Leituras em Teoria da Arquitetura vol. 1

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ISBN 978-85-88721-52-4

Os pesquisadores em arquitetura terão em mãos, visões compreensivas do grande

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suas pesquisas poderão dialogar e para qual suas dissertações e teses deverão contribuir. o objetivo de constituir literatura didática para os cursos de graduação. Desde os primeiros reflexos da tratadística clássica que tomaram a forma de manuais para

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prefácio Carlos Eduardo Comas

bem se edificar até os dias atuais, os caminhos da teoria foram pontuados por alguns momentos ideológicos de suma importância. Um melhor conhecimento das questões que animaram esses momentos se mostra imprescindível no atual contexto da arquitetura que muitas vezes carece de articulações teórico críticas.

textos Carlos Antônio Leite Brandão Milton Feferman Sonia Gomes Pereira Guilherme Lassance José Barki Andrés Passaro Richard Scoffier organizadores Beatriz Santos de Oliveira Guilherme Lassance Gustavo Rocha-Peixoto Laís Bronstein

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debate teórico sobre a arquitetura com que

E, de forma mais ampla, essa coleção tem

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LEITURAS EM TEORIA DA ARQUITETURA reúne abordagens de autores individuais para desenhar uma leitura possível, entre tantas outras, da freqüente reutilização de alguns CONCEITOS fundamentais para a definição teórica do campo disciplinar

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da arquitetura. Capítulo a capítulo, o livro traça

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ao ofício de edificar. E como, por meio dessas

uma narrativa dos modos com que a teoria da arquitetura foi, ao longo da história, inventando estratégias conceituais para conferir sentido sucessivas estratégias, cada tempo e cada autor delimitaram diferentemente o campo disciplinar da arquitetura. Este livro abre uma coleção que pretende contribuir para o preenchimento de uma lacuna sobre teoria da arquitetura ainda persistente no contexto brasileiro. Neste primeiro volume estão organizados alguns dos textos de uma seleção

Beatriz Santos de Oliveira Guilherme Lassance Gustavo Rocha-Peixoto Laís Bronstein [Orgs.]

das palestras proferidas durante os primeiros três anos da disciplina História das Teorias em Arquitetura no Programa de Pós-graduação em Arquitetura – PROARQ da FAU-UFRJ.


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DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) L557 Leituras em teoria da Arquitetura, vol. 1 / Beatriz Santos de Oliveira ... [et al.], (orgs.). - Rio de Janeiro : Viana & Mosley, 2009. 248p. ; 16x23cm.

Inclui bibliografia.

ISBN 978-85-88721-52-4

1. Arquitetura – Discursos, ensaios, conferências. I. Oliveira, Beatriz Santos de, 1956- . CDD- 720

Projeto Editorial

PROARQ - Programa de Pós-graduação em Arquitetura FAU-UFRJ COORDENAÇÃO EDITORIAL

Marta Mosley REVISÃO DE TEXTOS

Beatriz Santos de Oliveira Guilherme Lassance Gustavo Rocha-Peixoto Lais Bronstein Ana Kronemberger Capa e PROJETO GRÁFICO

Luciana Gobbo DIAGRAMAÇÃO

Laura Klemz Guerrero IMPRESSÃO E ACABAMENTO

Sermograf

Barra Space Center Av. das Américas, 1155 / sala 805 Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, RJ 22631-000 Tel./Fax 55 21 2111 9206 Diretor Comercial Richard Mosley vmeditora@globo.com www.vmeditora.com.br

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[[SÉRIE PROARQ]]

LEITURAS EM TEORIA DA ARQUITETURA 1. Conceitos

Beatriz Santos de Oliveira Guilherme Lassance Gustavo Rocha-Peixoto Laís Bronstein [Orgs.]

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Sumário

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Apresentação

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A guisa de prefácio

Carlos Eduardo Comas

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Teoria da arquitetura: uma leitura possível

Beatriz Santos de Oliveira | Guilherme Lassance

Gustavo Rocha-Peixoto | Laís Bronstein

024

A arquitetura no Renascimento: entre a disciplina e a indisciplina

Carlos Antônio Leite Brandão

046

Caos e ordem: origens, desenvolvimentos e sentidos do conceito

de tipologia arquitetônica

Milton Vitis Feferman

072

O ensino acadêmico e a teoria da arquitetura no século XIX

Sônia Gomes Pereira

092

Ensino e teoria da arquitetura na França do século XIX:

