Canal Plá: Mídia Livre e Ciberativismo

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INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR PINHEIRO GUIMARÃES CURSO DE JORNALISMO

LUCAS LIMA DA SILVA

CANAL PLÁ: MIDIA LIVRE E CIBERATIVISMO Um estudo sobre o modo independente de fazer jornalismo no século XXI. Redes sociais e novas narrativas sobre os territórios periféricos. www.canalpla.com

Rio de Janeiro 2016


LUCAS LIMA DA SILVA

CANAL PLÁ: MIDIA LIVRE E CIBERATIVISMO Um estudo sobre o modo independente de fazer jornalismo no século XXI. Redes sociais e novas narrativas sobre os territórios periféricos.

Memória Descritiva apresentada por Lucas Lima da Silva, sob a orientação da professora Tatiana Couto, como requisito obrigatório para obtenção da graduação de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo.

Rio de Janeiro 2016 2


Lucas Lima da Silva

CANAL PLÁ Um estudo sobre o modo independente de fazer jornalismo no século XXI. Redes sociais e novas narrativas sobre os territórios periféricos.

Memória Descritiva de projeto experimental apresentado à Sociedade de Ensino Superior Pinheiro Guimarães como requisito para obtenção do título de bacharel em Jornalismo.

Aprovado em 14 de julho de 2016.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________ Prof. Ms. Tatiana Cioni Couto – Faculdade Pinheiro Guimarães

_________________________________________________________ Prof. Ms. Gutenberg Barbosa Batista Júnior – Faculdade Pinheiro Guimarães

_________________________________________________________ Prof. Ms. Sérgio de Souza Xavier – Faculdade Pinheiro Guimarães

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer, em primeiro lugar, aos meus pais, Lucimerio e Alda, que sempre investiram na minha carreira educacional e vibraram com as minhas conquistas profissionais. Agradeço também a chefe, gestora e amiga Luisi Valadão, que foi uma grande incentivadora e peça fundamental para a conclusão dessa etapa da minha vida. Também agradeço a professora e orientadora Tatiana Couto que muito me ajudou nesse Trabalho de Conclusão de Curso e ao meu parceiro da vida José Alsanne, que está diariamente ao meu lado e com quem construí o Canal Plá.

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“O fato de qualquer um ser capaz de produzir conteúdo só é significativo se outros puderem desfrutá-lo. O PC transformou todas as pessoas em produtores e editores, mas foi a Internet que converteu todo o mundo em distribuidores” (Cris Anderson, 2006). “O midialivrista é o hacker das narrativas, capaz de rivalizar, subverter, contrapor com diferentes estratégias as narrativas produzidas pelos grandes conglomerados de comunicação” (Ivana Bentes, 2013).

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RESUMO

Este trabalho é a memória descritiva do site Canal Plá. O Plá é um projeto de audiovisual que tem o objetivo de registrar e mapear ações com foco cultural e social e que acontecem na Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. A iniciativa aborda temas como a ocupação dos espaços e equipamentos públicos, o fim da discriminação contra a população LGBT e negra, o movimento de ocupação nas escolas estaduais – que ocorreu em 2016 – e a disseminação da cultura funk, por exemplo. O Canal Plá foi criado em julho de 2015 e é produzido de forma totalmente colaborativa e independente. Este Trabalho de Conclusão de Curso reúne material – vídeos, textos e fotos – produzido pelo jornalista Lucas Lima, um dos fundadores do Canal. Palavras chave: Mídia livre. Jornalismo independente. Mídias sociais.

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ABSTRACT This present study is a description document of Canal Plá’s website. Plá is an audiovisual project that aims to record and map actions with cultural and social aims that take place in the Metropolitan Region of the State of Rio de Janeiro. The project covers topics such as the occupation of public spaces and public equipments, the end of discrimination against LGBT and black people, the occupation movement in the state schools - which took place in 2016 - and the spread of the funk culture, for instance. Canal Plá was created in July 2015 and it has been produced entirely in a collaborative and independent way. This Final Term Paper gathers materials - videos, texts and photos - produced by the journalist Lucas Lima, one of the channel's founders. Keywords: Free media. Independent journalism. Social media.

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SUMÁRIO

1.

INTRODUÇÃO___________________________________________________9

1.1. Período Colonial________________________________________________________11 1.2.Ditadura Militar_________________________________________________________13 1.3. Outono Brasileiro_______________________________________________________16 2.

PROCEDIMENTOS______________________________________________20

2.1. Escolha do produto______________________________________________________20 2.2. Justificativa____________________________________________________________21 2.3. Objetivo_______________________________________________________________22 2.4. Público-alvo___________________________________________________________23 3.

ETAPAS DO PROCESSO_________________________________________23

3.1. Pesquisa_______________________________________________________________23 3.2. Esqueleto do site________________________________________________________24 3.3. Produção______________________________________________________________25 3.4. Custo do projeto________________________________________________________26 3.5. Memória descritiva______________________________________________________26 4.

CONCLUSÃO___________________________________________________29

5.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS_______________________________31

6.

ANEXOS_______________________________________________________32

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1. INTRODUÇÃO

Jornais e outros tipos de publicações e veículos que circulam e informam dados e acontecimentos de forma independente estão presentes na história do Brasil, desde o surgimento da própria imprensa. Estes sofreram censura, repressão e perseguição em diferentes fases da história brasileira e também por diferentes governos, como a censura imposta pela Corte Portuguesa no período colonial, no período pré-independência do Brasil, na ditadura militar e recentemente com a criminalização das rádios comunitárias e do desenvolvimento de políticas públicas que incentivam a democratização da informação, através de grupos produtores de jornalismo independente ou de midialivrismo. Com o surgimento da internet, smartphones e outras tecnologias, a produção de material jornalístico de qualidade fora dos grandes grupos de comunicação do país é cada vez mais crescente. De acordo com Castells, isso ocorre porque “as tecnologias de redes digitais permitem que indivíduos e organizações gerem seus próprios conteúdos e mensagem e os distribuam no ciberespaço, evitando amplamente o controle de corporações e burocracias”. (CASTELLS, 2015, p. 30). Esse conteúdo, que pode ser produzido e distribuído por qualquer cidadão, também destoa do discurso da grande mídia – expressão que designa os principais veículos de um determinado sistema ou modo de comunicação, como emissoras de TV, rádio, jornais e revistas. Há poucos anos as notícias e informações veiculadas pelas grandes empresas de comunicação eram recebidas com extrema confiabilidade. Com a disseminação de veículos e agentes produtores de comunicação independente, as pautas divulgadas pela grande mídia podem até ser questionadas, além da divulgação de novas pautas e temáticas, algumas historicamente negadas. Segundo Castells, a transformação da comunicação na era digital foi a mudança mais importante dos últimos anos, porque transformou a comunicação de massa em intercomunicação individual, um processo de comunicação mais interativo e que tem o potencial de alcançar uma audiência de massa. Neste processo, a produção da mensagem – ou notícia – é autogerada e a recepção do conteúdo oriundo das redes sociais é autosselecionada. “Conforme a internet se expandia para se tornar o principal meio de comunicação na era digital, as grandes corporações passaram a dominar o seu negócio, e as companhias de telecomunicação globais moldaram as plataformas móveis de comunicação” (CASTELLS, 2016, p.29). Isso também transformou a configuração da grande mídia:

