Livro zelima beijos de deus prova 3

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Beijos de Deus nos lรกbios do mundo


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In memoriam

Nabor Nunes Filho



Pensar e deixar pensar. John Wesley

Os revolucionários verdadeiros vivem certezas de vitória. Essas certezas se alimentam, em última instância, de uma espiritualidade. Se alimentassem unicamente de êxitos reais na luta, os desânimos derrotariam constantemente os lutadores. [...] A fé é aderir a certezas sobre a vitória da vida. Mais, porém, que saber, ela deve ser sabor. Saborear e converter cada passo da caminhada, na perspectiva da opção tomada com firmeza, em fonte de novas linguagens, críticas umas, exultantes outras, na celebração do sentido da caminhada. Expressar paixão pela vida é o sentido mais profundo da oração. Hugo Assmann



Agora

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A lembrar

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Aquela ocasiĂŁo

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Agora

... E caminhando sereno admito que o tempo aumenta a devastação aos cabelos e minha cabeça se expõe a outros sopros. Do inexorável emerge nova peraltice. Desconfio que lembranças de textos antigos – pretensiosamente poéticos – sugerem releituras. Gratuitas. Nisso o olhar condescendente sorri sem pressa e com igual desculpa para inquietações e ingenuidades. Foi bom. Isso basta. Por incrível, porém, alguns fatos e fatores parecem sobreviver e resistir – desdobrados – desde então: um grande esforço registrando, com gosto e gozo, sua escrita...; uma estilística balbuciando suas vírgulas pelas reentrâncias do verbo...; um grafo incerto engatinhando até seus tombos autorais.... Discutivelmente isso, apenas isso.


Em uma escrita poética o corpo conta estórias querendo historicizar – prazerosa teimosia. Sempre fugidio, o poético deseja exceder as fronteiras das letras. Seu locus transcende ao logos. Emerge e retorna ao sentimento. Aí, nesse instante, o tempo da poesia é simultaneidade como duração emocional, ainda que diacrônica. Com efeito, poesia não é experiência para ser somente lida, ouvida, entendida. Ou a sentimos ou inexiste. Talvez alheia às discussões sobre cabíveis, instigantes e elucidativas relações de forma-e-conteúdo, às vezes a poesia passa ao largo de exercícios teóricos e críticos. Escolhida pelo poeta-que-sugere e acolhida pelo poetaque-adere, a emoção do encontro poético subverte a tentação do saber..., e seduz o prazer pelo sabor. Quase misteriosamente.

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Com esse diapasão este livro transcreve (com pequenos e poucos ajustes) alguns textos dentre tantos que elaborei durante minha passagem pela Pastoral Universitária da Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. São poemas, homilias e comentários grafados sob algumas convicções incipientes que assumira à época (1982-1985): Materialismo Histórico e Teologia da Libertação. Com muita debilidade conceitual procurava combinar essas referências diante de uma realidade histórica específica e bastante aguda: o regime político civil-militar de exceção iniciado

em

1964;

a

economia

capitalista

tardio-

dependente dos grandes centros do hemisfério norte e do extremo asiático; e a cultura industrializada para a grande massa humana vulnerável na primeira metade daqueles anos oitenta. Embora datados (e, portanto, reféns do contorno social de trinta e cinco anos atrás), acho que alguns desses textos guardam eventual atualidade. Sim, as águas mudaram. Contudo o rio ainda serpenteia por entre pedras e pregas à direita e à esquerda. E suspeito que alguma palavra teimosa ainda perambula submersa no seio da terceira margem.

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A lembrar

Comecei como professor na UNIMEP em fevereiro de 1977 (aos vinte e cinco anos – completados em outubro de 1976), lecionando em duas áreas das minhas graduações: Bacharelado em Teologia e Licenciatura em Filosofia. Foi a primeira experiência em sala de aula, fora das Escolas Dominicais nas Igrejas Evangélicas.


Só eu sei quanto me custou essa ousadia. Tive de buscar uma auto-superação difícil, extensa, desafiadora..., pois não estava devidamente qualificado para tamanho desafio profissional. Hoje, sobremodo contente, constato que por mera eventualidade, muito empenho e algum êxito comemoro, neste 2017, quarenta anos de trabalho no Instituto Educacional Piracicabano 1. Lembro, a propósito, que minha entrada na Universidade como docente só aconteceu porque acolhi de bom grado um convite irrecusável da Reitoria ao final de 1976. Explico: desde o segundo semestre de 1975 e durante todo o ano de 1976 viajei até Piracicaba e trabalhei 2 uma tarde por semana na UNIMEP apresentando estudos bíblicos para alunos, professores e funcionários – incluindo algumas pessoas das instâncias superiores da Instituição.

Com o Instituto Educacional Piracicabano (IEP), entidade mantenedora da UNIMEP, formalizei três sucessivos contratos de trabalho: Prontuário 1206-4 (14/02/1977 – 31/12/1985); Prontuário 3506-3 (03/03/1986 – 30/04/1991); Prontuário 4948-0 (02/05/1991...).

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Essa atividade era parte do trabalho mais amplo como evangelista do Grupo Universitário Ágape, de Campinas – vinculado à Associação de Ensino CRESCER. Além desse compromisso que me ocupava praticamente todas as noites da semana, incluindo sábados, também exerci em 1976, durante o dia, a função de escriturário (concursado) na Primeira Delegacia de Ensino de Campinas.

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E justamente entre esses alunos-funcionários dirigentes alguns eram responsáveis pela coordenação acadêmica da UNIMEP e precisavam compor o quadro docente para uma nova disciplina a ser oferecida em 1977. Sabedores de minhas graduações e avaliando favoravelmente meu desempenho como professor de estudos bíblicos, esses líderes da UNIMEP explicitaram o convite oficial para lecionar a nova disciplina, Cultura Cristã,

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bem como

outra nítida e igualmente caracterizada como interesse institucional: Introdução à Filosofia. Óbvio, aceitei. Desse modo, a partir de fevereiro de 1977 até o término de 1978, além das aulas nos três turnos em diferentes Cursos de Graduação, continuei dirigindo as reuniões de estudos bíblicos, então com novo vínculo profissional. Passei a participar da Associação Cristã de Moços Universitários (ACMU), setor ligado diretamente ao gabinete da primeira reitoria da UNIMEP (1975-1978), sob o comando do missionário Dr. Richard Edward Senn. Minha atividade na ACMU estava voltada ainda para a coordenação e preparação de estudantes que passaram

No início da década de 1980 o nome dessa disciplina já estava alterado para Teologia e Cultura. Lecionei essa matéria por volta de vinte anos, sempre com referenciais acadêmicos, sem qualquer proselitismo religioso-doutrinário.

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também a ministrar estudos bíblicos. Esse método de discipulado alcançou uma boa participação a ponto de conseguirmos preparar e implementar no segundo semestre de 1978 quinze grupos de estudos bíblicos (um em cada período de intervalo das aulas, nos três turnos diários, de segunda a sexta-feira), dirigidos por quinze estudantes

provenientes

de

diferentes

orientações

confessionais cristãs. Informo, ademais, que alguns familiares do Sr. Reitor – sua esposa Naomi Hanna Senn e seu filho Mark Senn – por volta de 1973 organizaram a banda Jovem Som, cuja direção musical coube, com destaque, à competência da talentosa secundarista Darlene Barbosa. 4 Com esse grupo pop-cristão-conservador vivi em 1977/78 experiências artísticas únicas e marcantes (como redator, apresentador, cantor e ator) ao participar de algumas cantatas que, teatralmente, mesclavam mensagens evangelísticas e

Darlene Barbosa Schützer, tempos depois, escreveu duas excelentes monografias acadêmicas, sob orientação do Prof. Elias Boaventura. Sua dissertação de Mestrado em Educação na UNIMEP: Em Missão na Escola: As Pastorais Escolares da Igreja Metodista (2000); e também na UNIMEP, sua tese de Doutorado em Educação: Universidade Metodista: Sonhos e Descaminhos (2005). Ambos trabalhos são fontes inestimáveis de informações sobre a Pastoral Universitária e sobre a UNIMEP; principalmente porque dadas em primeira mão, por quem delas participou desde seus inícios.

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ecológicas,

apresentadas

para

toda

comunidade

universitária como também para outros interessados de Piracicaba e cidades da Região. A saída do reitor Richard Senn em agosto de 1978, entre outras, trouxe como consequência o fim das atividades da ACMU e do conjunto Jovem Som em dezembro daquele ano. De certa maneira encerrava-se assim uma primeira marca confessional metodista na UNIMEP (stricto sensu). E, claro, também encerrei minha atuação na área dos estudos bíblicos, ficando apenas como docente das disciplinas Introdução à Filosofia e Cultura Cristã (Teologia e Cultura). O novo reitor empossado em agosto de 1978, Prof. Elias Boaventura, com nova dinâmica administrativa e aberto para uma postura mais democrática em vários aspectos políticos e culturais, reformulou a presença da Igreja Metodista na Instituição. Buscou no país e no exterior uma liderança acadêmica e eclesiástica progressista. Então chegou a partir de 1979 um grupo de educadores com o mais qualificado compromisso de tornar a UNIMEP (a primeira universidade metodista da América Latina) uma

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referência de luta pelos Direitos Humanos em todas as suas implicações históricas.

Dessa movimentação e

mudança surgiu a Pastoral Universitária – nitidamente engajada em propostas emancipatórias e libertárias. Convém lembrar também que escrevi no segundo semestre de 1981 o livreto Papo de boteco – uma espécie de registro dos subsídios didáticos que criara para as aulas de Teologia e Cultura (mais especificamente, uma abordagem teológica a partir de canções da MPB). Esse livreto foi solicitado pela Pastoral Universitária da UNIMEP e se constituiu a primeira publicação da Série Pastoral; e creio também ter sido o primeiro lançamento da Editora Unimep. Penso que a aceitação desse livreto justificou suas quatro edições, esgotadas no âmbito da própria Escola. Assim, foi principalmente por conta dessa minha atividade de escrita que a Pastoral Universitária da UNIMEP também me convidou para fazer parte da sua Equipe. Contente com mais esse convite, logo aceitei. E de janeiro de 1982 até dezembro de 1985 assumi a responsabilidade pela presença e pelo serviço da Pastoral

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no Campus de Santa Bárbara d’Oeste. Como convinha, também participava semanalmente da reunião com todo o Grupo no Campus Centro. Tudo isso sem abrir mão da docência em vários Cursos com as disciplinas já mencionadas e outras correlatas. Sublinhando o sentido do que me parece a maior razão de meu ingresso na Pastoral, relembro ainda que, com frequência, nas reuniões semanais da Equipe assumia o compromisso de escrever algum texto relacionado às muitas demandas específicas do trabalho da Pastoral. Foram páginas e páginas escritas em tom profético ou sacerdotal sobre questões internas e externas à UNIMEP. Esses textos eram pautados com demarcações variadas: pelas datas dos feriados nacionais; pelos eventos de destaque da Instituição; pelos fatos mais impactantes da política, da economia e da cultura do país e do mundo; pelas consagradas celebrações do calendário litúrgico cristão... etc. E antes de transcrever os sessenta textos que selecionei, registro aqui os nomes de colegas e amigos com quem aprendi durante quatro anos o que é e como atua uma

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Pastoral Universitária 5: Adesses Araújo, Alba Salgado Belotto, Almir Linhares de Faria, Benedita da Silva, Clara Amélia Alves de Lima, Claudemir Ferreira, Darlene Barbosa Schützer, Domingos Alves de Lima, Janice Isabel Rodrigues Bicudo, John Dawsey, José Antonio da Silva, Levy Cachioni, Lisley Gomes da Silva, Marcos Aurélio de Souza Barbosa, Nabor Nunes Filho, Nilo Belotto, Parke Renshaw, John Garrison, Peri Mesquida, Reynaldo Portillo, Sebastião Eduardo Martins, Umberto Cantoni, Vanete Caldeira e Yone da Silva. A toda essa inesquecível Equipe, meu abraço carinhoso. Agora, a lembrar esses escritos em ordem cronológica, com alegria os ofereço a você nas folhas que se seguem: primeiramente os textos tais e quais; depois, recordo algo do contexto histórico que talvez ilustre um pouco aquela ocasião em que cada texto surgiu. Memórias. Boa leitura.

Talvez um ou outro nome posso ter, infelizmente, esquecido; pelo que lamento muito e peço desculpas.

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Editorial Neste boletim você perceberá um pouco mais que a Pastoral Universitária da UNIMEP quer dar espaço àquilo que o termo grego dynamis procura comunicar, ou seja, poder libertador. Este poder, diga-se de passagem, por causa da passagem (páscoa) é o mesmo que libertou Jesus da morte, ressuscitando-O. Dynamis se operacionaliza quando há o anúncio de boas notícias aos oprimidos, quando há a denúncia das obras más dos opressores e quando há a convivência fraterna sob a consciência da presença graciosa do doador da VIDA. Assim sendo, a Pastoral, sem se considerar a única portadora deste poder libertador, se oferece

à

comunidade

como

mais

um

instrumento a viabilizar o possível do Reino de Deus. Ou, noutros termos, a Pastoral, ciente de suas limitações, coopera para que a VIDA se aproxime dos fatos e deixe de ser quase um boato.


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Pra não papaguear

Vem cá, louro, negó-seguin: Desejamos estar com você pro-que-der-e-vier... Especialmente quando a “justiça” pintar a abstração pelo concreto; quando o “amor” ficar confinado à fuga; quando a “alegria” se vender desgraçadamente; quando a “liberdade” sorrir amordaçada; e também quando o “quando” trouxer o imprevisível.


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Bode nas bodas; pode? João 2: 1-10

Não me perguntem como é possível, quimicamente, alguém transformar água em vinho. Se soubesse, por certo, teria outra vida. Entretanto, alguns poderão objetar que a questão básica não é o milagre escrito por João e, sim, saber se ele estava (ou não) bêbado quando escrevia. Seja como for, o que mais interessa agora é destacar um detalhe, ou seja: a alquimia citada tinha uma finalidade: garantir e melhorar a alegria de gente simples, despojada e oprimida de muitas maneiras. Digo gente simples, pois acho que se a festa fosse de pessoas economicamente privilegiadas não iria faltar vinho...; e talvez nem seria convidado um trabalhador braçal como o carpinteiro de Nazaré.


Portanto, nesta passagem, parece que Jesus deve ser encarado como aquele que transformou a natureza para o bem estar do povo, para a alegria da gente simples. O químico contemporâneo – e, por extensão, todo o cientista – sente de perto os desafios de seu conhecer. Ele é capaz, manipulado pelo poder dominante, manipular seu dominado saber e, como um deus, criar situações. Está ao seu alcance conseguir os mais variados matizes de cores e fragrâncias, como também poluir rios, terras, mares e ar. Ele pode contribuir para que haja uma alimentação verdadeiramente sadia, bem como um envenenamento genocida em suaves prestações (desde que o lucro seja à vista). Ele tem condições de fazer a festa ou fabricar o féretro; trazer o riso ou a lágrima. Temos, então, que optar diariamente: ou o vinho para o povo (em nome da alegria), ou o povo para o vinho (em nome da alienação).

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Lição aritmética

Se em adição à pai-chão nossa de cada dia subtrairmos os judas de toda espécie, multiplicar-se-ão chances históricas das discriminatórias divisões serem enforcadas.


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Confissões de um branco

Além de tardia, a intenção isabelina não conseguiu libertar-me de incertos temores. Em mim o medo continua: confinado nos signos do sufoco que ao negro dedico e no silêncio das sublimações que me castigam. Além da ironia ou por um mea culpa mal resolvido, vejo o numeral 1888 – constante na lavratura daquela lei que ainda guarda uma áurea ambiguidade – como insólito e ignóbil disfarce ou como cicatriz atroz: na casa do milhar (só pra humilhar) um pelourinho a escorar uma centena de algemas.


Além da alforria, às vezes sou um brancóide que insiste em nojentas discriminações à pigmentação dos corpos. Num

racismo

acorrentado

a

fatores

que

também

dicotomizam pela grana & pela fama, procuro corrigir a estória da história e, pontuando minhas idiossincrasias, afirmo: nego que te quero, negro. Além da folia, às vezes sou um branquicela dopado pela ingenuidade idealista. Teimo radicalizar o ser social, desmaterializando-o. Ensaio e ensejo só uma essência. Teorizo que o corpo se ressume na pessoa. E como esse conceito de pessoa não comporta o conceito cor, ao querer suprimir o preconceito acabo anulando a colorida-ecultural concretude corpórea. Nessa estória de descolorir (... que é uma ideologia histórica) e ao imaginar que sou poeta, decreto a abolição da vírgula e pontifico: nego que te quero negro.

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Além da antinomia entre o brancóide e o branquicela, a terra treme. E das poeiras e cinzas ouço um profeta reclamar: brancos de todo o mundo, puni-vos! Resgata-se a cor. Transpõe-se o pó. Liberta-se a ética. Corporifica-se a poética. Cor-pó-ética. Com esperanças, então, percebo brechas por onde podem emergir sínteses superadoras. E munido com uma autocrítica que se me impõe escapo da equivocada pretensão de sozinho (como branco) tentar atualizar a utopia da felicidade policromática. Assim sendo, virgulando as ideologias, negando as negações, abolindo as estórias, revolucionando as posições dos termos históricos, acentuando com ternura o que fora opressora expressão, hei de dizer um dia: Nêgo negro..., te quero!

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Áreas de atuação da Pastoral

Teoricamente, a tricotomia “profético-sacerdotal-evangelizante” tem um caráter provisório e relativo. Não se trata de uma distinção absoluta e definitiva. Ela é mais funcional e um tanto artificial para dar condições operatórias a uma unidade de propósito: a missão. Essa tríplice divisão guarda uma dupla relação: Primeiro, ela se relaciona com a tarefa da igreja (tanto no Velho Testamento, como no Novo Testamento) dentro do que se convencionou chamar “Reino de Deus”. Aqui a divisão está na perspectiva da versatilidade da missão em seus três possíveis momentos de ênfase. Segundo, ela se relaciona internamente, ou seja, esses momentos não são autônomos e auto-suficientes; eles se explicam na reciprocidade, na interação, em um todo, conjunto. Aqui a pluralidade das ênfases é superada pela singularidade abrangente da missão.


Conscientes dessa dialeticidade, convém aprofundarmos um pouco

mais

os

conceitos

“profecia”,

“sacerdócio”

e

“evangelho”. Como todo conceito é a tradução de uma visão da realidade,

alertamos

que

o

que

se

segue

deve

ser

contextualizado historicamente. Compreendemos que, no nosso caso (Pastoral Universitária) ser profeta/sacerdote/evangelista implica uma postura dentro do sistema capitalista. Não um “dentro” de conivência gratuita e, sim, um “dentro” de contingência a exigir a graça da conversão. Profecia – Palavra do Senhor ao mundo. Profeta é aquele que tem

a

mensagem

da

utopia

do

Reino

para

os

seus

contemporâneos. Sendo assim, subentende-se que haja um protesto ao topos imediato em função de um projeto para uma nova ordem. Para isso há que se denunciar a injustiça, a opressão e o desamor concretos do sistema sócio-econômico capitalista, com seus símbolos organizados e alienantes. A denúncia, portanto, contrai núpcias com o anúncio... O manifesto se acasala com o mistério... E a condenação patente é gerada no ventre da latente esperança.

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Sacerdócio – Palavra do mundo ao Senhor. Sacerdote é aquele que, com o mundo, clama para que a esperança seja atualizada; para que um novo sistema se organize com novos símbolos. O sonho do Reino justo, livre e fraterno será viável à medida que houver o oferecimento vertical dos serviços horizontais. As celebrações da vida verdadeira, com sua concretude radical, desacatam as forças abortivas dos necrófilos e trazem à luz os filhos da alegria, do aroma suave e da comunhão. Evangelho – Aviso significativo. Evangelista é aquele que, sabendo que o diálogo profecia-sacerdócio não é vivido por todos, promove a propagação dessas palavras. Há, nesse sentido, uma busca quantitativa e qualitativa para a extensão do Reino. As boas-novas, porque pertinentes, problematizam as gentes, conscientizando-as de suas situações e das cabíveis saídas. O evangélico é católico em suas pretensões e atitudes missionárias. Dito de outro modo, a universalidade da proposta do Reino tem de ser exposta às pessoas concretas, para que estas possam dar as respostas que contribuam para a antecipação do esperado fim.

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Super tição

... Enquanto ainda forçados forem olhos com remelas a lamber panelas sem ovos, não há gosto pra tudo e todos nesta sexta-feira, treze. Azar? Sorte? Destino? Não, não e não!!! É o intestino a lacrimejar a morte enquanto ainda...


