Seguranca, trafico e milicias no Rio do Janeiro

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Inicialmente, um projeto de cooperação entre governo federal e estadual trouxe para o Rio de Janeiro um grande contingente de homens, armamentos e viaturas, que foi denominado de força nacional de segurança. O Rio de Janeiro é projetado na vitrine do mundo, antes de mais nada, pela sua transformação em cenário nacional onde se daria o confronto entre o Estado detentor do monopólio da violência legal e o crime organizado. O dualismo Estado X crime organizado é transformado na nova ideologia de segurança nacional, na qual, em nenhum momento se questiona até que ponto o próprio Estado encontra-se envolvido no crime, ou mesmo, promove e organiza o crime. A complexidade da questão da violência, alterada de forma significativa pelo surgimento das milícias/grupos de extermínio diretamente operados pelo aparato policial, é simplificada pelo embate entre o bem e o mal, midiaticamente propagado. De um lado, destemidos e corajosos defensores do Estado de direito, do outro, facínoras que submetem a população ao domínio do medo e do crime, que controlam áreas faveladas e que precisam ser libertadas pelas forças do bem e da ordem. Justificada midiaticamente pela lógica do embate Estadobem x tráfico-mal, a nova ideologia de segurança nacional, na conjuntura do Pan-Americano, centralizará todas as atenções naquilo que a mídia definirá como o que é “possível” de ser feito, ou seja, operações policiais nas favelas. Todo o emaranhado e intrincado movimento da rede do crime, que envolve políticos, Estado, grupos econômicos, agentes do Estado e mão-de-obra barata de favelados é reduzida a uma política de confronto permanente. Completa o quadro a ampliação do uso de carros blindados, o Caveirão, numa dimensão inimaginável, para um governo que se elegeu garantindo o fim do uso desse aparato de guerra nas favelas. A transubstanciação da política de confrontos e escaramuças localizadas, com sua prática de eliminação sumária no varejo, ocultada pelo aumento dos autos de resistência, em política de execução sumária no atacado, ocorre exatamente no dia 27 de junho de 2007. Desde maio, após a morte de dois policiais, no mesmo local onde meses antes o menino de 6 anos, João Hélio Fernandes Vieites, foi arrastado e morto pelos assaltantes do carro onde

estava, a polícia iniciou uma longa e intensa operação no Complexo do Morro do Alemão. No dia 27 de junho, os conflitos permanentes no complexo do Morro do Alemão, que já tinha produzido 24 mortos por balas perdidas e 76 pessoas gravemente feridas, entre elas 19 crianças, transformaram-se numa operação com mil e duzentos agentes de várias delegacias, Core, diversos batalhões e Bope, além de 150 soldados da Força Nacional Segurança, que utilizou 1.080 fuzis, 180.000 balas e que durou oito horas. Na operação, 19 pessoas foram mortas e 60 foram feridas por arma de fogo, O relatório produzido pela comissão designada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, composta pelos médicos legistas Jorge Paulete Vanrell e Débora Maria Vargas de Lima e pelo perito criminal Jadir Ataíde dos Santos, lança luzes sobre o que ocorreu nessa operação. Segundo as conclusões do relatório, que evidenciam a existência de execução sumária e arbitrária, estão os fatos de que: “em quatorze das dezenove vítimas, totalizaram-se 25 (vinte e cinco) orifícios sediados na face posterior do corpo. Em seis das dezenove vítimas foram totalizados oito orifícios de entrada crânio e face. Em dezoito das dezenove vítimas, 46 (quarenta e seis) orifícios de entrada se localizavam no pescoço e no tronco.2” totalizando 75% dos disparos em áreas mortais. Ainda nas conclusões, há um elevado número de disparos por vítima, isto é, 19 vítimas atingidas por 70 disparos, numa média de 3,84 projéteis por vítima. Em cinco das dezenove vítimas, constatou-se a presença de zona de tatuagem, evidenciando a ocorrência de cinco tiros à curta distância. Há a presença de projéteis de armas diferentes utilizadas numa mesma vítima (Laudo N° ICCERJ-SPAF-004056/2007), além da ausência de indicativos de condutas destinadas à captura destas vítimas, nem indicadores de condutas defensivas por parte delas.

2. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Relatório Técnico de Visita de Cooperação Técnica – Rio de Janeiro (RJ) Julho de 2007, p.9.


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