Haicai caminho de haijin

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Haicai CAMINHO DE UM HAIJIN Texto e fotografias : Lucimar Levenhagen 1


PREFÁCIO

Não é a primeira vez que alguém me pede para apresentar um livro que fala sobre poesia... E, como naquela vez, inicio comentando que li uma frase, em algum momento da correria da vida, que questionava: existe vida sem poesia? No cotidiano corrido, esquecemos o entusiasmo criador, a inspiração, o encanto. Às vezes, até mesmo perdemos o alento. Esquecemos que a poesia é intrínseca à vida, essencial a cada um de nós. Com poesia, o lado das sombras de nossos medos tende a desaparecer. No texto que segue, Lucimar Levenhagen nos apresenta o Haicai. Um poema japonês para falarmos muito com poucas palavras. Como ela afirma, o Haicai não tem idade, pode ser escrito para e por qualquer faixa etaria. O segredo do Haicai e a simplicidade que ele traz na sua elaboração: nada de rima, só utilizar palavras simples do dia a dia. Talvez essa seja a dificuldade: somente usar palavras simples para demonstrarmos o belo, o que nos chama a atenção na natureza, o que nos desperta a inspiração no dia a dia. O poeta é aquele que vive a poesia no cotidiano, a cada instante. Enxerga em cada ato, a força que pode ser expressa ou não pelas palavras. Como daquela vez do primeiro prefácio, ainda fiquei surpresa com o convite e com dúvidas: como prefaciar um texto sobre poesia? De todas as minhas experiências com a escrita, a única que tive tão próximo da poesia foi há muito tempo atrás, quando ainda adolescente, ao escrever um ou dois pensamentos que poderiam ser adjetivados como poemas... Mais uma vez, receosa de não estar ao alcance da tarefa, esqueci as sugestões de Lucimar sobre a simplicidade do Haicai. E então, segui lendo as objetivas linhas... olhando as imagens... as linhas nas quais Lucimar descreve a “vida diária de forma simples, mas com riqueza de sentimentos”. E, nos mostra o caminho de um Haijin. Para nos mostrar como construir os Haicais, Lucimar exercita o equilíbrio, torna-se porta voz de do real, de encontros, saudades e da percepção do que está ao redor. Desperta a consciência que todos nós podemos nos tornar Haijin, capturar o real, escrever sobre as coisas que vemos no cotidiano, deixar as coisas falarem por si. Então Haijin Lucimar, parabéns por nos mostrar, com clareza e simplicidade, como a poesia pode se materializar no dia a dia! Sigamos com duas de suas sugestões: vamos aprender a fazer Haicais, fazendo. E, vamos compreender que o Haicai é um poema em forma de sensação, registrando em palavras simplesmente o que vemos. Tania Amaro

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SAKURA (A flor da cerejeira, Sakura em japonês é a flor símbolo do Japão. A simbologia é tão intensa que o povo cultua e respeita como a própria bandeira japonesa ou o hino nacional.

http://mayaraon-line.blogspot.com.br/2012/04/flor-de-cerejeira-sakura.html

“O haicai é uma forma de canto. O canto existe desde o início do céu e da terra”(FRANCHETTI et al., 1996, P. 09)

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UNIGRANRIO UNIGRANRIO

INOVA INOVA

Aos meus amigos do INOVA /UNIGRANRIO A gente n達o faz amigos, reconhece-os.. N達o poderia ter muitos. N達o teria tempo de cuidar de todos. E de amigos a gente cuida. Amigo a gente acolhe, a gente ama. Vinicius de Moraes

Anna Paula Lemos Edeusa de Souza Joaquim Humberto Lindonor Gaspar Maria Rita Braz Tania Amaro

