Medeia Magazine Julho Agosto

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DE CABEÇA ERGUIDA Catherine Deneuve emocionante no novo filme de Emmanuelle Bercot

AMOR & AMIZADE

Whit Stillman adapta Jane Austen, numa deliciosa comédia

AMANHÃ

O que podemos fazer para salvar o planeta?

MILES AHEAD

Filipe Melo escreve sobre o trompetista que mudou a história da música

EXPERIMENTER

A história de Stanley Milgram, o psicólogo que abalou a América

FRANCOFONIA No Louvre, Sokurov reflecte sobre a arte, o poder e a cultura

ÚLTIMA HORA

DERSU UZALA

A OBRA-PRIMA DE AKIRA KUROSAWA

JULHO | AGOSTO 2016

NO ESPAÇO NIMAS JULHO | AGOSTO 2016 1 A PARTIR DE 4 DE AGOSTO


EDITORIAL Primeiro com Tarkovsky (já editado em DVD), depois com um ciclo do “Grande Cinema Russo, do Mudo à Perestroika”, continuamos nestes meses de Verão com uma “Grande Festa” do cinema Russo, que acompanhará a estreia do último filme de Aleksandr Sokurov, Francofonia. Da “casa russa”, convidamo-la/o a viajar pela França e pelo tour, com o ciclista Lance Armstrong num extraordinário biopic de Stephen Frears, a ouvir o jazz de Miles Davis (aqui “lido” por Filipe Melo), a saborear os dorayakis de uma pastelaria em Tóquio, a fazer uma viagem à volta do mundo em 80 dias ao encontro de pessoas preocupadas com a saúde do planeta Terra, em Amanhã, um documentário que é um forte abanão nas consciências. Num Verão assim parafraseamos Tchekov: “Não se pode passar sem cinema.” As Nossas Salas: Cinema Monumental (Lisboa) Espaço Nimas (Lisboa) TMP Campo Alegre (Porto) Auditório Charlot (Setúbal) Theatro Circo (Braga) Teatro Académico Gil Vicente (Coimbra) Centro de Artes e Espectáculos (Figueira da Foz)

Programação sujeita a alterações de última hora. Confirme sempre em www.medeiafilmes.com Equipa Director: Paulo Branco Coordenação Editorial: António Costa Colaboram neste número: Ana David, André Lamas Leite, Diana Cipriano, Fátima Castro Silva, Filipe Melo, Inês Lourenço, José Luis Guerin, Michael Almereyda, Nuno Galopim, Renata Curado, Sabrina D. Marques Design: André Carvalho e Catarina Sampaio Capa: Francofonia Com o apoio

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FRANCOFONIA FRANCOFONIA

DE ALEKSANDR SOKUROV ESTREIA 14 JULHO COM LOUIS-DO DE LENCQUESAING, VINCENT NEMETH, BENJAMIN UTZERATH

A arte de aprender com o passado

EXCLU

CINEMSIVO AS M

EDEIA

Dur: 1h 27min

Em 2002, Aleksandr Sokurov a todos espantava com Arca Russa, filme de um só take que ao longo de mais de uma hora viaja através dos corredores do Museu Hermitage (em S. Petersburgo), encontrando-se com as figuras históricas que povoaram os séculos precedentes e veiculando um recado geral: ainda que no reencontro com a História se inscreva um movimento retrocedente de revisão, o caminho é dianteiro e o futuro é energicamente posto em marcha pela aprendizagem do passado. Com Francofonia, Sokurov volta a uma meditativa exaltação da arte europeia como tesouro último do velho continente, desta vez com o Louvre como principal cenário. Fotografias de Tolstoi e Tchékov no leito da morte ressuscitam-nos através de citações, demonstrando como a primeira qualidade da arte é a persistência. A tese fixa-se no título, Francofonia, ao ressalvar o valor dos dois museus com uma pergunta retórica equivalente: O que era da Rússia sem Hermitage? Quem precisa da França sem o Louvre? Numa hora de crise da ideia de Europa, Sokurov dá a ver a ambulação esbaforida de Marianne, símbolo da república francesa, e mulher de desejos não cumpridos: estamos em falta para com a liberdade, a igualdade, a fraternidade? O subtexto enuncia a investigação que se seguirá sob análise, as fundações da construção do projecto europeu. Construção é a palavra-chave para descrever a estrutura complexa deste filme-ensaio, sucessivamente conduzido pela reflexão de uma voz off que confronta o espectador e interroga as imagens. Entre materiais de arquivo, a dramatização livre dos acontecimentos interpela a fragilidade da História.


ESTREIAS CINEMA

E se, por muito pouco, tivesse acontecido de outra maneira? Após um confronto inesperado entre potências, a ocupação alemã de Paris alicerçava, em 1942, um império que parecia estar para ficar. Uma reencenação mostra como o estatuto do Museu do Louvre esteve ameaçado pela criação da Zone Ocuppée, um consentimento do Governo de Vichy, explica Sokurov, que cedeu ao nazismo forças trabalhadoras, artísticas e culturais. Como assegurar a continuidade da conservação do património artístico na vertigem das movimentações geopolíticas? Como ressalvar o valor incomparável da arte de um dado país quando a sua administração passa às mãos de outro? Estamos em Paris, epicentro de artes e de ideias, berço europeu do cinema e recordamos a amplitude funcional com que, após a II Guerra Mundial, a diplomacia de Monnet sonhou uma CEE: debaixo de guerra, não há museus.

