Seguranca, trafico e milicias no Rio do Janeiro

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CAPITALISMO DEPENDENTE E DIREITOS HUMANOS: UMA RELAÇÃO INCOMPATÍVEL Roberto Leher1 A relação entre a formação das Nações e os direitos humanos dos povos e indivíduos não é unidimensional, linear e imediata; entretanto, a negação dos direitos humanos fundamentais é particularmente severa nas nações que não foram capazes de incorporar todos os povos no processo de formação nacional, situação da maior parte da América Latina. Com a exceção da revolução “jacobina” do Haiti (1791) em que os negros expulsaram seus algozes e lograram sua independência nacional, os demais processos de independência e de formação dos novos países não incluíram todos os povos, todas as gentes. Um Estado-nação é uma sociedade nacionalizada e, por isso, politicamente organizada: o pressuposto de uma nação é que todos os indivíduos possam gozar de cidadania e praticar a democracia política. Entretanto, a cidadania diz respeito a uma igualdade legal, civil e política para pessoas socialmente desiguais. Toda sociedade é uma estrutura de poder em que prevalece a imposição de alguns sobre os demais. Como, desde Marx, podemos pensar que a sociedade civil é a dimensão determinante frente ao Estado (que, por isso é o elemento subordinado no par EstadoSociedade Civil), é possível propugnar que todo Estado-nação é uma estrutura de poder (controle do trabalho, sexo, autoridade, intersubjetividade e conhecimento) (Quijano, 2005, p.70). Justo por se constituir como uma estrutura de poder é indispensável que a identidade das pessoas com o Estado-nação seja não apenas imaginada, mas real. Nos modernos Estados-nação

tem de existir alguma distribuição no controle do poder para homogeneizar a população, mas, ao mesmo tempo, é preciso manter um poder político estável e centralizado. Na Europa, a homogeneização implicou, não raramente, em limpeza étnica. Na Espanha, requereu expulsão dos judeus e dos muçulmanos. Assim, a problemática dos direitos humanos marca indelevelmente a história das formações nacionais. Uma exceção notável, fruto de uma revolução radical, aconteceu na França: distintamente, ocorreu uma democratização das relações sociais e políticas promovidas pela revolução francesa, favorecendo o afrancesamento efetivo, ainda que não total, dos povos heterogêneos que habitavam o território francês (Quijano, 2005, p.73). Nos países latino-americanos com maioria índia, negra e mestiça, a trajetória eurocêntrica que conduziu ao Estado-nação fez com que a maioria da população não se identificasse com o Estado-nação. Na América hispânica, muitos países possuem até 90% da população índia ou negra. Nestes casos, aconteceu uma completa negação da participação desses segmentos na vida democrática do país. A pequena minoria branca chegou a impor o pagamento de impostos sobre os índios e os mestiços. Esta minoria expandiu seus territórios e propriedades. Como assinalado, o Haiti foi o único país em que houve revolução social, nacional e étnica, objetivando a descolonização real e global de poder, intento que motivou a ação militar dos EUA que levou a experiência original a ser derrotada.

1. Professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRJ.


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