o debate sobre a legimidade das referências

Guilherme Lassance

114

O aprendizado do fazer

José Barki

128

Lingüística e estruturalismo na arquitetura dos 70

Andrés Passaro

162

Os quatro conceitos fundamentais da arquitetura contemporânea

Richard Scoffier

239

Sobre os autores

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Índice onomástico

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Apresentação

Nas Leituras em teoria da arquitetura, organizadas pelos professores Beatriz Santos de Oliveira, Guilherme Lassance, Gustavo Rocha-Peixoto e Laís Bronstein, estão registrados os pensamentos sobre o campo arquitetural de alguns dos palestrantes convidados para os ciclos de palestras História das Teorias em Arquitetura que vêm sendo promovidos há cinco anos pelo Programa de PósGraduação em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nesses escritos estão presentes a inventividade e liberdade que cercaram aqueles encontros de estudantes e professores. Portanto, com a publicação desses textos o PROARQ expressa o entendimento desses diferentes autores a respeito de ideias e formas dos espaços de vida humana que nós, os arquitetos, representamos e colaboramos para os tornar belos e eficientes. Observa-se que, em tempos de mutações, as Teorias aqui expostas identificam as muitas tradições e as inúmeras inovações que moveram mundos e grupos sociais em razão da cientificidade da Arquitetura. Assim, essas teses descritas e comentadas formam um pensamento dinâmico no qual a Arquitetura, simultaneamente, reinventa-se em permanências e historicidades concretas e imaginárias. Nesse contexto, os textos destas Leituras, que também compõem mais um título da Coleção PROARQ, enquadram os atos de pensar a geração de muitos acontecimentos coletivos, mas também inspiram a obediência e as quebras de inúmeras regras intelectuais. Em consequência das certezas e deslocamentos conceituais contidos neste livro, espera-se que a “arquitetura” de nossos projetos e pesquisas se torne ainda mais brilhante. Enfim, esses escritos revelam que o processo de pensar a Arquitetura é uma audácia teórica!

Cêça Guimaraens Coordenadora do PROARQ

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[A Guisa de Prefรกcio

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A GUISA DE PREFÁCIO Carlos Eduardo Comas

O primeiro bloco dessas bem-vindas Leituras em teoria da arquitetura tem quatro capítulos e evoca, pelas mãos de Carlos Alberto Leite Brandão, Milton Feferman, Sonia Gomes Pereira e Guilherme Lassance, quinhentos anos de tradição clássica na vertente ítalo-francesa. Descreve um arco que vai da sua revivência como sistema unitário de formas exemplares da Antiguidade greco-romana, no Quatrocentos, a seu entendimento acadêmico como sistema diversificado de formas exemplares dos diferentes períodos da civilização ocidental, com uma pitada de exotismo estrangeiro ou popular constituindo eventuais licenças. De fato, por volta de 1900, como diz Julien Guadet em Elements et théorie de l’architecture (1904), nenhuma escola é mais tolerante que a Beaux-Arts parisiense. Nos termos úteis de Henry-Russel Hitchcock em Modern Architecture: romanticism and reintegration (1929), ela acolhe dois tipos de ecletismo. Um é o “ecletismo de gosto”, o uso contemporâneo de diferentes estilos, mas cada edifício feito num só estilo; o outro, um “ecletismo de estilo”, o uso de mais de um estilo num só edifício, fundidos com maior ou menor habilidade ou coexistindo lado a lado. Composição é a palavra-chave, envolvendo operação com ou sobre tipologias já repertoriadas e reiterando frequentemente a independência entre a definição geométrica e a definição material do edifício equacionada anteriormente por Durand no seu Précis des leçons d’architecture données à l’École royale polytechnique (1809). A arquitetura permanece entendida como construção que é de algum motivo extraordinária, respeitando a etimologia da palavra. Contudo, para Guadet, a definição da arquitetura como arte de construir avançada pelo seu mestre Labrouste é definição de combate, e insuficiente. Antes de ser construção, a arquitetura é composição, e a boa arquitetura tem não só composição correta

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[A Guisa de Prefácio

como caráter apropriado. Ela comunica, através das formas materiais do edifício, a natureza de seu programa em termos que vão do mais particular ao mais genérico, incluindo sua situação no espaço e no tempo. O segundo bloco comporta três capítulos e trata de eventos, ideias e obras significativas nos últimos oitenta anos. José Barki rememora o Vorkurs de MoholyNagy na Bauhaus, manifestação expressiva da rejeição da tradição clássica pelo movimento moderno – e fala de um exercício de projeto em andamento que recupera a filosofia da experiência dos anos 1920, antagônica tanto à noção de composição quanto à de caráter. Andrés Passaro recorda os anos 1970 – o tempo em que Eisenman e outros arquitetos identificaram a arquitetura com um conceito, buscando manifestação expressiva de uma condição considerada pós-moderna em que um regime de acumulação flexível substitui um regime de acumulação fordista, como afirma David Harvey em The condition of postmodernity (1990). O francês Richard Scoffier assina o texto mais ambicioso. Dá o objeto, a tela, o meio e o acontecimento como os quatro conceitos regendo a vida contemporânea, manifestos exemplarmente na produção arquitetônica mais expressiva das últimas três décadas. Sustenta que a significação de qualquer objeto não mais se reduz ao seu valor de uso e opõe a tela que esconde à vidraça que revela, o meio placentário ao lugar definido e constante, o acontecimento ao programa. Enfatiza a descontinuidade da arquitetura e do urbanismo dessa contemporaneidade com a produção do movimento moderno. A arquitetura não é mais função, nem estrutura, nem transparência, não se identifica com o uso, a instrumentalização ou a reprodução serial contida no conceito de tipologia. Viva a singularidade, a opacidade, a complexidade de significados, a imprevisibilidade dos acontecimentos, os não lugares inacabados, a ausência de monumentalidade, a planeza. E se Barki é experimental, Passaro historia e Scoffier classifica e celebra, todos parecem partilhar com Moholy-Nagy e Eisenman a ideia das artes visuais puras como matriz de projeto arquitetônico, embora silenciando sobre os mecanismos de tradução envolvidos. Em última instância, em contraste com a narrativa evolucionária do primeiro bloco, é uma dupla ruptura que articula agora a narrativa deliberadamente parcial, a ruptura dos anos 1920 com o academismo e a ruptura dos anos 1970 com o modernismo. O silêncio sobre esse meio século provoca, considerando, entre outras coisas, que nesse período se encontra a contribuição brasileira mais significativa à cultu-