UM VERÃO COM O CINEMA RUSSO A acompanhar a estreia portuguesa do novo filme de Aleksandr Sokurov, o Espaço Nimas acolhe, de 14 de Julho a 3 de Agosto, um grande ciclo, uma espécie de “festa do cinema russo”, um século de cinema do mudo aos nossos dias, com os filmes que apresentámos ao longo deste ano desde que demos início a esta grande operação, e ainda outras obras do nosso já extenso catálogo. Ao longo de três semanas veremos, em exibições únicas com um preço especial, filmes de Serguei Eisenstein, Aleksandr Dovhzenko, Boris Barnet, Dziga Vertov, Mikhail Romm, Larisa Shepitko, Elem Klimov, Marlen Kuthsiev, Andrei Tarkovsky, Andrei Konchalovsky, Serguei Bondarchuk, Nikita Mikhalkov, Vitali Kanevski, Aleksandr Sokurov, Andrey Zvyagintsev… [programação disponível no site da Medeia Filmes nos primeiros dias de Julho]

Sabrina D. Marques

Prémios e Festivais: Festival de Veneza — Selecção Oficial Competição; Prémio FEDORA; Prémio Fondazione Mimmo Rotella Festival de Toronto — Selecção Oficial Lisbon & Estoril Film Festival — Selecção Oficial Festival de San Sebastián — Selecção Oficial Festival de Londres — Selecção Oficial

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ESTREIAS CINEMA

EXPERIMENTER

EXCLU

CINEMSIVO AS M

STANLEY MILGRAM, O PSICÓLOGO QUE ABALOU A AMÉRICA

EDEIA

EXPERIMENTER

DE MICHAEL ALMEREYDA ESTREIA 4 AGOSTO

Duração: 1h 30min

COM PETER SARSGAARD, WINONA RYDER, TARYN MANNING, KELLAN LUTZ, ANTON YELCHIN, JOHN LEGUIZAMO

Entrevista a Michael Almereyda Excerto de uma entrevista ao realizador Michael Almereyda, realizada por Nicholas Elliott, e publicada na revista Film Comment 1.

Como é que decidiu fazer um filme sobre Stanley Milgram? Conhecia uma rapariga que estava terminar o curso na Universidade de Bard, e ela tinha uma disciplina dedicada a Milgram, às suas experiências sobre a obediência 2. Eu estava a carregar os livros dela — literalmente — e por vezes dava-lhes uma espreitadela, lia-os. O livro principal era a obra de Milgram, Obedience to Authority: An Experimental View, e fiquei fascinado por ela. As transcrições das experiências pareciam um episódio de Candid Camera, escrito por David Mamet. Havia algo muito envolvente em relação à situação: um humor negro e uma seriedade moral implícita. Quanto mais lia sobre Milgram, mais intrigado ficava. A ideia para o filme ganhou forma a partir daí. […] Era claro para si, desde o início, que não iria fazer um filme apenas sobre as experiências sobre a obediência, por exemplo, e que iria incluir as experiências posteriores de Milgram? Completamente. Porque uma das generalizações infelizes sobre Milgram é que ele fez só uma coisa. As pessoas tendem a não saber o quão curioso, inventivo e prolífico ele era. As experiências sobre a obediência foram feitas quando ele tinha 28 anos; ele não viveu muito, mas viveu o suficiente para 4

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deixar um grande corpo de trabalho, que tem um grande interesse e uma grande vitalidade. O trabalho sobre os seis graus de separação é também célebre, mas eu lembro-me de muitas MICHAEL ALMEREYDA outras experiências, que têm um objectivo, têm profundidade. Era importante mostrar o alcance do seu pensamento. Ele estava interessado em barreiras, convenções, o desempenho dos papéis na sociedade. Estava interessado numa parte menos boa da natureza humana mas tinha também a intenção de mostrar os seus aspectos mais positivos. Havia nele uma vertente de criatividade e coragem que eu não quis deixar de mostrar. [Trad. Renata Curado]

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Set/Out 2015. Na década de 1960, o psicólogo social Stanley Milgram realizou uma série de experiências sobre a obediência, na Universidade de Yale, numa altura em que decorria o julgamento de Adolf Eichmann (o criminoso de guerra nazi que alegou obediência como defesa durante o seu julgamento em Israel). Na investigação, que pretendia explicar a relação das pessoas com a autoridade, era solicitado a um dos participantes que administrasse choques eléctricos a um estranho, em função das suas respostas. Apesar dos pedidos dos receptores dos choques para parar, a maioria dos indivíduos não interrompia a experiência. Estes testes e os seus resultados agitaram a cultura popular e a comunidade científica, gerando admiração por Milgram, mas também acusações de sadismo e manipulação. (N. da T.) 2


ESTREIAS CINEMA

MILES AHEAD MILES AHEAD

DE DON CHEADLE

ESTREIA 14 JULHO

Duração: 1h 40min

COM DON CHEADLE, EMAYATZY CORINEALDI, EWAN MCGREGOR

Reza a lenda que Miles Davis, num jantar de cerimónia, foi abordado pela esposa de um dos convidados com uma pergunta cordial: — “O que é que fez para merecer estar neste jantar?” — “Mudei a história da música quatro ou cinco vezes. E você, o que é que fez, além de ser branca?” Esta afirmação talvez não seja completamente verdadeira apenas porque, ao longo da sua vida, Miles Davis poderá ter mudado a história da música ainda mais vezes do que as que referiu. E nesta frase vemos também uma característica que o marcava — uma forte atitude política e social. Miles não era apenas um músico. A sua visão artística geral elevou-o a um estatuto de estrela, àquele raro patamar onde encontramos nomes como Chaplin, Hendrix ou Prince — artistas a quem nos podemos referir por um só nome. Respeitado e venerado pelos seus pares e pelo grande público, Miles atravessou várias décadas na vanguarda estilística. Desde as primeiras gravações como um dos pioneiros do bebop junto a Charlie Parker, viria ao longo dos anos a gravar alguns dos mais emblemáticos discos da história, expandindo o espectro conceptual da música improvisada. A cada disco que editava, Miles Davis ditava qual seria o caminho a seguir. Miles Ahead é o nome de um célebre álbum de 1957 e é também o nome do filme que marca a estreia de Don Cheadle na realização. O título é adequado — o artista esteve sempre muitos anos à frente do seu tempo. No entanto, quem espera um biopic, terá provavelmente uma desilusão. É, antes de qualquer outra coisa, uma homenagem, um fruto da admiração e do fascínio que Cheadle nutre pela música e pelo génio de Miles. A história, largamente ficcionada, segue um jovem jornalista (Ewan McGregor) que tenta entrevistar o músico na sua célebre fase de reclusão. O enredo é assim descrito

