DO EXTERNO AO INTERNO

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Edson Soares Martins

DO EXTERNO AO INTERNO: reflexões descontínuas sobre a literatura romântica no Brasil

Crato 2013


Conteúdo Apresentação ................................................................................................................................ 4 Aula 1 - Nos arredores conceituais do Romantismo ..................................................................... 5 Aula 2 – O que é a identidade nacional no berço de nosso romantismo? ................................. 12 Aula 3 – A contribuição de Antonio Candido .............................................................................. 19


Apresentação TEXTO AINDA EM ELABORAÇÃO.


Aula 1 - Nos arredores conceituais do Romantismo 1 Ao falarmos de Romantismo, optaremos entre dois caminhos (pelo menos):

a) Reconhecer-lhe a unidade de projeto, o que permite falar indistintamente do Romantismo, sem admitir que haja uma peculiaridade alemã, italiana, francesa, portuguesa, inglesa, brasileira etc. b) Admitir que, sob as linhas gerais que caracterizam o modo da sensibilidade romântica, atuam componentes nacionais (ou locais), temporais e, principalmente, históricos, que estão na base do desenvolvimento multifacetado do romantismo. Para efeito de orientação de nossos estudos, consideraremos a segunda opção (o que não significa negar os momentos de verdade da primeira opção, defendida por estudiosos consagrados como WELLECK).

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Buscaremos, para melhor compreender posteriormente a variedade na unidade, as fontes mais imediatas do Romantismo europeu (ignoradas, em primeiro momento, as diferenças nacionais) no século XVIII. Consideraremos o panorama artístico (em termos de movimentos literários e


artísticos), o plano material-concreto do desenvolvimento histórico-social diferenciado e a dinâmica tensa da constituição do cânone do século XVIII na Europa.

2.1

Em primeiro lugar, segundo AGUIAR E SILVA, na Europa do século XVIII, é possível encontrar no mesmo momento, além do Romantismo, o pré-romantismo, o rococó e correntes retardatárias barrocas e árcades. Este cenário no Brasil é diverso: não há ainda condições para admitirmos a existência inequívoca de um sistema literário e muito menos autorizada seria a voz que quisesse falar de romantismo brasileiro. Todavia, para termos noção da complexidade do problema, é possível admitir a existência do romantismo no Brasil, por via da circulação de obras e de ideias. Assim, ideias românticas teriam convivido com sobrevivências do barroco e com lampejos do ideário préromântico, ao mesmo tempo em que florescia entre nós o arcadismo (que caminha, sem grandes estrondos, de um arcadismo no Brasil para um arcadismo brasileiro).

2.2

O cenário europeu evidencia níveis diferenciados de desenvolvimento no que diz respeito às literaturas nacionais tomadas como sistema. O mesmo contexto pode ser estendido ao Brasil, se fizermos o ajuste do plano intersistêmico para o plano intrassistêmico. Um dado tema pode anteceder outro em um país (ou região, no caso do Brasil), enquanto o sucede em outro país ou região. O mesmo se dá quanto à formação da crítica, do público leitor ou quanto à definição de uma modelização da linguagem que promova o ajuste adequado entre o


conteúdo a expressar e a forma que dará expressão ao conteúdo.

2.3 Na Europa, nenhum estilo

exerceu domínio hegemônico e prolongado no século XVIII, dado o ecletismo e a crise permanente de valores estéticoliterários, que dinamicamente se desagregam e renovam neste cenário de transformações. No sistema colonial, em que o Brasil se inseria e que, portanto, lhe era superior em extensão e complexidade, a sensibilidade barroca domina a primeira metade do século. O período formativo se nossa literatura se iniciará aí, por volta de 1750, com o surgimento de um peculiar movimento academicista. No fim dos Setecentos e primeiros decênios dos Oitocentos, há um ponto cego, a ser investigado ainda.

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Para AGUIAR E SILVA, a categoria periodológica e estilística designada pelo vocábulo “rococó”, termo tomado de empréstimo às artes plásticas, é equivocadamente utilizada para caracterizar as manifestações literárias do século XVIII na Europa. No Brasil, esta redução de atitudes culturais e estilísticas, seria igualmente inadequada. O rococó, como defende o estudioso português, pode ser considerado uma das linhas de força da expressão de certos aspectos da sensibilidade e do espírito setecentista: a recusa do sublime e da visão trágica da vida; o gosto pela natureza simples e tranquila, cenário para festas campestres e idílios; valorização da intimidade; preciosismo estilístico, graciosidade, polidez, erotismo refinado, velada melancolia; gosto pela ironia. O conjunto


parece permitir uma leitura produtiva do período que leva das nossas derradeiras manifestações poéticas árcades ao nosso romantismo, desde que feitas as flexões necessárias.

