Seguranca, trafico e milicias no Rio do Janeiro

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"Inicialmente era ele sozinho.” (Entrevistado n. 21, Santa Margarida, Campo Grande) Por outro lado, enquanto os embates com o tráfico são, em geral, mais recentes, sobretudo a partir de 2006, este tipo de dominação existe em algumas áreas há bastantes anos. “Desde que eu me entendo por gente o esquema era esse em Campo Grande, com a ressalva de que antes eles apareciam menos. De uns tempos pra cá foi que começou essa história de eles ficarem rondando, circulando com Nextel, vestidos de preto e óculos escuros. Quando eu era criança não tinha isso, mas eu sabia que havia uma ‘espécie de segurança diferenciada’.” (Entrevistado n. 15, Campo Grande) “Assim, eu moro lá desde que eu nasci, e assim desde que eu me conheço por gente tem esse chefão, que é o Zezinho Orelha, que manda em tudo lá, que comanda, não deixa entrar tráfico, não deixa bandido roubar, se alguém roubar ele corre atrás. E ele tem todo um, como é que se diz? Um grupo, né? De policiais, que são policiais, mas trabalham pra ele, entendeu?” (Entrevistado n. 30, Curicica, Jacarepaguá) “Estão trabalhando lá há mais de vinte anos. Só de uns cinco anos pra cá que passaram a usar a blusa de Apoio” (Entrevistado n. 41, Sepetiba) “Há vinte e cinco anos, então desde de que eu era criança quem roubava na casa dos outros acabava morrendo, porque tinha alguém que matava essas pessoas, então sempre teve, então eu não posso dizer que se não tivesse seria pior.” (Entrevistado n. 26, Guaratiba) “De dois anos pra apareceu na mídia, não por acaso, não foi por acaso que apareceu na mídia. Apareceu na mídia porque a milícia chega na cidade, se instala na Zona Oeste. Isso tem mais de dez anos, existem comunidades é que tem... não só Rio das Pedras. Rio das Pedras talvez seja...o pessoal fala mais Rio das Pedras, mas não é só Rio das Pedras,né? Você tem também ali o morro da Chacrinha, mais de doze anos que tem milícia.” (Entrevistado n. 12, Campo Grande) Em suma, o fenômeno estudado experimenta um grande crescimento a partir de 2006, momento em se generaliza o termo

‘milícias’, com o incremento das comunidades controladas e a conquista de territórios anteriormente dominados pelas facções criminosas dedicadas ao narcotráfico. Entretanto, esta realidade representa uma continuidade em relação à dominação exercida tradicionalmente em diversas comunidades da Zona Oeste. A pergunta realizada aos entrevistados sobre a data de entrada das milícias acabou fornecendo, de forma indireta, evidências muito interessantes sobre o próprio conceito de milícia no entendimento dos cidadãos. Alguns dos entrevistados não reconheciam o que acontecia nas suas comunidades como milícia, devido justamente a se tratar de um termo novo e a realidade nos seus lugares de residência ser algo tradicional. Entre os elementos relevantes para que as pessoas reconheçam o grupo como uma milícia, poderíamos destacar quatro como centrais: a) a imposição de pagamento de taxas aos moradores ou a proibição de compra de bens fora da comunidade, que não eram comuns nos velhos grupos de polícia mineira ou nos grupos de extermínio; b) a presença de milicianos de fora da comunidade que ‘invadiram’ o território, em comparação com grupos, como o de Rio das Pedras, que são reconhecidos como locais; c) a participação relativamente aberta e ativa de policiais nessa dinâmica; d) a própria novidade do grupo dominante, de forma que, em igualdade de condições, os moradores são menos inclinados a denominar milícias aos grupos tradicionais. De qualquer forma, estes elementos não pressupõem a existência de um consenso entre os cidadãos sobre o conceito. Assim, o termo, que nunca foi definido formalmente, continua conservando uma alta dose de ambigüidade. “Não considero o que acontece aqui como milícia, pois eles já estão aqui há muito tempo, já são daqui. Não existe esse negócio de milícia. Milícia é o que acontece como agora estão falando no Globo, no jornal: vem um cara de fora e invade. Não é o que acontece aqui. Os meninos já estão aqui há muito tempo.”. (Entrevistado n. 41, Sepetiba) “Assim muito não é, nós pagamos pra assim segurar um pouco a rua, no caso né, não são milícia né, mas os PM´s colocaram dois rapazes pra tomar conta da rua (Entrevistado n. 28, Itaguaí)


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