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Além disso, redes horizontais de comunicação e formas tradicionais de comunicação, tais como a televisão, o rádio e a mídia impressa, estão cada vez mis misturadas, formando um sistema de comunicação híbrido que usa a flexibilidade da tecnologia digital para migrar de um ‘hipertexto’ genérico para um “meutexto” individualizado e diversificado. [...] Ademais, mesmo que o universo da internet seja construído em torno do poder dos grandes conglomerados empresariais e seja, de alguma forma, regulado pelos governos, ele permanece sendo, de fato, um modo de comunicação muito distinto, caracterizado pela considerável autonomia dos sujeitos comunicantes em relação aos donos e reguladores da infraestrutura de comunicação (CASTELLS, 2015, p. 30).

A comunicação digital e as redes sociais também causaram grande manifestação na política mundial. Nos Estados Unidos da América, em 2008, a campanha para a presidência do país foi a primeira em que as mídias digitais foram usadas maciçamente pelos candidatos, principalmente por Barack Obama. Ele chegou ao fim de sua campanha com 130 mil seguidores no Twitter, 14 milhões de visualizações em apenas um vídeo no portal de vídeos Youtube, um grupo no Facebook com 2,3 milhões de membros e 3,1 pessoas que realizaram doações pela internet. Isso aconteceu, principalmente, porque Obama tinha nos jovens uma parcela importante do seu eleitorado. O uso da internet na campanha de Barack Obama foi tão grande que sua equipe criou uma rede social própria: MyBarackObama.com, onde eleitores puderam criar seus próprios blogs para discussão, sites para arrecadação de doações, além de poderem mandar sugestões e mensagens diretamente à campanha:

[...] a campanha presidencial de Obama em 2008 representou um divisor de águas na tecnologia da política. Por conta do uso hábil da internet, construído sobre os esforços de mobilização popular, ter sido decisivo na campanha, todas as campanhas políticas posteriores, no mundo todo, fizeram amplo uso da internet e da comunicação sem fio em suas estratégias [...]. De qualquer maneira, a internet agora se tornou uma ferramenta de política institucional tão central quanto a televisão. Em certa medida, ela agora tem um papel ainda maior, pois a televisão se concentra em campanhas eleitorais ou em momentos críticos de atenção da mídia, tais como crises nacionais e internacionais, enquanto a internet agora fornece contato diário entre políticos e cidadãos (CASTELLS, 2015, p. 33).

O sucesso desta campanha prova o quanto as mídias digitais têm força e ajudam a democratizar o acesso da população à política. Nos veículos de Comunicação, principalmente na imprensa escrita, esse novo processo transformou a relação com o receptor. Em todo o mundo, usuários da internet com menos de 30 anos leem os jornais principalmente on-line. Ou seja, embora o jornal continue sendo um meio de comunicação de massa, sua plataforma muda. (BECKETT; MANSELL, 2008).

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Esta mudança no acesso à informação foi fundamental para a democratização da comunicação. As grandes empresas migraram para a internet, os agentes, grupos e coletivos produtores de informação e notícias independentes também. Vale reforçar que este é um processo recente. Nos subtópicos abaixo listo alguns períodos da história do Brasil em que a comunicação não-institucional foi censurada e/ou perseguida.

1.1.Período Colonial

Após o seu descobrimento, em 1500, esteve proibida a publicação de qualquer livro, panfleto ou jornal no Brasil, até 1808, ano que marcou a chegada da família real de Portugal no país, fugindo das forças de Napoleão Bonaparte. Até mesmo em Portugal, os livros estavam sujeitos a três diferentes tipos de censura: a episcopal (por conta da influência da Igreja Católica), a da Inquisição e a Régia, exercida pela Coroa. Com isso, eram proibidas a impressão e circulação de qualquer material sem ser analisada e aprovada pelos desembargadores do Paço e depois pelo Santo Ofício da Inquisição. Tentativas de criar e fortalecer a imprensa no país foram duramente eliminadas por ordem do governo português, em 1706, em Pernambuco, em 1747, no Rio de Janeiro e em 1807, em Vila Rica, Minas Gerais. Esse intenso controle visava manter a colônia sob seu domínio, impedindo o contato e conhecimento de outras culturas e hábitos, parte do processo de dominação, para manter o povo ignorante e sem conhecimento/consciência, principalmente política. Em 1808, 308 anos após a descoberta do Brasil e com a vinda dos equipamentos necessários, trazidos pela família real, nascia a Imprensa Régia. Os textos manuscritos e ilegais, na maioria das vezes oposicionistas ao governo da época, deram espaço à imprensa oficial. Em setembro de 1808, foi publicada a primeira edição da Gazeta do Rio de Janeiro, uma publicação oficial do governo da época. Antes de publicado, todos os textos eram revisados pelo ministro do reino. As informações eram quase exclusivas sobre fatos e acontecimentos relacionados direta e indiretamente à família real portuguesa e outras famílias reinantes. “Jornal oficial, feito na imprensa oficial, nada nele constituía atrativo para o público, nem essa era a preocupação dos que o faziam, como o dos que o haviam criado”. (SODRÉ, 1999, p. 20). Como relata John Armitage (apud, SODRÉ, 1999, p. 20), um viajante neste período, a Gazeta do Rio de Janeiro foi um pobre papel impresso, sem grande utilidade à época: 11


Por meio dela, só se informava ao público, com toda finalidade, do estado de saúde de todos os príncipes da Europa e, de quando em quando, as suas páginas eram ilustradas com alguns documentos de ofício, notícias dos dias natalícios, odes e panegíricos da família reinante. Não se manchavam essas páginas com as efervescências da democracia, nem com a exposição de agravos. A julgar-se do Brasil pelo seu único periódico, devia ser considerado um paraíso terrestre, onde nunca se tinha expressado um só queixume.

