcleo Ricardo Waddington, coordenador da novela, em entrevista à Folha de S. Paulo. Os hábitos da classe média foram pesquisados para compor os personagens, do jeito de falar e se vestir aos valores e aspirações. "Você tem situações muito típicas da “classe C”. Todo mundo fala ao mesmo tempo, há muitas cenas em que as pessoas estão comendo e há o bar que é o ponto de encontro da comunidade, o bar do Silas", aponta Meirelles. Para ele, a novela é parte de um movimento da Rede Globo de entender e se aproximar mais da classe média, segmento da sociedade que agora abrange mais da metade da população brasileira e que mais cresceu na última década, absorvendo 35 milhões de pessoas que saíram das classes D e E. "Hoje a classe C não é só a maioria da audiência mas também a maioria do mercado consumidor, que é para quem os anunciantes querem vender", diz Meirelles. "Então também é uma busca do público alvo do mercado anunciante." De acordo com o Data Popular, a nova classe média tem hoje metade dos cartões de crédito brasileiros e movimentou, no ano passado, R$ 1 trilhão. Não à toa, a novela virou um fenômeno de marketing. Anunciantes bolaram propagandas aludindo à trama - como o supermercado que fez propaganda de um pen-drive sugerindo à Nina que guardasse suas fotos; e houve merchandising entremeado nos capítulos. No penúltimo, por exemplo, a grávida Suelen erguia um pacote de fraldas mostrando a marca que queria receber em seu chá de bebê.


30 Mas personagens como Suelen, Tufão, Carminha e Leleco deixaram saudades de muitos brasileiros, como se vê por manifestações nas redes sociais. O fim de “Avenida Brasil” foi lamentado por fãs que ficaram órfãos da novela. O subúrbio que em anos atrás era retratado como decadente, hoje é visto como o futuro ascendente ambiente de prosperidade. Na novela o bairro do Divino retrata essa nova realidade. É nele que fica o palacete de Tufão, quando ele “aposenta as chuteiras” e vira homem de negócios, dono de uma fábrica de jeans e de motéis. O bairro fictício também possui o salão de beleza da batalhadora Monalisa, ex-noiva de Tufão, a Loja de Diógenes e a sede do Divino Futebol Clube, onde jogam Jorginho e Iran. No clube também são realizados bailes, nos quais a periguete Suelen leva os homens à loucura com sua sensualidade. “Avenida Brasil” mostra também a vida de uma empregada, a cozinheira Nina, interpretada por Débora Falabella, que também almeja melhorar de vida. No bairro do Divino, há também representações típicas da “classe C”, como Monalisa, que trabalhava como cabeleireira e com seu esforço conseguiu adquirir seu próprio negócio, como tantos pequenos e médios empreendedores desse segmento da sociedade. Outro personagem representado é o ex-jogador de futebol Tufão, interpretado por Murilo Benício, que vence com sua garra, mas não deixa de lado suas origens, continuando a residir no subúrbio, ao invés de buscar morar em um bairro mais sofisticado. Quando se aposenta, ele vira empresário, investindo em outros segmentos. Qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. As empregadas domésticas no Brasil deixaram, ainda que na marra, de serem vistas como profissionais de menor nível e qualificação. Com a PEC das domésticas, legislação específica que garante as trabalhadoras domésticas os mesmos direitos garantidos aos demais trabalhadores, essa profissionais deixaram de ser relegadas à própria sorte e tem hoje sua valorização reconhecida. Os cabeleireiros, profissão das que mais cresce e gera renda no Brasil, deixou de ser um simples bico para se tornar empresa. Com a criação do MEI – Micro empreendedor individual, milhares de profissionais de beleza formalizaram seus salões de beleza, ampliaram a clientela e consequentemente aumentaram a renda. E o que falar do futebol, não é de hoje que a profissão de jogador lança ao estrelato e alça ao posto de rico centenas de


31 meninos e jovens do Brasil, a grande maioria dos jogadores tiveram uma infância pobre no subúrbio e depois de ter a carreira consolidada, muitas vezes investe parte de seus recursos na melhoria do bairro onde viveu quando criança e onde ainda vivem seus parentes e amigos. O universo do futebol e da sua paixão aparece também na figura de Diógenes, que ama o Divino Futebol Clube, que não vence há décadas, mas continua apostando em seus novos talentos, como Jorginho e Iran. Mostra também como esses jogadores atraem mulheres que querem melhorar de vida, conhecidas como “marias-chuteiras”3, como é o caso da personagem de Ísis Valverde, que interpreta Suelen. A jovem utiliza roupas curtas e sensuais, como muitas meninas que frequentam os bailes. Verdadeiro sucesso nos subúrbios cariocas, eles são mostra de que mesmo ascendendo na vida, pessoas da classe média preferem se manter fiéis às suas origens e gostos musicais e valorizam a família e as amizades antigas. Considerado um verdadeiro perigo à beleza da “Cidade Maravilhosa” devido ao seu crescimento descontrolado, hoje o subúrbio carioca começa a ser visto com mais simpatia devido à sua representação presente na novela. Segundo Mauro Alencar, especialista em telenovela da Universidade de São Paulo (USP), o subúrbio “[...] tornou-se mais um personagem na história”. Para Heloísa Perissé, a imagem do subúrbio está mudando porque a novela mostra que ele é “solar, alegre, tem um tom para cima e um quê de humor mesmo nos momentos mais difíceis. Acredito que é por isso que encanta o público, que se reconhece naquele mundo” (KNOPLECH e PIMENTA, 2012). A novela faz sucesso porque o público se reconhece nas novelas e personagens citados. De acordo com Maria Immacolata Lopes, coordenadora do Centro de Estudos de Telenovelas da Universidade de São Paulo, uma das principais características da telenovela brasileira é que ela tem se tornado uma narrativa do cotidiano (BRITTO, 2012). Por isso ela diz que essa tendência de retratar a “classe C” não é algo imposto aos autores, mas um movimento natural de retratar como a sociedade é hoje, com suas mudanças estruturais. No início da televisão no País, as telenovelas não refletiam a realidade dos brasileiros, depois com a terceira fase da teledramaturgia, o público passou a se 3 Mulheres que fazem de tudo para conquistar e se relacionar com jogadores de futebol