4 O conceito de pré-romantismo abarca as tendências

estéticas e as manifestações de sensibilidade que, segundo AGUIAR E SILVA, principalmente na segunda metade do século XVIII, afastam-se dos cânones neoclássicos e anunciam o romantismo. O pré-romantismo não possui a homogeneidade de uma escola literária nem um corpo sistemático de doutrinas, o que não invalida a irrupção de novos conceitos estéticos, de uma nova temática e sensibilidade renovada. Mesmo na Europa, manifestações diversificadas apresentam evidentes afinidades e paralelismos. No pré-romantismo, o coração triunfa sobre o racionalismo neoclássico e iluminista, transformando-se na medida por excelência dos valores humanos. A vida moral passa assim a ser regida pelo sentimento, sobrepondo-se os direitos do coração às exigências da lei, das convenções e preconceitos sociais. A sensibilidade que brota do interior do ser humano sobrepuja as normas jurídicas e éticas advindas do exterior (isto é, da sociedade). Nasce assim o individualismo burguês. A sensibilidade pré-romântica oscila entre a ternura melancólica e o desespero mais sombrio (locus horrendus)

5 Para José Aderaldo Castello, a relação homem/terra permite a auto-identificação progressiva ocorrida em nossa literatura colonial. No século XIX, revigorada pelo pensamento crítico de então, permitirá o aprofundamento da relação indivíduo/pátria. Esta mesma relação homem/terra


delineia os quatro grandes períodos de nossa literatura: o nativismo (período colonial), o nacionalismo romântico (da Independência à República), o neonacionalismo (República velha e nova) e a brasilidade (República velha e nova). No período colonial, distinguem-se duas (das quatro) grandes etapas marcadas pela relação do nacional com o europeu: a heróica e épica do séc. XVI e a de exploração e de vigilante contenção do séc. XVI-XVII a XVIII. [19-20]

6 A proposta de periodização de Castello baseia-se na

dinâmica dos influxos externos (ação adventícia) e dos influxos internos (reação autóctone), sendo que ambos influenciam a relação homem/terra. Para ele, no Quinhentismo, Barroco, Arcadismo, Pré-romantismo, os “influxos externos” são preponderantes sobre a “relação homem/terra”, constrangendo os “influxos internos”. Logo a seguir, porém, com a fixação do colonizador e a miscigenação, os primeiros começam a sofrer a interferência dos segundos. Principia, então, o desencadeamento do processo, lento, de conquista da identidade.

7 São reações alimentadas pelos efeitos dos “influxos

externos” e “internos”: a) nativismo de exaltação das coisas materiais e de louvor servil, transformando-se até o reconhecimento de valores, legendas e tradições; b) indigenismo/indianismo, compreendido desde a observação e informação subordinadas a objetivos políticos, econômicos,


administrativos, religiosos, até os contatos e conflitos geradores da imagem histórica e legendária ou mítica do índio; c) formação da consciência crítica, em que o nativismo e o indigenismo/indianismo devem ser relacionados com reflexos e reflexões das poéticas tradicionais.

8 São momentos da evolução destas reações no período

nacional, segundo Castello, aqueles momentos em que: a) o nativismo evolui para nacionalismo; b) o indianismo triparte-se: pelo tratamento mítico que lhe dá a literatura, pela políticas públicas de “proteção” do índio e pelos estudos antropológicos; c) a formação da consciência crítica ganha em auto-reflexão e se volta para a representação do Brasil.