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Carlos Eduardo Comas]

ra disciplinar, incluindo os textos de Lúcio Costa e a obra de Oscar Niemeyer, nativismo carioca e brutalismo paulista. A provocação obriga a ler e a reler estas Leituras. E enfim resulta que o silêncio está longe de ser completo. Barki experimenta na medida em que encontra ainda validade no Vorkurs, delineando uma ponte entre o momento atual e esse passado. Passaro remete a arte conceitual que funda o projeto de Eisenman às experiências americanas dos 1950 e 60 e estas, por sua vez, ao resgate de mecanismos de atuação do Dadaísmo. Em mais de uma ocasião Scoffier tem de reconhecer os precedentes modernos de seus edifícios exemplares contemporâneos. De outro lado, as letras de Alberti a que Brandão se refere ganham sobrevida inesperada nas placas de vidro serigrafadas que Scoffier destaca. A menção de Feferman à classificação esdrúxula do dicionário de Borges questiona indiretamente a classificação de Scoffier, na qual a variedade tela e a espécie objeto são propostas como categorias do mesmo nível hierárquico. Gomes Pereira menciona em nota a obra deste autor, insistente, desde os meados dos anos 1980, nos nexos entre o academismo e o modernismo, particularmente explícitos na arquitetura moderna brasileira da escola carioca, em que composição e caráter são categorias fundamentais e as estratégias básicas de caracterização definidas em Identidad nacional y caracterización arquitectónica (1991) se aplicam com igual proficiência, a substantiva que lida com precedentes concretos (como edifícios e partes de edifícios) ou abstratos (como tipologias e esquemas de composição) e a adjetiva que recria climas afetivos. Lassance acrescenta que as práticas de ensino acadêmicas ainda ecoam hoje em nossas escolas. Contrariando a primeira impressão, estas Leituras sugerem uma teia de cruzamentos, onde descontinuidades e inflexões convivem com pontes e sequências, séries, progressões. É claro que há descontinuidades e inflexões fundamentais, e os anos 1920 assinalam uma delas, na medida em que a mudança nos cânones visuais é suficientemente forte para instaurar uma nova tradição, como o articula Giedion em seu Space, time and architecture; the growth of a new tradition (1941). Em parte, tal é o resultado da busca de precedentes formais fora do território convencional da arquitetura, na produção vanguardista das artes visuais puras, futurista, cubista, suprematista, construtivista, neoplástica, mas também nos planos dos automóveis e aviões de então ou nas formas geométricas sim-

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[A Guisa de Prefácio

ples da construção utilitária sem pretensões expressivas, na estrutura em aço ou concreto da fábrica e do escritório banal, nas vidraças dos grandes armazéns, tudo a serviço da expressão do espírito da época: empresa perfeitamente traduzível, em termos acadêmicos, como a caracterização do espírito da época, embora “expressão” conotasse um suposto automatismo e “caracterização” pressupusesse uma realista deliberação. É mais discutível que a mudança nos cânones visuais da arquitetura dos anos 1970 instaure a ampliação de um repertório, além do significado novo em contexto novo para formas já usadas antes. Afinal a coluna do barroco pode ser ao mesmo tempo igual e distinta da coluna da renascença, a indiferença da fachada corbusiana em relação ao seu interior tão opaca quanto o vidro trabalhado com o recurso da impressão ao mesmo tempo nova e velha. Por trás da forma parcialmente inusitada e do discurso parcialmente justificado, é o intento de caracterização de um novo espírito de época que parece ressurgir ligado a uma “arquitetura do espanto”, e, no entanto, a própria ideia da “arquitetura do espanto” reflete, não o desaparecimento ou a improcedência da tipologia, mas sua cooptação pelo mercado; não a desimportância de uso, programa, estrutura, função, mas a sua revitalização; não o fim de uma tradição moderna, mas a reconsideração e o enriquecimento dessa mesma tradição. Em qualquer caso, há silêncio valendo mais que mil palavras, entrelinha mais suculenta que muita frase impressa, como polêmica mais fecunda que o acordo desapaixonado. Pregnantes, instigantes, provocativas, estas primeiras Leituras reclamam de imediato umas segundas e tal não é a menor de suas virtudes. Que teoria é ver longe para iluminar a prática, e requer aprendizado. Por escrito.