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H

aijin é a pessoa que faz haikai. Hai de haikai mais jin de pessoa. Portanto, poeta. Mas um tipo um pouco diferente de poeta. Por exemplo, haijin é poeta de pouca ou quase nenhuma rima. Embora, dentro do haikai as palavras conversem entre si, isso não acontece necessariamente na última palavra de cada verso, mas lá dentro, como se os sons que ecoam brincassem de esconde-esconde. Haijin não costuma usar palavras complicadas, de significados difíceis ou misteriosos. Daquelas que nos obrigam o tempo todo a consultar o dicionário. O haijin escreve como a gente fala. Como se estivesse conversando conosco. Haijin não escreve sobre seus próprios sentimentos e pensamentos. Escreve sobre as coisas. Simplesmente descreve o que vê. Deixa que as coisas falem por si. E elas falam. Porque o tema o assunto do haikai, é a natureza. E a natureza oferece mais ensinamentos do que muitos mestres e livros juntos. E muito melhor do que muitas teorias superelaboradas. Haijin é quem esquece de si mesmo ao olhar uma flor, uma estrela, um capim, o movimento das folhas ao vento, ou a gota de orvalho que balança na ponta de um galho. Ou mesmo um dia de chuva, um mosquito, uma árvore seca. Como se ele mesmo fosse uma dessas coisas. O haijin não olha com a mente. Não olha com o coração. Haijin é quem olha com olhos. Como se nem seu coração nem sua mente nem ele mesmo estivesse ali. E ao mesmo tempo ele está totalmente envolvido com cada coisa que ele olha. Como se ele e a coisa olhada fossem um só. Sem sentir. Sem refletir. Sem pensar. Sem intenção. Ele apenas registra como se fosse uma máquina fotográfica. Só que faz isso com as palavras. Uns diriam que é óbvio. Outros que é difícil. Todos estão certos. Porem mais certo está o haijin. Porque olha além do óbvio. Alem do difícil. Olha pra onde tudo, simplesmente, existe. Alice Ruiz 5


1- HAICAI, Três linhas da mais pura poesia. O haicai é um poema japonês para você falar muito em poucas palavras. Para ser mais exato em apenas três linhas. Sua estrutura métrica é peculiar, porém obrigatória. e para se escrever um haicai precisamos de inspiração em primeiro lugar depois construir de três linhas no formato de 5-7-5

uma estrofe

sílabas sonoras ou seja, 17 sílabas

poéticas. O haicai não tem idade, ele pode ser escrito para e por qualquer faixa etária. O segredo do haicai é a simplicidade que ele traz na sua elaboração: nada de rima, só utilizar palavras simples do dia a dia e não há a necessidade de se ter título e devem-se evitar as metáforas. A cultura oriental faz alusão ao haicai como o momento mágico capturado pelo clique de uma máquina fotográfica ao registrar uma cena onde só o autor (haicaista) viu, viveu e registrou o momento efêmero, fugaz e presente que não existe mais. Mas que foi apreendido poeticamente por ele e colocado no poema. O haicai surgiu, no Japão, em pleno séc. XVI advindo de outro gênero literário /poético muito admirado pela cultura oriental que era o tanka. Seu grande disseminador e ícone é Matsuo Bashô. Esse gênero literário disseminou-se pelo mundo no século XX e cresce vertiginosamente no século XXI. Para começar a escrever haicais vale ter a mão algumas dicas. Lembrem-se o 6


haicai “registra” somente o aqui e o agora. Apenas o que se vê e sente. Captura o real e não o imaginado. Para se escrever um haicai é preciso estar aberto a natureza e observar com calma o movimento da natureza que nos rodeia e que muitas vezes passa despercebido , ler muito, encontrar o belo no imperfeito e ser bem humorado sem despencar

para a piada ou cacofonia.

É preciso valorizar as mutações

cíclicas que a natureza passa,

que o ser humano faz parte desse processo e que

compreender

não é estanque dela. É

preciso ainda Perceber que somos parte do todo. E que essa percepção exercitada nos ajuda a enxergar a vida de outra maneira e nos revela nosso lado sensível, poeta e autor. Porém, para escrever esses poemas de três linhas da mais pura poesia é necessário ressaltar dois itens importantes: primeiro, que o haicai faz referência a observação da natureza o que vem a ser diferente de natureza humana. E

depois que ele nos convida a descrever a vida diária de forma simples mas com riqueza de sentimentos. Três dicas para se escrever um “haicai:

Descrição de cenas e sentimentos. Objetividade, materialidade e concretude. Linguagem concisa: escrever o suficiente.

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2- O haicai além da sala de aula.

Para CLEMENT (2007), “ensinar o haikai para jovens é uma idéia inovadora que vale a pena introduzir como um tema cultural adicional, mas que exige um grande esforço tanto da parte de quem ensina como de quem aprende. O primeiro desafio, diz ela, é explicar por que os alunos deveriam se interessar por um conceito de poesia que pertence a uma cultura com a qual temos pouco envolvimento, como a cultura japonesa. Vencido esse obstáculo, ensinar o haikai pode ter várias finalidades tanto dentro como fora da sala de aula. Ela acrescenta ainda, que o haikai já é importante só pelo fato de permitir uma interação do aluno com a natureza, nessa época de aquecimento global sustentabilidade. Ao manter o foco em uma cena da paisagem, o aluno aprende a observá-la,admirá-la, amá-la e explorá-la para dela tirar a essência e um momento de reflexão. Além disso, permite ao aluno usar todos os seus sentidos de forma mais apurada e o estimula a compartilhar suas experiências e percepções com as pessoas ao seu redor.”