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Oráculo Lembrando Porvir

Ah! Se todos chorássemos o massacre também sofrido pelos... Proletários, explorados em sua força de trabalho; Analfabetos, diminuídos em seus direitos; Lavradores, arados pela ganância mediatista; Esposas, estupradas por seus próprios maridos; Senis, tele-vistos no abandono; Torturados, vitimados pelo arbítrio; Índios, roubados de suas terras; Negros, negados em sua concretude; Órfãos, carentes de carinho; Sonhadores, frustrados pelo pesadelo dessa vida; ... talvez deixássemos de ser essa massa acre, pois, então, a lágrima se converteria em lâmina ca-paz de decepar o desamor.


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Hino à ciência da inocência Mateus 18: 1-9

Outra vez Jesus desconcerta a todos nós que somos amigos e amantes dessa pretensiosa e perigosa musa contemporânea: a tecnologia. Ao observar a superioridade das crianças no que têm de autenticidade e ternura, Jesus parece dizer que esses valores não precisam de iniciação científica. As crianças são ainda mais superiores porque não se sabem superiores, e essa ignorância lhes assegura a sabedoria. Hoje, por bênção e graça da tecnologia, nós – adultos na vida – podemos nos converter em adúlteros da vida se o prazer de existir for prostituído no gozo de um poder opressor.


Aliás, será que isso não ocorre quando, escondendo a criança que somos, trocamos a alegria das roupas multicoloridas pela seriedade destas becas que nos impedem pular corda e plantar bananeiras? Será que isso não ocorre quando, reprimindo a criança que somos, trocamos a socialização de uma brincadeira pela discriminação

destes

diplomas

proibidos

ao

povo

empobrecido? Será que isso não ocorre quando, mutilando a criança que somos, trocamos o gosto por uma vida abundante pela conivência ao cinismo com que o capitalismo pode ter preparado alguns destes engenheiros que serão usados, talvez, contra a vida de muita gente? É sempre bom lembrar, portanto, que as alianças contraídas

por

essa

deusa-demônio

(a

tecnologia)

comprometem, em muito, suas reconhecidas e louváveis contribuições ao bem-estar da humanidade. Junto com o bem, alguns cientistas têm utilizado suas mãos, seus pés, seus olhos..., para o mal, fazendo tropeçar

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as criaturas simples. E isso é um escândalo inevitável, por enquanto (porque um dia coisa muda). Porém, ai daqueles pelos quais vêm os escândalos. Assim

sendo,

se

o

nosso

saber

organizado

em

determinadas técnicas vier a prejudicar os pequeninos, convém, então, exorciza-lo de nosso corpo antes que esse saber nos seduza tanto que, impotentes, nos conduza e nos reduza ao nada..., e não nos sobrem mãos, pés, olhos... para participarmos do novo mundo que vem vindo – garantido pelas crianças que podemos ser ainda!

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Setas

Neste tempo, fazemos uma escolha clara pela vida, manifesta em Jesus Cristo, em oposição à morte e a todas as forças que a produzem. [...] A missão acontece quando a Igreja sai de si mesma, envolvendo-se com a comunidade e se torna instrumento da novidade do Reino de Deus. Vida e Missão, pp. 13-14.

Confinados

à

proposta

de

libertação

da

vida,

nós

componentes da Pastoral Universitária – devemos sugerir e seguir algumas pistas para que o novo emerja. Conforme as expressões que encabeçam este texto, pelo menos dois pressupostos precisam estar assentados, os quais servem de base para serem fincadas as setas. Primeiro pressuposto: A morte não é natural, embora atinja toda natureza. Ela é produzida, inventada historicamente. Segundo pressuposto: O envolvimento da Igreja com a comunidade é um exercício para o novo. É o deslocamento e a ampliação da identidade do Corpo: deixar de ser apenas uma organização (com delimitações formais) para ser parte de um organismo (como vida que se renova) chamado Reino.


Setas

que

sensibilizam.

Considerando

que

não

foram

esgotadas as potencialidades do existir humano, há necessidade de se indicar a versátil possibilidade dos valores da vida. A Pastoral Universitária precisa lembrar a todos que o cosmo, a comunidade e o corpo ainda estão em aberto, aguardando a fecundação do novo. Setas que evidenciam. Considerando que a mesmice opressiva é necrófila, há necessidade de se denunciar as forças contrárias à concretização da existência significativamente feliz. A Pastoral Universitária precisa desnudar a maneira clandestina como estruturas e conjunturas abortam a gestação do novo. Setas que trabalham. Considerando que resta uma esperança a animar o sufocado sopro da vida, há necessidade de se agilizar a tarefa utópica de atualização tópica dos sonhos. A Pastoral Universitária precisa co-operar com o gene que geme porvir à luz. Setas que anunciam. Considerando que os projetos da vida têm conseguido algumas vitórias sobre a anti-vida, há necessidade de proclamá-las. A Pastoral Universitária precisa lançar aos ventos vozes que ressoem as alegrias nascentes: as boas-novas – rebentos paridos do novo.

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Setas que suprem. Considerando que as limitações do cotidiano podem comprometer a caminhada crescente da vida total, há necessidade de se nutrir o cosmo, a comunidade e o corpo,

especialmente

quando

redivivos.

A

Pastoral

Universitária precisa inspirar o contínuo amadurecimento do novo para que este possa reproduzir sempre a novidade da vida, nunca a mesmice da morte.

Sensibilizar Evidenciar Trabalhar Anunciar Suprir – Pistas para a vida e para o novo em nome do Verbo.

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Dá-me tua mão II Reis 10: 15

Formandos da “Turma Nossos Pais”, inicialmente quero cumprimenta-los, com alegria, pela escolha do nome da turma. Vocês conseguiram aliar, sem simplismos, a simplicidade e a profundidade dos mais louváveis sentimentos de gratidão. De igual modo, quero crer que as homenagens ao patrono, ao paraninfo, aos mestres, aos funcionários, estão dentro dessa mesma característica, ou seja,

o

agradecimento

destituído

de

bajulações

constrangedoras; apenas o muito obrigado despido dos execráveis e indisfarçáveis puxa-saquismos – tão comuns a tantas outras turmas de formandos. Inserido nesse espírito que vocês criaram (a partir do texto do convite), eu me rendo para lhes falar um pouco, com carinho, sobre companheirismo, conforme a passagem bíblica anuncia: Tens tu sincero o coração para comigo, assim como o meu o é para contigo? Se assim é, dá-me tua mão.


Companheirismo se fundamenta, acima de tudo, em uma sincera amizade, sem máscaras, sem segundas-intenções, sem a cumplicidade de omissos silêncios fraticidas. Nesse sentido, inspirado por Einstein & Guevara, talvez pudesse ser dito que amizades há, estabelecidas na ampla gama da relatividade, que são de uma energia incrível, só equiparadas à massa quando multiplicada pela ternura e loucura do quadradismo da velocidade da luz. Ou, segundo os contornos de Ipanema e Leblon, fosse ainda possível asseverar que amizades há, também, coloridíssimas graças à fogosidade e fugacidade do contemporâneo. Porém, poucas são as amizades que, concretamente, alcançam a sutileza e a propriedade contidas na bela Canção da América, em que Milton Nascimento & Fernando Brant afirmam numa frase singular: amigo é coisa pra se guardar no lado esquerdo do peito. Aliás, um lembretezinho: é sempre muito bom se ter uma generosa abertura para a esquerda, sem que isso signifique o descompromisso baderneiro, como alguns neuróticos depredadores parecem querer supor.

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Voltando ao tema do companheirismo, espero que a prática da tão cara teoria recebida nesta Universidade tenha a marca da verdadeira amizade, daquela amizade voltada para a luta dos menos favorecidos nesse sistema discriminador que é o capitalismo. Se vocês, um dia, se sentarem à mesa e disserem: vamos ao suculento strogonoff nosso de cada dia, regado ao vinho de Besançon..., enquanto o seo Zé, o Tião, a Dona Leonor e a Dagmar estiverem requentando suas marmitinhas depois de exorcizarem suas sofrência no agasalho de uma branquinha no gogó, então lembrem-se que o luxo de vocês é devido ao lixo de muitos outros que despencam no anonimato da marginalidade. E aí, se vocês preferirem o status quo, voltando as costas para a operacionalização da utopia, então o companheirismo, a amizade – tão bonitos no convite de formatura – acabará se constituindo em mera decoração do palavreado e não uma palavra do coração. Enfim, queridos engenheirandos, quando receberem estes diplomas, acho que sentirão o peso dos que foram proibidos de tê-los também. Com efeito, por tais companheiros é que faz sentido estarem hoje aqui.

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Engenharia de Provisão Messiânica I Coríntios 12: 14-26

É bem verdade que essa passagem bíblica diz respeito, originalmente, às questões próprias da Igreja Cristã, conforme a óptica do apóstolo Paulo. No entanto, sem me prender às clássicas interpretações, tomo a liberdade de fazer um rápido comentário sobre esse trecho, preocupado com uma aplicação à realidade de vocês, formandos. Entendo que a ideia fundamental do escrito paulino está na constatação da necessária diversidade de membros e funções, dentro de uma vital unidade orgânica. Noutras palavras, cada pessoa tem o seu papel a desenvolver para que o todo social viva fraterna e solidariamente. Entretanto, convém evitar os possíveis equívocos em um desdobramento apressado da tese defendida pelo apóstolo. Em uma análise superficial tem-se a impressão que Paulo propõe uma perspectiva meramente funcionalista da sociedade, o que reforçaria, em última instância, o caráter fragmentador, individualista

e

competidor

do

modo

de

produção

e

reprodução capitalista. Pode parecer, então, que a mensagem


aos cristãos em Corinto, na Grécia, equivaleria ao nosso ditado “cada um por si e Deus por todos” – o que, aliás, é uma grande e atraente incoerência e, por isso mesmo, eficaz em certos contextos ideológicos como o nosso. Especificando um pouco, você – formando em engenharia de produção capitalista – já deve saber o que significa a famosa divisão social do trabalho; isto é: entre outras coisas, que determinadas pessoas são postas para o trabalho intelectual e as demais para o trabalho braçal; e que as primeiras, consideradas mais importantes, percebem melhores vencimentos (como é o casso dos engenheiros em relação aos boias-frias). Pois bem, você deve saber, então, que a vigente divisão social do trabalho não foi inventada e nem implementada com o objetivo de atender o bem comum, o bem de todos os trabalhadores. Por exemplo, se você vier a ser empregado para desempenhar a qualificação universitária ora concluída, provavelmente você será forçado a calcular e projetar a produção visando um custo mínimo para um lucro máximo, ainda que para você esse lucro tenha um retorno mínimo, a um custo máximo. Nesse sentido, você correrá o risco de abrigar a desagradável sensação de ter sido

subornado

para

tramar

contra

a

integridade

do

companheiro menos assalariado que estará coisificado na linha de montagem.

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É isso aí. A pluralidade das funções no interior do capitalismo acaba não obedecendo aos interesses da maioria e sim daquela minoria que tem e detém a propriedade dos meios de produção. Nesse quadro, a tarefa do engenheiro passa a ser quase exclusivamente mediatizar a exploração da natureza e das forças de trabalho para a ganância de quem o contrata. Com o status de superioridade que a ciência capitalista lhe confere, frequentemente o engenheiro se interpõe entre a abstração e a concretização da mais-valia, entre o plano burguês e o produzido pelo proletário, entre a vontade do capitalista e o consumado

pelo

consumido

trabalhador.

A

função

do

engenheiro no capitalismo, via de regra, privilegia a classe economicamente dominante; e o notável (pra não dizer, triste e trágico) é que nesse favorecimento ao empregador em detrimento dos empregados, o engenheiro (então melhor remunerado) não se percebe, na dialética da luta de classes, como um assalariado que é e que, portanto, também está alheio às benesses do capital privatizado. Enfim, voltando ao texto sagrado, posso supor que ele apresenta uma antítese antecipada ao processo de produção industrial contemporâneo. Essa alternativa é, simplesmente, que todas as funções de todos os membros do corpo social (da cabeça aos pés) devem estar integradas para a felicidade integral de todos os órgãos, sem discriminações ou exceções.

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Concreta e historicamente isso implica que o engenheiro, o fresador, o montador, o soldador, o varredor, o entregador e tantos outros funcionários que terminam em “dor”, devam se realizar plenamente no que fazem: ao fazerem por opção responsável e ao usufruírem do feito com alegria. Essa alternativa é o que eu desejo para a nossa meditação compromissada com a transformação do nosso topos. Em lugar das tarefas alienantes, uma cooperação criativa. Em lugar do império do capital concentrado, um reinado do trabalho distribuído. Em lugar do que poderia ser chamado “sistema possuído pelo demônio”, aquilo que denominaríamos “serviço a Deus”. Em suma, assumir essa alternativa é o mesmo que uma conversão à utopia, àquele sonho gostosamente possível e que deve receber o nosso amém. Engenheiros de Produção Mecânica, que vocês possam ser, acima de tudo, engenheiros de provisão messiânica.

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Por uma futura formatura Provérbios 27: 6; II Coríntios 5: 17

Escolhi estas passagens bíblicas posto que sejam dois os objetivos desta meditação. Mesmo correndo o risco inicial de ser achado inoportuno para esta solenidade acadêmica, num primeiro momento pretendo o despertar do pesadelo que nos encanta tanto. Depois, mais afeito às expectativas festivas da maioria de nós, eu quero sonhar em voz alta. Assim sendo, quem sabe com uma metáfora pertinente, adianto que o esmeril esfola e sangra com amor nossas metálicas ilusões, depois um pincel acaricia e colore as utopias dos que choram a lágrima da lâmina. Começo dizendo que vocês não estão se formando hoje. Hoje vocês são certificados de que foram formados. Sobrepuja-lhes a dimensão passiva. O genuíno interesse pessoal e social de vocês pelos seus Cursos está anos-luz distante do inconfessável interesse político-econômico do sistema capitalista pelos Cursos em si. Sem dúvida alguma, os conhecimentos que lhes foram introjetados a altos preços significarão melhores salários para vocês que, melhor qualificados, estarão forçosamente ainda


pagando a promoção do capital que esnoba passeios de Landau por outras galáxias. A razão primeira da existência de Cursos como os que vocês concluem não está na necessidade de o ser humano dar vazão à sua criatividade, tendo em vista o bem comum. Com efeito, porém, a razão primeira deste e de Cursos afins está na histórica necessidade do capitalismo se reproduzir. Alguém poderá, então, me questionar lembrando: se uns desenham projetos de peças..., se outros mantêm a vida útil do resultado palpável dos desenhos projetados..., não está tudo isso em função da produção? E mais: sem produção não há progresso..., e sem progresso, pra que viver? Isso colocado, eu teria que retrucar o seguinte: “produção” – eis aí um termo que parece dizer tanto quando, no entanto, esconde muita coisa. Falar pura e simplesmente “produção” é omitir o processo concreto da produção, ou seja: quem produz o que, como e para quem. No modo de produção capitalista esse processo carece (para dizer o mínimo) de reparos radicais. Portanto, ligar a produção capitalista com o progresso e este com o sentido da vida é algo muito delicado e complexo que, no curto espaço de tempo que me resta, tentarei esboçar em breve comentário.

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Não acredito que o capitalismo proporciona o progresso humano. O

progresso capitalista é desumano: nega a

integridade do homem – este ser social em meio à natureza. Até a burguesia, privilegiada econômica e politicamente, não escapa dos prejuízos causados pelo desamor que explora a mão de obra humana e a obra da mão da mãe natureza. Por outro lado, o progresso humano é teimosamente uma alegre utopia, um sonho grávido e ávido por vir à luz. Tomo essa palavra “utopia” no que tem de mais positivo: protesto ao topos imediato, em virtude de desejos de amor. Esta ideia fica reforçada com o pensamento do apóstolo Paulo que afirmava ser a mensagem cristã um poder para a substituição das coisas velhas pelo que se faz novo. E esse novo é o que torna densamente válido o viver. Concluindo, apelo para que vocês – formandos pelo e para o domínio do capital – possam se formar de fato junto com tantos oprimidos na Escola do cotidiano. Essa autenticamente nova e futura formatura já recebe, desde a eternidade, a aprovação e o apoio de todos aqueles que, convertidos ao amor, desenham o projeto alternativo de manutenção da vida em sua mais possível plenitude.

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Recado para os vestibulandos

Oi, gente! Junto com as boas-vindas, a Pastoral Universitária, através do DICAS (Departamento de Informação Crítica e Aconselhamento

Solidário),

aproveita

o

clima

de

expectativa e garra que paira pelas maravilhosas e arejadas

cucas

de

vocês,

para

ventilar,

sem

constrangimentos, outras coisinhas mais. O negócio é o seguinte: tá tudo muito bom, tá tudo muito bem, mas realmente..., realmente..., num-tá-mole-não cur$ar uma faculdade hoje em dia, seja qual for. Tá qui-nem dar nó em pingo d’água. Chega até a fazer cãibra no umbigo. Aliás, não custa avisar que vocês verão, antes mesmo da primavera, a folha dos créditos desabrochando espinhosas nervuras.


E tem mais. Continuem sem ilusões quanto à UNIMEP. Apesar dos nossos esforços em contrário, ainda temos alguns Cursos, currículos e programas de tal modo estruturados que introjetam muita coisa nos alunos e que nada têm a ver com as necessidades básicas do povão. Acontece que esse troço chamado capitalismo – que tá danando todo mundo (... “tá danando”, obviamente, é eufemismo aceitável pela “abertura”) – continua, por enquanto, com muito poder para organizar um saber que lhe interessa. A bem da verdade não é o aluno que se forma; ele é formado (ou, em alguns casos, deformado) pela pressão político-econômica que quer perpetuar a mesmice que oprime a integridade dos nossos corpos, impedindo-nos a espontaneidade e o surgimento do novo. Parece que no cotidiano a gana e a grana determinam quase tudo. Dizemos “quase tudo” porque nos restam os sonhos – sacados apenas por quem curte o pique das transáveis utopias.

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É isso aí. A UNIMEP (como um todo) e a Pastoral (em particular) esperam que vocês entendam a nossa, numa “naice”. Se esse lance também faz a cabeça de vocês, pintem por aqui pra nos ajudar nessa caminhada rumo a uma educação libertadora. Quando isso se der, o inconsequente e omisso blábláblá de um

cristianismo

fajuto

se

converterá

em

outro

cristianismo: compromissado até a alma com o amor e a vida em sua concretude. Daí poderemos afirmar como aquele “moço” que do alto de seus noventa anos falou e disse: sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos..., e no amor não existe medo (Primeira carta do apóstolo João).

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Vestibulando 83: o cara do ano

Cartão perfurado de esperanças, Operando em pródigos códigos, Mais que máquina, és gente. Processam teus dedos Unicamente porque apontas e apertas novos dígitos: Tempos e espaços de solidárias unidades Ao invés dos eternos segundos em ilógica competição. Denunciando as causas da aflita magnética listagem, Onde os dados (que compraste) são jogados, Resgatareis o programa de teus sonhos.


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Corpo e contingências Lucas 6: 6-11

Estamos diante de um relato que a tradição religiosa atribui à lavra de Lucas. Esse evangelista era um médico compromissado com um movimento que subvertia os valores opressivos e que convertia esforços para a construção de um reino consoante com a justiça, a alegria, a liberdade e o amor. Lucas era um cristão. Nesta passagem, rica em detalhes e desafios à razão, as entrelinhas permitem a constatação de um conflito afeto às circunstâncias históricas de dois mil anos atrás. Sobre isso seria de se exigir uma reflexão e um debate que se mostram impraticáveis e impróprios no escasso espaço destes instantes de festa. No entanto, eu me aventuro a uma breve consideração sobre alguns tópicos que entendo pertinentes a este momento tão significativo. Vocês notaram, certamente, que o ponto central do texto é uma espécie de sessão especial de fisioterapia. O dia era um sábado – o sagrado descanso. O lugar era a casa de oração – a sagrada sinagoga. As pessoas eram (entre outras) os fariseus e os professores da Lei – as sagradas autoridades. Pois bem, a despeito do plausível, tanta sacralidade, tanta espiritualidade e tanta legalidade não respeitaram o


que havia de mais sagrado, mais espiritual e mais legítimo em toda criação divina: o homem em sua concretude carnal – o corpo. Jesus, portanto, defrontava-se com uma questão crucial: o corpo e suas contingências. Parece-me evidente que o Mestre não aceitou que aquele tipo farisaico e legalista de religião funcionasse como um ópio a narcotizar a sensibilidade e a ação. Em lugar de uma ortodoxia inconsequente, ele privilegiou a ortopraxia; ou seja, a prática correta que transforma e supera os equívocos e as iniquidades. Aquele que fora carpinteiro em Nazaré sabia muito bem a importância da mão, aliás, mão direita – membro imprescindível até para os canhotos. Por isso, digno de nota foi o tratamento desenvolvido por Jesus. Ele dispensou àquele corpo sofrido um carinho personalizado. Acolheu e deu destaque à singularidade, chamou o homem para o meio, contribuindo para que o oprimido deixasse a marginalidade imposta pelo sistema de pessoas que se achavam perfeitas e sadias, não o sendo de muitas maneiras, entretanto. Alguns escribas e fariseus, na condição de opressores, infelizmente não suportaram a atitude do Libertador Messias. Não souberam absorver positivamente a oportunidade de uma opção por uma vida integral. E passaram a tramar suas traições e loucuras segundo e conforme a racionalização ideológica das classes dominantes.

