Seguranca, trafico e milicias no Rio do Janeiro

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existência de uma maior concentração na zona oeste da cidade, base anterior da “Mineira”. Embora os dados sobre as localidades dominadas ainda sejam incipientes, a partir das informações disponíveis, incluindo relatos de moradores destas áreas, é possível identificar algumas características sobre a composição e os mecanismos de ocupação e dominação das milícias. Trata-se de grupos compostos principalmente por homens ligados às forças de segurança do Estado, reformados e na ativa, provenientes das polícias civil, militar, do corpo de bombeiros e, em casos mais esporádicos, das forças armadas. Apoiados em um discurso fortemente moralista centrado na promessa de ordem e paz, estes grupos dominam e exploram áreas antes controladas pelo tráfico de drogas. Ao ocupar uma comunidade, as milícias “eliminam” o tráfico de drogas no varejo, mas passam a explorar as demais atividades ilegais existentes no território. Desta forma, tudo aquilo que era gerenciado pela rede do tráfico de drogas exceto o comércio ilícito das drogas no varejo – passa às mãos do novo grupo. Além disso, as milícias introduziram uma prática que não era utilizada pelo tráfico: a cobrança de ‘mensalidades’ por domicílio para remunerar a segurança privada5. Em alguns casos, também há informações sobre dinâmicas de especulação imobiliária, porém, de maneira geral, os grandes lucros das milícias estão nas taxas de segurança cobradas a comércios e domicílios, no ágio dos botijões de gás6, na exploração clandestina da TV a cabo (popularmente conhecida como “gatonet”) e na taxação dos serviços de transporte alternativos (kombis, vans e moto táxis). Isso significa que agentes do Estado, com conhecimento anterior da dinâmica das redes ilícitas, optaram por firmar-se enquanto mais um grupo criminoso organizado e independente, visando assumir de forma exclusiva os lucros obtidos nos territórios dominados. A motivação é, sobretudo, financeira. No entanto, o argumento central utilizado pelas milícias para obter apoio nas ocupações é de que vão estabelecer a paz e a ordem, ¨livrando” as comunidades do tráfico de drogas e trazendo “benesses” para a comunidade. O êxito que estes grupos vêm obtendo nos processos de invasão e ocupação de territórios que eram

controlados pelo tráfico se explica, em parte, pelo conhecimento da dinâmica e estrutura local derivado de relações anteriores com a rede ilícita, e pela promessa de abolir os confrontos armados, a exposição ostensiva a armamentos pesados e ao tráfico de drogas. Alguns grupos contam ainda com o apoio do aparato de segurança oficial do Estado. As ocupações costumam se dar de forma rápida e discreta. De acordo com relatos de moradores de áreas dominadas, são comuns, durante a invasão e ocupação, os desaparecimentos e as execuções de pessoas ligadas ao tráfico de drogas local. Ao contrário da ‘polícia mineira’ - grupo formado basicamente por policiais moradores das comunidades - as milícias se organizam externamente à comunidade e tomam o território sem que haja qualquer tipo de pertencimento ao lugar. No entanto, os dois tipos de organização criminosa convergem em alguns aspectos. Tanto na ‘polícia mineira’, como na ‘milícia’, o fator exploração-econômica a partir do controle do território aparece como uma característica essencial. Por outro lado, não se tratam de organizações com um comando único. Cabe destacar que além da motivação econômica, há indícios de que as milícias também almejam influenciar a esfera política a partir da criação de currais eleitorais e da articulação com representantes do legislativo e do executivo. Um levantamento realizado pelo Jornal O Globo em 20077, indicou que das 92 áreas dominadas naquele momento pelas milícias, 73 tiveram pelo menos um policial, bombeiro ou militar reformado entre seus candidatos mais votados nas últimas eleições. De 9 candidaturas da área de segurança pública, 5 se elegeram com votações expressivas em áreas ocupadas por milícias. É nesse contexto que as milícias vem se expandindo no Rio de Janeiro com uma velocidade alarmante. A dominação das milícias se dá por meio de monitoramento e controle permanente sobre a comunidade, de modo que qualquer iniciativa está sempre sujeita à deliberação e aos interesses do grupo dominante. Isso implica mecanismos de coação da população, incluindo a coação armada, ainda que de forma mais velada que a do tráfico. Com isso, o morador não

5. Este tipo de cobrança não é realizado em todas as comunidades sob domínio das milícias. Foi constatado que em algumas localidades a cobrança é feita somente ao comércio. 6. Os moradores são obrigados (ou pelo menos intimidados) a adquirirem os botijões vendidos dentro da comunidade, com preços acima da média. 7. Publicado na edição do dia 11 de fevereiro de 2007.


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