Seguranca, trafico e milicias no Rio do Janeiro

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Segurança, tráfico e milícias no Rio de Janeiro

hoje. Eu acho que é uma realidade que a gente vive. E eu deixei bem afastado, esse sentido de estar realmente participando dentro da questão de financiar alguma coisa e, eu pegar esse dinheiro. E hoje é uma batalha grande. Eu estou há um ano e pouco. Essa pessoa já até faleceu, que me deu um respaldo. Toda hora se muda e você não sabe qual vai ser a questão que vem agora (...). Um dos participantes também mencionou uma “perseguição” dos traficantes às associações de moradores, que estaria relacionada ao fato dos traficantes buscarem intervir nas associações em busca dos recursos financeiros de que essas dispõem em função de seu papel de gestor de programas sociais: Aconteceu um episódio muito chato lá [Nome da favela]. Pra ser sincero, depois da gestão do Garotinho, não sei se todos concordam (...), o Garotinho inibiu a entrada do tráfico na comunidade. Só que quando ele inibiu a entrada do tráfico, ele afrouxou a parte de baixo. Aí desceu o morro, pra assaltar a redondeza (...). Nós percebemos que eles [os traficantes] começaram a perseguir um pouquinho mais as associações de moradores. Que a renda estava menor pra entrar, eles têm o padrão de vida deles. A renda por ser um pouco menor, ele começou a pegar no pé da associação. Mais à frente no relato, o participante afirma que o governo de Antony Garotinho impediu a entrada de drogas nos morros, mas não retirou os traficantes da localidade. No entanto, está evidenciado que as flutuações no comércio da droga influenciam diretamente no interesse que os traficantes possam ter nos recursos da associação, e na autonomia que essas possuem para agir. A intervenção dos traficantes nas associações de moradores também foi discutida a partir de casos em que esses buscaram “financiar” atividades da associação. Esse financiamento foi considerado por alguns como uma armadilha, ao criar uma ligação entre traficantes e dirigentes e criar situações de dependência e de necessidade de reciprocidade por parte dos dirigentes. (...) Não tem também que ficar dando satisfação de tudo, e nem como ele colocou, ficar aceitando as coisas. Aceitou, é um favor, vai querer guardar armas, vai querer guardar drogas, vai querer se esconder da polícia. Não tem esse tipo de jogada. E deixar bem claro, a sede da associação é dos moradores entendeu? A sede não é do tráfico, é dos moradores.

Outros participantes, no entanto, afirmaram a impossibilidade de negar esse “financiamento”, tanto pelo perigo que tal negação representaria quanto pela tensão que seria criada entre dirigentes, traficantes e moradores da favela, que seriam beneficiados com esse financiamento. Participante: (...) Ele falou ali: “Ah, não vou receber nada de ninguém!” Concordo plenamente com ele, mas muitas vezes o cara chega aqui... ele vê que você vai fazer um evento. Ele chega pra você: “E aí meu cumpadi!”. E olha que hoje não tem mais dinheiro não, hein? Hoje eles não têm dinheiro. Hoje eles estão passando fome (...). Mas mesmo assim ainda chega um ali, com aquela boa vontade dele, querendo ajudar o grupo: (...) Aí o cidadão: “Não irmão, está tranqüilo, não esquenta não, pode deixar que a gente vai...”. “Não cumpadi, eu quero ajudar”. Aí chega lá, digamos com duzentos reais, tudo bem. Você não pode chegar pra ele e dizer: “Não, não quero o seu dinheiro não”. Moderador: Não pode? Participante: Não vou dizer isso pra ele. É a mesma coisa que eu estar desfazendo dele. Tudo bem, ele pode até colaborar com duzentos reais, mais eu tenho que mostrar pra ele que o que eu fiz custou dois mil. Se não tivesse aqueles duzentos reais ali, ia acontecer do mesmo jeito, está entendendo? Agora, aquilo ali, você pode até receber digamos porque, mas isso hoje, não tem mais dinheiro também não, que eles não tem mais dinheiro não. Ao serem questionados pela moderação do grupo sobre a possibilidade de afastamento em relação aos traficantes de drogas, alguns participantes relataram suas próprias estratégias para viabilizar esse afastamento, afirmando que seria possível exercer uma atuação a frente da associação sem aceitar a “ajuda” dos traficantes. (...) nossa creche estava desativada há oito meses, ele (representante do t ráfico) chamou o meu tesoureiro e falou, ofereceu uma verba pra que nós pudéssemos abrir nossa creche novamente. O meu tesoureiro, sem saber, trouxe pra assembléia e discutimos. Falamos o seguinte: “Só queremos ter espaço pra trabalhar. Não queremos nada desse pessoal! Se der pra pintar a parede hoje, pinta, se não dá, a gente pinta amanhã. Nós não queremos...”. Se você aceitar um real, mil reais ou cem reais, está devendo um favor. E sempre ele vai te


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