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Voltando ao nosso contexto imediato, tenho um profundo respeito e uma grande esperança quanto à tarefa de vocês, fisioterapeutas. Vocês estão na iminência de um eminente e maravilhoso envolvimento direto com o corpo, com a materialidade da criatura humana. Esse tipo de aproximação, esse tipo de contato palpável enfrenta, obviamente, muitas dificuldades. Vocês precisam vencer muitos empecilhos, preconceitos e tabus que eu chamaria de “sabáticos” (entre aspas). “Sabáticos” porque em nossas sinagogas capitalistas, os raros minutos de cura custam os caros sacrifícios das horas. “Sabáticos”, também, porque em nossas sinagogas moralistas, o toque e as massagens terapêuticas são julgados com suspeição e infâmias. “Sabáticos”, ainda, porque em nossas sinagogas fascistas os profissionais de coragem e compaixão são perseguidos e reprimidos pelos que detêm o monopólio do bem estar. Mas, enfim, movidos pela imensa ternura aos corpos oprimidos e encarando com firmeza contra as injustiças que buscam perpetuar as mazelas e infortúnios, vocês, queridos formandos, repetirão o milagre da recuperação da integridade possível ao corpo-nosso-de-cada-dia.

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Hipóteses de louvor

Se, ao amassarmos os amargos pães da noite, retemperamos a comunhão das manhãs... – paz com a páscoa, aleluia! Se, com o sangue dos silenciados, repassamos as portas para a libertadora caminhada... – paz com a páscoa, aleluia! Se, nos desertos dos exílios, relembramos nossos cantos... – paz com a páscoa, aleluia! Se, no vácuo das saudades, à sombra dos túmulos, reencontramos sempre-vivas... – paz com a páscoa, aleluia! Se, nas fétidas catacumbas da tortura, resistimos com teimosas esperanças... – paz com a páscoa, aleluia!


Se, no murmúrio das fogueiras inquisidoras, relemos o discurso do novo... – paz com a páscoa, aleluia! Se, com lágrimas diante da violência, regamos o perdão com justiça... – paz com a páscoa, aleluia! Se, nos subúrbios, em várzeas poluídas, repetimos um gol de placa... – paz com a páscoa, aleluia! Se, esbarrando em barracos, rebolamos numa roda de samba... – paz com a páscoa, aleluia! Se, na paixão-e-morte de cada dia, reerguemos a vida eterna... – paz com a páscoa, aleluia!

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Saque: apesar, pesares..., porém

Apesar do diz-que-diz sobre o oportunismo de mercenários que traem a si próprios desvirtuando as vitais reivindicações do povo... Apesar do diz-que-diz sobre o mal-ufanismo de reacionários que tramam pela desmoralização de um governo escolhido pelo povo... Apesar do diz-que-diz sobre o cinismo de autoritários que toleram um terrorismo não assumido diante do povo... Apesar do diz-que-diz sobre o simplismo de incendiários que, no desespero, subestimam o poder de um sistema econômico infligido ao povo... Apesar do diz-que-diz sobre o vandalismo de salafrários que, no desrespeito, aproveitam o anonimato das massas para se excederem em depredações não programadas pelo povo... apesar desses “boatos”, há fatos:


O desemprego não é, simplesmente, um problema circunstancial – filho indesejado concebido no ventre de uma conjuntura em crise. O desemprego, isso sim, é um dos recursos utilizados pela estrutura capitalista para que subsistam os privilégios das classes que monopolizam o capital. Enquanto houver uma situação de desemprego (sob um controle) continuam intocáveis os lucros conseguidos pela exploração sobre a mão de obra rotativa e instável. Quando esse estado de coisas se torna insustentável para a dignidade dos corpos, estes acabam por escapar da discutível disciplina imposta por uma organização social seduzida pela “livre iniciativa” e pela “propriedade privada dos meios de produção e de consumo”. Por isso até a Declaração Universal dos Direitos do Homem (... um documento com antecedentes e inspiração na própria burguesia liberal), em seu artigo XXIII garante que “toda pessoa tem direito ao trabalho..., à proteção contra o desemprego”. Infelizmente, porém, segundo tímidas informações oficiais fornecidas pelo Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), só no Estado de São Paulo o número de desempregados já atingiu a cifra de 411000 pessoas. Sim, são (pelo menos) quatrocentos e onze mil corpos negados, à margem da existência. Diante disso, como Pastoral Universitária, nos juntamos aos que clamam por justiça e damos nosso apoio às organizações populares que buscam soluções para o drama do desemprego. Acreditamos que a falta de trabalho não é vontade de Deus. Quem não trabalha, que também não coma – é advertência do Novo Testamento que ainda nos ensina, a propósito, que o Pai nosso não deseja ver ninguém morrendo de fome. Aliás, achamos bastante curioso (só pra não dizer outras coisas) que no sistema capitalista os poucos que não trabalham estão a comer (e vomitar para comer mais) no lugar de muitos de nós, famintos, a fazer o pão-deles-de-cada-dia.

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Pondo de lado as suspeitas que principiam este texto, será que o saque com exclusivo e paliativo objetivo de saciar a fome não teria uma base, quem sabe, até teológica? Senão, vejamos: Quando há dois mil anos os apóstolos de Jesus colhiam e comiam espigas em plantações que não lhes pertenciam, foram defendidos pelo Mestre diante das acusações promovidas pelos representantes dos opressores de então. Cristo advogou, noutras palavras, o seguinte: a legalidade deve estar a serviço da legitimidade e não o inverso. Para o carpinteiro de Nazaré o mais importante era o corpo (com suas possibilidades e necessidades) e não as regras de qualquer sistema (principalmente o fundado no desamor). Para que não sejamos vítimas de uma interpretação equivocada, transcrevemos uma passagem bíblica que julgamos trazer luz à questão levantada: Quando entrares na vinha do teu próximo, comerás uvas segundo o teu desejo até te fartares, porém não as levarás no cesto. Quando entrares na seara do teu próximo, com a mão arrancarás as espigas, porém na seara não meterás a foice. (Deuteronômio 23: 24-25). Enfim, se as palavras supracitadas causam espanto e raiva para os egoístas e possessivos, para nós significam uma proposta alternativa à prática e à teoria do status quo. Afinal, em ocasiões limites, em momentos extremos, entendemos que o denominado saque pode não ser necessariamente um roubo, mas uma atitude de emergência em que a criatura procura preservar sua imagem do Criador: a criatividade em função de uma opção pela vida. Post Scriptum Saque: Sacô?

Apenas pra-se-encher-o-bucho. Nunca pra-se-esvaziar-no-luxo.

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Todo dia era dia de índio

Na verdade, o índio nunca mais teve seu dia desde o momento em que o homem branco lhe pisou ao pisar na América Ameríndia. Colonizadores e religiosos de um mundo velho conquistaram e converteram os aborígenes em mão de obra escrava e em pagãos para uma nova nada boa. Outrora as famosas entradas e bandeiras, de fato, entraram para hastear a bandeira da exploração sobre terras e corpos de índios arriados... Outrora as famosas reduções missionárias, de fato, cumpriram a missão de reduzir ao quase insignificante as crenças e os costumes de índios seduzidos. E assim, ao longo de uma história esbranquiçada, a trajetória indígena sofre física e culturalmente o desamor da morte. Hoje o genocídio e o etnocídio ficam cada vez mais sofisticados, para que em menor tempo e com maior eficácia seja exterminado o índio – considerado obstáculo pela ganância de latifundiários e multinacionais. Por lamentável exemplo, os Xetá – grupo guarani que vivia na Serra Dourada (Paraná) e que foi contatado por volta de 1959 – atualmente agoniza como alvo do tacape do capeta capitalismo. Em menos de trinta anos de “convivência” é mais uma nação extinta, sobrevivendo apenas três índios – integrados, econômica e socialmente, à comunidade Kaigang.


Em termos numéricos, naquela então chamada Ilha de Vera Cruz havia uma população de cinco a seis milhões de índios! E nesta assim chamada República Federativa do Brasil restam somente 150 a 200 mil índios! Convém saber, portanto, se os índios têm ainda um futuro digno a partir do presente modelo de política desenvolvimentista e integracionista aplicado no Brasil. A propósito, a FUNAI (INCRA – MINTER) – um órgão criado para proteger os interesses indígenas – na realidade é dirigido pelos compromissos de um coronel e não pelos próprios índios. Aliás, até agora as preocupações das autoridades do país são: Pacificar o índio (como se fosse ele o inventor de armas e o fabricante de guerras imperialistas); Integrar o índio ao modo de produção capitalista (como se a sociedade dividida em classes não viesse a marginalizá-lo depois); Aculturar o índio à civilização dos brancos (como se a perda de idioma, princípios, valores e chão primitivos não anulasse seu marco básico de identidade e referência existencial); Tutelar o índio diante da legalidade constituída (como se esse recurso abjeto trouxesse mais responsabilidade do que sua liberdade alegre, nua e criativa); Catequizar o índio para a estrutura do cristianismo (como se a ortodoxia farisaica e alienante pudesse gerar maior pureza que sua ortopraxia que já sacraliza e celebra a vida como um todo).

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No entanto, a despeito de tanta espoliação, o índio dá provas de resistência, procurando preservar um espaço que lhe pertence por justiça e virtude. Sua luta e suas esperanças são renovadas dia-a-dia na busca pela libertação da América Ameríndia que ainda vive na paixão e que um dia sua morte terá ressurreição. Inspirados no sangue de seus mártires Sepé Tiaraju, Montezuma, Tupac Amaru, Simão Bororó, João Bosco, Ângelo Cretá..., nós da Pastoral Universitária manifestamos nossa solidariedade na luta pela demarcação das terras indígenas, pela autodeterminação dos povos indígenas, pelo respeito ao índio como ser com direito à vida.

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Parábola do primeiro des-maio

Da gênese mítica.

No princípio era o corpo. E o corpo se fez humano ao transformar, com sua mediação, caos em cosmos. No princípio criar era um recrear para o corpo; um fazer, por princípio, como negócio lúdico. E o corpo gozava, assim, da imagem e semelhança do prazer. E nos espaços de um tempo sem limites de compassos, as aleluias brotavam com encanto e propriedade.

Da queda ideológica.

Aí, então, um determinado grupo de corpos concebeu a mentira, parindo a inversão do real. Acobertados num sovaco de cobra, possessos pelo engano, disseram aos demais: Por que não dividimos as tarefas? Com certeza tudo ficaria racionalizado. Em função do bem comum, uns fariam só o serviço braçal; outros, só o mental. E para que haja ordem & progresso, poderíamos, ainda, estabelecer uma hierarquia. Que tal? Desse modo, seduzidos pelo fascínio do falso, todos os corpos (sem exceção) foram violentados de uma forma aparentemente não violenta e caíram no equívoco original. Morderam a si próprios e se engasgaram com o caroço que lhes provocou o primeiro desmaio. E foi tarde e noite de opressões, elevadas à sétima porta da tristeza; cada um por si e o Eu por todos-ninguém. Estava inventado o trabalho. Estava instituído o tripalium. Estava imputada a tortura. E os corpos se futilizaram, amargando a saudade das manhãs.


Da profecia onírica.

A ausência de sentido sentida despertou os corpos para o desejo, habilitou-os para o sonho. Passaram, então, a denunciar a alienação do trabalho e anunciar outro quefazer solidário e integrado, a fim de resgatarem o que restava de íntegro e digno na corporeidade. Travou-se o embate inevitável: de um lado, os corpos comprometidos com o pesadelo, com a exploração e com os privilégios privatizados...; de outro, os corpos compromissados com o sonho, com a libertação e com a substituição do trabalho-tripalium por um executar agradável-gratificante.

Do evangelho histórico.

Boas notícias se ouviram ecoar em virtude da organização e das conquistas dos corpos interessados na subversão-e-conversão do status decaído. A mesmice não suportou o poder do novo e, embora não convencida de sua possível derrota final, foi vencida em algumas batalhas cruciais, tais como: a abolição do trabalho formalmente escravo; os ensaios de socialização dos meios de produção em alguns lugares e momentos; a redução da jornada de trabalho; a cogestão em conselhos de fábricas em vias de uma democratização localizada; a participação do homem nas prendas domésticas; a eliminação dos aspectos da cor, da raça e do sexo como determinantes do nível salarial (... até que o salário, como tal, seja ultrapassado por uma indiscriminada participação dos produtores nos produtos) etc. Com efeito, sem dúvida, pelo menos em parte, a verdade (que liberta) viva está.

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Do apocalipse utópico.

A revelação projetada pela nostalgia das alvoradas primevas e pela esperança de crepúsculos alternativos induziu, conduz e introduzirá os corpos em uma experiência comunitária inexistente ainda, porém viável desde já pela práxis revolucionária. Noutras palavras, naquele novo-céu-e-nova-terra a perda dos sentidos será superada para que se descortine um palco onde a ternura do cooperar dos corpos autores/atores seja o aplauso aos bastidores da história. Por isso, o corpo se apressa na prece: Venha a nós essa utopia... de se cultivar a terra ao nascer do sol; de se temperar o pão a cada dia; de se perambular pelos campos, excitando poros e pelos; de se fruir do ontem ao pensar no sempre-agora; de se saber saber para poder poder, fraternalmente; de se celebrar a vida na concretude dos corpos... Então, a lágrima-pranto entrará em greve e os corpos a despedirão para um quando-pra-lá-de-longe.

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Manhê

Ainda bem que você não é mamãe de proveta – sem grilo e sem grampo... – sem grito e sem gozo... – sem graça e sem glória... Por isso, beijos mil!


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Por uma pedagogia adversativa Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte, e como se assentasse, aproximaram-se os seus discípulos; e ele passou a ensiná-los, dizendo: Ouvistes o que foi dito [...], eu, porém, vos digo...

Educadores metodistas que aqui se encontram, minha intenção ao repartir com vocês algumas observações sobre as entrelinhas dessa passagem bíblica é bastante modesta. Reconheço que minhas limitações como exegeta e hermeneuta me impedem e privam vocês, agora, de uma pertinente e primorosa análise textual/contextual desses versos comumente atribuídos à Mateus. Por certo, nestes três dias vocês estarão se aprofundando e extrapolando tópicos que ora tocarei apenas de leve. Afinal, desconfio que minhas palavras se inserem no escopo desta segunda reunião nacional de “pleonasmos personificados” (com aspas carinhosas). Sim, a expressão “educadores metodistas” me soa como repetição que deverá ser historicamente superada. Explico: por um lado, não há autêntico educador que não seja metodista no sentido didático desse termo que nos é confessional. Sem método não há educação. Por outro lado, não há metodista verdadeiro que não tenha a Vida que traga a marca do pedagogo, a identidade daquele que conduz a si mesmo e a comunidade ao cumprimento da Missão. Sem ensino não há discipulado.


Não é que eu esteja a fim de catequizar vigários com padre-nossos, mas já que falei de educação e método, de Vida e Missão, nunca é demais refletir sobre o papel determinado e determinante que igrejas e escolas exercem numa organização social específica. Também dentro do capitalismo, essas instituições são responsáveis (sem exclusividades) por formar, reformar ou transformar a ordenação de coisas e símbolos. Aliás, a operacionalidade de cada uma dessas tarefas depende, ainda que em meio a contradições, de uma opção ético-política. Noutras palavras, Igreja e Escola, longe da possibilidade de serem neutras, estão a favor ou contra um modo de produção e reprodução em que o capital explora a força de trabalho. A essa altura do campeonato é que volto ao “ouvistes o que foi dito [...], eu, porém, vos digo...”. Acho até que seria um distinto distintivo apelidar de pedagogia adversativa a tática de jogo esquematizada por Jesus. Sem dúvida, o excarpinteiro oriundo daquela periférica galera galileia, notabilizou-se por fazer, com vantagens, uso de uma técnica de aprendizagem que privilegiava o confronto. Ele atacava o saber e o poder de seu tempo de maneira simples (mas não simplista) e de modo complexo (porém não complicado), sempre defendendo o oprimido e o marginalizado. Sacerdotes, fariseus e governantes foram, repetidas vezes, apanhados em posição carente de legitimidade (... como que, ao avançar, o líder-líbero nazareno acabava deixando os dominantes em offside, à mercê das vaias do zé-povinho!). A pedagogia adversativa de Jesus invariavelmente traía e transcendia as propostas daquele status político-religioso. Diante do Império, proclamava o Reino. Diante da Lei, distribuía Graça. Diante da mesmice, forjava o novo. Diante da morte, celebrava a vida. Diante do “portanto”,

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anunciava o “contudo”. Parece-me que por trás de seu projeto eclesio-pedagógico subsistia uma visão de mundo que encarava e encarnava a realidade como processo, movimento e mudança. Parafraseando para as reticências desta inconclusa meditação, depois do que vocês ouviram, ainda lhes digo eu: se se esqueceram o que foi sonhado, eu, todavia, lhes recordo que quem tem ouvidos para ouvir...

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O problema da instabilidade

Sem a pretensão de esgotar o tema, porém tentando abordá-lo concretamente, entendo que a instabilidade é a constante que nosso corpo encarna ao estar e fazer História. Na instabilidade situações opostas disputam o mesmo espaço, o mesmo tempo. Dessa luta pode surgir algo que mantenha as partes em conflito ou, se houver uma tendência para um dos lados, isso se dá quase sempre momentaneamente. Desde quando estávamos naquela aconchegante piscina térmica chamada útero materno, a instabilidade marcava presença trazendo ao nosso corpo-feto as possibilidades de um sim ou de um não virmos à luz. E por causa daquela delicada expectativa a nossa resistência para sobreviver já começava a ser forjada. Depois, ao enfrentarmos o cotidiano, na instabilidade ainda o fazemos. Às vezes é o emprego para o corpo empobrecido que se escassa como garantia de lucro para o corpo rico. Se porventura o nosso corpo está empregado (o que, de certa maneira, é até uma desventura), o modo como o sistema capitalista trata nossa força de trabalho também implica instabilidade: ora somos gente, ora coisa; fora do serviço pensamos ter alguma autonomia, dentro dele seguimos ordens, contraordens e desordens de uma hierarquia administrativa nem sempre humana. Tudo isso sem contar que nosso salário (pelo fato mesmo de ser salário) significa bem meno$ (daí a instabilidade no final do mês) que aquilo que nosso corpo produz para quem o emprega.


A instabilidade continua a nos tocar ao nível da saúde – tanto a física quanto a psíquica. Num mesmo dia, pela manhã talvez nos sintamos bem (alimentados e amados) e, à noite, tudo pode estar de ponta-cabeça, com mil zebras pastando na ante-sala de nossos pesadelos. Não obstante..., mas a propósito disso tudo, nosso corpo se supera ao manipular, compromissado com a vida, as crises históricas que geram e brotam as utopias que concretizamos. Noutras palavras, se a instabilidade do dia-a-dia é um convite para uma luta entre o vegetar meramente e o existir de verdade, topar essa barra é estar ao lado da vida. Isso porque é nas angústias das instabilidades que mais sacamos ser preciso fazer o máximo para que a existência de nosso corpo seja, no mínimo, digna. Por isso e muito mais, eis que se faz necessário repensar a instabilidade. Não podemos achar que ela se resuma ao que causa pasmo ou pavor. Sem ignorar esse lado opressivo, convém encará-la como contraditória, paradoxal, ambígua..., também portadora de possibilidades de libertação. A instabilidade é capaz de oportunizar um poder ou uma paixão que justifica a experiência de nossos corpos como dinâmica abertura para novidades. Assim sendo, se o término da instabilidade me parece ser a instalação da mesmice que mata, concluo com uma espécie de meteorológico elogio à instabilidade: Era uma vez um entardecer daqueles... Daqueles em que chuva e sol conseguem arcoirizar até áridas penumbras.

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Sob os pingos solares e sobre a luminosidade das gotas um guarda-chuva todo colorido trocava bitocas y otras cositas mas com uma sombrinha-sobrando-sobriedade. Em meio às dúvidas e dívidas das intempéries ambos resistiam ao medo e à morte encharcando-se com o brilho que, vaporoso, vasava das perplexidades dessa precária existência. E por incrível que pudesse parecer, a sombrinha percebeu que a chuva vinha num vento nordestino como se fosse um jegue alado com nuvens e névoas... e o guarda-chuva confirmou que o sol saía sul acima alagando de luz horizontes dantes submersos em nada. E assim, guarda-chuva e sombrinha se molhavam e se melavam no suor girando em todos graus na ciranda dos tempos... E a felicidade deles (que não tinha o “pra-sempre”) sempre foi tanta de quando em quando. E do outro lado da tarde era uma vez a vida... E, quase tarde, a vida fez sua vez.