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Carlos Eduardo Comas]

OBRAS CITADAS

GIEDION, Siegfried. Space, time and architecture: the growth of a new tradition. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1941. GUADET, Julien. Eléments et théorie de l’architecture. Paris: Librairie de la construction moderne, 1904. COMAS, Carlos Eduardo. Identidad nacional y caracterización arquitectónica. Em: AAVV, Modernidad y posmodernidad en America Latina. Bogotá: Escala, 1991. Traduzido para o português pelo autor como Identidade nacional e caracterização arquitetônica. Em: Pessoa, J. et al. (orgs.). Moderno e nacional. Niterói, EdUFF, 2006. ______. Arte e arquitetura. Guia das Artes, São Paulo, v. 03, 1993. HARVEY, David. The Condition of Postmodernity. Oxford: Blackwell, 1990. HITCHCOCK, Henry-Russell. Modern Architecture: Romanticism and reintegration. Nova York : Da Capo Press, 1993,1929.

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[Teoria da arquitetura: uma leitura possĂ­vel

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Teoria da arquitetura: uma leitura possível Beatriz Santos de Oliveira Guilherme Lassance Gustavo Rocha-Peixoto Laís Bronstein

“Um conceito é uma invenção que não corresponde exatamente a coisa alguma, mas com que muitas coisas se parecem.” Nietzsche

UMA estratégia para empreender uma leitura das teorias de arquitetura poderia gerar um longo texto unificado que desse conta das diferentes etapas, gradações e formas do pensamento sobre arquitetura. Um narrador aparentemente isento e externo contaria assim as peripécias por que tem passado a compreensão desse afazer profissional. Aqui fizemos outra opção que é tributária da constatação de que é impossível definir teoria da arquitetura de modo único e abrangente e que, assim como as teorias são múltiplas e variadas, também as narrativas sobre elas se podem estabelecer de muitos pontos de vista sob a égide de diversos regimes de ideias. De fato o conjunto de escritos teóricos que tratam da arte de construir é demasiado polimorfo – inclui tratados e manuais; memórias de projeto e textos de crítica; história e estética; reflexões técnico-metodológicas e tantos outros tipos e formas literárias. Este livro, reunindo diferentes abordagens de autores individuais, pretende desenhar uma leitura possível, entre as tantas outras, da frequente reutilização de alguns CONCEITOS fundamentais para a definição teórica do campo disciplinar da arquitetura. A unidade do conjunto é garantida pela reincidência desses conceitos nos diversos autores, que vão pouco a pouco explicando, em seus textos individuais, de que modo a teoria da arquitetura foi, em cada momento, estabelecendo estratégias conceituais para conferir sentido ao ofício de edificar. E, por meio dessas sucessivas estratégias, cada tempo e cada autor delimitaram diferentemente o campo disciplinar da arquitetura.

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[Teoria da arquitetura: uma leitura possível

Como na epígrafe, tirada das obras póstumas de Nietzsche, entendemos conceitos como inventos mentais, convenções literárias, criações do espírito humano no afã de compreender e controlar um mundo vago. Mas essas invenções ajudaram a civilização ocidental a agrupar e separar os acervos de edifícios do passado, compreender a produção contemporânea e pilotar a criação arquitetônica nesse conjunto de ações e reações intelectuais que chamamos de teoria. A leitura das teorias da arquitetura que este livro assume é a de que ela é espelho de um grande debate literário. Essa leitura diz respeito especialmente aos organizadores dessa coleção porque nos interessava fazer com que as pesquisas desenvolvidas no âmbito do Programa de Pós-graduação em Arquitetura – PROARQ – da FAU/UFRJ que nos reúne, pudessem se beneficiar do contato com esse grande debate. Diante de muitas outras áreas de conhecimento, a pós-graduação em arquitetura é relativamente recente. Durante muito tempo a maioria dos mestres e doutores dos corpos docentes dos cursos de arquitetura no Brasil obteve seus títulos em outras áreas. Quase todos os primeiros professores dos programas de pós-graduação em arquitetura provinham, portanto, de universos de pesquisa estranhos ao que constitui o campo próprio da disciplina. Não apenas os métodos de pesquisa, mas os objetos mesmos de interesse muitas vezes pareciam pertencer a campos disciplinares alienígenas à formação do arquiteto. No contexto específico do PROARQ, as antigas áreas de concentração vinham, desde a sua origem, especializando o conhecimento que ali se produzia a ponto de torná-lo distante das questões específicas da arquitetura. A abordagem dos temas de pesquisa segundo um pensamento essencialmente arquitetônico parecia então inalcançável diante da epistemologia exigida nas disciplinas de índole técnica como também das aproximações artísticas e filosóficas de natureza aparentemente abstrata. Nesse sentido, uma das preocupações da reformulação do programa em 2005 foi insistir na necessidade de que as pesquisas para teses e dissertações dialogassem com o acervo teórico da arquitetura. Entender a arquitetura como campo disciplinar definido por suas tradições e práticas específicas foi a questão que sublinhou esta discussão. Uma das estratégias então desenvolvidas para esse fim foi a criação da disciplina História das Teorias em Arquitetura, oferecida como obrigatória para o mestrado e eletiva para os doutorandos e, mais tarde, aberta para os alunos

