Ermelinda Maria Araújo Ferreira
idade, com expressão sofrida, que indubitavelmente lembram as suas próprias feições à época, como se pode perceber através de fotografias (Fig. 7). As serpentes na cabeça da Medusa evocam os cabelos desgrenhados de uma louca, mas o corpo alado, que desaba aos pés de Perseu, é de surpreendente beleza. Quase angelical em seu desamparo, com grandes asas encolhidas, nele se destacam duas mãos angustiadas que tentam agarrar-se a alguma coisa, mas só encontram o vazio. Repleta de símbolos, esta escultura parece destinada a ultrapassar seus próprios limites, como uma última tentativa, da parte de Camille, de preencher o espaço e negar o invisível, rechaçando o vazio e a escuridão de sua vida, cuja aproximação pressente com horror. Paul Claudel descreve a escultura como uma “sinistra figura que se ergue como a conclusão de uma carreira dolorosa, antes que se abram as trevas definitivas, representadas por Perseu, aquele que mata sem olhar. Qual é esta cabeça de cabeleira sanguinolenta que ele levanta atrás de si, senão a da loucura?” – indaga-se ele. No mito, a Medusa petrifica quem a contempla com o seu olhar. Pode ser interpretada como uma metáfora do escultor, que também petrifica a vida na forma. Há nesta troca de olhares jogos múltiplos de reflexos. Eis aqui Camille, decapitada, fascinante e fascinada. Fascinante como modelo, petrificada nas mãos de Perseu, que a contempla pelo espelho com inegável curiosidade e temor; e fascinada pelo gesto homicida do jovem, sobre cuja cabeça lança um olhar perdido, profundamente triste, ao horizonte petrificado que a cerca. E o que nos parece dizer esse olhar? Ele nos diz algo da infelicidade desta Camille decepada, cujos olhos de Medusa não ocultam a sua muda acusação aos observadores, para os quais voluntariamente petrificou-se como esta terrível imagem. Ao profanar o templo de seu tempo com Netuno-Rodin, Camille tem seu direito à imortalidade roubado, e é condenada a amedrontar os seus contemporâneos, a envelhecer e a morrer no silêncio e no esquecimento de um hospício. Como no mito, porém, nada acontece com o seu parceiro, embora também profanador do templo. Num rasgo de lucidez, Camille se traduz como uma Medusa da modernidade, mulher condenada como um monstro porque
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