Pesquise, leia alguns autores brasileiros que escreveram sobre haicais: Paulo Leminski, Alice Ruiz , Érico Veríssimo e Monteiro Lobato,Rodolfo Guttilla dentre outros.

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Por fim, o haicai nos instiga a construir nosso próprio entendimento do mundo, através do exercício constante de observar atentamente a natureza e a vida como um todo. Lembre-se : só se aprende a fazer haicais , fazendo . o haicai é um poema em forma de sensação.

3- Vamos tentar? Abaixo, eu trago alguns haicais com imagens, que escrevi durante alguns raros momentos de observação. Com o tempo você irá perceber que a observação se dará naturalmente. Ao escrever haicais não é obrigatório que se tenha imagens, mas quando existem, recebem o nome de haiga .Normalmente elas são feitas com a mesma caneta

e cores que os hajins escrevem os haicais, para preservar a delicadeza

da poesia. A haiga (ilustração) serve para dar sentido e complementar o haicai que também é um poema delicado e objetivo como citei anteriormente.. As fotografias que tirei fazem o papel de haigas neste momento de aprendizagem, possuem o papel pedagógico de ilustrar e colaborar aprazivelmente para a aprendizagem de escrever haicais.

Pense nisso: “Simplificar e concentrar ao máximo” Ikko Tanaka

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nuvens gigantes estrada de ch達o seco verde em quest達o.

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tormenta no cĂŠu chuva anunciada sono presente.

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laranjas no pĂŠ cada qual tem seu lugar troncos disformes

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jaqueira frรกgil raios entremeados raiz profunda.

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firmamento azul coqueiros ladeados paz infinita.

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mata fechada caminho dividido Onde levarรก ?

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o vento toca o rosto jรก cansado e a paz se faz .

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a flor desnuda ancourada pelas folhas mira o universo.

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ninho vazio desfeito pelo vento vida que segue.

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http://josmair.blogspot.com.br/2010/09/passaro-na-gaiola.html

pobre pรกssaro canto trancafiado dia de finados.

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Referências bibliográficas: BASHÔ, Matsuo. Palhas de arroz. São Paulo: Aliança Cultural Brasil-Japão, 1994. GUTTILLA, Rodolfo. Uns e Outros: Poemas – 1985-2005 FNDE PNBE 2006 São Paulo: Landy Editora CAMPOS, Haroldo. In: Haicai: homenagem à síntese. A Arte no Horizonte do Provável e

outros ensaios. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1977. CLEMENT, Rosa. Entrevista eletrônica concedida a Alvaro Mariel Posselt. Curitiba, 14 e 28 mai. 2007 e 22 jun. 2007. FRANCHETTI, Paulo; DOI, Elza Taeko; DANTAS, Luiz. Haikai. São Paulo: Editora da Unicamp, 1996. ODA,

Teruko;

HANDA,

Francisco.

Introdução

ao

Haicai.

São

Paulo:

Grêmio

Haicai

Ipê/Aliança Cultural Brasil-Japão Editores, 1994. RUIZ,S. Alice. Jardim de Haijin

Ilustrações FÊ

São Paulo :

Iluminuras, 2012 .il.

Referências eletrônicas Caqui - Revista Brasileira de Haicai. Artigo sobre H. Masuda Goga, mestre de haicai. São Paulo, 2007. Disponível em http://www.kakinet.com/caqui/goga.shtml. Acesso em 11 abr. 2013 Caqui - Revista Brasileira de Haicai. Artigo de José Marins sobre Helena Kolody, pioneira do haicai, de 17/12/04. São Paulo, 2004. Disponível em http://kakinet.com/caqui/kolody.php. Acesso em 29 jun. 2013. Caqui – Revista Brasileira de Haicai. Artigo “Ao professor”, em O que é haicai, de 24/08/02. São Paulo, 2002. Disponível em

http://www.kakinet.com/caqui/nyumon40.htm.