9 A partir do Romantismo, dá-se a inversão de influxos;

os internos passam a ser ativamente atuantes sobre a relação homem x terra: são a fonte de inspiração de teorias, da revisão de nossa história nacional. Três temáticas paralelas são, assim, alimentadas: ambientação rural, urbanometropolitana e rural-urbanoprovinciana. Estas desdobram-se em séries temáticas e configuram ciclos regionalistas: patriarcalismo ou coronelismo latifundiário, cangaço, messianismo. A projeção do espaço urbano está determinada pelo abalo das estruturas herdadas do escravismo e pelo início da imigração. Alguns reflexos dos estímulos anteriores são importantes na aceitação do Romantismo brasileiro, mas, destaca-se pela importância o nativismo e indigenismo/indianismo do Período Colonial, aliado à


mitificação patriótica do movimento de independência contido na Inconfidência Mineira. A definição e reconhecimento da consciência de nacionalidade dão-se por oposição das nossas origens européias às americanas, para a investigação dos componentes autóctones de valores e tradições e de pesquisa da sensibilidade nacional. O Romantismo é um dos fundamentos da revisão modernista. Projeta-se no Modernismo também como renovação geral, nacional, ampla e complexa, discutida em termos brasileiros: nacionalismo/regionalismo, brasilidade.


Aula 2 – O que é a identidade nacional no berço de nosso romantismo? Benção paterna José de Alencar, no prefácio que escreve para Sonhos d’Ouro, tem uma curiosa postura em relação à Musa industrial que governaria sua atividade como escritor e que se poderia constatar na produção volumosa de romances no Brasil de 1872. Ele se defende, logo a produção em série é algo que não se presta a uma valoração positiva. Mas acaba por denunciá-la, o que serve de evidência do sentimento de urgência com que se construía a literatura do período nacional. No mesmo prefácio, o cearense sonha com o dia em que as Letras serão consideradas como profissão. O sonho de Alencar parece um anúncio formação da consciência criadora nacional, já determinada pela lógica do capitalismo. A crítica literária da época era, contudo, marcada pela pessoalidade, o que não deixa de incomodar a um homem como Alencar. Ele defende, no alentado prefácio, que a função desta seria nutrir a formação do léxico e do bom gosto brasileiros. Para poetas, escritores e artistas, ele reserva a missão de delinear a individualidade do espírito nacional. Aliás, “brasileiros” é uma palavra que requer explicação, no quadro ideológico em que o autor expõe suas reflexões. A brasilidade é uma nacionalidade híbrida, tomada, em Alencar, do pensamento de Alexandre Herculano; o prefácio acaba sendo, assim, a revelação de um


mecanismo de constituição literário que somente se homologa a partir da consciência européia. Um momento importante do préfácio é aquele em que Alencar descreve as fases do período orgânico de sua literatura: a primeira, primitiva: lendas e mitos da terra selvagem e conquistada; tradições da infância do povo; (Iracema); a segunda, histórica: consórcio do invasor com a terra americana; a cultura é a dádiva do invasor, como a natureza o é da terra; (O guarani, As minas de prata) e a última, da independência: tentativa e esforço de formar a verdadeira literatura nacional invade as cidades; (O tronco do ipê, Til, O gaúcho). A divisão é feita em termos humanos. Já a distinção entre os períodos colonial e nacional é dada em termos naturais, biológicos: é a diferença entre infância e adolescência. José de Alencar, entronizado em um dos lados da dinâmica externo x interno, defende a importação contínua de idéias e costumes estrangeiros, sem corromper a “alma nacional original, americana, ou melhor, luso-americana. Isto significa orientar a relação homem x terra sob a prevalência do externo.

Instinto de nacionalidade Machado de Assis parte, em seu curto ensaio, da premissa de que as formas literárias do pensamento buscam refletir a cor local. Nesse balizamento, o processo de independência literária consistiria na interrogação da vida brasileira e da natureza americana, que são o material de inspiração à fisionomia própria nacional. Nisto ele não se diferencia de Alencar. Mas é importante notar que