32 reconhecer cada vez mais. Mas, mesmo com história mais próximas à realidade, personagens pobres não protagonizavam as tramas, participavam em papéis secundários, assim como as locações principais em que se passavam as tramas não eram subúrbios e sim bairros e casas luxuosos.. Na história das telenovelas conseguimos encontrar casos isolados em que domésticas protagonizam a trama, como na adaptação de Thalma de Oliveira e Teixeira Filho para “O Direito de Nascer”, da TV Tupi, em 1964. Ou “Simplesmente Maria”, também da Tupi, escrita por Benjamin Cattan em 1970. Mais recentemente em 2009, a TV Globo apresentou “Cama de Gato” de Duca Rachid e Thelma Guedes, em que a faxineira Rose, interpretada por Camila Pitanga, era a protagonista e “Cheias de Charme” que tinha como protagonistas três diaristas que se tornaram cantoras de sucesso.


33 6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Acho que vou comprar umas cervejinhas na padaria para a gente assistir ao jogo”. Foi mais ou menos essa a frase dita por Carminha numa cena crucial do primeiro capítulo de "Avenida Brasil". A mensagem foi clara: a emissora quis a adesão dos 54% da população brasileira, a indomável e fiel "classe C". A produção caprichou na ênfase, afinal não há mais tempo nem tanto dinheiro assim para gastar com o telespectador errado: o enredo se apropriou de um bairro de periferia carioca com seus carros velhos, seus salões de beleza chinfrins, seus ídolos de grandeza controvertida. A ideia foi embaralhar, muito mais que em "Fina Estampa", conceitos, valores, méritos e pertencimentos. Nem todo rico é tão feliz ou inteligente assim por ter dinheiro, nem todo pobre é bonzinho, divertido ou merecedor de uma maior relevância social. As regras estavam na mesa, a audiência entrou no jogo. Um único capítulo da novela valeu por um mês inteiro da novela antecessora. Do ponto de vista de diálogos, mise-en-scène, construção de personagens e atuação. Foi um avanço e tanto para quem chega do trabalho e liga a TV para se envolver em histórias contadas assim, por meses a fio. Não é de hoje que João Emanuel Carneiro revelou-se um craque nesse ofício, dificílimo, diga-se. Ele é particularmente mestre na brincadeira do esconde-revela, da inversão de expectativas e quebra de paradigmas sobre caráteres. Para ele, nem todo mocinho é ingênuo, nem todo vilão é raso. Apesar disso, ele manteve alguns esqueletos: a protagonista que se vinga e os meios justificam os fins. Também vimos um casal de pilantras aprontando. Mas para além do hipnótico enredo que a novela das nove teve – os dados de audiência e a repercussão da trama não nos enganam – Avenida Brasil ensinou muito aos profissionais do mercado, sejam eles das agências de propaganda, dos veículos ou dos departamentos de marketing das companhias. Avenida Brasil é o mais surpreendente sinal de que tanto a novela não morreu – como alguns profetas chegaram a afirmar há algum tempo – quanto tem muito a dizer sobre nossas relações sociais, humanas e mercadológicas. Os personagens, protagonistas ou periféricos, refletiu uma mudança profunda