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de graduação. Uma disciplina em que os alunos de todas as linhas de pesquisa pudessem encontrar subsídios para a sustentação do arcabouço teórico de suas pesquisas e como espaço de discussão e confrontamento de seus recortes de trabalho com questões já desenvolvidas no âmbito da teoria da arquitetura. Os organizadores desse livro têm sido, desde então, os responsáveis pela gestão da disciplina, pensada como ciclos de palestras de especialistas em diversos aspectos teóricos da arquitetura. Apesar de termos recebido, desde a primeira edição do curso, importantes contribuições de autores de diversas instituições de ensino do Brasil e do exterior, deparamo-nos, desde o início, com o desafio da escolha de temas e palestrantes. Se a presença dos períodos mais remotos dessa história das teorias colocava uma dificuldade quantitativa relacionada à relativa escassez de autores nacionais, a discussão de temas mais recentes trazia à tona um problema qualitativo associado à própria delimitação do campo teórico da arquitetura. Para além do que se designa há, portanto e, sobretudo, a espinhosa questão do designável à qual este texto introdutório não pretende, e nem poderia, responder de forma definitiva sem com isso contrariar a própria natureza do que ele visa apresentar – uma leitura possível das teorias da arquitetura. A variedade das trajetórias individuais e das circunstâncias institucionais, locais e regionais, perceptível na própria apresentação das linhas e grupos de pesquisa, publicações e encontros da área, torna pouco nítida a imagem do território da teoria da arquitetura no Brasil. As diversas áreas de conhecimento que conjunturalmente subsidiaram a formação de professores e a criação de programas de pós-graduação acabaram por fornecer respaldo teórico à pesquisa, substituindo-se à literatura própria à arquitetura. Este fato contribuiu para tornar ainda mais imprecisos os limites do campo disciplinar da arquitetura. Desde os primeiros reflexos da tratadística clássica que tomaram a forma de manuais para bem se edificar até os dias atuais, os caminhos da teoria foram, no entanto, pontuados por alguns momentos ideológicos de suma importância para a nossa arquitetura. Um melhor conhecimento das questões que animaram esses momentos se mostra imprescindível no atual contexto das novas injunções de cunho francamente normativo da acessibilidade e da sustentabilidade que carecem de articulações teórico-críticas. Além da pouca nitidez desse território, há, sobretudo, a constatação do estado embrionário da literatura brasileira em teoria da arquitetura, tanto no

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[Teoria da arquitetura: uma leitura possível

que diz respeito à sua efetiva construção como da reflexão crítica do acervo disciplinar histórico. O volume ainda modesto de trabalhos deve-se a que os programas de pós-graduação, a quem compete a liderança no desenvolvimento teórico-crítico da disciplina, são muito jovens[1]. Para se ter uma ideia deste campo em formação, é oportuno lembrar que, dos vinte programas existentes hoje no país, cerca de 75% iniciaram seus cursos de mestrado entre 1990 e 2005 e os de doutorado entre 2000 e 2006. Além disso, a crise profissional que acometeu o meio internacional nos anos 60 e a progressiva efervescência teórica das décadas seguintes, só começa a penetrar no Brasil no final dos anos 70. A expressão mais irreverente deste fenômeno no campo editorial surgiu com a revista mineira Pampulha (1979), ainda incipiente no que diz respeito à teoria da arquitetura, e vai tomando vulto ao longo das duas décadas seguintes, quando a ênfase no discurso como eixo condutor da renovação arquitetônica leva à recuperação acadêmica da teoria e crítica. Cabe lembrar, nesse sentido, a contribuição vinda de questões educacionais com evidentes rebatimentos epistemológicos e profissionais, como as que afligiram e ainda hoje afligem o ensino de projeto e mais amplamente o de arquitetura e que levaram ao precursor Encontro Nacional de Ensino de Projeto Arquitetônico (UFRGS, 1985-87). A crescente atividade editorial acadêmica dos últimos vinte anos é indicadora tanto da tendência tomada pela arquitetura para pensar seus pressupostos a partir da crise do modernismo quanto dos esforços dos programas de pós-graduação para problematizarem o campo disciplinar, enfrentando a função precípua da atividade teórico-crítica que lhes compete. Acusa também, na persistência dos títulos e no número de publicações, a vitalidade dos cursos que as abrigam. Entretanto, se procuramos por uma literatura dedicada à teoria da arquitetura, pouco vamos encontrar. As revistas de edição universitária, concentradas principalmente nos programas de pós-graduação, ao lidarem com a

[1] Dos vinte programas existentes hoje, os mais antigos são: USP (M 1972, D 1980); USP/SC (M 1971, D 2002); UFBA (M 1983, D 1999), UFRJ (M 1985, D 2003); UFGRS (M 1990 D 2000).