pelo actor: “Não é propriamente uma biografia, é mais uma tentativa de aproveitar a figura do Miles no tipo de filme policial em que ele possivelmente gostaria de ter participado.” Isto é provavelmente verdade — sendo que, entre papéis secundários em vários filmes, Miles chegou a fazer de vilão na emblemática série Miami Vice. Em Miles Ahead há tiroteios, drogas, perseguições, uma história de amor e até um Mcguffin (um objecto cobiçado que serve como motor da história). Existem, portanto, todos os ingredientes típicos de um blockbuster. Porém, uma das maiores qualidades de Miles Ahead reside exactamente aí: na dúvida que se gera no espectador sobre a veracidade dos factos apresentados. Na vida de Miles, sentimos que tudo aquilo que nos contam pode ser possível, por mais incrível que pareça. O filme é caracterizado por um profundo respeito à música — Don Cheadle fez-se rodear de uma série de músicos de topo para o elenco e banda sonora — desde Herbie Hancock a Wayne Shorter (que tocaram com Miles) à nova geração do jazz — Antonio Sanchez (autor da banda sonora de Birdman), Esperanza Spalding ou Robert Glasper. Seria impossível, num só filme, retratar com profundidade a prolífica carreira e obra de Miles, e, em simultâneo, a sua personalidade e o seu carisma. No entanto, este filme oferece-nos a ponta do icebergue: consegue despertar uma curiosidade que poderá ser aprofundada com a leitura da antológica biografia, Miles, The Autobiography, escrita em parceria com o jornalista Quincy Troupe, que, durante a escrita provavelmente terá passado por vários episódios e aventuras semelhantes ao seu homólogo do filme. Filipe Melo

Prémios e Festivais: SXSW — Austin, Texas

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ESTREIAS JÁ NOS CINEMAS CINEMA

AMOR E AMIZADE LOVE & FRIENDSHIP

DE

WHIT STILLMAN

EM EXIBIÇÃO

Duração: 1h 32min

COM KATE BECKINSALE, CHLOË SEVIGNY, XAVIER SAMUEL, MORFYDD CLARK, TOM BENNETT, STEPHEN FRY

Whit Stillman encontra-se com a prosa de Jane Austen, e o resultado é uma deliciosa comédia de época, que destrona qualquer outra adaptação dos seus romances. Pensa-se que foi mais ou menos com 20 anos que Jane Austen (1775-1817) escreveu a novela epistolar Lady Susan, uma peça literária ainda hoje pouco conhecida, que só veio a ser publicada postumamente, pelo sobrinho da autora inglesa, em 1871. Esta é uma curiosidade sobre o texto adaptado por Whit Stillman em Amor e Amizade, que tende a anunciar, desde logo, um trabalho muito distinto do que, bem sabemos, prolifera de adaptações cinematográficas dos romances de Austen. Entenda-se: sendo uma novela epistolar, tudo se concentra em situações e detalhes da interação social, mais do que numa estruturada narrativa com picos de romantismo. E é nesse território da minúcia circunstancial, da dissecação dos costumes e modos de estar, que Stillman se revela extremamente intuitivo, trazendo à luz uma espirituosidade latente no texto, como aliás provou saber fazer desde o primeiro filme, Metropolitan (1990), já tocado por um certo feitiço de Jane Austen… Em Amor e Amizade acompanham-se os esquemas da viúva Susan Vernon, transferida temporariamente para a casa dos sogros, onde, através da manipulação dos relacionamentos alheios, procura assegurar o seu futuro. Financeiro, claro. Esta é a mulher que, para sobreviver na sociedade da sua época (década de 1790), tira o máximo partido da própria beleza e inteligência, constituindo-se uma heroína demasiado subversiva para os padrões literários de então.

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Eis o que captou a atenção de Stillman – essa figura da casamenteira (como a célebre Emma, outra protagonista dos romances de Austen), que oferece os contornos mais estimulantes à câmara do realizador americano, na busca de uma diversão elegante e teatral. Stillman elabora um verdadeiramente cómico exercício observacional, com base na sofisticação e audácia da escrita de uma jovem Jane Austen, encontrando toda a adequação da protagonista, Lady Vernon, na pele de Kate Beckinsale, aqui reunida – à semelhança de The Last Days of Disco (1998) – com Chloë Sevigny, no papel da confidente desta mulher ardilosa. Mas todo o elenco, de Tom Bennett a Stephen Fry, é uma ajustada teia. Os bons espíritos sempre se encontram, costuma dizer-se, e entre a prosa de Jane Austen e o olhar de Whit Stillman, preencheu-se a distância que, já de si, era muito curta. Inês Lourenço

Prémios e Festivais: Rotterdam International Film Festival — Selecção Oficial Seattle International Film Festival — Selecção Oficial Indie Lisboa — Selecção Oficial


ESTREIAS CINEMA

VENCER A QUALQUER PREÇO THE PROGRAM

DE

STEPHEN FREARS

ESTREIA 28 JULHO

Dur: 1h 43 min

COM BEN FOSTER, CHRIS O'DOWD, GUILLAUME CANET, JESSE PLEMONS, DUSTIN HOFFMAN

Do tudo ao nada Cortou a meta como vencedor em sete edições consecutivas do Tour de France, mas hoje nenhum desses títulos lhe é reconhecido. A história desta etapa na vida de Lance Armstrong é contada no novo filme de Stephen Frears. Entre a aclamação, no Tour de France de 1999, de um novo campeão que, depois de vencer um tumor potencialmente letal, ganhava categoricamente a primeira das sete vezes consecutivas em que triunfou na mais célebre competição de ciclismo à escala mundial e o dia em que esses títulos lhe foram retirados, passaram apenas 13 anos. De campeão a burlão a história de uma figura que, ao desportista aparentemente exemplar juntava ainda a visibilidade pública de um importante filantropo na área da luta contra o cancro, habita a pulsação de Vencer a Qualquer Preço, de Stephen Frears que, sem querer desviar as atenções do protagonista e da sua firme obsessão pela vitória, acompanha, etapa a etapa, o caminho que Lance Armstrong pedalou entre os momentos que precedem a descoberta do tumor (em 1996) e o desmoronar de todo um palmarés quando,

no desfecho de um processo de dimensões nunca antes vistas nesta área, reconheceu publicamente os métodos ilícitos que lhe permitiram conquistar os prémios que alcançou no ciclismo depois do seu regresso à estrada em finais dos anos 90. O filme devolve Stephen Frears ao terreno do biopic, espaço no qual tem assinado uma série de títulos, ora retratando figuras já com visibilidade pública — como a rainha Isabel II em A Rainha (focando apenas a etapa da sua vida nas imediações do momento da morte da Princesa Diana) ou o dramaturgo Joe Orton em Prick Up Your Ears — ou evocando histórias menos célebres, como as que vimos em Mrs. Henderson Apresenta ou Philomena. De resto, o filme que rodou após Vencer a Qualquer Preço é outro biopic no qual, com Meryl Streep como protagonista, evoca a socialite Florence Foster Jenkins, que muitas vezes é recordada como a pior cantora de sempre.

