Seguranca, trafico e milicias no Rio do Janeiro

Page 34

Segurança, tráfico e milícias no Rio de Janeiro

acumulação da coalizão de classes que compõe o bloco hegemônico hoje. A exemplo da política de pacificação das favelas colombianas, em especial as de Bogotá e de Medellín, e das ações nas áreas rurais que protestaram contra o tratado de livre comércio com os EUA, também no Brasil essa política vem sendo encoberta com o véu da política contra o narcotráfico que pretende separar a “parte boa” da “parte ruim” da sociedade. E os bairros e favelas em que habitam as chamadas classes perigosas são zonas prioritárias para essa política. A territorialização nos moldes dos bantustões é uma condição para que essa política seja eficaz. Nesses territórios, conforme o governador Sérgio Cabral: “As taxas de fertilidade de mães faveladas são uma fábrica de produzir marginal”19. Assim, as políticas de extermínio concorrem para “atacar o problema em sua raiz”: “o nascimento dos futuros marginais”. Os determinismos genético e social do governador são reveladores do quanto, no tempo presente, negros, pobres e camponeses são considerados pelos setores dominantes um outro inferior. São essas concepções que guiaram a formação dos Estados nacionais nos séculos XVIII e XIX e que seguem pulsando nos dias de hoje. As políticas de direitos humanos não podem deixar de levar em consideração o significado profundo dos ataques aos direitos humanos dos pobres e dos que, dignamente, lutam por transformações estruturais no capitalismo dependente erigido sobre a colonialidade do poder e do saber (Quijano, 2005). Acompanhando os debates e mobilizações sociais organizados em diversos fóruns, como a luta contra “o caveirão”20, a Plenária dos Movimentos Sociais, entre outros, é possível constatar que o tema está assumindo uma correta politização. É preciso seguir discutindo e mobilizando e denunciando as milícias e as tropas

especializadas em fazer incursões nos “territórios hostis” em que habitam os trabalhadores, promovendo baixas justificadas em nome da limpeza étnica e social. Não menos importante, a esquerda socialista, em seu conjunto, não colocou a problemática no topo de suas agendas políticas e, com isso, deixa de estar ao lado dos trabalhadores em defesa de seus direitos humanos fundamentais, negando, assim, os fundamentos do socialismo e ignorando o modo como os dominantes operam o seu domínio. São erros gravíssimos considerando a centralidade da luta anticapitalista. Este pequeno artigo pretende contribuir para uma mudança nessa ótica, incompatível com as lutas pela revolução latino-americana.

Referências Bibliográficas BORÓN, A. Democracia y movimientos sociales en América Latina. Rio de Janeiro, Em Pauta, n.19, Editora Revan, 2007. CECEÑA, A. E. Estrategias de construcción de uma hegemonia sin limites. In: Ceceña, A. E.,(Comp.) Hegemonías y emancipaciones em el siglo XXI, Bs.As.: CLACSO, 2004. __________ Los paradigmas de la militarización en América Latina. Rio de Janeiro, Em Pauta, n.19, Editora Revan, 2007. HARVEY, David 2004 O novo imperialismo. SP: Loyola. LEMGRUBER, J. Violência, omissão e insegurança pública: o pão nosso de cada dia. Trabalho apresentado no Encontro Anual dos Acadêmicos da Academia Brasileira de Ciências em 1º de junho de 2004. http://www.ucamcesec.com. br/arquivos/publicacoes/Julita_Associacao_Brasileira_de_Ciencias.pdf, acesso em fevereiro de 08. QUIJANO, Aníbal. Colonialidad do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LEHER, Roberto; SETÚBAL, Mariana (orgs.). Pensamento crítico e movimentos sociais: diálogos para uma nova práxis. São Paulo: Cortez/ Outro Brasil, 2005.

18. O relator da ONU, Philip Alston, se disse impressionado com o número de casos de morte em conflito com policiais, conhecidos como autos de resistência, no Estado. (...) Este ano foram registrados 1.072 autos até o fim de outubro, o que representa um aumento de 20% em relação ao mesmo período no ano passado (894 mortos). Este é o segundo maior número de autos de resistência desde 1998, quando as estatísticas da criminalidade no Estado começaram a ser divulgadas pelo governo. (...) O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) chama a atenção para o fato de que o aumento da ocorrência de autos de resistência no atual governo vem acompanhado do aumento do número de furtos e de roubos e da diminuição das quantidades de drogas e armas apreendidas pela polícia: “Esses números, apresentados pelo próprio governo, representam uma grande falta de eficiência e mostram que a lógica da atual política de segurança não se sustenta”. Maurício Thuswohl - Carta Maior . Complexo do Alemão: ocupação completa 6 meses; política de segurança é criticada, Carta Maior, 2007 (http://www.mndh.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id =239&Itemid=56, acesso em fevereiro de 08). 19. Daniel Munoz. Cabral apóia aborto e diz que favela é fábrica de marginal. Folha de São Paulo, Cotidiano, 25/10/2007. 20. Veículo blindado utilizado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro em incursões nas favelas populares, apelidado pela população de Caveirão por trazer em sua pintura negra o logotipo do Batalhão de Operações Policiais Especiais da Polícia Militar (BOPE), que apresenta uma caveira com uma adaga encravada e garruchas douradas cruzadas. Oficialmente, segundo a PMERJ, o nome desses veículos é Pacificador, por seu uso para manutenção da ordem social.


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.