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variedade de eixos temáticos correspondentes à produção intelectual de seus quadros, fazem com que o espaço consignado ao tema ainda seja acanhado. Mas é possível apontar algumas delas cuja linha editorial é propositiva à teoria, uma vez que foram forjadas em ambientes onde o campo da teoria, história e crítica exercia um papel de liderança no quadro institucional local. É o caso das revistas Rua (UFBA, 1988-1990/irregular até 2006), Arqtexto (UFRGS, 2000), Cadernos PPGAU (UFBA 2002) e Risco (USP-ESSC, 2003). Claro está que a frequência de publicações e também de eventos nesta especialidade são bons indicadores dos núcleos brasileiros onde ela se faz presente de maneira contundente em suas linhas de pesquisa. Um mapeamento por estes descritores mostra uma maior preocupação de determinadas regiões pelo debate nesta área. É o caso do Sul do país que no final dos anos 80 promoveu os Encontros de Ensino de Teoria e História da Arquitetura da Região Sul e, mais tarde, os Encontros de Teoria e História da Arquitetura do RS (1996-2004). Mais recentemente, Minas Gerais agenciou os seminários Interpretar Arquitetura (2001-2003), Arquitetura e Conceito (2003 e 2005) e Arquitetura depois da ética e da estética (2007). Na linha editorial, além das já mencionadas, e não esquecendo o pioneirismo das revistas Gávea (PUC-Rio, 1985-1997), Arquitetura Revista (UFRJ, 1985-1990) e Oculum (PUC-Campinas, 1985-1997), podemos destacar hoje a presença dos Cadernos de arquitetura Ritter dos Reis (Uniritter, 1999), e iniciativas promissoras como a revista Desígnio (FAU USP/Annablume, 2004) e as eletrônicas Interpretar Arquitetura (UFMG, 2000) e ArquiteturaRevista (Unisinos, 2005). Fora dos muros universitários, mas ainda como consequência de seu trabalho na formação de quadros especializados, percebemos um lento mas crescente interesse das editoras pelo assunto. Entre outras publicações merece atenção a série Fontes da Arquitetura Moderna (Cosac &Naify, 2005). Os livros desta coleção pretendem, portanto, contribuir para o preen­chi­­­ mento da lacuna, reunindo reflexões a partir do Brasil sobre recortes da teoria da arquitetura. Não apenas as futuras edições do curso do PROARQ contarão com livros-texto, mas os alunos de pós-graduação terão em mãos visões compreensivas daquele grande debate teórico com que suas pesquisas devem dialogar e para o qual suas dissertações e teses devem contribuir. E, de forma mais ampla, essa coleção tem o objetivo de constituir literatura didática para os cursos de graduação.

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[Teoria da arquitetura: uma leitura possível

Os textos que aqui se encontram reunidos, e também aqueles que irão compor os próximos livros desta coleção, singularizam-se pela inquietação que apresentam em relação a determinados temas da teoria da arquitetura. Conceitos, autores, obras, e episódios da história da arquitetura são problematizados à luz deste campo do conhecimento mais amplo, que por sua vez avaliza as aproximações críticas efetuadas. Se por um lado a teoria da arquitetura é a “fonte primária” dos diversos artigos aqui apresentados, por outro, história e crítica são componentes igualmente necessários para a rede de relações que legaliza a estrutura de cada um dos diferentes discursos. História, teoria e crítica, são, portanto, o núcleo inegociável da construção destas narrativas. História como narrativa descritiva dos eventos a partir de um recorte documental definido. Teoria como hábito especulativo e espaço de discurso que pretende sistematizar e de certa maneira, organizar, um conjunto de práticas. Crítica como forma de indagação a partir de um amplo material existente, como interpretação e contextualização de determinados problemas. O reconhecimento da necessária interdependência entre estes elementos não é novidade para aqueles que trabalham com o pensamento e a crítica em arquitetura. Josep Maria Montaner nos avisa que “não há crítica sem teoria” [2]. Três décadas antes, Manfredo Tafuri sentenciava “qualquer tentativa de separar crítica e História é artificiosa”, advertindo ao final que: “todos os métodos de análise da arquitetura que tem como base critérios a-históricos devem ser considerados como fenômenos que requerem, eles mesmos, uma historicização” [3]. Organizar uma publicação oriunda de um curso que se propõe tratar de temas da História das teorias pressupõe então tomar a História, tal como o fez Tafuri, como aquela estrutura na qual todo acontecimento deve buscar suas razões e significados. Por insistir na teoria da arquitetura, pressupõe oferecer visões que estabelecem um diálogo entre o mundo das ideias e dos conceitos – oriundos da filosofia e do pensamento –, e o mundo das formas e dos objetos

[2] Montaner, Josep Maria. Arquitectura y crítica. Barcelona: Gustavo Gili, 1999, p. 11 [3] Tafuri, Manfredo. Teorias e Historia de la Arquitectura. Madrid: Celeste Ediciones, 1997, pp. 304-305 (1ª ed. 1968).