Neste seu olhar sobre a história de Lance Armstrong (interpretado por Ben Foster) o realizador tomou como ponto de partida o livro Seven Deadly Sins do jornalista do Sunday Times Mike Walsh que cedo suspeitou de irregularidades no comportamento desportivo do ciclista. É na constante perseguição entre o jornalista (a quem Chris O’Dowd veste a camisola) e o protagonista que Stephen Frears encontra o ritmo que define a narrativa que cronologicamente acompanha o sucedido neste intervalo de tempo sem desviar muito o seu foco da trama que ora corre entre as estradas de França ou bastidores afastados dos olhares onde todo um “programa” é posto em prática para que a vitória nunca falhe. Nuno Galopim

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JÁ NOS CINEMAS

A ACADEMIA DAS MUSAS

LA ACADEMIA DE LAS MUSAS

DE JOSÉ LUIS GUERIN EM EXIBIÇÃO

EXCLU

CINEMSIVO AS M

EDEIA

Dur: 1h 32min

COM RAFFAELE PINTO, EMANUELA FORGETTA, ROSA DELOR MUNS, MIREIA INIESTA, PATRICIA GIL

MM: Este filme, como acontece muito no teu cinema, capta o quotidiano “que visita”, deixando-nos na incerteza do que é da ordem do documentário ou da ficção. Como foi o “fazer do filme”?

Entrevista a José Luis Guerin Medeia Magazine: Numa entrevista dizias que a ideia de A Academia das Musas partiu de uma das estudantes do curso do professor Raffaele Pinto. No entanto, as “musas” estão desde muito cedo presentes na tua obra, desde uma das primeiras curtas, Elogio de las musas, a, por exemplo, Na Cidade de Sylvia, “cidade das musas”, como lhe chamava recentemente Pedro Mexia em crónica no Expresso. Este é um filme que mais cedo ou mais tarde estaria no teu caminho? José Luis Guerin: Suponho que sim, porque senão talvez não o tivesse feito. Mas quando me propuseram a ideia de uma “academia de musas” pareceu-me inverosímil. Mesmo um disparate. Pensei: nenhum espectador vai crer que, no século XXI, possa haver uma “academia de musas” à imagem e semelhança do mundo greco-latino. Comecei a filmar sem qualquer ideia pré-concebida para fazer um filme. Fui filmar estas aulas como uma experiência interessante para investigar a “palavra” e como pô-la em cena. À medida que aquelas mulheres falavam, foram-me seduzindo por completo. E aí dei-me conta que sim, que seria possível uma “academia de musas”. Como não havia de acreditar, se são elas, estas mulheres, que falam do amor e da criação, dos ciúmes que um soneto pode suscitar? Toda esta soma de discussões é a “academia”. E isso é muito estimulante para um cineasta. Digamos que converteu em verosímil algo que à partida me parecia inverosímil. Foi aí que se produziu a mutação.

Prémios e Festivais: Festival de Sevilha — Giraldillo de Ouro, Melhor Filme Festival de Locarno — Selecção Oficial Lisbon & Estoril Film Festival — Selecção Oficial em Competição

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JLG: De facto, estas são personagens de ficção, apesar de o professor no seu dia-a-dia ser professor, a sua mulher ser a sua mulher, as estudantes serem as estudantes do seu curso. Mas todos construíram estas personagens de ficção. O filme foi-se construindo alternando dias de rodagem com dias de montagem. Isso possibilita captar materiais que nos parecem interessantes, redescobri-los na montagem, onde, por vezes, nos damos conta do valor de uma personagem, de uma situação, e então sentimos o desejo de a desenvolver nos dias seguintes, na rodagem. Por isso, este é um filme de permanente “guionização”, quer dizer, não há um guião a priori, o guião é fruto desse processo, dessa alternância. Costumo dizer que em muitas das cenas deste filme eu fui o primeiro espectador surpreendido pela evolução das coisas, e apesar de ter sido o instigador destas situações, elas adquiriram vida própria, autonomia, independência de mim. E eu gostei de adoptar este papel, um pouco de observador e de cronista, sem intervir demasiado.

Quer dizer: criei um dispositivo e depois segui fielmente a evolução desse dispositivo. Por isso, quando às vezes me perguntam qual é a tese que quis impor com o filme, ou se há uma denúncia ou coisas deste tipo, respondo que não, que nunca faço filmes para denunciar seja o que for, isto é, a minha moral está em seguir as personagens, nunca me posso colocar acima delas, moralizar sobre elas. Vivo a evolução do filme como uma revelação, gosto de associar a ideia de fazer um filme com a ideia de assistir a uma revelação e partilhá-la com os espectadores. JOSÉ LUIS GUERIN


