Seguranca, trafico e milicias no Rio do Janeiro

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Milícias: Mudanças na Economia Política do Crime no Rio de Janeiro

José Cláudio Souza Alves1 As décadas de 1970 e 1980 assistiram a emergência dos grupos de extermínio na periferia do Grande Rio, mais precisamente na Baixada Fluminense. Nesse momento, uma articulação entre membros do aparato policial, isto é, policiais militares, policiais civis, guardas municipais e bombeiros que executavam, comerciantes e empresários que financiavam e políticos que respaldavam e se beneficiavam do esquema fez surgir uma das mais poderosas estruturas de execução sumária do mundo contemporâneo. Esse verdadeiro genocídio, que chegou a assassinar quase 3 mil pessoas por ano na Baixada, no final dos anos 80, chega hoje ao patamar de 2.500 homicídios dolosos por ano. 76 homicídios por grupo de 100 mil habitantes na média da Baixada e, em algumas regiões, como Seropédica e Itaguaí, algo próximo a 190 homicídios por 100 mil habitantes. Nos anos 1990, enquanto vários membros de grupos de extermínio ascendiam ao poder na Baixada Fluminense, tornando-se vereadores, prefeitos e deputados, o Rio de Janeiro assistia ao surgimento e expansão do tráfico de drogas e o controle que passaram a exercer sobre várias favelas e regiões da periferia da cidade. No mesmo período, vários casos como os da chacina da Candelária, da chacina de Vigário Geral e o das mães de Acari revelavam que no Rio de Janeiro a prática da execução sumária ganhava força. A diferença é que estava diretamente vinculada aos negócios econômicos e políticos em torno do tráfico e do controle das áreas favelizadas e periféricas. Enquanto os matadores da Baixada lavavam sua cidadania pelo voto, transformando-se em “personalidades” políticas do Rio de Janeiro e estimulando a trajetória política de tantos outros

matadores, inclusive em partidos considerados de esquerda. O controle político das favelas seguia a lógica das facções que controlavam o tráfico de drogas. Comando Vermelho e Terceiro Comando, com suas respectivas subdivisões e alinhamentos negociavam seus apoios. Em nenhum momento o aparato policial ficou fora dos acordos estabelecidos em cada favela. A entrada de determinados políticos, o estabelecimento de “líderes”, os limites entre as facções, as guerras, as operações de invasão de favelas, o seqüestro de chefes do tráfico e respectivo resgate, as operações para dar entrada a facções rivais, etc tiveram o envolvimento direto do aparato policial. Esse envolvimento direto dos agentes de segurança na economia política do crime, não só do tráfico, mas de todos os demais agregados: tráfico de armas, roubo e furto de carros e cargas, jogo do bicho e seus negócios: bingos e caça-níqueis, seqüestro e, a mais importante, a execução sumária, permitiram uma inserção diferenciada da política no crime. Enquanto na Baixada Fluminense, e mais recentemente na Zona Oeste do Rio de Janeiro os matadores ganharam notoriedade e cidadania, eliminando intermediários e galgando seus próprios espaços de poder. No restante da cidade do Rio de Janeiro, o aparato policial, falo aqui, é claro, não de todos os seus membros, mas daqueles que se envolveram na economia política do crime, torna-se mediador entre o interesse político do controle de áreas, oferecimento de favores e estabelecimento de clientelas, a partir de negociações que envolviam o recebimento de benefícios do tráfico de drogas, do jogo do bicho, de políticos, etc, enfim, tudo aquilo que servisse de moeda de troca no jogo econômico e político que envolve favorecimentos profissionais,

1. José Cláudio Souza Alves é sociólogo, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e autor do livro: Dos Barões ao Extermínio: Uma História da Violência na Baixada Fluminense"


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