Três meses antes do surgimento da Gazeta do Rio de Janeiro, começou a circular no Brasil, ilegalmente, o Correio Braziliense. O jornal foi fundado, dirigido e redigido por Hipólito José da Costa, em Londres, durante todo o período de vida do jornal, que foi até dezembro de 1822. Era feito mensalmente e, diferente da Gazeta, o Correio criticava a Coroa e foi um dos primeiros a dividir as notícias seções, facilitando a leitura e tornando-a mais atrativa. Especula-se que Dom João VI financiou o Correio Braziliense para não ter seu nome mencionado nas críticas, tamanha a relevância do jornal. O Correio foi a primeira publicação sem censura a circular. Isso foi possível pela sua edição fora dos domínios reais de Portugal. Como justificou Hipólito da Costa, a escolha em produzi-lo na Inglaterra se deu pela “dificuldade de publicar periódicos no Brasil, já pela censura prévia, já pelos perigos a que os redatores se exporiam, falando livremente das ações dos homens poderosos”. Prova disso é que, durante o Brasil Colônia, no país, mais de 50 jornais surgiram, a maioria de duração efêmera. Para Sodré (1999, p. 21), o Correio Braziliense, mesmo feito em Londres, pode ser considerado o primeiro grande jornal do Brasil. “O que lhe dava o caráter nacional era a estreita ligação com as condições internas em que procuravam também influir; a impressão no exterior era circunstância”. Em agosto de 1821, é extinta a censura prévia. No mesmo ano, por conta da Revolução do Porto e outros fatores históricos, todo o sentido de vida política se transforma. Com a eleição da Corte de Lisboa e a eleição de representantes, os que desejavam ser parlamentares precisavam convencer os eleitores, o que causou uma explosão nos números de jornais. Entre 1821 e 1823, anos importantes principalmente pelo processo de separação de Portugal, mais de 30 periódicos circulavam em todo o país. Com a liberdade de imprensa, após 1821, vários jornais apareceram rapidamente por todo o Brasil. Grande parte destes periódicos tinha como objetivo mobilizar a população, principalmente as classes mais pobres e inconformadas, contra a dominação portuguesa. Muitos defendiam a independência, mas haviam os que eram contra e tentavam combate-la. 12


Neste período, as notícias ficaram cada vez mais em segundo plano, pois as publicações eram fortemente doutrinárias e ideológicas. É importante destacar que toda essa censura e proibição ao acesso a livros e informação eram exclusivas do Brasil. Antes da chegada da família real portuguesa, as reduções de índios nas colônias espanholas possuíam suas próprias gráficas. Isso causou um grande atraso na educação e consciência política por parte da população.

1.2. Ditadura Militar

A imprensa brasileira também sofreu forte censura durante o período da ditadura militar, que se iniciou em 1964, através de um golpe civil-militar. Neste período, a liberdade de expressão – direito essencial do sistema democrático – foi condenada. “A censura, assim, desempenhou papel fundamental na implantação e na consolidação da ditadura, silenciando uns e servindo a outros. Houve abençoados pela censura que construíram impérios de comunicações” (REIS e ROLLEMBERG, 2009, online). Neste período da história do país, veículos independentes foram fortemente censurados – como o Pasquim, Movimento e Opinião – e seus colabores e leitores duramente perseguidos. Grandes e relevantes veículos de comunicação – como o Correio da Manhã e o Última Hora – também tiveram seu material regularmente censurado. O Correio, que fez forte oposição ao militarismo, teve sua sede atacada a bomba, invadida e fechada, a proprietária – Niomar Bittencourt – foi presa por quase três meses e uma das edições

confiscada.

A censura, entretanto, não atuou uniformemente durante todos os 21 anos que durou o regime militar. Foram fases de maior e de menos intensidade: esteve presente logo após 1964 e em seguida houve períodos de grande influência no governo militar, de grupos e indivíduos com características autoritárias (SOARES, 1989). Assegurada por Dom Pedro I, em 1821, a liberdade de imprensa foi anulada pelo Departamento da Polícia Federal, em setembro 1972 (mais de 150 anos depois). A seguinte ordem foi dada a todos os jornais do Brasil: “Está proibida a publicação do decreto de D. Pedro I, datado do século passado, abolido a censura. Também está proibido qualquer comentário a respeito”. Este decreto foi publicado durante a instauração do Ato Institucional nº 5. De acordo com Soares (1989, p. 21-22), “[...] a expansão mais acelerada da ação da Censura teve lugar durante o período mais negro por que o País passou: desde o AI-5, em dezembro de 1968, no governo Costa e Silva, até o fim do governo Garrastazu Médici”. 13


“O AI-5 produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros. Definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados” (ARAÚJO, 2010, online). O Ato permitiu que o habeas corpus não tivesse mais sua aplicação jurídica, rompendo também as garantias individuais. Com isso, autoridades e governantes militares puderam prender e coagir a qualquer um, de forma violenta. Milhares de jornalistas e políticos foram presos (SOUSA, 2016, online).

A história da repressão (e da liberdade de imprensa) divide-se claramente em três períodos: antes do AI-5, entre o AI-5 e o início do governo Geisel, e de então até a restauração da democracia. Antes do AI-5, a censura estava incluída entre as medidas que poderiam ser adotadas se ‘necessárias para a defesa [do regime]’, assim como em caso de estado de sítio. Posteriormente, essas medidas coercitivas foram postas em prática sem que fosse declarado o estado de sítio. Com o AI-5 a situação piorou consideravelmente: no mesmo dia da publicação do Ato, o Jornal do Brasil foi ocupado por dois oficiais; no dia seguinte, os jornalistas substituíram o material aprovado, publicando o material proibido; no dia 15, cinco oficiais passaram a censurar o jornal, o que fizeram durante três semanas (Dines, 1975). A partir de 6 de janeiro, o Jornal do Brasil submeteu-se à auto-censura, em conformidade com as instruções da Censura, situação que perdurou até 1972 (SOARES, 1989, p. 23).

O jornalista e diretor da Tribuna da Imprensa, Hélio Fernandes, foi preso duas vezes. Duas edições do jornal O Estado de São Paulo foram recolhidas porque protestavam contra o AI-5. Em muitas partes do Brasil, abusos e arbitrariedades como estas foram constatadas, provando que este foi, um dos períodos de maior censura e repressão sofrido pela imprensa brasileira. Por conta da intensa censura e perseguição instaurada pelo governo militar, os jornais e veículos independentes tiveram um importante papel, pois conseguiam levar mais facilmente – de forma clandestina – informações e reflexões a respeito das violências e arbitrariedades executadas pelo militares. Eles mostravam o que verdadeiramente acontecia no país. Durante os 21 anos de regime autoritário, pelo menos 150 jornais relevantes foram criados. A maioria destes teve curto tempo de circulação.

O objetivo principal era lutar contra a intolerância política e formar uma identidade cultural focada nos valores nacionais. São denominados ‘Alternativos’ por se desviarem do caminho seguido pela mídia tradicional, por criticarem o modelo sócio-econômico e político vigente, por irem contra a ditadura e exigirem mudanças sociais reais no país. Não se deixavam manipular pela estrutura de poder; eram autênticos, irreverentes e contestadores. Fundado por Millôr Fernandes, ‘Pif-Paf’ foi o pioneiro, em 1964. Depois vieram o ‘Folha da Semana’, ‘Bondinho’, ‘O Sol’, ‘Em

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Tempo’, ‘Coojornal’, ‘Opinião’, ‘Movimento’, ‘Versus’, ‘Ex’, ‘De Fato’, ‘Repórter’, e o famoso ‘Pasquim’. Foram mais de 150 publicações, abordando diversos temas. Porém, a grande maioria não passava da terceira ou quarta edição” (LENCASTRE, 2016, online).