JÁ NOS CINEMAS

DE CABEÇA ERGUIDA LA TÊTE HAUTE

DE EMMANUELLE BERCOT EM EXIBIÇÃO

EXCLU

CINEMSIVO AS M

EDEIA

Duração: 2 horas

COM CATHERINE DENEUVE, ROD PARADOT, BENOÎT MAGIMEL, SARA FORESTIER, DIANE ROUXEL

A culpa da juventude ou a juventude da culpa? Resumir De Cabeça Erguida, de Emmanuelle Bercot, o filme de abertura do Festival de Cannes em 2015, a um argumento sobre violência e delinquência juvenil é uma injusta redução fenomenológica, mesmo que à maneira de Husserl. Afirmar, como o tem feito a imprensa da especialidade, que o jovem Malony é interpretado por um talentoso Rod Paradot, e que Catherine Deneuve, de modo consistente como em toda a sua carreira, está magnífica, é também pouco ainda. O filme é um murro no estômago que demora a curar. A sociedade hodierna está nele reflectida: os jovens e os seus problemas, o desenraizamento, o funcionamento do sistema de justiça, a revolta interior que transborda, que “passa ao acto”, como diríamos aplicando uma teoria criminológica. A realizadora tentou — e conseguiu — fugir aos lugares-comuns. Não se trata de um filho de imigrantes de segunda geração, perdido no limbo da ausência de referências à cultura dos pais e de uma impossível integração no país de acolhimento que tão-pouco sente seu. Malony é francês, filho de uma mãe desestruturada, impreparada. Bercot transmite uma densidade emocional fora do comum às personagens. O espectador sente a raiva incontida de Malony, mas fica sempre na dúvida sobre as suas verdadeiras razões. Um dos grandes méritos de De Cabeça Erguida, e que não é hábito quando se abordam estes temas, é uma dimensão de rosto humano na juíza do Tribunal de Menores e no educador social que acompanha Malony e de quem se torna cúmplice. Ambos são, a uma certa luz, “delinquentes”, entendido o termo como quem se comporta de modo diverso

do estatisticamente normal e dos papéis sociais que de nós esperam. É paradigmática a relação tensa entre Malony e os seus colegas do que em Portugal seria um centro educativo, muitos deles correspondendo ao dito estereótipo de um “marginal juvenil”: imigrantes ou filhos deles, magrebinos ou de raça negra, com problemas de abuso de álcool ou de substâncias psicoactivas. Um aparentemente típico jovem francês confronta-se com um background familiar desfavorecido, mas é pungente o amor que mantém pela sua família e a capacidade que encontra, no meio da raiva que o faz tremer e ser violento, de se relacionar com uma rapariga que acaba por ser um seu par, filha de uma professora que o tenta ajudar. E é “De cabeça erguida” que a personagem central nos ensina a enfrentar as nossas trevas interiores e a passarmos à luz kantiana, a qual nos tiraria da menoridade: não a relativa à idade, mas à incapacidade de empatia. Porventura seja este um dos maiores cancros desta sociedade “pós-moderna” e globalizada — a incapacidade de nos colocarmos “nos sapatos dos outros”, parafraseando a expressão inglesa. André Lamas Leite

Prémios e Festivais: Festival de Cannes — Selecção Oficial, Filme de Abertura Prémios César — Melhor Actor Secundário, Melhor Actor Revelação Prémios Lumière — Melhor Actor Revelação

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ESTREIAS CINEMA

VICTORIA

ESTREIA 14 DE JUL

VICTORIA

DE SEBASTIAN SCHIPPER

Dur: 2h 18min

COM LAIA COSTA, FREDERICK LAU, FRANZ ROGOWSKI

Com Victoria, o alemão Sebastian Schipper assina um thriller pleno de nuances que não se esgota na sua bravura técnica.

Partindo de esboços de enredo e de coreografia cénica, de diálogos improvisados por um grupo de jovens actores, confiando na mestria intuitiva de um atento operador de câmara (Sturla Brandth Grøvlen, premiado com o Urso de Prata de Melhor Contribuição Artística), Schipper faz a crónica, em tempo real, num único e longuíssimo planosequência (de 138 minutos), do encontro entre a personagem do título, uma madrilena a trabalhar em Berlim, e quatro amigos com uma tarefa perigosa a executar.

O plano-sequência conseguido (à terceira tentativa), fluido, moldável, colado às personagens, faz-nos participantes da odisseia de Victoria na noite de Berlim, não se afastando dos códigos e momentos do thriller. Embora para Schipper o retrato de grupo tenha a dada altura o seu valor, é a evolução da personagem de Victoria (que se vai descobrindo outra) o que mais (n)o(s) fascina. Há uma cena fulcral nesse fluxo de emoções: quando Victoria revela parte da sua história e se nos revela, ao tocar ao piano uma peça de Liszt. Aí ficamos a saber (embora ela talvez ainda o ignore) do quanto ela é capaz. Fátima Castro Silva

Prémios e Festivais: Festival de Berlim - Urso de Prata - Contribuição Artística Extraordinária

OS DOIS AMIGOS LES DEUX AMIS

DE LOUIS GARREL ESTREIA 7 JULHO

Dur: 1h 40min

COM GOLSHIFTEH FARAHANI, VINCENT MACAIGNE, LOUIS GARREL

Uma forte amizade é posta à prova devido a uma paixão, nesta primeira longa-metragem de Louis Garrel atrás da câmara. O triângulo amoroso é um tema muito familiar ao cinema francês. Dois dos seus mais importantes cineastas, Truffaut e Godard, abordaram-no em filmes tão marcantes como Jules e Jim (1961) e Uma Mulher é Uma Mulher (1962). A dinâmica triangular é também território conhecido para Louis Garrel enquanto actor, em filmes como Os Sonhadores (2003), de Bernardo Bertolucci, ou As Canções de Amor (2007), de Christophe Honoré, com quem co-assina o guião de Os Dois Amigos. É pois natural que Louis Garrel, filho e actor frequente de Philippe Garrel, um especialista na ciência dos amantes, tenha escolhido esta complexa forma geométrica como foco da sua primeira longa-metragem enquanto realizador. O título do filme remete-nos para a amizade entre Clement (Vincent Macaigne) e Abel (Louis Garrel), dois homens completamente opostos, física e emocionalmente. Mona (Golshifteh Farahani), a paixão de Clement, é uma jovem em liberdade condicional que vê o seu mundo entrar em colapso 10 JULHO | AGOSTO 2016

quando Abel intervém irreversivelmente na sua rotina. A amizade entre Clement e Abel é testada durante os três dias e três noites que passam com Mona. Garrel usa o mesmo trio de actores da sua curta-metragem La Règle de Trois (2011), e inspirase em Os Caprichos da Marianne, de Alfred de Musset, colocando a personagem de Farahani como objecto disruptivo da harmonia entre os dois amigos. Através do conflito catalisado pela presença feminina, o realizador mostra-nos que a amizade pode ser uma forma de amar tão intensa e sufocante como a paixão. Diana Cipriano

Prémios e Festivais: Festival de Cannes – Semana da Crítica Lisbon & Estoril Film Festival – Selecção Oficial


ESTREIAS CINEMA

MARAVILHOSO BOCCACCIO

EXCLU

CINEMSIVO AS M

EDEIA

ESTREIA 14 JUL

MARAVIGLIOSO BOCCACCIO

Dur: 2h 1min

DE PAOLO E VITTORIO TAVIANI

COM LELLO ARENA, PAOLA CORTELLESI, CAROLINA CRESCENTINI

Os irmãos Taviani adaptam cinco dos cem contos da obra maior de Giovanni Boccaccio e fazem um outro Decameron, performático e cerebral.