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Eucaristia

Aconteceu na chamada “Cidade de Deus” mais um programa em comemoração ao Dia Nacional de Ação de Graças. Quem ouviu ou viu a transmissão feita por redes de rádio e tevê pode sentir que se tratava de uma festa cujo empenho e desempenho pareciam querer eclipsar os opacos reflexos hollywoodianos das bródueis tupiniquins. Tudo foi arranjado para que o evento viesse a ter a receptividade mais favorável possível por parte dos que o assistiam in loco, bucolicamente, ou na loucura das metrópoles em crise. Em termos de sua plasticidade, foi um espetáculo fascinante e, por isso mesmo, oportunizando uma perigosa instrumentalização ideológica, com aval das autoridades de plantão. Não sei por que isso me lembrou momentos de panem et circenses da decadente Roma, séculos atrás.


Então, na cidade dos homens, passei a pensar um pouco mais na relação entre agradecer e comunicar..., entre dizer muito obrigado e entabular uma conversa. Recordei com meus botões que no dia-a-dia muitas são as maneiras que a gente tem para comunicar/conversar – cada qual usando um tipo diferente de palavra. Comunicamos através do som que nos sai da boca; conversamos por meio dos movimentos que desenhamos com mãos, cabeça, pés...; enfim, todo nosso corpo expressa alguma palavra... A palavra não se apresenta apenas em sua forma verbal oral; também está escrita e inscrita nos papéis e gestos que representamos..., e ainda presente no silêncio. Aliás, às vezes, uma palavra silenciosa cala e fala mais e melhor que mil frases e rabiscos de um discurso vazio. Numa situação concreta em que a prosa cotidiana implica uma troca de palavras palpáveis, convém prestar atenção àquilo que a atual realidade brasileira está a comunicar. Parece-me que a conjuntura capitalista contemporânea, por motivos de sua própria estrutura diabólica, está com uma conversa já indisfarçável, às raias do insuportável. Suas palavras são de fome, desemprego, violência, corrupção, mentira e morte para a grande maioria da população. E só me resta frente a essas palavras uma reação de tristeza, dor e... É uma conversa em que a gratidão não tem lugar. Por tanto sofrimento eu não me animo a continuar aceitando esse papo furado, via Embratel ou em cada esquina e sarjeta.

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Porém, ainda sobram outras palavras – abafadas, sim, mas cheias de incentivo à resistência e à práxis alternativa. São palavras que ao longo dos séculos mostram como os corpos sonham e esperam experimentá-las de um jeito tão verdadeiro quanto os desejos e as lutas desses mesmos corpos. Muitas dessas palavras, como que ecos da voz de Deus, falam de alimento, trabalho, paz, justiça, ternura..., nada mais e nada menos que desejos e lutas da própria vida. E quando essa conversa é feita de atos e fatos da concretude corpórea (nem que seja uma conversa pequena), como que pelo Espírito de Deus, provoca a gratidão dos corpos, estimula uma autêntica ação de graças. Agradecer é a palavra alegre e charmosa de uma conversa que deu certo. E a nossa eucaristia (termo de origem grega que significa, exatamente, ação de graças) acaba sendo, assim, a bênção tangível por termos escolhido a vida, transformando a morte, para ressuscitarmos as palavras que geram a gratidão.


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Experimentem tudo e fiquem com o que é bom I Tessalonicenses 5: 21

Assim como o apóstolo do primeiro século recomendava aos seus amigos que fossem críticos no exercício do saber e do poder, também quero que tenhamos nesta significativa festa de formatura uma consciência mais lúcida quanto às ciências e eficiências desse nosso tempo e lugar. Inicialmente recordo que hoje não está aqui uma turma que se forma em engenharia no aspecto puro e simples. Estão aqui vocês que foram formados para um tipo de engenharia. A engenharia não existe; o que há são engenharias – isto é, modos diversos e até conflitantes de se engenhar concretamente a existência dos corpos na história. A diferença entre engenharias não está unicamente nos campos de atuação, tais como: engenharia industrial, elétrica, civil, agrária, militar, genética etc. A diferença a que me refiro é a que distingue, por exemplo, um tipo de engenharia civil num determinado sistema político-econômico e outro tipo de engenharia civil em outro sistema político-econômico.


Ao pensar que muitos de vocês, formandos, foram praticamente obrigados a cursar uma faculdade particular porque as portas das escolas estaduais e federais são poucas e mais estreitas... Ao perceber o sacrifício incalculável de vocês, de seus pais e amigos para manter em dia as pesadas mensalidades desta Universidade... Ao encontrar vocês engolindo um pão com manteiga regado por um pingado porque não tinham dinheiro suficiente para bandejão ou lanches mais reforçados... Ao ouvir sobre inúmeras e cansativas viagens que ligavam casa-trabalho-estudo-casa... Ao supor as dificuldades passadas no interior das repúblicas, com suas mesas e camas muitas vezes fartas de um vazio e de uma solidão indizíveis... Ao imaginar o direcionamento de determinadas disciplinas acadêmicas... Ao refletir nisso tudo que vocês souberam e puderam vencer, eu me pergunto também: tudo isso não poderia ser evitado? Não haveria outro jeito de se estudar menos seletivo e elitista, menos oneroso e angustiante, menos opressor e ideológico? Acho que sim. Mas não em um sistema capitalista dependente e em crise como esse que nos foi imposto e que, aliás, assim está devido à própria natureza do capitalismo internacional e discriminador.

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É óbvio que nem tudo inventado e desenvolvido no capitalismo seja, em si, ruim para os corpos e para o cosmo. Tudo tem a ver com métodos e objetivos, com motivações e realizações em torno do saber e do poder. É evidente, também, que não podemos ser, tola e dogmaticamente, contra as possibilidades de um avanço radicalmente novo a partir da tecnologia capitalista – avanço esse que possa contribuir para a libertação dos elementos que compõem a natureza física e social. É certo, ainda, que vocês tiveram oportunidades dentro e fora da UNIMEP de discutir outras maneiras de serem engenheiros industriais numa sociedade alternativa à nossa; sociedade essa que está por ser construída. Finalmente, relembrando as palavras de Paulo – experimentem tudo e fiquem com o que é bom – eu lhes proponho um questionamento que não é tão somente científico; porém, muito mais de caráter ético: de tudo o que se sabe e de tudo o que se pode, o que é realmente bom para a maioria das pessoas? E o que é que nós temos feito em relação a isso? Tenho certeza que encarnando nossos sofrimentos e encarando os sentimentos de todo povo, responder histórica e coerentemente essa inquietação não é nada cômodo; mas é, no mínimo, dignificante. E essa é minha alegre esperança: que vocês, formandos, façam uma nova engenharia, para uma sociedade nova.

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Odores hedônicos ou dores fétidas

Cantares 4: 6-16

Queridos formandos, creio que vocês estão a perguntar por que escolhi um texto como esse para uma turma de Química Industrial. Por isso tentarei explicar com o seguinte raciocínio: as palavras poéticas que ouvimos da sabedoria oriental antiga falam de amor – um amor que envolve com densidade e ternura um homem e uma mulher. Nesse relato de relacionamento desejado pelo Criador os corpos também desfrutam o prazer usando figuras e fórmulas da perfumaria e dos cosméticos daquela época. E, segundo o que compreendemos, a tecnologia dos aromas e das pinturas tem a ver com o que chamamos química. Portanto, entendo que podemos e devemos amar em meio às contribuições da ciência que vocês estudam.


Só pra lembrar, na passagem lida encontramos expressões e termos de interesse dos químicos, principalmente se forem capazes de amar e serem amados. A hena é um corante laranja-avermelhado obtido de folhas amassadas de uma planta com o mesmo nome. Servia para tingir cabelos e unhas. O nardo é um perfume conseguido a partir da raiz de uma planta da família do gengibre. O açafrão é um corante amarelo extraído de uma planta que aparece na primavera. A mirra é uma goma resinosa aromática da espécie vegetal. Sua fragrância reside no seu conteúdo de sete a oito por cento de óleo volátil. Essa essência podia ser incorporada num perfume líquido mediante aquecimento com fixativo oleoso/gorduroso ou mediante amassamento. O aloés é uma especiaria preciosa derivada de uma madeira usada para perfumar vestes e leitos. Assim sendo, mais uma vez vocês percebem que é possível elaborar uma composição de elementos químicos com elementos do amor no laboratório da histórica concreta dos corpos. No entanto, vocês sabem muito bem que nem sempre isso acontece, pois dentro do sistema capitalista podem ocorrer outras experiências como a produção de bombas sofisticadas, de alimentos cancerígenos, de reações poluidoras que desequilibram o meio ambiente. E em todos esses casos somos obrigados a reconhecer que, infelizmente para os corpos e para o cosmo, os químicos são seduzidos e prostituídos pelo poder opressivo, cooperando com a gestação e aparição do desamor e da morte.

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Finalmente, em nome do amor e da vida, eu gostaria de vê-los como cientistas compromissados com o projeto da mais ampla libertação possível, como alquimistas da utopia aberta, solidária e transformadora. Quero encontralos no cotidiano a inventar novos odores do prazer que espantem as dores fétidas da mesmice que nega a cada um e a todos nós como povo. E para isso eu lhes recordo outro trecho bíblico (II Coríntios 2: 14-16) em que o apóstolo dos marginalizados afirma que precisamos ser um suave, inconfundível e determinante perfume a espalhar vida pelos caminhos desta existência tão carente de amor tangível e efetivo. Formandos queridos, que assim seja!

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Segredos e enredos

I Samuel 18: 1-4

A irresistível e irrecusável vocação dos corpos para o amor parece-me um fato histórico inquestionável. Ao sublinhar as dimensões éticas do amor, Agostinho colocava um dilema: ou o amor ao poder..., ou o poder do amor. Nesse sentido, se nas relações inter corpora não se pode não amar, restam obrigatórias indagações quanto à procedência e consequência do ato de amar. Sobre isso muito se pensou, falou e registrou...; às vezes em termos alegóricos; outras, verídicos. Aliás, essas diversas formas importam menos que o princípio e a práxis do amor. Assim sendo, independente da alegoria ou veracidade do texto bíblico, creio que vale a pena refletir sobre os segredos e enredos do amor envolvendo os protagonistas Davi e Jônatas, coadjuvados por Saul, Mical, Ziba e Mefibosete. Em toda essa peça literária percebo que um tema é proposto: a viabilidade histórica do amor ao poder e sua superação pelo poder do amor.


Davi e Jônatas se conheceram em uma situação singular. De maneira surpreendente e impressionante o rapazola camponês Davi acabara de vencer o temido e provocador Golias, e tal evento precipitou um grande avanço de Israel e Judá, ampliando conquistas sobre os filisteus. Como sói acontecer a alguns heróis, Davi foi aclamado de modo tão marcante que sua estima chegou a ultrapassar o prestigio alcançado pelo rei Saul, que desde esse momento começou a se mostrar incapaz de absorver a transitoriedade do poder. Jônatas, que seria o sucessor de Saul, ao invés de olhar Davi como concorrente inoportuno e perigoso, deu lugar ao amor que vai além das ambições personalistas e egoístas. Ao amar Davi, Jônatas demonstrava, ainda, simpática sintonia com a vontade popular. E como prova tangível do trato despojado de inveja e ciúme, Jônatas entregou a Davi seus símbolos de discutível superioridade social e política. Estava selado o início de uma amizade. Seguidas vezes Davi escapou de necrófilas artimanhas de Saul. Numa delas foi salvo graças à intercessão de Jônatas junto ao pai. Noutra, pela perspicácia de Mical – sua esposa e irmã de Jônatas – que teve a coragem de enganar o próprio pai, exemplificando que em determinadas circunstâncias a legitimidade do amor está acima da legalidade das convenções (I Samuel 19: 1-7; 12-17). Houve também um episódio de livramento em que a densidade do amor entre Jônatas e Davi ficou ratificada novamente. Nesse acontecimento relatado em todo capítulo vinte eu destaco o papel da criatividade e da originalidade codificadas nas senhas objetivas da inter-subjetividade. Isso porque eu acho cabível e até imprescindível que existam, entre amigos, certos sigilos estratégicos e certas ambivalências operacionais que possam preservar, com eficácia, a plenitude da vida, quando ameaçada.

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Passado algum tempo, o poeta Davi faz uma elegia a Jônatas, celebrando a memória de ágape que transcendia a todo eros (II Samuel 1: 25-26). E como a morte não conseguiu interromper ou extinguir o amor, Davi procurou na descendência de Jônatas quem pudesse dar continuidade ao que haviam pactuado. E nessa busca encontrou Mefibosete, filho de Jônatas, e coxo de ambos os pés desde bebê. Determinou, então, Davi que Mefibosete fosse assistido por toda a casa de Ziba – servo de Saul – e ainda fosse Mefibosete adotado como filho do rei (II Samuel 9: 1-33). A lealdade do amor entre Davi e Mefibosete foi testada e ficou patenteada quando, mais tarde, estando o rei em campo de guerra recebe a visita de Ziba. Este, intencionando angariar poder diante do rei, usou de expediente mesclado de bajulação, mentira e desamor. Ziba traz ao rei alimentos e montarias, e acusa Mefibosete de ter ficado em Jerusalém torcendo e aguardando a morte de Davi para, assim, apoderar-se do trono que fora de seu avô. Voltando Davi da batalha, veio Mefibosete receber o rei. Como diz a escritura, Mefibosete não tinha tratado dos pés, nem espontado a barba, nem lavado as vestes desde o dia em que o rei saíra até ao dia em que voltou em paz. Isso provava a solidariedade de quem, além disso, com efeito, havia preparado as provisões levadas por Ziba e que se dispusera a montar um dos jumentos para, pessoalmente, emprestar seu apoio ao rei (II Samuel 16: 1-4; 19: 24-30).

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Por resumo e conclusão, reconhecendo que do amor não se escapa...

Quem dera pudesse o amor sobrevoar os abismos dos conflitos, não para negá-los, mas para não negar quem neles se debatem. Quem dera pudesse o amor abraçar os corpos movidos por fatos e efeitos concretos, tendo os ouvidos abertos e afetos aos anseios do povo. Quem dera pudesse o amor interferir com ternura nos encontros e desencontros, postando-se sempre ao lado da justiça que os mais oprimidos carecem. Quem dera pudesse o amor ser versátil a ponto de não semear dogmas e colher omissões, porém correr os riscos de se errar e assumir seus frutos sem desgosto.

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Quem dera pudesse o amor conceber segredos que fossem momentos indizíveis a dignificar os enredos da história. Quem dera pudesse o amor se ver maior num tanto que, mesmo diante da morte, o tesão pela vida fosse uma aventura irreversível. Quem dera pudesse o amor acreditar que lamentar lembranças sem espraiar esperanças não torna a gente sujeito do próprio caminhar. Quem dera pudesse o amor provar com gestos palpáveis e inequívocos que está-pro-que-der-e-vier em toda e qualquer calma brisa ou intempérie do dia-a-dia.

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Mistério

Naquela noite, jogados à margem das certezas, pai e mãe gemiam as esperanças das manhãs. O ventre dela, em contrações prenhes de vida, dilatava a janela da luz. Os braços dele, que eram a força do trabalho artesão, torneavam a matéria prima da história. Não sei se foi de súbito e nem se foi em decúbito... só sei que as estrelas sorriam em seus passeios de paz; e as corujas e ovelhas romperam o silêncio do sufoco; e os corpos se encharcaram com uma alegria nova, cheia de sonhos pro dia que vinha vindo. – Uma criança acabava de nascer. E daquela noite, alguma coisa me lembrou o Natal.


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Metas e metais

Como o ferro com o ferro se afia, assim o homem ao seu amigo. Provérbios 27: 17

Queridos formandos, estou certo que vocês me dispensam de lhes recordar, aqui e agora, as já sabidas teorias e práticas sobre várias propriedades e múltiplos usos de um metal chamado ferro. Porém, considerando que o provérbio citado lembra uma técnica elementar para se afiar o ferro como paradigma de uma relação social desejada, entendo que vale a pena refletir um pouco a respeito dessa comparação. E para isso proponho duas questões imprescindíveis e inseparáveis: por que os homens se afiam (o problema do objetivo); como se afiam os homens (o problema do método). Permitam-me, portanto, primeiramente comparar: assim como quanto mais afiado for um ferro, tornando-se mais cortante, assim também nós precisamos estar suficientemente preparados para penetrar e participar nas lutas do dia-a-dia, rasgando os pesadelos de um cotidiano-para-a-morte e, nele, enxertar o sonho de um amanhã-para-a-vida. Aliás, parece-me que outra coisa não aconteceu com vocês e seus pais que tiveram que afiar conhecimentos e capacidades para cortarem esses duros cinco anos de provas, não só nas salas de aula, mas, sobretudo, nas cantinas, tesourarias, bibliotecas, estradas e


repúblicas. Afinal, o capitalismo e outros ismos opressivos aí estão e uma alternativa radical ainda ensaia seus primeiros passos na concretude histórica dos corpos. Eis, assim, o porquê dos homens se afiarem: para que além de rasparem a superfície das coisas e dos casos, possam e saibam abrir e operar o real, conforme seus interesses. E, nesse sentido, eu espero que o Curso por vocês concluído concorra, de fato, como habilitação suficiente para que cada um tenha intenção e condição de engenhar e produzir uma sociedade nova, na qual as ciências deverão servir o povo – de onde surgirão. Em segundo lugar, pensando na maneira de se afiar, lembro que o ferro com o ferro se afia. O que é óbvio às vezes acaba escondendo importantes implicações. Senão, vejamos: o ato de se afiar envolve objetos iguais e ao mesmo tempo distintos: iguais por serem de ferro e distintos por serem dois. Tentando aplicar esse princípio da natureza na práxis humana, uma conclusão se torna como que mecânica, lógica e exata: ao afiar, um sujeito não faz (por seu saber e poder) a outra pessoa de objeto, mas age junto ao outro como amigo. São dois seres iguais, posto que humanos; são dois seres distintos, posto que cada pessoa seja um mistério. A amizade, portanto, é o meio mais seguro e eficaz de se afiar, pois guarda em si o poder do amor. Afiar com amor é a única garantia de se afiar respeitando o outro como tal, como completamente outro, distinto e, por isso mesmo, merecedor do respeito que fundamenta a justiça.

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E novamente eu espero que ao saírem desta Escola, vocês tenham percebido que o como afiar não é uma questão alheia ao porque afiar. Se o objetivo é uma sociedade nova, o método tem que ser necessariamente novo. Reconhecer o outro como amigo significa saber qual amigo tenho como outro; saber como é seu rosto – ainda que seu mistério não possa desvendar plenamente e que ele sempre será um convite a motivar e mover meu amor. E nisso a estratégia para a libertação humana também tem a ver com vocês, formandos. O como afiar requer que busquemos fazer prevalecer a amizade em todas as dimensões da experiência histórica e concreta dos nossos corpos. E isso resulta em uma guerra sem tréguas contra o desamor da fome, das doenças, do desemprego, do desabrigo..., contra o desamor da carência de educação, da incompetência dos faraós, da falência das censuras e da ignorância dos autoritarismos. Ter o outro como amigo é o mesmo que dizer que não há opressão entre ambos e que os dois se afiam ainda mais quando desafiam e desfiam as forças da morte, porque confiam no poder da vida.

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Para bom entende-dor, meia palavra bas... Só podia ter acontecido numa sexta-feira. Dia treze! Bem no meio do mês, na metade da tarde, baixou anti-evangelho: a-penas cinquenta por cento desse já minguado salário. Daí para as outras metades, tudo ficou pelo meio. A administração da casa, entre compromissos e juros, jurando sonhos, senhas e manhas aos deuses & demônios capitalistas... Os funcionários, entre contas e contos, contando pros filhos as desventuras de Alice no país da mordomia & miséria. E todos cor rendo o risco de ver um projeto alternativo de Unimep ficar pela metade. Afinal, meio mundo está doido para ver nos sa Universidade dar meia volta e pegar os descaminhos da direita – o que não é socialmente direito e nem pelas “diretas”. Daí vêm perguntas: de quem é a culpa e como se resolve o problema? Dizer simplesmente que é por causa da crise e que a solução não depende de nós... é o mesmo que cuspir pra riba e esperar embaixo. Devemos reconhecer que não temos sido mais corajosos para unir nossas forças e organizar uma reação que traga um novo sentido para essa met/ade tão vazia de verdade e muito cheia de fascínio. Sugerimos que o recurso do diálogo seja ampla e solidariamente readmitido pra que perspectivas já míopes não fiquem de todo ausentes. Nesse momento, se a gritaria irrita e confunde, o silêncio angustia e corrói ainda mais... É conver sando que a gente se entende, né? Assim sendo, aos unimepianos, aqui deixamos todo cin quenta porcento de nossas palavras. Janeiro 1984 !!!