Entre os jornais listados por Lencastre, destaco O Pasquim, um jornal que, de maneira independente e original, criou um novo estilo de jornalismo que fazia oposição ao regime militar e driblava sua censura com humor e irreverência e também ficou conhecido como jornalismo de resistência. O projeto elaborado por Millôr Fernandes, Jaguar, Tarso de Castro, Ziraldo, Carlos Leonam, Prósperi, Claudius, Sérgio Cabral e outros jornalistas e cartunistas tinha características próprias, inovadoras e que foram referências para centenas de outras publicações que apareceram em diversas partes do país. O Pasquim, que nasceu em 1969, tinha publicação semanal e começou com tiragem de 20 mil exemplares. Em seu auge, na década de 1970, chegou a vender 200 mil jornais. Começou consumido em maioria pelos jovens, mas despertou o interesse e a curiosidade de todos os perfis de pessoas, que eram contrárias à ditadura militar brasileira. Sua última impressão aconteceu no dia 11 de novembro de 1991. “Seu ponto forte, e sua principal arma contra a ditadura, era o humor. Através de cartuns, charges e matérias bem humoradas, o Pasquim conseguiu passar para o seu leitor mensagens que afrontavam a ordem vigente” (NOGUEIRA, 2013). Ainda de acordo com a historiadora Natania Aparecida da Silva Nogueira (2013, p. 2), esta publicação independente mostra “a importância dos cartunistas e da imprensa brasileira em combater a ideologia imposta pelo regime militar, levar informações ao grande público e promover, de certa forma, uma conscientização política que, de outra, maneira, não seria possível”. Segundo o cartunista Fortuna, por esse motivo, o jornal sofria constantes intervenções da censura e os seus editores, escritores e chargistas foram presos em diversas ocasiões. O Pasquim também é um dos veículos independentes que mais representam a resistência e luta contra o regime ditatório, imposto pelos militares por 21 anos. A publicação continuou a circular pelo Brasil até a década de 1990, com o esforço do editor Jaguar, o único integrante da equipe fundadora. O Pasquim relatou em suas páginas acontecimentos como o auge do AI-5, em 1969, o auge da popularidade dos militares, na década de 1970, com o milagre econômico, e a decadência do regime militar 1980 e o seu fim, em 1985, com eleições presidenciais indiretas, que ocorreram em 1984. Ainda assim, o jornal continuou a divertir e informas os brasileiros por mais seis anos, mesmo bastante descaracterizado.

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Se o Pasquim não inova no sentido de encontrar no humor um instrumento de resistência, ele vai criar estratégias para burlar a censura e expressar sua opinião acerca do regime ditatorial. Não apenas isso, o Pasquim se insere como instrumento de resistência social, à medida que os costumes tradicionais são criticados e ridicularizados, em suas reportagens, editorias e cartuns (NOGUEIRA, 2013, p. 12).

1.3. Outono Brasileiro “A facilidade de denunciar uma injustiça ou arbitrariedade e a posterior marcação de local, data e horário para a manifestação de oposição podem ser comprovadas com a rápida propagação e com a contagem de participantes” (PRADO, 2015, p. 7). Para Ortiz (2012, p. 16),“[...] além da capacidade de armazenar, outra importante transformação se dá na forma de distribuir conteúdo. A circulação da informação ganha contornos transformados a partir da conexão em rede digital”. As afirmações de Prado e Ortiz são reflexos do quando as novas tecnologias digitais e a internet transformaram o processo de comunicação e deram aos grupos e atores produtores de jornalismo independente novos recursos e novos alcances ao seu material, que passa a ser totalmente multimídia, unindo texto, fotos e vídeos, em diferentes plataformas ou em uma única página de site, blog ou fanpage, na rede social Facebook. Lemos (2012, online) afirma que, por conta desta característica descentralizada das formas recentes de se comunicar, os movimentos sociais passam a usar dispositivos portáteis, redes e mídias sociais da internet para fazer valer suas vozes e protestar, por melhorias das mais diversas naturezas. “[...] na medida em que há uma mudança organizativa e tecnológica no entorno da comunicação, mudam também os processo de comunicação e, como consequência, as relações de poder” (CASTELLS, 2011, online). Ele continua:

Qual a mudança fundamental que temos observado nos últimos anos? É a passagem de um sistema totalmente dominado pela comunicação de massas, e centrado nos meios de comunicação de massas, para um sistema que chamo de autocomunicação de massas, através da internet. [...] Por autocomunicação de massas podemos entender a capacidade de cada pessoa para emitir suas mensagens, selecionar as que quer receber e organizar suas próprias redes – nas quais os conteúdos, as formas e os participantes são definidos de forma autônoma. É claro que isso acontece em um cenário dominado por grandes empresas de comunicação e pelas empresas de internet. Porém, dentro desse espaço existem possibilidades infinitamente maiores que haviam no espaço tradicionalmente dos meios de comunicação de massa.

A internet, esse espaço infinitamente maior a que Castells se refere, amplia a voz e o conteúdo das pessoas e dos grupos que já estavam habituados a se manifestar e dá voz a quem nunca teve, pelo fácil acesso e simplicidade das ferramentas e dos sistemas. 16


Motivado pela falta de isenção jornalística nas transmissões e pela “indecente cobertura jornalística da velha mídia corporativa e centralizada, da qual”, como nomeia Malini e Antoun (2013), nasceu, no ciberespaço, uma nova maneira independente de levar informação: a mídia livre. Os autores contextualizam: [...]O surgimento desta nova mídia – gerada pelo entrelaçamento das teias da Internet com o interativismo do ciberespaço, como resultado do casamento da política de ação direta do novo ativismo com a potência interativa, descentralizadora e anárquica dos sistemas hipermídia – é a explosão do silencioso movimento de sedimentação das comunidades virtuais ao longo destes anos.

Malini e Antoun (2013, p. 21-22) descrevem, ainda, duas diferentes categorias do midialivrismo:

[...] o midialivrismo de massa reúne experiências de movimentos sociais organizados que produzem mídias comunitárias e populares, de dentro do paradigma da radiodifusão, se afirmando como práticas da sociedade civil alternativa e antagonistas em relação ao modo de se fazer comunicação dos conglomerados empresariais transnacionais e nacionais de mídia (que controlam a opinião pública desde o nível local até o internacional). Já o midialivrismo ciberativista reúne experiências singulares de construção de dispositivos digitais, tecnologias e processos compartilhados de comunicação, a partir de um processo de colaboração social em rede e de tecnologias informáticas, cujo principal resultado é a produção de um mundo sem intermediários da cultura, baseada na produção livre e incessante do comum, sem quaisquer níveis de hierarquia que reproduza exclusivamente a dinâmica de comunicação um-todos.