Paolo e Vittorio Taviani escrevem e realizam filmes juntos desde os anos 60 e conhecem bem o poder da arte de contar histórias. No seu filme anterior, o ‘docu-drama’ experimental César Deve Morrer (2012), verdadeiros presos, condenados a sentenças pesadas por crimes graves, resgatavam a sua humanidade representando Júlio César de Shakespeare. Em Maravilhoso Boccaccio, um grupo de jovens isola-se num mosteiro e narra pequenas histórias para escapar (e sobreviver) à Peste Negra que assolava Florença (e a Europa) no século XIV.

REGRESSO A ÍTACA RETOUR À ITHAQUE

Dur: 1h 35min

DE LAURENT CANTET ESTREIA 28 JULHO COM ISABEL SANTOS, JORGE PERUGORRÍA, FERNANDO HECHAVARRIA

Regresso a Ítaca é um huis clos filmado a céu aberto por Laurent Cantet, sobre as memórias e perdas de cinco ‘órfãos’ da revolução cubana. A Ítaca deste filme é Havana e Ulisses um antigo escritor, uma das personagens desse quinteto de amigos de meia-idade, que volta a Cuba após um exílio de dezasseis anos em Espanha. O seu regresso é pretexto para uma festa no terraço do apartamento de um deles, onde (quase) todo o filme se passará. Mas esse reencontro revelará também segredos, fricções e pontos de ruptura entre eles, e, cada um a seu modo, irá igualmente confrontar-se com as suas (des)ilusões, (des) crenças e medos. Depois de ter ganho a Palma de Ouro de Cannes 2008 com A Turma, Laurent Cantet tem feito um percurso discreto mas coerente. Em Regresso a Ítaca, co-escrito com o romancista cubano Leonardo Padura a partir de um livro deste, Cantet parte de uma estrutura teatral, que advém da unidade de tempo (fim de tarde/noite) e de lugar. A sua mise-en-scène, assente numa escala de planos cerrada mas sempre fluida e justa (pontuada por peculiares planos gerais do Malécon e traseiras de casas), é delicada, atenta aos diálogos e emoções, traçando um sensível retrato do desencanto de uma geração perdida. Fátima Castro Silva

Em entrevistas, os Taviani têm dito que, face às várias pragas do mundo moderno, a vontade de fazer uma nova versão do Decameron veio sobretudo da ideia de (re)conectar-se com o poder das histórias e da narração, com a capacidade de transcendência que a ficção tem. Os irmãos afastaram-se assim, deliberadamente, de outras versões já existentes (com a de Pasolini, subversiva, à cabeça). Nem é sequer a moral de cada fábula o que os move, mas sim o maravilhoso triunfo da ficção (e da Arte) sobre a morte. Fátima Castro Silva

Prémios e Festivais: Festival de Tribeca – Selecção Oficial Festa do Cinema Italiano – Selecção Oficial

Prémios e Festivais: Festival de Toronto – Selecção Oficial Festival de Veneza – Selecção Oficial Festival de San Sebastián – Selecção Oficial

JULHO | AGOSTO 2016 11


ESTREIAS CINEMA

UM TRAIDOR DOS NOSSOS OUR KIND OF TRAITOR

DE SUSANNA WHITE ESTREIA 7 JUL

Dur: 1h 47min

COM EWAN MCGREGOR, NAOMIE HARRIS, STELLEN SKARSGARD

Baseado no romance homónimo de John Le Carré, o filme conta a história de um académico que se vê envolvido entre a máfia russa e os serviços secretos britânicos. As adaptações cinematográficas da obra de John Le Carré, tal como os livros que as inspiram, têm vindo a evoluir desde filmes como O Espião Que Veio do Frio, de Martin Ritt, ou Duas Plateias Para a Morte, de Sidney Lumet, na década de 1960, tornando-se cada vez mais polidos e requintados, principalmente a nível estético. Um Traidor dos Nossos mostra como a obra do autor se adaptou à política contemporânea, após décadas a escrever sobre a Guerra Fria. “Trata-se de um Le Carré muito contemporâneo e é fascinante vê-lo abordar uma Rússia completamente diferente da que representou nos seus primeiros romances”, refere a realizadora, Susanna White.

Neste filme, a intriga é vista pelos olhos de dois civis, Perry, um académico (Ewan McGregor) e a sua esposa (Naomie Harris), que conhecem um membro da máfia russa durante uma estadia em Marrocos. O russo, interpretado por Stellan Skarsgård, procura asilo em troca de informação e recruta Perry como intermediário. A personagem interpretada por McGregor ganha contornos mais alusivos a heróis hitchcockianos do que aos espiões de Le Carré, num perigoso jogo de alto risco. Uma estética característica do género, um guião cuidadosamente estruturado e interpretações cativantes são apenas alguns dos elementos que podemos esperar deste thriller. Diana Cipriano

BREVEMENTE EM DVD SÍTIO CERTO, HISTÓRIA ERRADA

AXILAS

À SOMBRA DAS MULHERES

DE HONG SANGSOO

DE JOSÉ FONSECA E COSTA

DE PHILIPPE GARREL

COM JUNG JAE-YOUNG, KIM MIN-HEE

COM PEDRO LACERDA, ELISA LISBOA MARIA DA ROCHA, ANDRÉ GOMES MARGARIDA MARINHO, FERNANDO FERRÃO JOSÉ RAPOSO, RUI MORISSON, PAULA GUEDES