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Breve e provisório ensaio

Com este breve e provisório ensaio sobre as perspectivas filosófico-teológicas da proposta educacional do Colégio Piracicabano, eu pretendo contribuir refletindo em torno das relações históricas e concretas de nossa realidade, privilegiando esses dois momentos que nos estão mais próximos: a educação e a religião. Acho conveniente introduzir ainda o seguinte: dentre as possibilidades educacionais sistemáticas e/ou assistemáticas, vamos pensar na escola e, no caso, numa escola particularconfessional..., e mais: dentre as variáveis deístas e/ou teístas, vamos pensar na igreja e, no caso, numa igreja cujo método de estar-no-mundo implica e inclui ser mais uma agência pedagógica. As instituições sociais denominadas Escola e Igreja partem de fundamentos distintos, mas não excludentes. A primeira se apoia basicamente na razão, enquanto a segunda na fé. Recolocando os termos dessa não excludência, razão e fé não são instrumentos incompatíveis, pois a Escola também trabalha com fé, e a Igreja também faz uso da razão. Portanto, o que eu sublinho não é outra coisa senão a ferramenta preferencial de cada uma dessas instâncias da sociedade. Assim sendo, entendo que tem sentido considerar o Colégio Piracicabano como um espaço onde Escola e Igreja convergem para operacionalizar fée-razão.


Julgo ser enganosa e enganadora a diferenciação que coloca por um lado a fé como aspecto que diz respeito somente às experiências não-tangíveis e alheias ao cotidiano..., e por outro lado dá à razão o conotativo de uma dimensão unicamente voltada para o dia-a-dia, sem compromissos com a transcendência. Tentando discutir um pouco mais essa problemática, parece-me cabível encontrar tanto a razão quanto a fé inseridos na totalidade histórica-e-concreta e, ainda, parece também viável não só à fé bem como à razão o engajamento em pro-jetos. Ciente que essas abstrações (errônea e aparentemente tomadas como neutras) servem como teorias sobre processos opressivos ou libertadores, sinto-me no dever de procurar destacar tais questões, levando em conta princípios éticos subscritos pelo Colégio Piracicabano. Supondo interpretar adequadamente o espírito profético das Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista, percebo que ainda prevalece no Brasil uma totalidade econômico-políticoideológica discriminadora do ser humano, o qual sub-vive a amargar sua dignidade negada. Essa prática social (imposta e vigente) tem sido sustentada também por uma combinação de Escola & Igreja que reproduzem os valores do status quo, retocando a maquilagem da mesmice necrófila. Por isso, à totalidade desse topos apenas uma outra necessária/possível composição de razão-e-fé é capaz de pro-vocar a atualização de uma u-topia. Essa seria/será uma práxis nova – sincera e radicalmente alternativa – ou seja: solidária e de afirmação da integridade corpórea.

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Concluindo, buscarei resumir alguns sonhos educacionais evangélicos, contextualizando-os na especificidade eclesiásticoescolar do Colégio Piracicabano: 1. Oportunizar à sua comunidade de trabalho e estudo o desenvolvimento de uma consciência crítica e de uma condução administrativo-acadêmica colegiada (I Ts. 5: 21; Am. 3: 3). 2. Oportunizar entre seus membros o desenvolvimento de uma sensibilidade alternativa, em que a ternura justifique o ser e o estar de cada um e do grupo (Rm. 12: 15; I Co. 13: 2). 3. Oportunizar aos educandos/educadores e aos educadores/educandos o desenvolvimento de suas potencialidades, preparando-os para participar libertadoramente também fora do Colégio (Ef. 4: 7-14; Mt. 5: 13-14). 4. Oportunizar aos corpos dos alunos e demais funcionários o desenvolvimento de uma integração dignificante no existir mais pleno possível (I Ts. 5: 23). 5. Oportunizar aos envolvidos direta e indiretamente com o Piracicabano o desenvolvimento de um clima tão desafiadoramente motivador que a fruição da convivência interna e externa tenha o gosto de quero-mais (Sl. 133: 1). Desconfio que se o desenvolvimento desses desejos de libertação alcançarem suficiente maturidade, teceremos num futuro não muito distante mais um slogan na já centenária bandeira do Colégio Piracicabano: onde as oportunidades do novo se renovam.

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Chovendo no molhado

Amós 5: 24

Eu sei que vocês já sabem..., mas ainda assim faço gosto de declarar que reencontrá-los aqui nesta festa é uma experiência que também me deixa profundamente feliz. Rever o rosto de vocês – agora mais risonhos ainda – traz ao meu coração muitas das tantas lembranças que compartilhamos em salas que não foram celas, pois a liberdade já era o nosso sonho. Caminhando entre filosofias e teologias, por certo, o que melhor colhemos foi a ternura que nós próprios semeamos com razão e fé nas montanhas e nos vales acadêmicos. Eu sei que vocês já sabem..., mas ainda assim faço gosto de depor que a justiça – como outrora gritava o boiadeiro Amós – deve correr qual ribeiro perene, fluindo um direito sempre novo, garantindo a força dos pequenos, afirmando a vida dos que estão à margem. Porque, de outro modo, a justiça que se represa apenas preza as penas da opressão, reprimindo a utopia. Esta é a justiça da injustiça, estagnada no medo e na mesmice, reproduzindo a violência dos grandes, mortificando a dignidade corpórea. Eu sei que vocês já sabem..., mas ainda assim faço gosto de denunciar que numa sociedade de classes, credos, raças e sexos em conflitos..., exercer a advocacia não tem como ser a constituição de um posicionamento eticamente neutro. Como o próprio termo parece indicar, advogar implica fazer uso da palavra: ou junto ao opressor, camuflando


seu discurso ideológico..., ou junto explicitando sua verdade histórica.

ao

oprimido,

Eu sei que vocês já sabem..., mas ainda assim faço gosto de defender o nosso desejo constante e a nossa luta cotidiana por uma práxis jurídica que possa ser radical, versátil e amplamente alternativa. Enquanto oprimidos pelo capitalismo, pelo racismo, pelo machismo e por muitos outros esquemas necrófilos, devemos subverter todo e qualquer ordenamento cuja legalidade imposta careça de uma legitimidade que concorra para a integridade pessoal e comunitária dos corpos. Eu sei que vocês já sabem..., mas ainda assim faço gosto de decantar a minha esperança de, mais cedo ou mais tarde, constatarmos que hoje não é a nossa noite de despedidas finais e fatais. No futuro ainda nos abraçaremos densos de carinho; se não cursando e riscando os rios da história, com certeza velando e navegando nos mares da memória; se não afogados no nada nuclear atômico, com certeza nadando nas praias do amar hedônico.

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Sem título e inacabado

O corpo, a despeito de sua transitoriedade e precariedade, pode se eternizar no tempo e no espaço através do trabalho que realiza. A vida ou a morte de um corpo transcendem o fato desse corpo estar vivo ou morto. O corpo de D. Romero – assassinado há quatro anos – ainda permanece com a marca da vida bem viva por meio do trabalho de sua missão libertadora. Um corpo morto pode não ser um corpo com a morte. E esse é o mistério de D. Romero: um corpo morto que não carrega a morte porque, quando vivo, trabalhou pela vida ... e a vida não morreu ainda. O pôr do sol é um fenômeno natural dotado de um sentido ilustrativo peculiar. Não é o sol que se põe, nós é que nos pomos do outro lado e, assim, à noite a lua nos vem e diz: ele – o sol – está lá, de bem com a vida, quase no mesmo lugar onde sempre esteve. A luz não é da lua. É do sol na lua. Lua que reflete o trabalho do sol, assim como a justiça e a paz testemunharão a luta – um tanto quanto abortada – do trabalho de D. Romero. E nossa alegria consiste exatamente nisso: que após cada crepúsculo a esperança de uma alvorada se renova.


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Passagem e saída

Páscoa... Passagem sobre a paixão dos povos. Páscoa... Praga que pega e pune o poder opressivo. Páscoa... Pão-porção para o passo previdente. Páscoa... Prenúncio de porvir promissor. Êxodo... Saída que susta o sufoco. Êxodo... Surpresa sacudindo o saber sedução. Êxodo... Signo da sobrevida no silêncio do sepulcro. Êxodo... Sabor do sorriso sonhado.


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Memória e história

No êxodo dos hebreus, quando escapavam dos faraós que os queriam cativos, o cardápio do adeus à opressão apetecia quem estava de partida... quem procurava construir o novo. Foi uma refeição feita às pressas, no corre-corre do vamos-lá, é pra-já... pois a paciência ia se esgotando e era forçoso e urgente não mais deixar aquele já acabar num jamais. Mas houve tempo. Ao cair da tarde, famílias e vizinhos desenhavam no crepúsculo da esperança a silhueta do sacrifício que sangrava pra marcar a passagem pro futuro. Estavam juntos e ajustados pro justo comer: na solidariedade e na fartura... O quanto pudessem! O quanto bastasse! Carne assada ao aconchego do fogo... Pão integral sem o fermento da mentira, do medo e da morte... E verduras viçosas como os sonhos das crianças. – Alimentos balanceados para a digestão da utopia. Afinal, os corpos precisavam estar prontos e preparados pra caminhada desde a morte até a vida!


Milênios depois um descendente daqueles hebreus ao celebrar a Páscoa... antes de sua passagem pra saudade e esperança de seus amigos, lembrou que o pão e o vinho são corpo e sangue da vida! Hoje, aqui em nossa terra, para que possamos comungar a páscoa em paz é necessária a luta por um êxodo novo... por uma saída libertadora para muitos que não têm o que comer nem ao final da tarde. Carece matar a fome-que-mata-o-corpo-carente. Os símbolos não enchem a barriga ... ainda que nem só de pão-e-vinho vivam os corpos. Por isso, nesta Páscoa, reclamamos uma campanha pelas refeições corretas já!

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O presente da mãe que não ganhou presentes

Talvez até sem saber está pra se completar o primeiro mês. O sinal vermelho não veio e assinala o convite pra se só-correr com a cor da esperança. Esperar, ainda que incerto o salário. Esperar, ainda que interna a solidão. Esperar, ainda que imenso o desespero. E vêm e vão semanas ... quase tudo em vão. A barriga crescendo à medida da fome. A roupa rasgando a vergonha de um corpo oprimido com cicatrizes cruas e nuas.


Enquanto isso... E, à razão disso... nos palácios acarpetados se decide pela continuação-já das estrebarias pra tantas Marias nesses nossos dias tontos. Eles – os poderosos/medrosos – provam que não querem “amar-elas”. Por fim, quem sabe antes da hora nona, um aperto de parto: dores pra dois; ter que gemer gêmeos. Os gritos desembocam inicialmente numa carne calada, inerte e fria – nasceu o morto. E aquele silêncio assusta e angustia mais que mil trovões em trevas mil.

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Depois, apesar do pesar, irrompe as pregas e lambuza poros e pelos o que o sufoco não pôde conter por todo o tempo: sambando no umbigo do cordão da liberdade, a vida de novo! Nasce o que renasce a esperança! Lindo como o brilho das estrelas a azular a noite do desamor; soltando a voz como a exigir sua vez; trocando, com quem ama, o que mais precisa: num beijo, leite e deleite!

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Tochas e taças

Daqui alguns minutos, na distante Los Angeles, deverá acontecer a abertura oficial dos 23º Jogos Olímpicos da Era Moderna. Sem dúvida, neste instante, aparelhos de TV nos cinco continentes já estão recebendo, via satélite, imagens e sons de uma festa que pretende fazer eclipse à graça e ao brilho demonstrados pelos soviéticos no Estádio Lenin, em Moscou, naquele inesquecível 19 de julho de 1980. Hoje nos bares das esquinas, nas salas das mansões, nos clubes sofisticados ou nos barracos das vilas operárias, será a vez do circo encantado do capitalismo norteamericano apresentar seu grandioso espetáculo que, aliás, está custando uma ausência de pão para muita gente no chamado Terceiro Mundo. Na Grécia Antiga, além dos Jogos Olímpicos, também eram importantes os Jogos do Istmo helênico, realizados muitas vezes em Corinto – um importante entreposto comercial às margens do Mediterrâneo. Paulo, conhecedor destes Jogos e da influência dos mesmos na cultura da época, ao escrever aos coríntios, compara seu apostolado à experiência do atleta (I Coríntios 9: 24-27).


Pensando um pouco sobre as competições, percebo que a busca constante pelos melhores resultados parece motivar a todos nós, dentro e fora dos estádios. Não nos contentamos com marcas e performances conseguidas; queremos melhorar nosso tempo, nossa distância, nossa altura, nosso arranque, nosso lançamento, nosso salto, nosso score e assim por diante. E isso implica cumprir uma série de treinos e testes difíceis, como, por exemplo, para vocês formandos, o vestibular, as mensalidades, as viagens, os exames etc. etc. Observo, ainda, que basicamente são duas as maneiras pelas quais se pode competir. Uma é aquela em que o vencedor exclui e nega o vencido, fazendo da competição uma oportunidade opressora. A outra maneira é aquela em que o vencedor reconhece que a competição não se resume no confronto de duas ou mais pessoas, mas que por trás delas todas existem fatores fundamentais determinantes, tais como as condições econômicas, políticas e culturais. Nesse caso, vencer é conseguir exercer um poder que aponta para as responsabilidades éticas na história concreta dos vencidos.

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Desenhar projetos e manter máquinas e equipamentos são conquistas que, junto ao gosto alegre das vitórias, significam privilégios ainda pouco socializados e, por isso, pesam como novos e sérios desafios. O que vocês sabem como tecnólogos importa sim, porém o que importa mais é saber porque e para que servem (ou deveriam servir) os desenhos e a manutenção dos meios de produção. Noutras palavras, a competição não terminou nesta formatura, continua mais grave ainda... E é necessário jogar com consciência bastante crítica, resistindo aos subornos, tão fascinantes, insinuados pelos “cartolas” das equipes comprometidas com as injustiças e com a morte. E minha esperança é que vocês estejam sempre no podium para celebrarem a vida mais plena possível, recebendo aplausos por terem alcançado a dourada medalha da dignidade.

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Inauguração das novas instalações no Campus Taquaral

Ato litúrgico

Oh! Deus, emudecidos ante a beleza do teu fazer, pedimos que nos ouças graciosamente no silêncio de nossos méritos.

Palavra de Invocação

Oh! Deus, extasiados ante a disponibilidade do teu saber, pedimos que nos faças companhia na ausência de nossas certezas. Oh! Deus, enamorados ante a perfeição do teu julgar pedimos que nos aceites com favor nos equívocos de nossa justiça. Oh! Deus, embalados ante a ternura do teu poder, pedimos que nos unas pelo trabalho na fragilidade de nossa ousadia.

Palavra de Confissão

Concordamos contigo, Senhor, quanto aos nossos desacertos na caminhada: fomos infiéis ao pacto da vida abundante; deixamos de celebrar o sorriso espontâneo; economizamos a alegria do descanso; fechamos as salas para sonhos esvaziado$; angustiamos a tantos que agora chamamos ex-colegas; enrugamos a face da esperança; e por isso tudo e muito mais, perdão, Senhor.


Palavra de Meditação

(...)

Palavra de Dedicação

Acreditando que tijolos e vidros..., que plantas e peças..., podem ser para o Teu serviço – no serviço ao povo – oferecemos, Oh! Deus, nossas intenções lutando... para que na transparência destas janelas possamos barrar os ventos das mentiras; para que no exemplo deste elevador abaixemos a dor da (in)diferença de um andar hierárquico; para que para além dos ângulos destas quinas tenhamos consciência para riscar e arriscar uma nova história; para que o verde neste azul amarele nossas decisões. Amém.

E que Deus nos ilumine com a simplicidade das pombas e a sagacidade das serpentes. Aleluia!

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Palavra de Bênção



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Sete versículos de uma epístola pastoral

I.

Aos companheiros metodistas, chamados para servirem ao único Senhor nosso nessa nossa UNIMEP, saudações: graça e força para vocês que, na liberdade do Espírito, reúnem-se às segundasfeiras.

II.

É com sentimentos diversos que nos dirigimos a vocês nesses momentos de crises tão variadas e de carências tão abundantes. Consola-nos, a princípio, poder discernir alguns problemas e seus encaminhamentos de solução. E por isso nosso louvor Àquele que revela e Se revela na concretude histórica. Angustia-nos, no entanto, o que as forças da morte (... ainda em nós e entre nós presentes) têm conseguido no cotidiano de nossas relações dentro e fora desta Casa. E, portanto, eis que desejamos repartir com vocês algumas inquietações que, acreditamos, fazem parte dos desafios de nossa Missão comum: a sinalização do Reino.


III.

Os problemas que afligem a Pastoral Universitária da UNIMEP começam por um questionamento sobre sua própria identidade última. Noutros termos, essencial e funcionalmente o que é a Pastoral Universitária da UNIMEP? Confessamos que temos esbarrado em sérias dificuldades para superar o senso comum que restringe e reduz a identificação da Pastoral à um grupo específico de pessoas que, organizacionalmente está lotado em um determinado setor unimepiano e que, eclesiasticamente está subordinado ao Bispo da V Região.

IV.

Reconhecemos que esta perspectiva fica prejudicada exatamente ao privilegiar (de modo implícito ou explícito) apenas aspectos burocráticos e hierárquicos do trabalho pastoral. E daí decorrem equívocos de análise e de envolvimentos por parte das instituições que tangenciam o espaço da Pastoral, ou sejam: a Igreja e a Escola. Embora essas estruturas de poder se digam afins, parece-nos que atualmente chegam a graves desafinações, assumidas ou camufladas, ao participarem do jogo que coloca em disputa o exercício das influências e das decisões em ambas instâncias.

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V.

No meio dessa luta, como que tendo de responder a dois grupos de interesses, sobrevive esse tipo de Pastoral que temos sido: perplexos não só com os embates entre as instituições Igreja e Escola, mas (por estarmos/sermos Igreja e Escola) também perplexos com os confrontos dentro da Igreja e dentro da Escola.

VI.

A problemática, segundo nossa interpretação, não está nos conflitos que geram essa perplexidade, pois isso, em si, é até dialeticamente desejável. O que nos preocupa é o caráter antiético que, às vezes, se constata no processo que engendramos nesses conflitos. A eticidade de que falamos não se fundamenta em mero moralismo pietista inconsequente, e sim no compromisso teológico de afirmação da vida e de seus valores, como, por exemplo, a solidariedade entre nós que nos chamamos d’O Caminho. Noutras palavras: jogar limpo e fraternalmente, lembrando que ganhar ou perder não são situações que se explicam independentemente, mas na reciprocidade das contingências concretas e históricas dos vencedores e dos vencidos.

VII.

Finalmente, declaramos que o nosso intento ao deixar com vocês estes versículos é procurar um diálogo aberto que possa trazer desdobramentos que auxiliem a nos encontrarmos todos inseridos em uma Pastoral Universitária efetiva. E, assim, apesar dos pesares, quem sabe a interação Igreja – Escola venha testemunhar o ágape que justifica a fé.

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Litania das lembranças e esperanças

Nós te louvamos, Senhor, porque nos revelas o mistério do ministério dos mártires: ... pois é melhor perder a visão que não poder olhar nos olhos dos filhos; ... pois é melhor perder o sono que não poder sonhar sonhos de utopia; ... pois é melhor perder o senso que não sentir os sentidos do amor. Nós te louvamos, Senhor, porque nos renovas a chama do chamado dos mártires: ... para que nossos olhos não percam o caminho da VIDA; ... para que nossos sonhos não percam a verdade da VIDA; ... para que nossos sentidos não percam a vida da VIDA. Nós te louvamos, Senhor, porque nos reanimas a cumprir o compromisso dos mártires: ... até que o poder de cada olhar caminhe nos horizontes da paz; ... até que o poder de cada sonhar amanheça a festa do povo; ... até que o poder de cada sentir frutifique a eterna e terna alegria.


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O valor da inutilidade da gratidão

Não se diz muito obrigado pra se conseguir alguma coisa; mas porque já se conseguiu. Também não se diz muito obrigado pra se garantir, sob pressão, uma nova conquista; pois isso seria o mesmo que tentar (... em vão, aliás) o suborno por meio de palavras cujo sentido de obrigatoriedade está justamente na voz passiva e que mais sugere explicitar a submissão servil de quem fala. Ainda não se diz muito obrigado pra se fazer média, chamar atenção; porque, sendo forma de resposta à graça (gratidão), traz o reconhecimento da ausência de mérito no agraciado. Cotidianamente estamos fartos de saber e sentir que muito obrigado é sinal de boa educação. Mas que boa educação é essa que propõe e promove a servidão voluntária? Com efeito, felizmente, nesse caso não acreditamos muito no que falamos e escutamos. Pois tudo isso não passa de um passe no passo da fantasia... ... sem que, no entanto, nem um pouco desnecessário seja. A eliminação total e absoluta desse encantamento, senão improvável ou impossível, resultaria numa alteração cultural, no mínimo, seguramente desaconselhável. Dizer ou deixar de dizer muito obrigado parece que não muda a história, porém muda o sentimento da história para quem circunda esse dizer.