No Brasil, essa nova classificação de jornalismo de resistência teve uma maciça divulgação com as transmissões online realizadas pelo coletivo Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação – a Mídia Ninja – e transmitidas durante as manifestações populares que ocorreram em junho de 2013, primeiramente contra o aumento nas tarifas de todo o transporte, e organizadas pelo Movimento Passe livre (MPL). Os atos começaram nas cidades de São Paulo e no Rio de Janeiro, mas aconteceram em muitas outras capitais e cidades de todas as regiões do país. Pimentel e Silva destacam:

Neste espaço híbrido entre redes e ruas, foram os agenciamentos em torno das redes sociais que ganharam papel de destaque. Todos os grandes atos nas ruas derivaram de “eventos” agendados a partir do Facebook. Foi a partir deles que os eventos se difundiram pelas redes e, na proporção direta em que aumentava a indignação social, as manifestações ganhavam adesão massiva, potencializando o efeito viral do engajamento social. (PIMENTEL e SILVEIRA, 2013, online).

Para Magaly Prado “[...] as manifestações do Ciberativismo culminaram em forte adesão das redes sociais, incitando a mídia torpedista. Assim, o espalhamento das 17


informações sobre os atos marcados nas ruas das principais cidades brasileiras no outono brasileiro” (PRADO, 2015, p. 77). É importante destacar que as manifestações populares e as coberturas transmitidas online pela Mídia Ninja ocorreram, em Porto Alegre, por exemplo, desde abril de 2013. Em agosto de 2013, Lilia Diniz, mostrando o quanto o coletivo foi relevante nesta fase, destaca que o grupo chegou a ter picos de 150 mil acessos, diariamente.

Na visita do papa Francisco ao Palácio Guanabara, no Rio de Janeiro, durante a Jornada Mundial da Juventude, manifestantes entraram em choque com as forças de segurança. Enquanto a grande mídia mantinha a programação normal, os repórteres ninja mostravam o confronto em tempo real (DINIZ, 2013, online).

Diniz define cada repórter-ninja como um agente “munido de um telefone celular, uma conexão 3G e a promessa de um olhar diferente da mídia convencional. [...] usando a própria mídia como arma.

A cobertura engajada é a principal marca do grupo, que participa ativamente dos fatos que mostra. Após o confronto com a polícia, os repórteres-ninja Felipe Peçanha e Felipe Assis foram detidos no Rio sob a acusação de incitar a violência. Sem apuração e checagem de informações, ou abrindo espaço para que o outro lado se manifeste, o Mídia Ninja começa a chamar a atenção da grande imprensa. E se distancia do circuito alternativo para se converter em protagonista (DINIZ, 2013, online).

Analisando os períodos da história do Brasil citados neste trabalho, pela primeira vez, veículos independentes, midialivristas, como a Mídia Ninja, outros coletivos e indivíduos – jornalistas ou não – conseguiram grande visibilidade e protagonismo e isso graças à redes sociais e as novas tecnologias portáteis. Entretanto, como nas outras fases da história citadas neste estudo, as manifestações de junho de 2013 sofreram repressão por parte do Governo. No site Interagentes, Pimentel e Silveira narram a quantidade de pessoas confirmadas e alguns relatos de violências praticados em atos convocados no mês de junho, pelo MPL São Paulo. No primeiro, marcado no dia 6, teve 20.500 pessoas confirmadas no evento do Facebook.

Nas ruas, houve confronto entre manifestantes e polícia militar. A Avenida 23 de Maio chegou a ser interditada pelo curso da manifestação. Já na Avenida Paulista, a tropa de choque foi acionada para dispersar os manifestantes. Neste dia, nossas buscas encontraram 10.500 mensagens públicas no Facebook. A maior autoridade da movimentação nas redes, neste dia, foi a página do jornal Estadão no Facebook, seguido de perto pela página do Passe Livre São Paulo (PIMENTEL e SILVEIRA, 2013, online).

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No dia 11 de junho, 13 mil pessoas confirmaram presença na página do evento no Facebook. “[...] este ato também foi marcado pela repressão policial. Cerca de duas centenas de pessoas foram presas, aproximadamente duas dezenas foram indiciadas. No dia seguinte, 12, nossas buscas retornaram cerca de 31.000 mensagens”, (PIMENTEL e SILVEIRA, 2013, online). Em 13 de junho, o ato, também narrado no site Interagentes, teve 28 mil pessoas confirmadas na página do evento no Facebook. Pimentel e Silveira narram que esta foi a manifestação com a maior repressão policial, por parte da tropa de choque. “Nas redes, circularam muitos relatos de prisões de manifestantes, de violência de abuso policial”.

[...] neste dia, a percepção dos usuários da rede social em relação às manifestações era majoritariamente positiva, representando 62% da amostra. Usuários com uma percepção negativa em relação à manifestação que ocorria naquele momento em São Paulo representava 16% do total. Outros 22% foram postagens classificadas como neutras [...] (PIMENTEL e SILVEIRA, 2013, online).

Durante estes e outras atos, em diferentes cidades, os repórteres-ninja estavam entre os manifestantes com objetivo de documentar a notícia, o que está acontecendo a partir do olhar e percepção de quem está participando. Enquanto isso, em artigo publicado no site Observatório da Imprensa, Elizabeth Lorenzotti frisa que:

Enquanto a Globo ficava do alto de edifícios, sitiada, a mídia independente sempre esteve no meio das ruas nesses dias de rebelião. ‘Estamos aqui, do alto deste edifício’, diziam os repórteres globais. Mas quem quer ficar vendo manifestação do alto de edifícios?, eu me perguntei. E fui às redes, onde encontrei www.postv.org por meio de chamadas no Facebook, onde o N.I.N.J.A. tem uma página. E vi, na noite/madrugada de terça-feira (18/6), a cobertura de Filipe Peçanha, 24 anos, comunicador da Casa Fora do Eixo já há alguns anos, documentando ao vivo, em São Paulo, durante horas e sem edição, os embates entre manifestantes e a tropa de choque da Polícia Militar, desde a Praça da Sé até a Avenida Paulista. “Antes de a polícia chegar, a manifestação era totalmente pacífica. Saímos por volta das 17 horas, demos a volta pelo Parque Dom Pedro, subimos de novo para a Sé, partimos para a Augusta. Em todo o trajeto que acompanhei, enquanto não houve polícia não houve tumulto. Daí voltamos porque soubemos dos incidentes na sede da Prefeitura. E voltamos para a Paulista, porque a tropa de choque foi para lá.

Além de protagonismo, o midialivrismo da Mídia Ninja e de outros grupos de jornalismo independente passou a pautar os veículos de grande circulação e os principais telejornais do país, por obterem imagens inéditas e reveladoras de embates e enfrentamentos com a polícia, a brutalidade e as táticas utilizadas. De acordo com Malini e Antoun, eram “policiais infiltrados jogando coquetéis Molotov, à paisana se fazendo passar por 19


manifestantes violentos, apagamento e adulteração de provas, criminalização e prisão de midialivrista, estratégias violentas de repressão, como bala de borracha, etc” (BENTES, 2013, P.15). Esta relevância, entre internautas, na sociedade e na grande mídia prova o surgimento, de fato, de uma nova maneira de se produzir conteúdo jornalístico. Diferente dos outros grupos independentes apresentados anteriormente neste estudo, a Mídia Livre é um exemplo de como, de maneira simples e acessível, qualquer cidadão é capaz de registrar e transmitir simultaneamente manifestações e atos populares, criando e fortalecendo o “póstelespectador”, conceito apresentado por LORENZOTTI (2013, online).