COM CLOTILDE COURAU, STANISLAS MERHAR LENA PAUGAM, VIMALA PONS, ANTOINETTE MOYA

«Sítio Certo, História Errada é um desses filmes em que Hong, com uma graça cujo copyright só ele detém, nos envolve de acasos e de sentimentos universais, de dilemas existenciais que sabem nascer das coisas mais simples. Envolve-nos de felicidade e de desencantos desta coisa extraordinária que é a vida. […] Hong ganhou, com este filme, no ano passado, um Leopardo de Ouro em Locarno. Mas há muito que ele já estava no patamar dos selectos.» Francisco Ferreira, Expresso

«É admirável.» Inês Lourenço, Diário de Notícias

12 JULHO | AGOSTO 2016

«Uma sonora gargalhada. […] Uma comédia que celebra uma Lisboa de outras eras mas que ainda se encontra entre os amontoados de turistas. Com uma fina ironia, um sentido profundo da cidade e espírito transgressor, é uma das mais interessantes obras do realizador.» Manuel Halpern, Visão

«Uma farsa desbragada […] sob a égide de Alexandre O’Neill.» Jorge Leitão Ramos, Expresso

«Ainda e sempre com “a câmara no lugar do coração”, Philippe Garrel mergulha outra vez nos tumultos do sentimento amoroso. Falamos do sublime À Sombra das Mulheres.» Francisco Ferreira, Expresso

«O novo filme de Philippe Garrel é um dos mais belos de toda a sua obra.» Jean-Sébastien Chauvin Cahiers du Cinéma


ESTREIAS CINEMA

AMANHÃ

EXCLU

ESTREIA 21 JULHO

CINEMSIVO AS M

Duração: 1h 58min

EDEIA

DEMAIN

DE CYRIL DION E MÉLANIE LAURENT Diz a 11ª tese sobre Feurbach de Marx: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.” Amanhã, o muito badalado e premiado documentário (há meio ano em cartaz em França, já ultrapassou largamente o milhão de espectadores) da actriz e realizadora francesa Mélanie Laurent e do jornalista e fundador do movimento Colibris e da revista Kaizen Cyril Dion, não tendo propriamente a pretensão de transformar o mundo (uma das fundadoras de um movimento pela utilização de terrenos municipais para criação de hortas biológicas comunitárias diz no filme: “isso é uma coisa demasiado ambiciosa; vamos fazer o que podemos nas nossas ruas, nas nossas cidades”), mas com o propósito de demonstrar que, petit à petit, podemos contribuir para isso, percorre-o mostrando-nos uma crescente “imensa minoria” de cidadãos, que, à

COM CYRIL DION, MÉLANIE LAURENT, ROB HOPKINS, THIERRY SALOMON

sua escala, operam “pequenos milagres” e provam que sim, que é ainda possível percorrer um sentido inverso ao do caminho galopante para o abismo a que as últimas décadas, do capitalismo global, nos têm conduzido, e que levarão rapidamente o nosso ecossistema ao estado crítico (o esgotamento de recursos, as alterações climáticas…), como denunciava um estudo publicado na revista Nature, e que fez soar os alarmes, levando Dion, Laurent e um grupo de amigos que trabalham no cinema, nesta “viagem à volta do mundo em 80 dias”, ao encontro daqueles que, localmente, cultivam estes oásis de utopia, e que não só propõem mas levam a cabo soluções. E o que sustenta essas propostas? Em primeiro lugar, “Let’s get it together”, como o título da canção que abre o álbum Abbey Road dos Beatles (não será por acaso que vemos por várias vezes os “fazedores” deste documentário em fila indiana atravessando a rua ou na paisagem numa imitação da imagem da capa deste famoso álbum), num movimento solidário para resolver

problemas locais, em que participam cientistas, economistas, agricultores, professores, autarcas, e que, ao mesmo tempo, defendem a saúde e a diversidade do planeta. Depois, pensando em soluções, alternativas ou complementares, amigas do ambiente (energias renováveis substituindo energias fósseis — há cidades que praticamente já dependem apenas das renováveis, que, por seu lado, se estão a tornar também cada vez mais baratas; agricultura biológica e sustentável, de preferência local — é absurda a quantidade de quilómetros percorridos pelos alimentos quando podemos ter muitos deles à mão), reinventando a forma como nos alimentamos, consumimos energia, os modelos económicos, a educação, a democracia. Mélanie Laurent diz, a abrir o documentário: “sentíamos que tínhamos de fazer alguma coisa”. Como na canção de Leonard Cohen que ouvimos no filme, “os dados estão lançados”, desfizeram-se alguns mitos, mãos à obra. Everybody knows that it’s now or never. Prémios e Festivais: Prémios César – Melhor Documentário

JULHO | AGOSTO 2016 13


JÁ NOS CINEMAS

TANGERINE

EXCLU

EM EXIBIÇÃO

Duração: 1h 28min

TANGERINE

DE

SEAN BAKER

EDEIA

COM KITANA KIKI RODRIGUEZ, MYA TAYLOR, KARREN KARAGULIA

Uma comédia brilhante, das melhores que a cena independente norte-americana nos deu. Aquando da sua estreia em Sundance, e nos meses que se seguiram, a discussão à volta de Tangerine parecia engavetá-lo como o filme sensação do festival por ter sido inteiramente filmado com um iPhone 5s. Visualmente impressionante e de ritmo acelerado e galvanizante, a lembrar Spring Breakers, de Harmony Korine, com o qual partilha o formato panorâmico, a quinta longa de Sean Baker é muito mais do que um notável exercício de uso de uma tecnologia contemporânea. Se uma das razões pela qual retiramos prazer em ver cinema é vermos as nossas vivências retratadas, esta não podia, à primeira vista, ser uma história com menos probabilidade de identificação por parte da maioria: a dupla central de protagonistas são trabalhadoras do sexo transgénero e afro-americanas. É véspera de Natal e Sin-Dee Rella acabou de sair da prisão. Para desespero da sua amiga Alexandra, uma hiperactiva e escandalizada Sin-Dee, percorre as ruas de tons quentes de Los Angeles em saltos altos, à procura do namorado “pimp” que a traiu com uma “white fish” (calão para mulher cisgénero). Prémios e Festivais: Festival de Sundance – Selecção Oficial Festival de Londres – Selecção Oficial, em Competição Mar del Plata Film Festival – Selecção Oficial, em Competição Independent Spirit Awards – Melhor Actriz Secundária Gotham Awards – Melhor Actriz Revelação, Prémio do Público