Muito obrigado vale não pelo que possa ser útil (... ou inútil); seu valor é mágico: exorciza demônios e incorpora deuses nos que ouvem e proclamam o fascínio de tais palavras. Muito obrigado é como uma prece, uma litania de ternura e charme. Sem utilidade, vale em si mesmo. Não é meio. Esgota-se na gratuidade fugidia e fúlgida do momento. Em sua inutilidade mediadora, muito obrigado vale algo misterioso, cotidianamente misterioso (... e sem mistérios não há meios de se valer o viver). Muito obrigado é um dito do bem-dito desejo ... antes ou ainda interditado. E mais, se transita entre lágrimas ou sorrisos (não importa) é sempre veículo da alegria na própria alegria. Como culto à vida, muito obrigado celebra, assim, o mistério do insondável poder do ministério... a senha da intensa paixão do sonho... o sussurro do inconfessável prazer do silêncio.

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Confraternização

Uma alegria em olhos que se beijam... Um brilho sereno em sorriso inevitável... Uma ternura celebrada na emoção do abraço... Um tapinha leve, carinhoso, no bumbum querido... Uma caminhada solidária com os chinelos do desejo... Um silêncio de respeito ao belo nos desenhos das rugas... Uma trama que frustra a tristeza com uma esperança nova... Um gostinho do eterno em pleno cotidiano.


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Beijos de Deus nos lábios do mundo

Quando, no princípio, passeando pelas paisagens das paixões, Deus nos hospedava em seus sonhos, a energia emergia do caos semeando átomos de vida nos canteiros do cosmo. E veio da terra que veio da água como um barro, como um berro de alegria, o húmus humano molhado de amores e malhado para as redes que embalam a justiça. E o projeto divino que foi..., e que será... até parecia o abraço dos raios de luz nas saias da chuva, tal qual a fraternidade no arco-íris: mãos dadas... irmãos em viagens de paz – beijos de Deus nos lábios do mundo.


Porém, depois do princípio, riscamos na tela do cosmo figuras do caos. Assustamos os átomos para espanto e horror das crianças que não podem mais brincar nos sussurros dos regatos – agora esgotos das injustiças. E nas sobras dessas sombras ainda assombram presságios de pesar, pesadelos... gargantas engolindo angústias... silêncios do medo. Pecamos. E a saudade nos sacode na cama só para dizer que ainda é noite e ainda estamos sós, tristemente amigados com a solidão. Nos olhos nos falta luz e as lágrimas perdem a cor. Não há mais aquele arco na íris... tudo é acre, tudo é bílis... massacre, busílis... desamor, desamor, desamor...

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Mesmo assim, para os fins do princípio, um sonho se fez corpo e acampou conosco cheio de ternura. E saboreamos o seu encanto como um aconchego último num único útero. Jesus. Com jeito de um gesto justo se sujeita ao injusto gesto desajeitado. Despetalando sangue sobre a aridez cósmica desperta fontes de amor no cotidiano dos corações. Ressurge o brilho. Renascem os filhos da manhã. A paz se apascenta na luta pela paz. Páscoa. Vida. Saída. Vinda à luz. Prazer de páscoa eterna. Cristo. Cristal dos prismas arco-irizando novas criaturas. E, outra vez, a chance de um sorriso menino nas faces da história.

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Por amor ao princípio, um novo saber, um novo poder. Laboratórios da utopia. Oratórios do labor na justiça. Em lugar das devassas devastas, vastos espaços enluarados de verde. Ao invés das curvas turvas nos rios, risos descalços pelas pedras das cascatas. Alquimia da vida. Desejo de repartir desejos. Caminho para criar caminhos expurgando infernos nos céus dos homens. Alegria divina estampada na liberdade colorida e sapeca das borboletas. Missão. Dança das sete notas gotejando amor no arco da íris. Concretos avisos bonitos. Anjos no dia-a-dia. Evangelho. Instrumentos do amém.

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Saudades e saudações à saúde

Era uma vez uma história de verdade... Daquelas que não são daquelas que falam de lá-não-sei-onde...; mas uma história dessas histórias que a gente não conta como se fosse tudo um faz-de-conta. E assim, era uma vez uma história feita de carne e osso ... se bem que bem mais de osso. Pelos desertos da Etiópia e sertões do nordeste, pelos cantos do Central Park e jardins da Fepasa, pelas vielas de Estocolmo e sarjetas da Rua do Porto ainda desfilam e desafiam imagens de um Cristo com dores em cores contemporâneas: farrapos de nosso povo feridas tecidas em cortes sociais fiapos de gente transformada indigente fotolitos flagrando o desfoque do desamor furúnculos inventados pelos pecados capitais e indigestamente televistos, via satélite, após o jantar.


Ah! Se, ao invés disso fossem eles que nos vissem vê-los ao mesmo tempo que lançamos em nosso lixo ocidental as sobras que lhes faltam. Ah! Que silêncio suado seria essa surda e santa revolta ante a história desnaturada que produzimos e que deixa a dignidade boquiaberta de fome e sede de justiça. Porém, toda essa história não é a história toda. E como deve ter havido um antes, trazendo nostalgias, e também pode haver um depois, puxando utopias, melhor é optar pelos sonhos e semeá-los no chão da história. Do princípio do Gênesis até a revelação do Apocalipse, poetas e profetas contam que os corpos, todos os corpos, podem e devem se nutrir e fruir as delícias da vida nos lares, nos mares, nos bares, aos pares... ... frutas e verduras, ... peixes e aves, ... leite e mel, ... pão e vinho, ... molhos e temperos. Vida feita de núpcias da natureza com o trabalho nas humanas câmaras da história. 178


E então, se alguma coisa vier a faltar já teremos desvendado os mistérios e os segredos dos milagres; e tiraremos bebida e comida das pedras nos desertos, e não deixaremos acabar o azeite nas botijas solitárias, e multiplicaremos pães e peixes nos cestos da amizade, e transformaremos água em vinho e vinho em sangue sepultando a morte durante a vida; porque as técnicas da alimentação conseguirão desbalancear as gulas ideológicas com as calorias da verdade; porque as panelas e tigelas inoxidáveis espelharão umbigos piscando o sorriso da saúde; porque o acesso às bênçãos do santuário da cozinha será um símbolo de comunhão e o louvor nosso de cada dia.

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O sol e a clave

Amanhecia. O sol espreguiçava seus raios ainda morenos pondo para correr os bocejos da noite. No horizonte, saliências e sedução eram sustenidas pelas silhuetas daquela mulher – de quem não se podia deixar de olhar. Então, como que filosoficamente, o sol perguntou: Quem és? De onde vens? E por que seu nome é música? Daí aconteceu o primeiro interlúdio de pausas – pizzicato em soluços.


Já ao meio-dia, quando o sol alçava a plenitude de seu labor – que era o de varrer e ajuntar debaixo das coisas as suas sombras, como sobras, a cada ser de novo reunidas – voltou o senhor das horas a indagar, meio econômica-e-politicamente: Mas, afinal, sem-hora música, de que modo és feita? qual é tua utilidade? E assim, como pela manhã, ela se fez de surda e muda ... compondo seis compassos com fermatas azuis.

Quase ao poente dourando outra vez o corpo inteiro daquela mulher e prevendo que logo iria perde-la de vista, o sol – grávido de saudades – trouxe à luz sua emoção numa fragrância dominical: – Agora entendo porque silenciastes às perguntas que me pareciam importantes, mas que jaziam em si mesmas, desafinadas no equívoco de olvidar os mistérios do coração.

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Agora, pelo-amor-dos-teus-bemóis, quero que saibas e sintas que te gosto muitíssimo. E assim, surpreendentemente, durante toda aquela noite o sol em sua sideral solidão trocou toques de ternura com infinitas notas que lhe roçavam os ouvidos. E aquela mulher, Num alegro moderato bachiano sussurrava: Venho de tua nostalgia (o outro nome do divino). Eco do teu desejo (presença de uma ausência), sou feita de teus sonhos (claves do amor). No dia seguinte, o sol encontrou apenas os corpos humanos e percebeu que, às vezes, em seus critérios e poderes, em suas crenças e paixões, em seus costumes e prazeres, os humanos incorporavam aquela mulher – musa vestida de ritmo-e-melodia-e-harmonia. E percebeu ainda que a música seja talvez a mais humana das culturas, a mais humana das ciências e a mais humana das divindades. E, então, o sol passou a amar a música nas pautas da corpórea humanidade.

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CartĂŁo para aniversariante

Quanto mais... o tempo desfolha os anos e o vento povoa as sombras, mais as raĂ­zes cumprem seu destino e o tronco encontra seu sonho: a beleza, naturalmente.


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Prece imprecatória

Oh! Deus, Teu nome foi profanado quando os falsos profetas do Conselho Diretor intentaram a discórdia entre nós. Por isso, em nome do corpo de Cristo, castiga e confunde suas diabólicas pretensões. Oh! Deus, Teu plano foi paralisado quando os falsos sacerdotes da Quinta Região ficaram insensíveis à voz do Teu povo. Por isso, em nome do corpo de Cristo, castiga e confunde suas diabólicas pretensões. Oh! Deus, a vida e a missão da Tua Igreja foram prejudicadas quando os falsos irmãos da UNIMEP fugiram e fingiram que estavam ocupados. Por isso, em nome do corpo de Cristo, castiga e confunde suas diabólicas pretensões.


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Salmo da véspera

Senhor, se eles voltarem amanhã... e com eles dezenas de outros que não gostam de flores nem de sorrisos... não vão nos encontrar no medo da solidão pois continuaremos juntos e Tu conosco para guardarmos nosso jardim cultivando Teus sonhos!


Senhor, se eles voltarem amanhã... e com eles centenas de enormes botas amestradas para amassar o verde que Tu criaste e desbotar a singela alegria de Teus filhos... não vamos deixar que nossas crianças fiquem sem a viçosa grama a fazer cosquinhas em seus desnudos e pequeninos pezinhos, desabrochando aqueles belos brilhos nos olhos – imagens Tuas em sinais de amor para o nosso caminhar!

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Senhor, se eles voltarem amanhã... e com eles estranhos artefatos que não podemos usar e que rasgam e perfuram o colorido das plantas como frias ferramentas fundidas à fogo ou sujas sementes sedentas de sangue... não vai ser possível extinguir o perfume das canções em nossos canteiros e nem transformar só em lágrimas e vômitos toda nossa esperança temperada em Tua doce utopia!

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Graça na praça

As praças da cidade se encherão de meninos e meninas que nelas brincarão. Zacarias 8: 15

Pensando um pouco sobre como relacionar Educação Física com Religião senti que talvez fosse bom comentar alguns itens de uma teoria sobre Deus que envolvesse a questão do lazer, da recreação. Melhor dizendo, tentarei lembrar um jogo de palavras chamado Teologia do Lúdico. E vou fazê-lo rapidamente, como que tomando cuidado para não ficar três segundos no garrafão. Muitas vezes quando falamos sobre Deus usamos uma complicada divisão das coisas em sagradas e profanas. Geralmente as diferenças entre sagrado e profano são transmitidas de geração em geração e quase não se questiona a origem e nem a finalidade dessas distinções. Acho que, no fundo, está o problema do poder, isto é, a possibilidade de se criar símbolos religiosos que sirvam a determinados interesses econômico-político-culturais.


Mas deixando de lado, por um instante, uma série de sérias ponderações necessárias numa discussão mais apropriada sobre a Teologia do Lúdico, devo afirmar que, nesse contexto, o objetivo de minhas palavras é destacar o caráter sagrado que tem uma prática específica de Educação Física. Podendo ser a Educação Física uma forma de aplicação científica de recursos materiais, emocionais e espirituais para a promoção integral do corpo, entendo ser ela, portanto, um serviço ao corpo. Teologicamente reconheço que o corpo é o momento mais sagrado de toda história da criação e, desse modo, todo e qualquer serviço ao corpo é uma espécie de liturgia. A práxis da Educação Física, assim, é um culto, uma celebração. Se uma das muitas peculiaridades da Educação Física é sua proximidade ao lazer, àquela descontração de se criar re-creando, percebo que ela está nesse sentido também operacionalizando os potenciais da fantasia, da imaginação e do desejo compromissados com uma utopia. Em termos teológicos, a criatividade espontânea e solidária de uma linha-de-passe, por exemplo, reflete bem a imagem de um Criador que sabe sorrir o sorriso da alegria, da amizade livre, solidária e responsável.

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A grande maioria dos esportes, além de ser possível apenas em equipe, coletivamente..., se constitui em preciosa situação quando os corpos se afirmam pelo que produzem in loco (nas quadras, nas piscinas, nas pistas, nos campos). Ainda que os corpos reproduzam genética e eticamente a quase totalidade dos conflitos sociais, resta, todavia, no esporte aquele dom do humano essencial, radical, capaz de suplantar as desumanidades de todos os modelos de desamor. É a sociabilidade socializada e socializante. É a comunhão dos irmãos. É a fraternidade pregada pelos cristãos, agora vivida independentemente das estruturas eclesiásticas que, muitas vezes, nada têm de cristãs. Se um dos melhores resultados que experimentamos no desempenho da Educação Física é aquela sensação de sermos ainda crianças e que nos é lícito brincar de faz-deconta em cada drible, em cada salto, em cada cortada, em cada mergulho etc., concluo que a Educação Física oportuniza um tipo de regeneração. Nascemos de novo. Tornamos crianças outra vez. Somos convocados para um Reino cheio de praças cheias de graça: meninos e meninas brincando porque estamos construindo a nossa salvação, isto é, a nossa saúde. Finalizando, queridos formandos, desconfio que tanto a Educação Física como a Religião, tanto o lazer como a teologia têm dois pontos comuns bastante fortes: um desejo do corpo se superar e uma aposta concreta na esperança. E como isso tudo só é cabível se vestirmos a camiseta do companheirismo, creio que vocês alcançarão a graça tão palpável e significativa quanto um abraço no podium da praça do cotidiano.

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A vigésima primeira páscoa

Com perdão da palavra, desde sessenta-e-quatro vimos várias páscoas acontecendo, tecendo, sendo pseudo-celebrações, meras publicidades. Porém aquela páscoa-passagem, aquela páscoa-saída... não deixaram acontecer e nem pudemos ressuscitar como queríamos. E nesta vigésima primeira páscoa desde então há quem diga que estamos num Momento Novo e em uma Nova República vivendo as Páscoas brasileira e unimepiana... ... mas só quem viver verá. Vi-verá?


Depois de autoritarismos assumidos e indisfarçáveis populismos, o que foi imposto parece decomposto e deposto... E pode ser que tudo não passe de algo ainda mais composto e reposto. E isso não é Páscoa. Páscoa não é mesmice metamorfoseada. Páscoa é a própria presença inegável e palpável do novo. É o novo brotando desde suas raízes, desde suas bases, desde o povo.

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Páscoa não é só a paixão de um povo. É a vitória dessa paixão. É a ressurreição do povo. É o uso-fruto do novo ... produto que se consome feliz ... sonho que se saboreia com suor. Páscoa não é só a esperança de mudança. É a mudança mesmo!

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A/pesar

Quando os olhos que choram uma dor sem tamanho puderem exalar algum brilho... então a lágrima, vestida de arco-íris, sairá semeando no colo da esperança essa flor chamada canção do amanhã.


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Autonomia Universitária

Creio que sobre esse tema cabe um ligeiro exercício teórico em torno da tensão que se estabelece entre um todo abstrato (Universidade) e a concretude das partes que o compõem (os Campi, as diretorias, os professores, os funcionários, os alunos etc.). Acho também que essa tensão contempla um enfoque primeiro que é o problema da identidade justaposto e imbricado ao da dignidade. Assim, autonomia universitária na UNIMEP me parece ser uma questão de ontos & ethos. O processo de construção da identidade da Universidade não acontece independentemente da identidade (que se constrói também) dos corpos que nela estão. No nosso caso, entendo que só quando a comunidade unimepiana (cada pessoa no conjunto de seus pares) der o salto da condição-condicionada de massa para a ação-situada de povo (ainda que e porque vivenciando as antíteses político-econômico-culturais), só então a identidade individual/social terá elementos para gerar e gerir sua autonomia. Caso contrário, continuaremos a sofrer a vigência das heteronomias asfixiantes.


A historicidade de cada pessoa não deve ser negada para se forjar um Corpo universal/universitário. Há que se prevalecer a afirmação da dignidade possível/desejada de cada corpo particular/concreto. E a dignidade só se resgata na dimensão social, contrariando individualismos de toda e qualquer natureza. Daí o surgimento de um quase-impasse: como ser, vir-a-ser e servir? Como organizar um espaço de saber/poder cuja autonomia seja sinônimo de democracia? Como inventar uma flexibilidade normativa na vertical do presente e implementar uma mobilidade alternativa na horizontal do tempo? Suspeito que a saída (ainda utópica) seria a comunidade unimepiana se converter em comunidade de fato: discutindo suas contingências e seus sonhos para deliberar princípios de conduta que viessem a ter, talvez, valor de lei (nomia) em razão de sua legitimidade. Isto é, por serem princípios próprios (auto) da comunidade e não em função de uma legalidade (eclesiástica e/ou capitalista) imposta desde alhures por interesses alheios ao cotidiano dos que se encontram ao se encontrarem na UNIMEP. Com efeito, sem querer concluir, estou convencido de que isso não é tudo; ainda...

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Enquanto caminho

Pelas esquinas da pressa a calçada puxa meu passo e parece me levar prisioneira de uma esperança envidraçada que esfola e sufoca o passeio dos sonhos. Aflita, eu me encontro comigo mesma; quase sempre de saída... quase nunca escolhendo a vida... sempre nunca a gozar o prazer de onde estava, o prazer de onde vou. Mas meu corpo de mãe ainda embala o desejo de trazer à luz um jeito novo de ser mulher – com ternura e inteira – podendo amar um lar e um labor que ainda faremos; pois me dou o direito de me amar no amor que eu amar.


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Quanto ao poder

Completadas sete semanas após a Páscoa, os hebreus celebravam a Festa da Colheita. Como nessa data se alcançava o quinquagésimo dia, os que falavam o idioma grego começaram a chamar essa festa de Pentecostes (em grego, cinquenta). A Festa da Colheita pode ser entendida como uma cerimônia com a presença divina e humana: Deus providenciando a natureza e o homem provando seu trabalho. Afinal, uma colheita é o efeito do poder a serviço dos corpos das pessoas. No livro sobre os atos dos apóstolos encontramos a declaração de que Jesus, antes de ser “elevado às alturas..., se apresentou vivo... durante quarenta dias” – exatamente no período entre a Páscoa e Pentecostes. Nesses dias, segundo as palavras de Lucas, Cristo avisou aos apóstolos que eles receberiam o poder (dynamis, em grego) do Espírito Santo. Ainda conforme o mesmo livro, esse poder se manifestou no dia da Festa de Pentecostes, Festa da Colheita. O resultado concreto desse episódio foi assim relatado por Lucas: Todos os que creram estavam juntos, e tinham tudo em comum. Daí por diante os cristãos passaram a associar Pentecostes com a presença do poder do Espírito Santo no cotidiano das pessoas. A Pastoral Universitária batizou este boletim com o termo DYNAMIS justamente porque estamos interessados em promover um tipo de poder (dynamis) que tenha algo de divino e humano ao mesmo tempo. Divino na qualidade e humano na realidade: um poder de colheita que se escolhe a cada dia na história.


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Ad nutum

(sem mais nem menos)

Nos primeiros meses deste ano a comunidade unimepiana viveu um inesquecível momento de resistência. Dentre as conquistas, uma se reflete no recente compromisso assumido pelo Conselho Diretor: eliminar do Estatuto do IEP a figura do ad nutum. Estas duas palavras latinas querem dizer que o diálogo é desnecessário e que decisões podem ser tomadas pela vontade isolada de uma das partes que compõem determinado grupo de interesses. Em meio aos boatos e fatos desses últimos dias, entendemos e sentimos a missão de registrar, uma vez mais, nossa mensagem. Também somos funcionários e, portanto, também estamos perplexos e aborrecidos com os desacertos que atentam contra nossa dignidade. Apesar de indisfarçáveis discursos procurarem negar, sem mais nem menos, quase fomos vítimas daqueles que havíamos defendido pouco tempo atrás: as lideranças financeiras, acadêmicas e administrativas desta Casa. Nisso tudo fazemos questão de deixar bem marcada nossa posição: não aceitamos o chamado “pacotão da reestruturação”. Reconhecemos que esse ideologizado projeto, ainda que se mostre com pretensão de amenizar a crise financeira de uma incompetência populista, apenas demonstra um modelo de empresa escolar irremediavelmente hierarquizada, cujo poder se sustenta através de um saber (dissabor) burocrático.