2. PROCEDIMENTO

2.1. Escolha do objeto de estudo

A criação e disseminação de grupos produtores de jornalismo independente sempre caminharam junto com a história da imprensa institucional/oficial – como no período colonial e da independência – assim como dos grupos e veículos de comunicação de massa. Em diferentes fases da história do Brasil e com diferentes características e modos de organização, conforme apresentado neste estudo, os coletivos sempre tiveram um objetivo em comum: levar à população informações, denúncias e reflexões que são de interesse público, mas que não têm espaço na grande mídia – por interesses financeiros ou midiáticos, como anunciantes e audiência – ou que confrontam os governos – por interesse de poder e/ou dominação sobre as camadas da sociedade, principalmente as mais pobres. Com a internet, esse acesso às informações e a divulgação das mesmas, de forma independente e livre, ficou ainda mais eficiente, fácil e rápido. Além disso, com as novas tecnologias e a sua popularização, todo e qualquer cidadão pode ser produtor de conteúdo jornalístico relevante. Isso por si só não garante a qualidade do produto ou notícia produzido, mas é um grande passo para democratização da informação. Na rede global de computadores, cada um tem a sua própria voz, sua própria autonomia, para construir e compartilhar seu discurso sem passar pela intermediação de órgãos, instituições e discursos comerciais ou oficiais.

Na história da militância política, a Internet dos grupos de discussão vai inaugurar a política de vazamento como modus operandi para fazer chegar aos diferentes

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usuários de todo o mundo as informações privilegiadas sobre a situação social de regimes políticos fechados, a crítica a poderes econômicos e militares num contexto de bipolaridade mundial, ou mesmo ser a base de sustentação da articulação política de movimentos feministas, ambientalistas e estudantis, amparados em torno de instituições não governamentais que usam as BBSs e a Usenet para organizar suas lutas ou para vazar notícias que sofrem barreiras das censuras políticas e econômicas locais (MALINI e ANTOUN, 2013, p. 20).

Em junho de 2013, com as grandes manifestações populares que ocorreram em capitais e cidade de todas as regiões do país – inspiradas por outros movimentos políticos/sociais em diferentes países, mas, aqui, motivadas pelo aumento das tarifas nos transportes públicos e mau serviço prestado pelas empresas de transporte em geral e outras pautas, como falta de investimento em educação, segurança e saúde – outra configuração de jornalismo independente ganhou espaço e importância, impulsionada, principalmente, pelas redes sociais: a mídia livre e o midiativismo. Isso aconteceu, principalmente, pelo trabalho e atuação da Mídia Ninja e outros coletivos com o mesmo objetivo e configuração: mostrar essas manifestações “de dentro” dos protestos, mais sob a ótica de um manifestante do que de um repórter.

2.2. Justificativa

Este é um fenômeno recente que impactou fortemente a maneira de se produzir e consumir informações e notícias de âmbito local e até nacional. Por isso, o midialivrismo, o midiativismo e o ciberespaço são os temas a serem explorados por este trabalho.

A Mídia Ninja cobriu colaborativamente as manifestações em todo o Brasil, “streamando” e produzindo uma experiência catártica de “estar na rua”, obtendo picos de 25 mil pessoas online. A Mídia Ninja fez emergir e deu visibilidade ao “pós-telespectador” de uma “pós-TV” nas redes, com manifestantes virtuais que participam ativamente dos protestos emissões discutindo, criticando, estimulando, observando e intervindo ativamente nas transmissões em tempo real e se tornando uma referência por potencializar a emergência de “ninjas” e midialivristas em todo o Brasil. (BENTES, Ivana, 2013).

Ainda em 2013, mesmo sendo um modo de cobertura jornalística em constante mudança e aprendizado, a Mídia Ninja influenciou muitos outros coletivos, de todo o Brasil, que passaram a produzir seu próprio discurso e reflexões sobre acontecimentos locais e pautas de alcance nacional. Com o tempo, os próprios Ninjas reviram seu modo de produção e cobertura para melhorar cada vez mais a qualidade do produto apresentado ao público, mesmo sendo, na maioria das vezes, coberturas transmitidas simultaneamente. 21


Além de apresentar uma nova forma de narrativa, os vídeos produzidos pelos colaboradores da Mídia Ninja também pautaram e questionaram as coberturas a Grande Mídia. Os principais telejornais e jornais impressos do país divulgaram imagens que mostraram e provavam a violência e brutalidade policial – em muitos atos que, inclusive, tinham presença de crianças, idosos e famílias inteiras, como o que ocorreu no dia 20 de junho de 2013. O midialivrismo – fortemente defendido e disseminado pela Mídia Ninja e muitos outros coletivos produtores de mídia livre – rapidamente se consolidou como alternativa ao modo de se fazer comunicação dos grandes conglomerados empresariais nacionais de mídia, que até então eram os únicos a controlar e influenciar diretamente na opinião pública. Esse novo modo de produção e compartilhamento de notícias também potencializou a comunicação de diferentes movimentos sociais, mesmo os que sempre estiveram atentos, dialogando e produzindo mídias populares e comunitárias.

2.3.Objetivo

Baseado nas características apresentadas anteriormente, o presente trabalho se destina a apresentar um veículo midialivrista que se diferencia das narrativas e pautas apresentadas pelos veículos de comunicação de massa: o Canal Plá. Ele estimula a interação com o espaço público, usando a cidade, e suas áreas de periferia, como suporte para manifestações e realizações artísticas e criativas, como intervenções que usam as diferentes possibilidades de inclusão digital a partir dos territórios, fortalecendo o direito à cidade e a apropriação cultural dos espaços públicos. Além disso, O Plá privilegia a diversidade de expressões culturais e de compreensões de mundo, a tolerância e a pluralidade, promovendo participação social, cooperação e compartilhamento de informação em diferentes mídias e por diferentes produtores de conteúdo. O Canal Plá tem o objetivo de mapear, registrar e divulgar ações com foco cultural e social que ocorrem na Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, priorizando as áreas periféricas – como o subúrbio, favelas e a Baixada Fluminense, por exemplo. O Canal aborda temas e regiões que são abordados na grande imprensa sem a profundidade e o enquadramento necessários, bem como temas e regiões historicamente rejeitados pelas narrativas e pautas das grandes empresas de comunicação.

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O Canal Plá acontece de forma colaborativa e contempla pautas e assuntos baseados no respeito aos direitos humanos, no conceito de igualdade, tolerância, justiça e diversidade social, cultural, religiosa, étnica e de comportamento. Diferente do modo tradicional de se fazer jornalismo, o Plá tem características e mecanismos próprios para aproximas às histórias do espectador, humanizando, sobretudo, seus personagens e os territórios onde atuam.