14 JULHO | AGOSTO 2016

CINEMSIVO AS M

Hilariante e sarcástico, repleto de referências pop e diálogos memoráveis, Tangerine é uma comédia brilhante, das melhores que a cena independente norte-americana nos deu. Contrariando a ideia de que apenas alguém que partilha a mesma identidade de género, sexualidade e/ou etnia pode construir um objecto cultural que ressoe verdadeiro a uma certa comunidade, Baker, um homem caucasiano heterossexual, assina aqui uma obra brutalmente honesta, nunca julgando as suas personagens nem nunca sendo condescendente com elas. Isto é possível muito por culpa do processo colaborativo de construção da história a que os seus filmes anteriores já tinham recorrido: tanto Mya Taylor como Kitana Kiki Rodriguez contribuíram enormemente para o guião, elas próprias actrizes trans e habitantes de LA. O resultado é um retrato cru e dramático de uma subcultura a muitos desconhecida e invisível, mas cujas personagens fazem uso do humor e da sátira auto-infligida bem como da força e beleza que encontram na camaradagem feminina para enfrentarem a realidade desvantajosa em que se movem. Frenético e explosivo, mas capaz também de momentos de incrível delicadeza e vulnerabilidade, Tangerine é viciante por contar uma história universal: a da amizade. Ana David


ESTREIAS CINEMA

O AMIGO GIGANTE THE BFG

Duração: 1h 57min

DE STEVEN

SPIELBERG

ESTREIA 7 JULHO 2D E 3D

Dur: 1h 55min

COM MARK RYLANCE, RUBY BARNHILL, PENELOPE WILTON

O que acontece quando se juntam Steven Spielberg, Roald Dahl e os estúdios Disney? O resultado é O Amigo Gigante, uma história mágica que nos chega depois da estreia no Festival de Cannes. Coragem, imaginação e amizade. São estes três dos ingredientes principais de O Amigo Gigante, obra realizada pelo veterano Steven Spielberg, a partir de um conto de Roald Dahl, e que conta com a marca dos estúdios Disney. Melissa Mathison é a responsável pela adaptação do conto The Big Friendly Giant ou simplesmente The BFG, o conto de Roald Dahl publicado pela primeira vez em 1982. A adaptação ao cinema das obras fantásticas de Roald Dahl não é novidade e traz geralmente boas surpresas: pensemos, por exemplo, em Charlie e a Fábrica de Chocolate, levado ao grande ecrã em 2005 por Tim Burton, ou O Fantástico Senhor Raposo, a animação que Wes Anderson realizou em 2009. A premissa de O Amigo Gigante é simples: uma menina encontra um gigante amigável que, apesar da sua aparência intimidante, possui um coração generoso e, como tal, recusa-se a comer crianças, fazendo com que seja renegado pelos outros gigantes. Depois, praticamente ao longo de duas horas, assistimos ao

nascer de uma amizade que irá mudar a vida destes dois seres que até então viviam sós, cada um deles à sua maneira. Juntos, assumem a tarefa de impedir os outros gigantes de devorar pequenos humanos, contando para isso com a ajuda da Rainha de Inglaterra. Mark Rylance, vencedor do Óscar para Melhor Actor Secundário por A Ponte dos Espiões, também de Spielberg, dá vida ao gentil gigante, enquanto a pequena Sofia é interpretada pela actriz Ruby Barnhill. O Amigo Gigante promete ser um filme para toda a família, promete confortar o coração e fazer-nos sair da sala de cinema com um sorriso. Para todos aqueles que não perdem a oportunidade de ler o livro antes ou depois de verem o filme, o conto de Roald Dahl foi editado em Portugal pela editora Oficina do Livro, com o título O Grande Gigante Gentil. Renata Curado Prémios e Festivais: Festival de Cannes – Fora de Competição

UMA PASTELARIA EM TÓQUIO

ESTREIA 28 JULHO

AN

DE NAOMI KAWASE

Dur: 1h 53min

COM MASATOSHI NAGASE, KIRIN KIKI, MIYOKO ASADA, ETSUKO ICHIHARA

Depois de A Quietude da Água, estreado em exclusivo pela Medeia Filmes em 2015, chega às salas de cinema Uma Pastelaria em Tóquio, obra mais recente da realizadora japonesa Naomi Kawase. No filme, Sentaro gere uma pequena pastelaria de dorayakis – uma especialidade japonesa que consiste em duas panquecas recheadas com doce de feijão (“an”, no original). Quando Tokue, uma senhora com cerca de 70 anos, se oferece para trabalhar na pastelaria de Sentaro, ele aceita com relutância. No entanto, Tokue rapidamente prova que a sua receita de “an” é mágica. Graças à sua receita secreta, o negócio de Sentaro floresce rapidamente… Com o tempo, Sentaro e Tokue abrem os seus corações, e desenvolvem uma relação de amizade que vai revelando também algumas feridas do passado.

NAOMI KAWASE Um dos nomes mais importantes do cinema japonês actual, Naomi Kawase é igualmente uma das realizadoras mais aclamadas no panorama cinematográfico mundial, sendo as suas obras frequentemente seleccionadas para os mais prestigiados festivais de cinema a nível mundial. Com o seu filme Moe No Suzaku (1997), Selecção Oficial do Festival de Cannes, venceu o Prémio Caméra d’Or (Melhor Primeira Obra), tendo sido a mais jovem cineasta a receber esta distinção.

Prémios e Festivais: Festival de Cannes – Un Certain Regard Festival de Toronto – Selecção Oficial Mostra Internacional de São Paulo – Prémio do Público para Melhor Ficção Internacional Semana Internacional de Cine de Valladolid – Melhor Realizador Asia Pacific Screen Awards – Melhor Actriz

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16 JULHO | AGOSTO 2016


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