Acesso em 05 jul. 2013. CLEMENT,

Rosa.

O

Haicai

e Suas

Teorias.

Manaus,

2004.

http://www.sumauma.net/haicai/haicai-teoria.html. Acesso em 10 jul. 2013.

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Disponível

em


Pequeno Glossário para iniciantes

HAIGA. Pintura de caráter abstrato, com um Haicai nela escrito; HAIJIN. Poeta que cultiva Haicais; HAICAI. No Japão moderno, a palavra é usada num contexto mais amplo, para referir-se tanto ao "haikai no renga" quanto ao "haiku". Mas, no Brasil, adotou-se desde o começo a palavra "haikai" em razão do caráter cacofônico de "haiku". Depois da reforma ortográfica que retirou a letra "k" do alfabeto, passou-se a grafar "Haicai, da maneira que é adotada hoje nos dicionários; HAIKU. Neologismo (HAIkai + HokKU) criado por Shiki, no século XIX, para designar o poema independente de 5-7-5 sílabas poéticas; HOKKU. Originalmente, na renga, a primeira estrofe do poema com 5-7-5 sílabas poéticas, que mais tarde se tornou um poema independente, contendo o termo de estação e a palavra de corte; KIGO. Termo de estação. Palavras e expressões que estão tradicionalmente ligados a uma determinada estação do ano; MATSUO BASHÔ. Matsuo Bashō, ou simplesmente Bashō, foi o poeta mais famoso do período Edo no Japão. Durante sua vida, Bashô foi reconhecido por seus trabalhos colaborando com a forma haikai no renga RENGA. Poema de estrofes alternadas de 5-7-5 e 7-7 sílabas poéticas, geralmente compostos por dois ou mais poetas. É composta de 36, 50, 100, 1000 ou mais estrofes. SAKURA. A flor da cerejeira, Sakura em japonês é a flor símbolo do Japão. A simbologia é tão intensa que o povo cultua e respeita como a própria bandeira japonesa ou o hino nacional.

TANKA. Estilo de poesia japonesa. Literalmente tanka significa "poema curto" (tan - curto, breve; e ka - poema ou múscia) e é formada por 31 sílabas (versos de 5 - 7 - 5 - 7 - 7 sílabas respectivamente). Segundo textos essa forma de poema tornou-se uma coqueluche nos anos de 1186-1339, no Japão.A forma poética ficou tão disseminada que passou a ligarse a outras estrofes da mesma medida, somando centena de versos. E a nova forma passou a chamar-se "renga" e, em seguida, "renga haikai, ou "renku".


Lucimar Levenhagen Alarcon da Fonseca

Nasci em uma família de mãe descendente de alemães e pai índio. Do lado materno, aprendi a disciplina e o culto aos livros. Do lado paterno, a valorização da natureza e dos animais. Dessa miscigenação, nasceu uma “mistura de tambor, violino e agogô que não deixa ninguém

parado”. Cresci e depois de fazer escolhas, me formei em Letras - Língua Portuguesa/Língua Inglesa e Literaturas Portuguesa e Inglesa. Esse fascínio pela comunicação humana me levou à Língua Brasileira de Sinais. Especializei-me no Instituto Nacional de Educação de Surdos e esse aprendizado, de ouvir o silêncio e interpretar os sinais gestuais visuais, perpassam minha experiência como professora de Informática na Educação Especial e Inclusiva, nas redes públicas e privadas. Especializei-me ainda em Tecnologia Educacional e como Design Instrucional para EaD Virtual. Além disso, sou curadora de conteúdos de uma plataforma de aulas interativas e digitais planejadas para a maior rede pública de ensino da América Latina, onde coordeno uma equipe de designers de recursos educacionais abertos. Faço doutorado na Universidad Nacional de Rosário/Argentina, em Ciências da Educação.

E desde 2011, integro o Núcleo de Formação

Geral/INOVA da UNIGRANRIO, onde coordeno também o NuPI – Núcleo de Práticas Inclusivas, da mesma instituição. Tenho um casal de filhos, parceiros e cúmplices, e cachorros que só faltam falar, diria até que eles parecem entender essa pessoa que veio sem bula, que ama e tem fé na vida. Afinal, como diria Paulo Leminski, um grande haicaísta brasileiro, “isso de querer ser exatamente o que a gente é ainda vai nos levar além”. INVERNO DE 2013

http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/3.0/deed.pt Créditos texto e imagens: Lucimar Levenhagen


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