2.4. Público-alvo

O público-alvo do Canal Plá atinge a pessoas de ambos os sexos (são 56% mulheres e 43% homens na fanpage do projeto no Facebook. Em 19 de junho de 2016 eram 1.853 curtidas, ao todo) e de idade entre 18 e 35 anos. Apesar de abordar temas muito diversos, o foco maior de interação está entre os jovens e adolescentes, por conta da linguagem usada e ferramentas de divulgação – Youtube e Facebook. O termo “Plá” já identifica essa linguagem, por ser uma gíria que significa conversa e papo.

3. ETAPAS DO PROCESSO

3.1. Pesquisa

O Canal Plá é um projeto criado por mim e outros jornalistas e colaboradores. Por isso, a primeira etapa de pesquisa para o início deste Trabalho de Conclusão de Curso (o site do Canal) foi a análise e a avaliação do material já produzido pelo Canal Plá. Quando iniciei a elaboração deste TCC, fiz uma seleção para usar apenas os materiais produzidos exclusivamente por mim, ou com a ajuda de outros colaboradores, mas que eu tenha atuado em todas as etapas de produção (como gravação, decupagem, edição e divulgação nos vídeos e minidocumentários lançados, a partir de julho de 2015). Após, verifiquei os materiais (principalmente vídeos) produzidos – com os mesmos critérios citados no parágrafo anterior – e que ainda não haviam sido divulgados e lançados na internet. Materiais inéditos que já não seriam mais úteis para o coletivo Canal Plá. Além disso, pesquisas constantes nas redes sociais e portais de notícias foram fundamentais para a produção de textos, principalmente opinativos, de minha autoria que foram publicados por mim no site. Estes textos abordaram temas que estavam presentes e

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sendo discutidos fortemente nas redes sociais e, principalmente, na sociedade e críticas aos grandes veículos e empresas de comunicação.

3.2. Esqueleto do site 1 – Home 2 – Sobre 3 – Coberturas 

Vídeo

Texto e Fotos

Opinião

4 – Mapa 5 – Contato

Home

Página principal do site. Reúne todas as publicações (com o primeiro parágrafo de cada texto e foto ou vídeo que ilustre a publicação), um breve resumo sobre o projeto, uma quadro de divulgação da fanpage do Canal Plá no Facebook, lista dos “posts recentes” e lista de todas as tags usadas no site.

Sobre

Página com descrição longa sobre o Canal Plá (lista a história do projeto, seus objetivos, características e pautas), com

foto

ilustrativa

e

botão

de

direcionamento

“CONTATO DO PLÁ”. Coberturas

Nesta página, as publicações estão organizadas por formato (Vídeo, Texto e Fotos e Opinião). Nessas subcategorias

estão

organizados

vídeos

curtos

ou

minidocumentários produzidos somente por mim ou coletivamente, mas tendo eu participado de todas as etapas, matérias ou reportagens de minha autoria e editoriais ou textos de opinião, também de minha autoria ou de pessoas convidadas por mim para falar sobre temas específicos. 24


Mapa

Esta é a página mais interativa do site. Nela, foi hospedado um mapa, que reúne pontos nos locais onde foram feitos todos os registros (apenas os audiovisuais) feitos pelo Canal Plá, incluindo os que não fazem parte deste Trabalho de Conclusão de Curso*, por eu não ter participado ativamente de todas as etapas. No site, o internauta é direcionado diretamente para o link da cobertura audiovisual, hospedada no canal do projeto, no Youtube. *Obs.: O site www.canalpla.com reúne textos, vídeos e fotos feitas somente por mim ou colaborativamente, mas que eu tenha participado de todas as etapas do processo de produção.

Contato

Possui um formulário, com título “CONTATO DO PLÁ”, e texto “Para sugestões de pauta, dúvida e dicas em geral, preencha o formulário ou entre em contato através do email voutedarumpla@gmail.com”, para que o internauta envie mensagem, que é direcionada diretamente para o meu email. O formulário tem as opções “Nome”, “Email”, “Assunto” e “Mensagem”. A página também tem uma foto ilustrativa,

feita

durante

uma

exibição

de

minidocumentários do Canal Plá em um shopping, em Nova Iguaçu.

3.3. Produção Após o processo de pesquisa – levantamento do material já produzido e produção de novos materiais – desenhei e estruturei o esqueleto do site, me dediquei à construção do portal, sua identidade visual e organização de todo o material nele. Para isso, usei a ferramenta Wix, apresentada pela professora e minha orientadora Tatiana Couto. Esta é uma ferramenta simples, rápida e barata para esta finalidade, ainda mais por oferecer vários modelos de sites que permitem grandes possibilidades de alterações, em cores, layout e estrutura (páginas, etc). 25


Optei por pagar a hospedagem do site para ter o “.com” no endereço – facilitando a divulgação e acesso – e por ter interesse em prosseguir com o trabalho e alimentação constante deste site, mesmo após a finalização deste estudo. As cores escolhidas e predominantes no site são branco (para o fundo), preto e azul claro (no tom do azul usado na logo do Canal). O nome do projeto tem destaque no canto superior esquerdo do site, ao lado do cabeçalho, onde contém as opções “HOME”, “SOBRE”, “COBERTURAS”, “MAPA” e “CONTATO”. Com o site pronto e todo o material produzido hospedado nele, foi preciso abastecer o site constantemente, pelo menos duas vezes por semana. Esta foi uma das etapas mais prazerosas, por incentivar e depender da leitura constante em vários veículos, de diferentes narrativas e pautas.

3.4. Custo do projeto

Domínio do site

R$ 346,80

Designer (identidade visual/logo do projeto)

R$ 250,00

Custo com transporte

R$ 335,00

Custo total

R$ 931,80

3.5. Memória descritiva

A etapa final e mais trabalhosa deste Trabalho de Conclusão de Curso foi a elaboração desta memória descritiva. Resumir todo o processo de produção deste Trabalho de Conclusão de Curso e transportar as ideias para o papel deu trabalho, principalmente, pela falta de tempo disponível, por conta das grandes demandas e ritmo de trabalho intenso no emprego e os trabalhos e provas na faculdade, me dedicando a outras matérias. O desafio valeu a pena por ter tido a experiência de elaborar um trabalho acadêmico mais complexo dos que todos os outros produzidos durante este tempo na Faculdade Pinheiro Guimarães. Segue abaixo um resumo das ações realizadas mês a mês.

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Fevereiro

- Reunião de todo o material produzido pelo Canal Plá. - Seleção e avaliação do material inédito e já divulgado pelo Canal, produzido exclusivamente por mim ou que eu tenha participado de todas as etapas de produção do vídeo.

Março

- Pesquisa da melhor plataforma para hospedagem do site www.canalpla.com - Início de leitura e pesquisa de livros e artigos na internet referentes aos temas “Mídia Livre”, “Jornalismo Social” e “Jornalismo Independente”. - Seleção final do material que foi aproveitado no site – material já produzido pelo Canal Plá – e produção de novos conteúdos, como textos opinativos e matérias sobre palestras ministradas, inclusive na Faculdade Pinheiro Guimarães, referentes aos temas abordados pelo Canal Plá, como feminismo, direitos da população LGBT, movimento negro e outros.