Machado insiste no fato de que o gosto público dá preferência às obras em que há toques nacionais. Machado, revendo as origens da identidade nacional nos Oitocentos, denuncia o entusiasmo juvenil que promove a mitificação de Basílio da Gama e Santa Rita Durão, além de condenar o desinteresse “xenófobo” por Gonzaga. Apesar da aversão declarada, Machado reconhece o trabalho dos árcades pela independência literária. Neles, todavia, o horizonte da independência literária resume-se à cor local. Já o indianismo, a partir de Gonçalves Dias, torna-se material de investigação literária. Dá-se, contudo, uma reação posterior, que o desvaloriza. Para Machado, a civilização brasileira não recebeu influxo algum do elemento índio. Admite seu papel em nossa literatura, mas condena-o como “exclusivo patrimônio da literatura brasileira”. São seus temas os costumes índios; a luta do bárbaro com o elemento civilizado. Na vida indiana Machado vê um legado tão brasileiro quanto universal. Outro equívoco apontado por Machado de Assis: é errônea a opinião que só reconhece espírito nacional nas obras que tratam de assunto local. Sutilmente contraposto a Alencar, Machado entende que os assuntos da região são importantes, mas não indispensáveis. O escritor deve ser homem de seu tempo. Machado, como seu antecessor, lamenta a inexistência de uma crítica doutrinária, ampla, elevada, “correspondente ao que ela é em outros países”. Seu depoimento serve de prova ao entendimento de que a forma literária mais apreciada é o romance. Traindo a mesma contaminação mercantil, afirma que esse gênero domina quase exclusivamente o mercado, em que, por exemplo, faltam obras científicas. Por fim, assumindo um argumento iniciado a partir de Varela, Machado endossa a opinião que consiste em crer


que a vida no interior conserva melhor a “tradição” brasileira, enquanto a vida na capital está mais aberta à influência europeia e traduz já uma feição mista.

O caráter nacional brasileiro

Para Dante Moreira Leite, o período que estamos estudando deve considerar o peso do conceito de desequilíbrio. Este desequilíbrio estaria na base da dificuldade de conciliar o ideal romântico e a realidade que se pode atingir. A evasão romântica e o hugoanismo/condoreirismo podem ser entendidos como frutos desse desequilíbrio. DML identifica uma divisão entre românticos que buscaram integrar-se à alma popular e outros que tombaram no individualismo. A diversidade de movimentos, gêneros cultivados, temperamentos estéticos, por exemplo, pode ser entendida como reflexo da busca da originalidade e da individualidade; da valorização das diferenças entre indivíduos, estilos, nações. Leite não descuida de pontuar que a questão do nacionalismo frequentemente acompanhou o Romantismo na Europa e na América Latina. Na esfera da vida privada, o liberalismo econômico e a nova vida familiar no século XVIII permitem o surgimento de um ambiente em que medra a expressão romântica e, intra, os ideais de infância e de individualidade original.


Moreira Leite, pensando na atuação dos artistas, identifica nesse panorama, um difuso complexo de Ahasverus: “A imitação e o modelo perdem o valor e, ao contrário, tornam-se condenáveis; ser incompreendido deixa de ser um pecado, para ser um título de glória”. Para ele, é preciso entender que os anseios individualistas dos artistas românticos europeus são, contraditoriamente, forçados a conviver com a necessidade do público, mesmo quando ostensivamente evitam-no. Os brasileiros, além de tudo, lidavam com outras preocupação. Os românticos brasileiros tiveram nítida consciência de seu papel na definição do nacionalismo brasileiro e na exploração de seus elementos constitutivos. Considerado o contexto brasileiro, e endossando aquela confirmação machadiana, a idéia de ruptura do Romantismo com o neoclassicismo não é, para Leite, propriamente exata, verificando-se, em variadas situações, mais continuidade que ruptura, sendo variável apenas o grau com que o romantismo assume tendências vigentes nos Setecentos: “… a diferença entre os neoclássicos e os românticos pode ser assinalada na relação entre a pessoa e a natureza; já não se trata de admirar uma paisagem ou um ambiente, mas de revelar a ligação profunda entre a natureza e o homem”. Moreira Leite tenta demonstrar como, influindo na relação entre o homem e a terra, as formulações de Ferdinand Dennis e Almeida Garrett, nitidamente inspiradas pelo fenômeno político da Independência, orientam o nosso nacionalismo literário no rumo de imagens que resumissem homem e terra brasileiros.