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– oriundos do campo da criação. Por buscar um discurso em base disciplinar, abre-se para o campo da técnica e para o das artes, suas respectivas teorias e construção do conhecimento. As presentes leituras devem ser vistas como um trabalho em andamento que apresenta distintas aproximações no âmbito da disciplina de arquitetura, que por sua vez espelha a multiplicidade inerente a este campo do saber. Este primeiro volume contém textos de uma seleção das palestras dos primeiros três anos do curso do PROARQ. Não se trata, entretanto, de uma simples coletânea de textos independentes, mas da tentativa de organizar as contribuições dos diferentes autores de modo a constituir um conjunto orgânico de textos capaz de fornecer uma das possíveis narrativas da história das teorias em arquitetura desde a invenção da teoria moderna da arquitetura até a contemporaneidade. Os capítulos foram selecionados e ordenados tendo como critério a identificação de certos CONCEITOS fundamentais, recorrentes e constantemente redefinidos. Trata-se, assim de uma verdadeira história teórica da disciplina arquitetura. O primeiro texto, de Carlos Antônio Leite Brandão, parte da invenção mesma do campo disciplinar por Leon Battista Alberti na passagem da Idade Média para o Renascimento. Identifica como o surgimento da tratadística moderna – em substituição à manualística oficinal do Medievo – corresponde à constituição da arquitetura em uma linguagem. Essa operação exigia o enunciado de regras abertas e transmissíveis. Esse anseio pelo estudo das regras comunicativas constituiu o primeiro capítulo da teoria da arquitetura. Brandão mostra como Alberti, autor erudito e polimorfo, associou seus estudos da gramática do toscano vulgar à arquitetura, almejando também para ela uma gramática. Da então recente invenção da tipografia móvel Alberti derivaria o primitivo conceito de tipo para os elementos da arte edificatória. Sobre o conceito arquitetônico de tipo incidem também as reflexões de Milton Feferman. Ele historia como intelectuais dos séculos XVII e XVIII substituíram o raciocínio por semelhança formal pelo conhecimento derivado da análise de séries classificáveis de eventos e constituíram assim a tipologia. As sucessivas tentativas de sistematização da arquitetura de Jacques François Blondel a Quatremère de Quincy, favorecidas pela sistematização da representação gráfica, determinaram sua classificação, isto é, sua divisão em classes e deram substância à arquitetura clássica. A possibilidade de comunicação

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da teoria da arquitetura, reclamada por Alberti como condição de eficácia da linguagem arquitetônica, constituiu a arquitetura clássica em verdadeiro sistema projetual. A questão do ensino oficial de arquitetura é objeto do texto de Sonia Gomes Pereira que retoma, para explicar a pedagogia acadêmica, as noções de tipo e de tipologia. Reconhecendo o desenho como garantia conceitual da ideia na pintura e na arquitetura ela historia o sistema de ensino nas academias e ateliês novecentistas e desenvolve a antinomia entre tipo e modelo. O modo de ensino acadêmico e o desenvolvimento da tipologia são eventos históricos entrelaçados. A tipologia (classificação) dos exemplares antigos (clássicos) estabeleceu classes de edifícios que serviram de modelos para o ensino nas classes escolares. Esse tema é desenvolvido ainda no texto de Guilherme Lassance que narra a evolução da teoria e do ensino de arquitetura na França do século XIX. Nesse período entra em cena o estilo como veículo suplementar de significação arquitetônica que permitiu o alargamento do sistema clássico de Quatremère de Quincy até a teoria eclética de Julien Guadet. A liberdade postulada pelo ecletismo no final do século XIX e início do XX conduziu o ensino no modelo da Ecole de Beaux-arts a um paroxismo que o asfixiou. Uma nova visão sobre a formação do projetista foi desenvolvida na Bauhaus. O texto de José Barki mostra como o aprendizado naquela escola alemã se fazia diretamente pela forma global, pelo espaço e pelos materiais em vez dos esquemas prontos herdados dos repertórios antigos. Essa nova teoria propôs abandonar as formas típicas radicadas na arqueologia e substituir a compreensão racional analítica pela percepção psicológica da forma (Gestalt). O capítulo assinado por Andrés Passaro demonstra como, por sua vez, a percepção da forma – saber ver – dos modernismos foi suplantada pela análise da forma – saber ler – pelas neovanguardas dos anos 70. A procura de uma arquitetura conceitual e a busca de novos mecanismos de projetação fizeram reentrar em cena a questão da linguagem arquitetônica desejada por Alberti e desenvolvida nas academias entre os séculos XVIII e XIX. Com o último texto do livro, de Richard Scoffier, passa-se da discussão formal para a análise conceitual. Ele mostra como os edifícios não parecem ser mais vistos como construções, mas como objetos; como suas fachadas

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perderam compromisso com as funções internas; como os espaços não mais se constituem em lugares e os usos se transformaram em acontecimentos. O capítulo dá indícios assim de como a contemporaneidade parece insistir em uma compreensão linguística dos fenômenos arquiteturais, admitindo seu valor significante sem, no entanto, reconhecer neles um significado. Passamos da invenção do tipo à constituição da tipologia. Das classes tipológicas avançamos para a arquitetura clássica. Do clássico como tipologia de Quincy fomos ao clássico como modelo de Guadet. Da forma derivada dos modelos o modernismo caminhou para a invenção criativa da forma; e trocou a composição pelo planejamento. Tipo, modelo e estilo foram alternadamente considerados como unidades de significação. Da linguagem de Alberti à linguística estruturalista e daí aos significantes sem significados eis outro eixo explorado pelos autores. Ainda podemos identificar as relações da teoria com o ensino. Os sucessivos capítulos do livro compõem desse modo uma leitura possível da história das teorias em arquitetura. Mais que coletânea de trabalhos interessantes, os textos chamados a integrarem essas primeiras Leituras em teoria da arquitetura estão arranjados para construir uma narrativa parcial das evoluções do pensamento sobre esses temas, ou seja, para estabelecerem uma definição histórica, mutante e provisória do campo disciplinar da arquitetura.