34 na teia social brasileira, tanto na forma quanto no conteúdo como se manifestam no enredo. A linguagem ágil, a fotografia cinematográfica – que lamentavelmente foi se perdendo à medida que avançaram os capítulos, hoje com menos tempo disponível para sua produção –, e um texto elegante e engraçado cativaram os olhos e ouvidos dos telespectadores. Mas, enfim, em que Avenida Brasil difere das suas semelhantes? Com base nas análises e reflexões acima, podemos concluir que classes menos favorecidas no passado estão ganhando cada vez mais importância econômica e social e consequentemente mais espaço na teledramaturgia. A presença se verifica não só em papéis secundários ou em programas humorísticos, mas em telenovelas com tramas complexas e até mesmo como protagonistas. Nos últimos anos as telenovelas apresentadas pela maior emissora de televisão do Brasil, a TV Globo, têm personagens da classe média como personagens de destaque e até protagonistas. Um fato importante se considerarmos a trajetória das telenovelas e o momento econômico do País. Eugênio Bucci (2004, p. 222) diz que “a TV conseguiu produzir a unidade imaginária onde só havia disparidades materiais. Sem tal unidade, o Brasil não se reconheceria Brasil. Ou, pelo menos, não se reconheceria como o Brasil que tem sido.” A realidade imaginada da população está interagindo com a produção ficcional atual. Luhmann (2005, p. 96) aponta que: [...] no entretenimento, especialmente quando a história é contada de forma ficcional, nem tudo pode ser ficcional. O leitor/espectador precisa ser colocado na situação de constituir muito rapidamente uma memória adaptada à narrativa, talhada especialmente para ela, e isso ele só poderá fazer se detalhes que lhe são familiares forem fornecidos juntos e suficientemente, nas imagens ou textos.

Até que ponto a classe emergente se sente representada na telenovela “Avenida Brasil”? O que observamos com a análise da narrativa é que, de fato a telenovela metabolizou o real. Os signos ali colocados, como fatias do real espelharam o momento histórico, com a verossimilhança necessária para dialogar com o público telespectador. Os estereótipos estavam ali presentes, como as acaloradas refeições na casa


35 do Tufão e o figurino e os objetos de cena, facilmente reconhecível em um passeio mais atento pelas ruas reais do subúrbio carioca. Ao mesmo tempo em que a intriga central inovou ao explorar personagens ambíguas, que não são totalmente boas ou más, colocando o telespectador em conflito, característica da secundidade, segundo Peirce. Essa condição, esse modo de percepção só foi possível, porque a novela fugiu dos padrões clássicos caricaturais que estamos acostumados a acompanhar nas telenovelas, ficando o ônus de retratar a narrativa mais previsível, de mais fácil entendimento (primeiridade) e absorção. O principal produto de ficção televisual é a telenovela, vista como uma “narrativa sobre a nação” (LOPES, 2003, p. 26). Como toda a programação televisual, a telenovela também vem se reconfigurando diante da convergência das mídias, sobretudo a potencialização das redes sociais e do novo cenário de consumidores. E embora muitos críticos especulem que a TV vem perdendo sua hegemonia, ela é ainda o mais importante meio de comunicação de massa e está presente na casa de 96% dos brasileiros. Só esse dado já justifica a importância de pensarmos como a telenovela contemporânea está se remodelando e de que maneira ela ainda influencia comportamentos e novas práticas no consumo. Para que haja uma identificação do público com as tramas, as telenovelas se vêem pressionadas a ter personagens que façam parte de uma classe econômica que está em ascensão e com poder de compra. Por isso que Jesús Martín-Barbero, em sua obra clássica na área de comunicação, Dos meios às mediações (2009), propõe que a mídia abandone seu mediacentrismo e “ao invés de partir das lógicas de produção e recepção para depois buscar suas relações de imbricações e enfrentamento, parta das mediações, ou seja, dos lugares dos quais provêm as construções que delimitam e configuram a materialidade social e a expressividade da televisão”. E ao procurar essa mediação, as construções que se operam na realidade brasileira e o crescimento expressivo da classe média, como consumidora e, portanto, importante para a audiência das emissoras, a televisão brasileira busca esse reconhecimento, “essa familiaridade que a televisão proporciona ao telespectador, pois seus personagens são próximos do público, os rostos da


36 televisão serão próximos, amigáveis, nem fascinantes nem vulgares” (MARTÍNBARBERO, 2009, p. 297). Trata-se de um discurso que familiariza tudo, torna próximo, organizando as imagens, permitindo maior transparência em termos de simplicidade e clareza narrativa, na qual reconhecer significa interpelar, saber mais sobre cada pessoa: E não só os sujeitos individuais, mas também os coletivos, os sociais, inclusive os sujeitos políticos. Todos se fazem e se refazem na trama simbólica das interpelações, dos reconhecimentos. Todo sujeito está sujeito a outro e é ao mesmo tempo sujeito par a alguém [...] Não estará aí a secreta conexão entre o melodrama e a história desse subcontinente? Em todo caso, o desconhecimento do “contrato social” no melodrama fala, em alto e bom som, do peso que têm, para aqueles que nele se reconhecem, essa outra sociabilidade primordial do parentesco, as solidariedades locais e a amizade. Seria então sem sentido indagarmos até que ponto o sucesso do melodrama nesses países testemunha sobre o fracasso dessas instituições políticas que se desenvolveram desconhecendo o peso dessa outra sociabilidade, incapazes de assumir sua densidade cultural? (MARTÍNBARBERO, 2009, p. 306). no melodrama, Martín-Barbero (2009) diz que se apresenta com toda a força o drama do reconhecimento, do filho que não sabe quem é seu pai, da doméstica que luta contra as injustiças e busca vencer na vida. Mostram dessa forma uma luta de uma classe que ascendeu e busca se fazer reconhecer. E como provam as novelas atuais, está sendo reconhecida.


37 REFERÊNCIAS

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