Dennis, ao enfatizar o elemento da raça e do ambiente geográfico, influiria diretamente sobre a celebração do indígena (dono da terra) e da natureza tropical (com que o indígena se identifica). Outra importante assertiva de DML é aquela que explica que o isomorfismo entre a natureza e a expressão humana não é descoberta nem invenção romântica; sua estereotipação, construída pela insistência no esquema, sim. Completando o conjunto dos recortes que extraímos do capítulo de Moreira Leite, destaca-se a afirmação de que, em Fagundes Varela, como já vimos, a contraposição entre rural e urbano, vincada pela relação homem/terra, faz com que o poeta considere a primeira como pura e a última como desfiguração. O momento da independência política, para Moreira Leite, coincidiu com o da importação da estética romântica, permitindo a reunião dos dois movimentos explicar, em conjunto com outros fatores, a intensidade do indianismo romântico, capaz de nos oferecer um passado descolado da história colonial, que também pertencia a Portugal. Isto desvela o caráter ideológico do indianismo brasileiro: imagem positiva do povo, amor à liberdade, apego à terra e a valores individuais, em rigorosa oposição ao invasor europeu. Sendo imagem do passado, já no século XIX, o indígena não ameaçava a ordem escravocrata. Não há, inclusive, indígenas contemporâneos na literatura romântica. O medievalismo na prosa indianista alencariana, por sua vez, dá conteúdo ideológico histórico ao nacionalismo. Na poesia abolicionista de Castro Alves convém notar que o vigor da crítica castroalvina insiste em frisar a incongruência entre a escravidão e a imagem da nação.


Diferentemente do que ocorre na América Latina, o quadro da contribuição dos românticos à construção da nacionalidade se completa com uma reflexão pobre sobre a língua nacional.


Aula 3 – A contribuição de Antonio Candido Literatura como sistema Candido pretende estudar a formação da Literatura brasileira como síntese de tendência universalistas e particularistas. [17] O universalismo parece predominar nas manifestações literárias árcades. [17] O particularismo domina na literatura romântica. [17] O período formativo somente se encerra com o advento da literatura romântica, precedido da atividade do movimento academicista. [17] Manifestação literária é algo distinto de literatura. [17] Literatura é um sistema simbólico de obras ligadas por denominadores comuns, quer sejam eles internos (língua, temas, imagens), quer sejam externos, embora literariamente organizados (a existência de um conjunto de produtores literários, mais ou menos conscientes de seu público; um mecanismo transmissor, linguagem traduzida em estilos; além de elementos psicológicos), que se manifestam historicamente. [17] Quando a atividade dos escritores se integra ao sistema, surge outro elemento decisivo: a continuidade literária (conjunto de elementos transmitidos, formando padrões que se impõem ao pensamento ou comportamento, e aos quais somos obrigados a nos referir, para aceitar ou rejeitar. [18] As obras são abordadas como integradas em um dado momento um sistema articulado, formando uma tradição e influindo umas sobre as outras. [18]


Nas manifestações literárias que ainda não constituem um sistema literário, é patente a imaturidade do meio, que dificulta a formação de grupos, a elaboração de uma linguagem própria e o interesse pelas obras, que, sem embargo, podem possuir elevado valor literário, embora não sejam representativas de um sistema. [18] Para Candido, é com os árcades mineiros, as últimas academias e certos intelectuais ilustrados que surgem homens de letras formando conjuntos orgânicos manifestando em graus variáveis a vontade de fazer literatura brasileira, ou seja, é então que se estabelece uma continuidade ininterrupta de obras e autores cientes de que integram um projeto de formação literária. [19] Para efeito cronológico, Candido indica o ano de 1750, tomando como ponto de partida os primeiros trabalhos de Cláudio Manoel da Costa e as Academias dos Seletos e dos Renascidos. [19] Os românticos e os intelectuais (incluídos os críticos estrangeiros) viram na fase arcádica um projeto de fazer literatura brasileira como expressão da realidade local e, ao mesmo tempo, elemento positivo na construção nacional. [19] Candido vê ai uma velha concepção, cheia de equívocos, e considera o seu Formação como “uma história dos brasileiros no seu desejo de ter uma literatura”. [19] Para Candido, poucas literaturas têm sido tão conscientes de sua função histórica, em sentido amplo. [19] A partir, sobretudo, da Independência, a atividade literária passa a ser o esforço de construção de um país livre, cumprindo um programa que visava a diferenciação e particularização dos temas e modos de exprimi-los. [20] Ao escrever para a sua nação, sonetos camonianos como os de Cláudio Manuel da Costa eram tão nativistas como o Caramuru. Para o crítico paulista, muitos escritores do período sentiram-se tolhidos em seu manuseio da fuga ao real em virtude do peso do sentimento de missão, que exigia a


descrição da realidade imediata ou a expressão de certos sentimentos de alcance geral. [20]


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