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A Arquitetura no Renascimento: entre a disciplina e a indisciplina

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por Carlos Ant么nio Leite Brand茫o

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Da organização do conhecimento no Medievo ao sistema moderno das artes

Todos os conceitos de história e crítica da arte, inclusive do que seja Arte, consolidam-se na modernidade durante o século XVIII. O núcleo irredutível desse sistema moderno com que ainda trabalhamos, mesmo que precariamente, é a definição da Arte enquanto Pintura, Escultura, Arquitetura, Música e Poesia, ou seja, as “artes maiores”, as quais se separam do artesanato, da ciência e da moral, como se ilustra na obra de Kant. Pensar a arquitetura como disciplina no Renascimento é, portanto, estarmos aquém dessa história e divisão disciplinar, em sua “pré-história”. E isso pode nos ser de grande valia num momento, como neste início do século XXI, em que se esboroam as rígidas demarcações disciplinares e em que a complexidade dos problemas e das soluções por eles exigidas – problemas como os das cidades, das identidades culturais ou da violência no mundo contemporâneo – nos colocam a necessidade de ultrapassarmos a separação entre os vários campos e entre o Belo, o Bem e a Verdade, ou seja, entre a Arte, a Moral e a Ciência.[2] No sistema antigo greco-latino, τεχνη – techné – e ars englobavam tudo o que hoje chamamos de arte, artesanato e ciência. Entendia-se a Arte como totalmente “ensinável” e esta era considerada pouco dependente do talento e da inspiração. O Belo não era distinto do Bem e não se separava do útil e do propósito pedagógico, sobretudo quanto à educação da juventude, como lemos

[1] Este artigo faz parte de nossa produção na pesquisa Arquitetura e Humanismo desenvolvida junto ao CNPq desde 2004 e que, em 2007, contou também com o apoio da FAPEMIG. Resumido e em forma de conferência foi esboçado na disciplina de História das Teorias em Arquitetura na FAU-UFRJ, em 27 de maio de 2004. [2] Sobre isto, cf. Carlos Antônio Leite Brandão. Transdisciplinaridade e Humanismo: Além e aquém das disciplinas. Interpretar Arquitetura, v. 3, n. 5, 2002, p. 7-14. Disponível em: <www.arq.ufmg.br/ia>.

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Impresso em outubro de 2009. Os tipos utilizados foram Gotham e Sabon. Capa em papel supremo 250g e miolo offset 120g.

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ISBN 978-85-88721-52-4

Os pesquisadores em arquitetura terão em mãos, visões compreensivas do grande

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suas pesquisas poderão dialogar e para qual suas dissertações e teses deverão contribuir. o objetivo de constituir literatura didática para os cursos de graduação. Desde os primeiros reflexos da tratadística clássica que tomaram a forma de manuais para

LEITURAS EM TEORIA DA ARQUITETURA 1. Conceitos

prefácio Carlos Eduardo Comas

bem se edificar até os dias atuais, os caminhos da teoria foram pontuados por alguns momentos ideológicos de suma importância. Um melhor conhecimento das questões que animaram esses momentos se mostra imprescindível no atual contexto da arquitetura que muitas vezes carece de articulações teórico críticas.

textos Carlos Antônio Leite Brandão Milton Feferman Sonia Gomes Pereira Guilherme Lassance José Barki Andrés Passaro Richard Scoffier organizadores Beatriz Santos de Oliveira Guilherme Lassance Gustavo Rocha-Peixoto Laís Bronstein

LEITURAS EM TEORIA DA ARQUITETURA  1.Conceitos

debate teórico sobre a arquitetura com que

E, de forma mais ampla, essa coleção tem

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LEITURAS EM TEORIA DA ARQUITETURA reúne abordagens de autores individuais para desenhar uma leitura possível, entre tantas outras, da freqüente reutilização de alguns CONCEITOS fundamentais para a definição teórica do campo disciplinar

LEITURAS EM TEORIA DA ARQUITETURA

da arquitetura. Capítulo a capítulo, o livro traça

1. Conceitos

ao ofício de edificar. E como, por meio dessas

uma narrativa dos modos com que a teoria da arquitetura foi, ao longo da história, inventando estratégias conceituais para conferir sentido sucessivas estratégias, cada tempo e cada autor delimitaram diferentemente o campo disciplinar da arquitetura. Este livro abre uma coleção que pretende contribuir para o preenchimento de uma lacuna sobre teoria da arquitetura ainda persistente no contexto brasileiro. Neste primeiro volume estão organizados alguns dos textos de uma seleção

Beatriz Santos de Oliveira Guilherme Lassance Gustavo Rocha-Peixoto Laís Bronstein [Orgs.]

das palestras proferidas durante os primeiros três anos da disciplina História das Teorias em Arquitetura no Programa de Pós-graduação em Arquitetura – PROARQ da FAU-UFRJ.


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