Porém, num ato de fé, trocando com os companheiros nossa comum solidariedade, dizemos o nosso desejo citando um profeta e clamando uma prece: Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem, mal; que fazem da obscuridade luz, e da luz obscuridade; põem o amargo por doce, e o doce por amargo! Ai dos que são sábios a seus próprios olhos, e prudentes em seu próprio conceito! Ai dos que são heróis para beber vinho e valentes para misturar bebida forte; os quais por suborno justificam o perverso e ao justo negam justiça. Isaías 5: 20-23

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Salva-nos, oh! Deus, dos que se fecham em gabinetes acarpetados propondo maquinar a perdida sobrevivência de si mesmos. Tu Te lembras, oh! Deus, ontem fomos nós que rejeitamos suas cabeças nas bandejas do arbítrio e, sacrificando nossos corpos, ressuscitamos a confiança em seus nomes e cargos. Hoje os colarinhos brancos de suas acadêmicas racionalizações parecem encurtar a memória; e nossas nucas sentem o perigo de serem acariciadas, de repente, pelas lâminas dos número$$$ equivocados na injustiça. Por isso, oh! Deus, salva-nos deles salvando-nos do medo de enfrentá-los. Amém.

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Aula magna

Cotidianamente

olhos desandam a piscar

como que neonizados

pelo ritmo dos corações-estudantes.

Do inventário de saberes experienciados

inventamos hipóteses de poderes históricos

aprendendo a ensinar aprendendo

ou, batizando milagres com cuspe & giz.


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Protestantes de toda UNIMEP, uni-vos!

Deus não nos deu um espírito de covardia, mas de poder, amor e moderação. II Timóteo 1: 17

Hoje, dia 31 de outubro, nossa memória retoma um ato de protesto acontecido em 1517. Naquela oportunidade Martinho Lutero afixou nas portas da Catedral de Wittenberg (Alemanha) suas noventa e cinco teses. Foi um ato de coragem e de afirmação da dignidade. Essa lembrança nos encontra em meio a outro ato de protesto, também digno e corajoso. Com a paralisação geral de nossas atividades, ontem manifestamos nossa revolta diante da aprovação do Pacote de Reestruturação. Querendo com este documento participar do movimento com algumas palavras de avaliação, reconhecemos, primeiro, nossa autonomia como funcionários, decidindo e concretizando nossas formas de luta pela Vida. Achamos que estamos escapando dos paternalismos que tentavam nos amarrar em pacotes embaraçosos. Parece que cortamos o cordão umbilical e, entre risos e choros, começamos a mostrar nossa voz e nossa vez.


Além disso, reconhecemos também o modo fraterno e firme como conduzimos nosso ato de protesto, ainda um pouco inexperientes. Portanto, a respeito dessas atitudes temos muito a aprender e aprenderemos fazendo e refazendo tantos protestos quantos forem necessários. Em todas estas coisas... somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou. Porque... nem a morte, nem a vida, nem anjos, nem principados, nem coisas do presente, nem do porvir, nem poderes, nem altura, nem profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor... Romanos 8: 37-39

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Graças..., a-deus!

Pela primeira vez nestes dez anos de UNIMEP, o Dia Nacional de Ação de Graças não terá uma celebração nesta Casa. Desde sua criação em 1979, a Pastoral Universitária tem sido um setor que procura organizar reuniões e escrever artigos que nos chamam para o sentido da gratidão. Neste final de 1985 nossa equipe está sendo despedida e isso não nos motiva a dar graças por um adeus que nos entristece e revolta. Gostaríamos (e por isso lutamos) que outras coisas acontecessem para darmos graças a Deus. E do mesmo modo, achamos que muitos companheiros da UNIMEP também teriam o desejo de algumas mudanças. Assim sendo, considerando que esta possa ser uma das últimas manifestações desta equipe de Pastoral, queremos levantar uma questão: O que deveria acontecer na UNIMEP para você dar graças a Deus? Esperando sua resposta no espaço abaixo, prometemos divulgar o que você deseja e sua luta.


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Abyssus abyssum invocat

(... quando o fim justifica meneios)

E agora, José? A festa acabou... Drummond

Já foi moda nesta Escola o uso da palavra espaço no sentido de trabalho reconhecido. Muitos de nós aqui chegamos e ficamos sabendo que deveríamos procurar, cavar e garantir nosso espaço. E com isso muito espaço foi produzido a partir dos ideais e dos sonhos bonitos de pessoas cheias de entusiasmo com a propagada abertura unimepiana. Daí a crise político-financeira apertou o cerco. Espaços foram mudados, reestruturados e fechados. O momento forçou (?) negociatas (!) que tentaram evitar a falência diante das cobranças capitalistas, eclesiásticas e intrainstitucionais. Aqueles espaços ocupados por atividades consideradas intermediárias no processo da educação e periféricas na condução centralista da UNIMEP..., esses espaços-meio tiveram que experimentar seu fim. Fim esse não no aspecto de finalidade (que já se alcançava), mas fim significando extinção. E graças aos requebros & meneios dos que têm e detêm o poder de plantão nesta Casa, no lugar desses espaços surgiu o vazio, aconteceu o buraco, apareceu o abismo.


A poesia hebraica sagrada tem um salmo (42) bastante apropriado a esse respeito. O verso sete diz como um erro puxa outro erro, um pecado atrai outro pecado, um abismo chama outro abismo (no latim, abyssus abyssum invocat). Pecar é errar o alvo..., e o pecado dos grupos dominantes na UNIMEP pode estar na falta de critérios mais sérios para as mudanças que a crise exige. Desativar setores e demitir funcionários que pouco pesam no orçamento da empresa..., ao mesmo tempo que são mantidos na ociosidade ou na sub-utilização outros espaços potencialmente geradores de recursos e prestadores de serviços, parece-nos um encadeamento de erros, pecados e abismos. A impressão deixada é que nada satisfaz o apetite corrosivo de uma erosão faminta pelos pequenos e humildes espaços. E causa-nos maior horror ainda verificar que esse espírito de furacão gira dentro de gente que há pouco tempo soprava inspirações de democracia progressista..., mas que, pelos e-ventos de agora, está por expirar recaída no redemoinho autoritário e retrógrado.

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E agora, Josias? A farsa acabou... E ai de você se não fez, desfez com dí-vida e de-missão a obra de Deus ...relaxadamente. E agora, Josias? A história vem à porta pra julgar seus desmandos sua ética anti-ética – que usa pessoas num oportunismo também descartável. E agora, Josias? Cadê o projeto, o espaço alternativo, o topos da utopia? Cadê você sem aquele sonho que ainda sonhamos?

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Para não dizer que não flori o que me desfolharam

Para algumas pessoas, formatura numa sexta-feira, dia treze, mereceria um cuidado até sobrenatural. Para completar, só faltava estarmos no mês de agosto. É que para muita gente a vida é apenas uma questão de destino. Um destino estabelecido pelos oráculos dos deuses ou pelo circuito dos astros. Sorte ou azar. E isso é tudo. Pois tudo não passa de um mistério arranjado a despeito e à revelia dos desejos da gente – míseros mortais com sonhos de eternidade. E esse mistério, quando se revela, só se revela por meio de cartas, búzios, contas e dados, manipulados por especialistas em ciências e forças ocultas. Mas a vida não me parece que possa ser reduzida a odisseias e tragédias que, aliás, os clássicos gregos tão bem souberam registrar em sua literatura repleta de imagens maravilhosamente simbólicas. Acho que a vida, ainda que misteriosa, é um conjunto de dramas que tramamos segundo e conforme as possibilidades do cotidiano. Não há porque culpar ou louvar entes e entidades fora e acima da história por aquilo que fazemos ou desfazemos a cada dia. Culpas e louvores precisam ser debitados e creditados a seres concretamente históricos. Somos nós mesmos os imprescindíveis aos acontecimentos. E hoje, sexta-feira, dia treze, está acontecendo esta festa de formatura. Por um lado, sempre é bom lembrar que os formandos estão qualificados por um saber específico que se articula a um poder determinado. Vocês são engenheiros de e para uma produção capitalista. E ninguém pode ser e estar isento e nem produzir um saber neutro nessa luta entre o capital e o trabalho. O burguês e o proletário vivem situações diferentes e conflitantes por razões que a sorte e o azar não explicam plenamente e, muito menos, justificam. A dignidade das pessoas transcende aos subterfúgios aventados diante das perplexidades.


Por outro lado, esta festa de formatura também me lembra um livro que a milenar tradição hebraica reuniu em suas narrativas sagradas. Com base nos acontecimentos descritos nesse livro os hebreus celebram sua Festa de Purim – a festa do dia treze do mês doze no calendário deles – a festa que diz e desdiz de um destino lançado pelo azar da sorte. No terceiro capítulo, verso treze, esse livro fala que no dia treze do duodécimo mês estava marcado um massacre que aniquilaria com todo o povo judeu espalhado pelos domínios persas no quarto século antes de Cristo. A escolha desse dia treze do mês doze foi resultado da superstição de um vizir chamado Hamã. O título desse livro é o nome de sua personagem central: Ester. Talvez alguém dissesse que Ester era uma garota de muita sorte. Fisicamente lindíssima e portadora de um charme de imenso realce, Ester venceu aquilo que poderíamos denominar “Concurso de Miss Aspirante à Rainha da Pérsia”. Por isso repito: talvez Ester fosse uma garota de muita sorte. Mas ela também era uma garota que conhecia o azar, a falta de sorte. Ainda pequena, perdeu os pais e, órfã, foi criada por um primo no exílio. Por ser judia teve de esconder sua identidade racial e cultural durante todo o tempo do concurso, isto é, um ano – ao longo do qual estava sob os cuidados dos eunucos do palácio, preparandose para submeter seus dotes de donzela à preferência do rei Assuero. Foi muito azar não poder, ao final do concurso vencido, comemorar a conquista da parceria na coroa do Império junto com seu povo que amargava o exílio exatamente nesse mesmo Império. E o pior, depois do decreto que previa a morte dos judeus no dia treze do mês doze, a caça aos condenados certamente descobriria as origens étnicas de Ester. E isso seria azar demais! Entretanto, para Mordecai – o primo de Ester – a vida e a morte não são apenas questões de sorte ou azar. Mordecai dava a entender que além da sorte ou do azar está a possibilidade. Uma possibilidade histórica. E eis aí o sentido fundamental do que seja o drama, segundo o pensamento hebraico. Parece que para Mordecai a vida e a morte são hipóteses que as oportunidades dos fatos abrem para a ação das pessoas. E essa ação gera novos fatos que são novas oportunidades a levantar novas hipóteses de vida e de morte. Mordecai, então, diz para Ester: ... quem sabe se para tal conjuntura como esta é que tu foste elevada à condição de rainha?

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Para deixar vocês mais interessados pela leitura desse livro fascinante, não vou contar o final da história que ainda tem muitos lances curiosos. Quero, porém, voltar a falar dessa festa de formatura, retomando e parafraseando Mordecai: ...quem sabe se para tal conjuntura do capitalismo brasileiro é que vocês foram graduados engenheiros? Vocês não estão aqui apenas por sorte ou azar (... ainda que esses fatores existam e influenciem muita coisa). O mais sério disso tudo é o que vocês vão fazer desse status alcançado nessa estrutura de luta entre os que detêm os meios de produção (ou seja, as classes dominantes) e os que vendem sua força de trabalho (ou seja, as classes dominadas). O destino do engenheiro não precisa ser necessariamente o da tecnoburocracia opressora (... com perdão do pleonasmo). Engenhar soluções no processo da produção, soluções essas que garantam prioritariamente a dignidade do trabalhador, do seu corpo que é, de fato, o capital de maior valia..., sim, essa também é uma possibilidade para vocês: serem engenheiros da produção dinâmica da dignidade operária. Levar essa opção libertadora para o cotidiano da história, obviamente, não é uma tarefa tranquila e cômoda. Muitos estão..., melhor falando, muitos estamos sendo demitidos das empresas por tentarmos esse caminho. Outros sofrem pressões e repressões de toda espécie. Mas alguma coisa resta de relevante, apesar dos pesares, porque os poderosos do desamor não conseguem acabar com a teimosia da esperança. Uma esperança consequente. Pois só os que sonham com a vida é que não morrem por acaso! Finalizando, quero dizer (até por experiência própria) que vale a pena aproveitar as oportunidades em prol da dignidade dos oprimidos – que somos nós mesmos: operários nas escolas, nas ruas, campos, construções... Vale a pena fazer a hora, não esperar acontecer sorte ou azar... Vale a pena ir caminhando e cantando e seguindo a canção... Canção que brota daquela esperança grávida de amores na mente, de flores no chão, da certeza na frente, da história na mão... Tudo isso custa caro, muito caro, mas bem menos que a dignidade!

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Aquela ocasião

O texto Editorial foi escrito em março de 1982 para o boletim Informativo da Pastoral Universitária da UNIMEP – Dynamis (Ano 3, número 6). Foi minha estreia como membro da equipe da Pastoral. Acrescento que naquela ocasião dividia com Vanete Caldeira a responsabilidade pela preparação e confecção desse boletim – datilografado e impresso em quatro colunas na frente (e outras quatro no verso) de uma folha sulfite A4 (horizontal).


O texto Pra não papaguear foi escrito em março de 1982 para receber os calouros universitários. Também integrou o conteúdo do informativo Dynamis por ocasião de meu ingresso na Pastoral. Era um calouro se dirigindo a outros calouros. A referência aos valores da justiça, amor, alegria e liberdade correspondem aos quatro “capítulos” do meu livreto Papo de boteco, publicado em 1981. O texto Bode nas bodas; pode? foi escrito em março de 1982 e lido na cerimônia de formatura de mais uma turma de Química Industrial da UNIMEP. Na ocasião, como representante da Pastoral Universitária, procurei adaptar o relato sobre o primeiro milagre de Jesus para uma situação marcada pela impossibilidade de uma suposta neutralidade científica. O texto Lição aritmética foi escrito em abril de 1982. Devo recordar que na ocasião fiquei bastante impactado pelo que presenciei naquele final de Semana Santa em Ouro Preto (MG) – lugar das ladeiras sinuosas; das repúblicas de estudantes; das igrejas do século XVIII; dos tapetes desenhados sobre as pedras das ruas e preenchidos com diversos materiais durante a madrugada anterior à procissão da sexta-feira; da barulhenta e festiva malhação do boneco simbolizando Judas... O texto Confissões de um branco foi escrito em maio de 1982 para as comemorações alusivas ao dia da abolição da escravatura no Brasil (13/05/1888). Na ocasião aproveitei a data para formatar uma autocrítica frente à realidade sofrida pelos negros. A partir das primeiras transcrições desse poema apresentei a composição verbal “cor-póética” que derivou para o neologismo “corpoética” – palavra valise que passei a usar em várias oportunidades, inclusive duas publicações um pouco mais robustas: 232


CORPOÉTICA – cosquinhas filosóficas no umbigo da utopia (Paulinas, 1988), e CORPOÉTICA – um passeio pela palavra (Texto & Textura, 2013). O texto Áreas de atuação da Pastoral foi escrito em junho de 1982. De alcance bem restrito, esse documento serviu para pautar um debate acerca da missão pastoral na UNIMEP em uma ocasião efervescente no âmbito das discussões sobre teorias e práticas pastorais. Tanto explicita quanto implicitamente essas páginas refletiam, dialogavam e assumiam algumas premissas da chamada Teologia da Libertação. O texto Super tição foi escrito em agosto de 1982 e configurou como editorial do boletim Dynamis (Ano 3, número 8). Era uma sexta-feira, dia treze de um mês carregado de crendices e causos. Ocasião assim me levou ao registro de um contraponto à supersticiosa e ideológica naturalização dos fatores históricos. O texto Oráculo Lembrando Porvir foi escrito em setembro de 1982 e publicado encerrando a segunda página do boletim Dynamis (Ano 3, número especial). As letras iniciais do título retomam as iniciais (OLP) da Organização para a Libertação da Palestina – pivô de um massacre perpetrado por falangistas libaneses (apoiados por forças israelenses) contra refugiados palestinos alojados em Sabra e Chatila. O genocídio (além de torturas, estupros e mutilações) dizimou centenas de vidas. Esse abominável massacre ensejou ocasião para serem novamente denunciadas outras barbaridades (opressões e explorações econômicas, políticas e culturais) sofridas por tanta gente de outros lugares.

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O texto Hino à ciência da inocência foi escrito em julho de 1982. Apresentei essa homilia em nome da Pastoral por ocasião da formatura de mais uma turma de Engenharia da UNIMEP. O tom profético alertava sobre ameaças à qualidade de vida sob uma tecnologia pautada por um binômio saber/poder opressor e explorador. O texto Setas foi escrito em novembro de 1982 por ocasião do Encontro Multimeios realizado nas dependências do então Instituto Metodista de Ensino Superior (Rudi Ramos, SP). Lá participei como representante da Pastoral Universitária da UNIMEP, pois estava me qualificando para continuar produzindo material escrito para a Equipe. Esse texto serviu como base para discussões em algumas atividades da Pastoral, bem como veio a compor uma parte do capítulo “Ao provocar os ministérios” de minha dissertação de Mestrado em Educação (1984), intitulada Caminhando para a libertação – reflexões do corpo oprimido. O texto Dá-me tua mão foi escrito em dezembro de 1982 para a cerimônia de formatura de mais uma turma de Engenharia da UNIMEP. Naquela ocasião aconteciam no país algumas depredações que confundiam a opinião pública. O texto Engenharia de Provisão Messiânica foi escrito e lido em dezembro de 1982 por ocasião da cerimônia de formatura de mais uma turma de Engenharia de Produção Mecânica da UNIMEP. Nas entrelinhas há uma crítica ao modelo taylorista de produção no capitalismo. O texto Por uma futura formatura foi escrito em janeiro de 1983 por ocasião da cerimônia de formatura de mais duas turmas da UNIMEP: do Curso de Desenhista Projetista e do Curso de Manutenção de Máquinas e Equipamentos. 234


O texto Recado para os vestibulandos foi escrito em janeiro de 1983 e divulgado pelo boletim Dynamis (Ano 4, número 9). Por óbvio, a ocasião do vestibular demandava da Pastoral Universitária manifestações de acolhimento e incentivo aos candidatos. E nessa palavra aos que disputavam uma vaga na UNIMEP achei pertinente expor também algumas contradições da própria Instituição. O texto Vestibulando 83: o cara do ano também foi escrito por ocasião do vestibular promovido pela UNIMEP em janeiro de 1983. O título do poema brincava e subvertia o tema da redação naquele exame vestibular (Computador. O homem do ano) – por sinal, relacionado à matéria da Revista Time (03/janeiro/1983) que concedeu o título de Homem do Ano ao PC (Personal Computer). Ao formar um acróstico, malandramente composto por três/quatro/três versos, a mensagem da Pastoral pretendia contrapor-se ao fetichismo da tecnologia. O texto Corpo e contingências foi escrito em fevereiro de 1983 por ocasião da formatura de mais uma turma de Fisioterapia da UNIMEP. Entendo obrigatório reforçar, como lembrete, o uso de aspas na referência aos empecilhos, preconceitos e tabus que nomeie “sabáticos”. O texto Hipóteses de louvor foi escrito em março de 1983 por ocasião da Páscoa. Em inúmeras oportunidades dentro e fora da UNIMEP esse poema participou de celebrações e publicações voltadas para uma contextualização contemporânea do mais importante momento litúrgico da cultura judaico-cristã. O texto Saque: apesar, pesares..., porém foi escrito em abril de 1983, com a participação de dois colegas da Equipe da Pastoral Universitária: Yone da Silva e Domingos Alves de