Abril

- Leitura de livros e artigos na internet referentes aos temas “Mídia Livre”, “Jornalismo Social” e “Jornalismo Independente”. - Estudo, testes e pesquisa sobre a ferramenta Wix, para produção do site. - Estudo de identidade visual para o site e criação do esqueleto do portal. - Produção e atualização do mapa multimídia hospedado no site, que reúne e mapeia os locais onde o Canal Plá realizou registros.

Maio

- Finalização da identidade visual e do site www.canalpla.com - Leitura de livros e artigos na internet referentes aos temas “Mídia Livre”, “Jornalismo Social” e “Jornalismo Independente”. - Estudo das regras da ABNT e início de produção da memória descritiva, parte teórica.

Junho

- Atualização semanal do site www.canalpla.com com textos opinativos, matérias jornalísticas e vídeos curtos sobre os temas referentes ao Canal Plá. - Finalização da estrutura do site. - Leitura de livros e artigos na internet referentes aos temas “Mídia 27


Livre”, “Jornalismo Social” e “Jornalismo Independente”. - Escrita da Memória Descritiva, parte teórica, de acordo com as normas da ABNT. Julho

- Finalização do site www.canalpla.com - Finalização e entrega do material teórico da Memória Descritiva para a orientadora Tatiana Cioni Couto. - Realização das alterações solicitadas pela orientadora. - Leitura de livros e artigos na internet referentes aos temas “Mídia Livre”, “Jornalismo Social” e “Jornalismo Independente”. - Entrevista com o coordenador do Canal Plá, José Alsanne. - Atualização do mapa interativo hospedado no site.

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4. CONCLUSÃO

De acordo com os fatos apresentados neste presente estudo, podemos concluir que os produtores, coletivos ou indivíduos, de jornalismo independente – também conhecido como jornalismo de resistência, jornalismo cidadão ou mídia livre, mais recentemente – são de extrema importância para a sociedade, em todas as épocas e fases da história do país. Apesar da repressão, que também marca a atuação desses grupos, os veículos livres, além de apresentar uma nova narrativa e novas pautas/histórias que são veiculadas pela grande mídia, também noticiam e divulgam fatos que, muitas vezes, não chegariam ao conhecimento dos cidadãos, além de apresentar reflexões políticas, com o objetivo de despertar o senso crítico e o interesse político dos leitores, ou espectadores. Como podemos analisar neste estudo, as novas mídias independentes ganharam relevância e destaque, por conta da internet e dos dispositivos móveis. Com isso, transformaram o modo de se fazer jornalismo para sempre, dentro e fora das grandes redações. Sobre o futuro do jornalismo, me arrisco prever que ele será uma união do que o repórter/jornalista escreve e/ou produz, com o que diz de volta a sua própria audiência, que agora pode se manifestar simultaneamente. Esta nova forma de produção jornalística se constituirá por uma vontade da população em se manifestar e participar ativamente da vida política do Brasil. Este novo método de se fazer jornalismo, que une os jornalistas, os cidadãos e os produtores não institucionais de notícias, contribui para apresentar o fato de forma mais orgânica e natural, cada vez mais sem a narração do repórter. Esse é o objetivo principal do Canal Plá, contar uma história/fato a partir dos produtores e pessoas que organizam e presenciam o acontecimento. Entretanto, os novos processos jornalísticos não anulam a mídia tradicional, mas sim, o complementam. É exatamente isto que esta pesquisa se esforçou para mostrar: o quanto essas novas coberturas simultâneas e online – que também unem elementos do jornalismo convencional, como o uso de celulares, por exemplo, como no caso do radiojornalismo. A reunião das diferentes características, do jornalismo tradicional e do midialivrismo, podem resultar em um modo e uma narrativa jornalística mais próxima dos cidadãos, familiarizados e atuantes no ciberespaço, ou não. Este trabalho também mostrou que os grupos produtores do chamado jornalismo independente, ou mídia livre, sempre estiveram presentes e ativos na história do Brasil, de 29


diferentes formas e com diferentes destaques, mas sempre com tentativas de repressĂŁo, tambĂŠm em diferentes nĂ­veis.

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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AQUINO, Ma. Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968-1978). Bauru: EDUSC, 1999. ARAÚJO, Maria Celina D’. AI-5: O mais duro golpe do regime militar, em FGV CPDOC. Disponível em < http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/AI5>. Acesso em 14 de junho de 2016. CASTELLS, Manuel. O Poder da Comunicação. 1º, ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015. FERNANDES, Newton. O futuro do jornalismo e o milanesa do Atala; em Brasil Post. Disponível em < http://www.brasilpost.com.br/newton-fernandes/o-futuro-do-jornalismo-e-omilanesa-do-atala_b_5145774.html>. Acesso em 26 de junho de 2016. JAGUAR, AUGUSTO, SÉRGIO. O melhor do Pasquim: antologia, vol 01 (1969-1971). Rio de Janeiro: Desiderata, 2006. KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo: Scritta, 1991. MAGALHÃES, Eleonora; ALBUQUERQUE, Afonso. Jornalistas sem Jornal: a “blogosfera progressista” no Brasil. Pará, 2014. MALINI, Fábio; ANTOUN, Henrique. A internet e a Rua: Ciberativismo e mobilização nas redes sociais. Porto Alegre: Sulina, 2013. NOGUEIRA, Natania Aparecida da Silva. O Pasquim e o papel do humor na resistência contra a Ditadura Militar. Trabalho apresentado à disciplina Resistência Política e Cultura na Ditadura Militar Brasileira. Niterói, 2013. PIMENTEL, Thiago; SILVEIRA, Sérgio Amadeu. Cartografia de espaços híbridos: as manifestações de junho de 2013. Em 10 de julho de 2013. Site Interagentes. Em http://portal.interagentes.cc/?p=62. Acesso em 27 de junho de 2016. PRADO, Magaly. Ciberativismo e Noticiário: da mídia torpedista às redes sociais. 1º, ed. Rio de Janeiro: Alta Books, 2015. SOARES, Glaucio Ary Dillon. A Censura Durante o Regime Autoritário. Águas de São Pedro, SP: XII Encontro Anual da Anpocs, 1989. SODRÉ, Nelson. História de Imprensa no Brasil. 4º. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. SOUSA,

Rainer

Gonçalves.

AI-5;

em

Brasil

Escola.

Disponível

em

<

http://brasilescola.uol.com.br/historiab/ai5.htm>. Acesso 3m 14 de junho de 2016. 31


6. ANEXOS - Página “HOME” (principal) do site:

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- Pagina “SOBRE” do site:

- Página “MAPA” do site, que apresenta o mapa interativo. Ele marca pontos em territórios onde o Canal Plá já realizou coberturas:

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- Página “CONTATO “ do site:

34


- Pรกgina com texto opinativo:

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