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Lima. Naquela ocasião, mais precisamente na segundafeira, dia 4 de abril, uma importante manifestação do Movimento contra o Desemprego e a Carestia se desenrolava nas primeiras horas da manhã em Santo Amaro (SP), no Largo Treze de Maio. Infelizmente houve confusão e perdeu-se o controle. A massa de pessoas indignadas com as condições sociais exorbitou. Foram três dias de conflitos espalhados pela Grande São Paulo. Como saldo, segundo a imprensa de então, contabilizou-se quase cinquenta supermercados saqueados, mais de cinco viaturas policiais e quinze carros particulares depredados, umas seiscentas detenções, três policiais feridos, por volta de cento e trinta hospitalizações e um óbito. O texto Todo dia era dia de índio foi escrito em abril de 1983, também junto com a colega Yone da Silva, por ocasião da comemoração do Dia do Índio (19 de abril). A definição dessa data remonta ao Primeiro Congresso Indigenista Interamericano realizado no México em 1940. No Brasil o presidente Getúlio Vargas instituiu essa comemoração em 1943. O texto Parábola do primeiro des-maio foi escrito por ocasião do Dia do Trabalho (Primeiro de Maio) em 1983. No Brasil a data foi definida como feriado nacional pelo presidente Artur Bernardes, em 1925. Décadas antes, a segunda Internacional Socialista (1889) escolheu a data do dia primeiro de maio para marcar anualmente as reivindicações trabalhistas, em homenagem à luta sindical travada pelos trabalhadores de Chicago em 1886. Nessa Parábola minhas palavras procuravam se revestir de uma perspectiva classista e revolucionária com um script bíblico-teológico. O texto também foi apresentado em muitas outras oportunidades (palestras, publicações e liturgias), fazendo parte ainda de minha dissertação de 236


Mestrado (1984) e do livro CORPOÉTICA – cosquinhas filosóficas no umbigo da utopia (1988). O texto Manhê foi escrito por ocasião do Dia das Mães em 1983. A origem dessa comemoração veio dos Estados Unidos quando a metodista Anna Jarvis (1864-1948) quis estender para todas as mães a homenagem prestada à sua mãe Anna Maria Reeves Jarvis (30/09/1832 - 09/05/1905) – uma ativista social voltada para projetos que visavam diminuir a mortalidade infantil. Em 1910 Anna Jarvis conseguiu a oficialização do segundo domingo de maio como Dia das Mães. Porém, diante do apelo e abuso comercial que descaracterizava a intenção inicial da homenagem, Anna Jarvis se indignou profundamente e foram muitos e contundentes seus manifestos contra aquilo que julgava absurdo, chegando a ser detida por perturbação da ordem pública. O texto Por uma pedagogia adversativa foi escrito para minha fala em 01/07/1983 por ocasião da Segunda Reunião Nacional de Educadores Metodistas. O contexto eclesiástico e educacional da Igreja fora sacudido com a aprovação do Plano Vida e Missão no Concílio da Igreja Metodista realizado em 1982. Nesse documento eram sinalizados importantes e progressistas encaminhamentos para uma participação mais consequente e libertadora da Igreja em relação às demandas concretas do país. O texto O problema da instabilidade foi escrito em setembro de 1983. Naquela ocasião o país viveu uma sequência de fortes chuvas nas regiões Sul e Sudeste, e uma seca inclemente no interior do Nordeste. Diferentes e contraditórias catástrofes ocorreram trazendo prejuízos materiais e humanos. Em algumas localidades os recordes

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pluviométricos e de estiagem dificilmente foram depois superados. O tempo e o clima desafiaram a vida. O texto Eucaristia foi escrito em novembro de 1983, mais exatamente por ocasião da quarta quinta-feira do mês – dia consagrado como Dia Nacional de Ação de Graças. Essa comemoração teve início em 1621 na cidade de Plymouth (Massachusetts, EUA), para expressar a gratidão dos colonizadores ao seu Deus pelas primeiras colheitas de milho. No Brasil, a história dessa celebração começa com a influência do embaixador Joaquim Nabuco (1849 – 1910) que ficou muito sensibilizado depois de participar do Thanksgiving Day em evento religioso na cidade de Nova Iorque em 1909. Décadas depois, como parte das homenagens pelo centenário de nascimento desse embaixador, 1949, o presidente Gaspar Dutra aprovou lei instituindo o Dia Nacional de Ação de Graças. O texto Experimentem tudo e fiquem com o que é bom foi escrito em dezembro de 1983 por ocasião da formatura de mais uma turma de Engenharia Industrial da UNIMEP. O texto Odores hedônicos ou dores fétidas foi escrito em dezembro de 1983. A passagem bíblica que serviu de referência trata do envolvimento erótico em meio a fragrâncias agradáveis. Esse ambiente desejável tomei como símbolo de proposta para os concluintes de mais uma turma de Química Industrial da UNIMEP, por ocasião de sua formatura. O texto Segredos e enredos foi escrito em dezembro de 1983. Naquela ocasião recordara do tema de meu segundo sermão de prova no terceiro ano do Curso de Teologia (1972-1975) no Seminário Presbiteriano do Sul, em Campinas (SP). 238


O texto Mistério foi escrito em dezembro de 1983 como mensagem da Pastoral por ocasião de mais um aniversário do nascimento do menino Jesus, conforme a crença cristã. Depois de um ano cheio de perdas para a democracia e para a qualidade de vida dos trabalhadores, chegou o Natal como desejável lufada renovadora. O poema foi publicado no boletim Dynamis (Ano 4, número 10). O texto Metas e metais foi escrito em janeiro de 1984 por ocasião da formatura de mais uma turma de Engenharia da UNIMEP. O texto Para bom entende-dor, meia palavra bas... foi escrito em janeiro de 1983. A diagramação diagonal visava ilustrar nosso prejuízo na ocasião: o pagamento atrasado e pela metade dos salários de todos funcionários da UNIMEP. Aproveitei e também inseri um ligeiro comentário sobre a campanha Diretas Já que mobilizava o país, reivindicando a volta das eleições democráticas diretas para a presidência da República. Aliás, toda comunidade unimepiana demonstrou uma participação notável e contagiante nesse movimento político-popular lançado pelo Senador Teotônio Vilela e apresentado como proposta de emenda constitucional pelo deputado Dante de Oliveira. O texto Breve e provisório ensaio foi escrito e apresentado em 26 de janeiro de 1984 para os professores, coordenadores e diretores do Colégio Piracicabano. Na ocasião esses educadores se reuniram para os costumeiros planejamentos no início do ano. A presença da Pastoral Universitária aconteceu em parceria com a Pastoral Escolar que atendia ao Colégio. E o sentido das palavras expostas buscava aplicar alguns conceitos contidos nas

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Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista – documento aprovado pelo Concílio da Igreja em 1982. O texto Chovendo no molhado foi escrito em janeiro de 1984 por ocasião da formatura de mais uma turma do Curso de Direito da UNIMEP. O texto Sem título e inacabado foi escrito em março de 1984. Ainda que faltando finalizar (como que padecendo de um atentado contra sua plenitude), serviu para o indispensável registro da Pastoral por ocasião do quarto aniversário da morte do Bispo Oscar Romero, assassinado em El Salvador enquanto celebrava a eucaristia no dia 24 de março de 1980. Sua postura firme e destemida em defesa dos direitos humanos custou-lhe a vida – abatida por um atirador de elite do exército. Era o começo da Guerra Civil (1980 – 1992) entre o governo salvadorenho (apoiado pelos Estados Unidos) e a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (formada por guerrilheiros). O texto Passagem e saída foi escrito em 1984 por ocasião das comemorações da Semana Santa – a referência mais importante do calendário litúrgico do cristianismo. Alguns detalhes dessa celebração provêm da cultura hebraica. O termo “Pascoa” (Pesach) significa “passagem” – segundo a literatura hebraica, a passagem do anjo de Iahweh sobre o Egito ceifando as vidas dos primogênitos nos lares sem a marca de sangue de um cordeiro imolado em substituição. Era a décima praga, imediatamente anterior ao êxodo (exo-odos; literalmente: caminho afora, saída) dos hebreus escravizados. O texto Memória e história foi escrito em abril de 1984, também por ocasião da Semana Santa. Novamente achei interessante marcar a posição da Pastoral em favor da 240


campanha pelas eleições diretas para presidência da República. Nesse sentido ficam implícitas duas linhas na mensagem, especialmente a última. O texto O presente da mãe que não ganhou presentes foi escrito em maio de 1984. Nessa ocasião, fiz questão de lamentar, em termos indignados, a derrota na votação (faltaram 22 votos) pelo retorno das eleições diretas para a presidência da República após vinte anos de Regime Militar. A Câmara dos Deputados não aprovou a Emenda Constitucional proposta pelo Deputado Dante de Oliveira na noite de 25 de abril de 1984. O texto Tochas e taças foi escrito em julho de 1984 por ocasião da cerimônia de formatura das turmas dos Cursos de Desenhista Projetista e de Manutenção de Máquinas e Equipamentos da UNIMEP. O texto Inauguração das novas instalações no Campus Taquaral foi escrito em setembro de 1984. Na ocasião o recém construído e imponente prédio octogonal, bem envidraçado, com cinco andares (térreo e mais quatro) foi aberto para funcionamento. Inicialmente sua ocupação se deu muito diferente da que acontece hoje (2017). Lembro que a Reitoria e suas Assessorias Administrativas e Financeiras continuaram por mais alguns anos no Campus Centro, à Rua Nestor Pestana, 752, em Piracicaba. O texto Sete versículos de uma epístola pastoral foi escrito em setembro de 1984 por ocasião de minha visita apostólica a um grupo de metodistas que se reunia às segundasfeiras. Embora nunca tenha sido dessa confissão religiosa, sempre contei com sua simpatia.

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O texto Litania das lembranças e esperanças foi escrito em outubro de 1984, por ocasião de uma liturgia ecumênica em memória de mártires na luta em favor da vida mais justa e alegre. O texto O valor da inutilidade da gratidão foi escrito em novembro de 1984 por ocasião de mais um Dia Nacional de Ação de Graças. O texto Confraternização foi escrito em dezembro de 1984 por ocasião do encontro de final de ano dos professores e funcionários do Campus de Santa Bárbara d’Oeste – onde eu prestava os serviços da Pastoral. O texto Beijos de Deus nos lábios do mundo foi escrito em dezembro de 1984. Elaborei esse conjunto poético de quatro partes para a cerimônia de formatura de mais uma turma do Curso de Química Industrial da UNIMEP. Naquela ocasião era concluinte uma aluna vinculada à Igreja Batista. Essa jovem bastante dedicada à sua confissão pediu para eu aproveitar o momento da homilia dizendo algumas palavras evangelizadoras, à maneira das mensagens voltadas para a conversão das pessoas para o Reino de Deus. À época eu me lembrei as famosas “Quatro leis espirituais” (Deus ama e tem um plano...; o homem é pecador...; Jesus é a única salvação...; é necessário receber a Jesus...). Valendo-me formalmente desse referencial teológico conservador, optei por algumas adaptações para refletir um pouco sobre a área científicotecnológica no contexto ecológico. O resultado literário me pareceu aproveitável – por isso o título do poema também nomeia esta publicação, depois de trinta e três anos (!!!).

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O texto Saudades e saudações à saúde foi escrito em janeiro de 1985, por ocasião da cerimônia de formatura de mais uma turma do Curso de Nutrição da UNIMEP. O texto O sol e a clave foi escrito em janeiro de 1985, por ocasião da cerimônia de formatura de mais uma turma do Curso de Fisioterapia da UNIMEP. O texto Cartão para aniversariante foi escrito em 19 de janeiro de 1985 para o 68º aniversário do meu pai. Aproveitei a ocasião e ofereci esse poema para uso da Pastoral nos cartões que passou a enviar aos aniversariantes da UNIMEP. Eu mesmo cheguei a receber no meu 49º aniversário essa lembrança. Tempos depois, em 2006, adaptei essa mensagem, destacando um acróstico para o 80º aniversário da querida amiga Quinita Sampaio. Os textos Prece imprecatória e Salmo da véspera formam um dueto poético-litúrgico e têm a ver com o que aconteceu na UNIMEP por ocasião da sua crise institucional ocorrida entre 12 de janeiro e 06 de fevereiro, que depois recebeu o nome Janeirada de ’85. Esses dois escritos foram lidos na assembleia de toda comunidade da UNIMEP na manhã de 20 de janeiro de 1985 no Campus Centro. Recordo que em pleno período daquelas férias de verão os três campi unimepianos foram ocupados por nós funcionários, alunos, professores e entidades populares de Piracicaba...; todos resistindo à posse do reitor/interventor designado pela cúpula regional da Igreja Metodista. Com sua peculiar orientação político-teológica conservadora e autoritária, essa cúpula da V Região Eclesiástica, alegando motivos financeiro-administrativos, destituíra o então Reitor – Professor Elias Boaventura – líder inconteste de uma corajosa e consequente administração progressista e libertária em favor da democracia e dos direitos humanos.

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Lembro com emoção nossa expectativa no pátio do Campus Centro: estava prevista para o dia seguinte dessa memorável e concorrida assembleia a presença de forças policiais para promover a reintegração de posse do Campus Centro (e, especialmente, da Reitoria) e assegurar a intervenção pretendida pela parte conservadora da Igreja Metodista. Considerávamos, portanto, o risco possível e bastante provável de sofrermos sob a força policial com suas bombas de gás lacrimogênio e efeito moral – muito comuns naquele período de exceção no Brasil. Escrevi essa prece e esse salmo em nome da Pastoral Universitária que, profeticamente contra sua própria hierarquia eclesiástica, participava com firmeza da inédita mobilização. Assim, de maneira poético-simbólica buscamos (Pastoral e toda comunidade) mais entusiasmo para a resistência em defesa de nossos valores. Felizmente, juntos e lúcidos, conquistamos nossa vitória, garantindo assim a permanência do Prof. Elias na condução daquela solidária utopia unimepiana. O texto Graça na praça foi escrito em março de 1985, por ocasião da cerimônia de formatura de mais uma turma do Curso de Educação Física da UNIMEP. O texto A vigésima primeira páscoa foi escrito em março de 1985. Naquela ocasião havia no ar um grande desconforto resultante da derrota, no ano anterior, da Campanha pelas eleições diretas..., adicionado à frustração naquele mês de março devida a posse de José Sarney (vice de Tancredo Neves, vencedor em eleição indireta) como presidente do Brasil. O líder mineiro fora hospitalizado na véspera de assumir o Poder Executivo por causa de uma diverticulite. Segundo a versão oficial apresentada depois, Tancredo foi diagnosticado como

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vítima de um tumor que o levou à morte por complicações no processo pós-operatório. O texto A/pesar foi escrito em abril de 1985 para atender à demanda da Pastoral em sua tarefa de levar algum consolo em determinadas ocasiões de perdas. O texto Autonomia Universitária foi escrito em abril de 1985, primeiramente para uma conversa interna da Pastoral sobre o tema. Naquela ocasião toda comunidade unimepiana discutia a adoção de medidas que pudessem evitar intervenções como a sofrida na Janeirada de ’85. O texto Enquanto caminho foi escrito em maio de 1985 por ocasião do Dia das Mães. O texto Quanto ao poder foi escrito em maio de 1985 por ocasião da Festa de Pentecostes. O texto Ad nutum foi escrito em treze de agosto de 1985. Impresso em sulfite na cor amarelo, causou espécie. Naquela ocasião a Pastoral “deu a cara a tapa” posicionando-se junto com a comunidade unimepiana e contra um processo de reestruturação administrativa que propunha demissões. O texto Aula magna foi escrito em outubro de 1985 por ocasião do Dia dos Professores. Sendo também sóciofundador da Associação dos Docentes da UNIMEP (constituída em 19 de novembro de 1977), destaquei letras no poema homenageando a ADUNIMEP. O texto Protestantes de toda UNIMEP, uni-vos! foi escrito em outubro de 1985 por ocasião de mais um aniversário da Reforma Protestante. A Pastoral aproveitou a

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oportunidade e conclamou o segmento metodista da UNIMEP para unir forças junto aos funcionários que lideravam um dissenso às propostas de reestruturação administrativa – tendente a demissões no quadro de servidores da Casa. O texto Graças..., a-deus! foi escrito em novembro de 1985 como mensagem para o Dia Nacional de Ação de Graças. Efetivamente, foi uma queixa, um desabafo da Equipe. Isso porque, como decorrência da reestruturação da UNIMEP, a Pastoral Universitária deixou de estar vinculada funcional e diretamente à Reitoria e passou a estar totalmente subordinada à V Região Eclesiástica da Igreja Metodista. E já em consequência soubemos que haveria a dispensa dos membros leigos do Grupo ao final de dezembro (... apenas o Coordenador era clérigo). As razões e as implicações dessas mudanças no tabuleiro da política Igreja/Universidade receberam (e ainda podem receber) diferentes interpretações. Quanto a mim, estou convencido que redundou da postura independente e combativa da Equipe em duas esferas, por ocasião daquele 1985: Primeiro, na esfera interna, desagradamos a cúpula universitária em dois casos: no apoio da Pastoral à chapa (oposicionista e perdedora) nas eleições para a diretoria da Associação dos Funcionários do Instituto Educacional Piracicabano, AFIEP, Chapa Gente Nova, indesejada pela administração superior da UNIMEP; e no caso da incômoda campanha do Grupo contra a reestruturação administrativa nos termos apresentados pela Reitoria. Outra razão igualmente desprovida de graça, justo na esfera eclesiástica, aconteceu quando enfrentamos de modo insubordinado a hierarquia confessional no episódio da Janeirada de ’85.

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O texto Abyssus abyssum invocat também foi escrito em novembro de 1985, sendo apresentado e comentado para toda Equipe da Pastoral. Divulgado apenas no Campus de Santa Bárbara d’Oeste, deu ocasião para meu desabafo mais pessoal no âmbito de minha “paróquia”. Relendo hoje confirmo que meu ânimo pegara pesado. E mais e melhor, agora constato que desde então não prosperou em mim nenhum ressentimento. Ao contrário, curadas as feridas daqueles dias sofridos, cresceu minha sincera admiração por tantas qualidades inegavelmente louváveis daqueles Diretores e Assessores da UNIMEP. O texto Para não dizer que não flori o que me desfolharam foi escrito em dezembro de 1985 por ocasião da cerimônia de formatura de mais uma turma do Curso de Engenharia de Produção da UNIMEP. As referências à famosa canção de Geraldo Vandré – que obteve o segundo lugar no Festival Internacional da Canção, em 1968 – além de homenagear um emblema de resistência e luta naqueles terríveis anos de chumbo, pautaram minha mensagem de despedida ao trabalho na Pastoral Universitária. E segui caminhando...

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Índice alfabético Títulos

Páginas

A vigésima primeira páscoa A/pesar Abyssus abyssum invocat Ad nutum Áreas de atuação da Pastoral Aula magna Autonomia Universitária Beijos de Deus nos lábios do mundo Bode nas bodas; pode? Breve e provisório ensaio Cartão para aniversariante Chovendo no molhado Confissões de um branco Confraternização Corpo e contingências Dá-me tua mão Editorial Engenharia de Provisão Messiânica Enquanto caminho Eucaristia Experimentem tudo e fiquem com o que é bom Graça na praça Graças..., a-deus! Hino à ciência da inocência Hipóteses de louvor Inauguração das novas instalações no Campus Taquaral Lição aritmética Litania das lembranças e esperanças Manhê Memória e história

197; 244 201; 245 223; 247 211; 245 039; 233 215; 245 203; 245 171; 242 029; 232 131; 239 185; 243 135; 240 035; 232 169; 242 075; 235 055; 234 025; 231 059; 234 207; 245 105; 238 109; 238 193; 244 221; 246 047; 234 079; 235 155; 241 033; 232 163; 242 095; 237 143; 241


Índice alfabético Títulos Metas e metais Mistério O presente da mãe que não ganhou presentes O problema da instabilidade O sol e a clave O valor da inutilidade da gratidão Odores hedônicos ou dores fétidas Oráculo Lembrando Porvir Para bom entende-dor, meia palavra bas... Para não dizer que não flori o que me desfolharam Parábola do primeiro des-maio Passagem e saída Por uma futura formatura Por uma pedagogia adversativa Pra não papaguear Prece imprecatória Protestantes de toda UNIMEP, uni-vos! Quanto ao poder Recado para os vestibulandos Salmo da véspera Saque: apesar, pesares..., porém Saudades e saudações à saúde Segredos e enredos Sem título e inacabado Setas Sete versículos de uma epístola pastoral Super tição Tochas e taças Todo dia era dia de índio Vestibulando 83: o cara do ano

Páginas 125; 239 123; 239 147; 241 101; 237 181; 243 165; 242 113; 238 045; 233 129; 239 227; 247 091; 236 141; 240 065; 234 097; 237 027; 232 187; 243 217; 246 209; 245 069; 235 189; 243 083; 236 177; 243 117; 239 139; 240 051; 234 159; 242 043; 233 151; 241 087; 236 073; 235


Ficha catalográfica

LIMA JÚNIOR, José. 1951. Beijos de Deus nos lábios do mundo. 250 p. ISBN Memória UNIMEP. Literatura Pastoral. Título.

Ficha técnica

Editor geral: Luiz Carlos Ramos Arte final: Marcos Antonio Brescovici Capa, Fotos, Diagramação: José Lima Júnior Digitação (Book Antiqua), Revisão: José Lima Júnior Impressão e acabamento:








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