Resenha 01 10 à 03 10 2016

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EDITORIAL: Não é só aqui O Facebook gosta de posar de indignado quando algum juiz lhe aplica sanções por descumprir a lei brasileira Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 01 Outubro 2016 às 05h00 O Facebook gosta de posar de indignado quando algum juiz lhe aplica sanções por descumprir a lei brasileira. Com indisfarçável ar de superioridade, a empresa critica o atraso das instituições nacionais, incapazes de entender o funcionamento de suas modernas operações, que mereceriam – assim pretendem os administradores da rede social – irrestrita imunidade. Esse discurso, que nunca foi muito crível – na verdade, é simples esperneio reclamando tratamento privilegiado, está agora ainda mais fragilizado. Não é apenas o Terceiro Mundo que vem questionando as práticas do Facebook. Recentemente, a Alemanha descobriu que a empresa anda descumprindo a legislação nacional. De acordo com o Comissariado de Proteção de Dados e Liberdade de Informação de Hamburgo, ao não obter aprovação efetiva dos 35 milhões de usuários do WhatsApp na Alemanha, para o compartilhamento de dados entre as duas empresas, o Facebook infringiu a lei nacional de proteção de dados. Descoberta a irregularidade, o órgão regulador alemão ordenou que o Facebook pare de coletar e armazenar dados dos usuários alemães do aplicativo WhatsApp e emitiu uma ordem para a rede social apagar todos os dados recebidos do aplicativo de mensagens. “Depois da compra do WhatsApp pelo Facebook há dois anos, ambos os lados publicamente asseguraram que os dados dos usuários não seriam compartilhados entre eles”, disse o comissário alemão Johannes Caspar. “O fato de que isto (o compartilhamento de informações) esteja acontecendo agora não é apenas um sinal de que eles enganaram usuários e público, como também constitui infração à lei de proteção de dados nacional”, completou. O Facebook não admite qualquer irregularidade em seu comportamento e afirma cumprir plenamente a legislação europeia sobre a privacidade de dados. O órgão alemão entende, no entanto, que Facebook e WhatsApp são companhias independentes e devem processar os dados dos usuários com base em seus próprios termos e condições e políticas de privacidade. Para o Comissariado de Proteção de Dados e Liberdade de Informação de Hamburgo, a compra em 2014 do WhatsApp pelo Facebook não altera a relação dos usuários com cada uma das empresas, e o compartilhamento de informações entre elas configura violação da privacidade. O episódio não foi a primeira dificuldade do Facebook com a Alemanha. Em julho passado, por exemplo, autoridades germânicas acusaram a empresa de ser relutante na cooperação com investigações criminais. Referiam-se a pedidos de informação não atendidos pela rede social, relativos à investigação dos ataques violentos registrados em Munique, Wuerzburgo e Ansbach naquele mês. Na ocasião, o Facebook negou dificultar a ação da polícia, alegando que muitos dos pedidos recebidos estavam incorretamente formulados e, por isso, não foram atendidos. Mais uma vez ficava evidente que, para a empresa, seus procedimentos internos deviam prevalecer sobre a lei. E não é apenas a Alemanha que questiona as práticas do Facebook. União Europeia e Estados Unidos informaram recentemente que estão avaliando as mudanças na política de privacidade feitas, em agosto, pelo aplicativo WhatsApp. É necessário que a legislação de cada país acompanhe as mudanças tecnológicas e esteja atualizada de modo a não impor aos cidadãos restrições que são meros anacronismos. Tal 1


atualização legislativa, no entanto, não deve ser mera ratificação de tudo o que as empresas fazem. Seja qual for a tecnologia empregada, ela precisa respeitar direitos e normas gerais. Só faltava que o avanço tecnológico levasse ao retrocesso de submeter a população aos interesses comerciais de determinadas empresas. O fato de que sejam grandes e estejam presentes no mundo inteiro não lhes confere imunidade nem modifica sua identidade. Continuam sendo empresas, com evidente finalidade lucrativa. Não são – nunca foram – entidades beneficentes ou instituições políticas.

O FMI e a agenda brasileira Com uma pitada de otimismo e uma lista de severas advertências, o FMI acaba de publicar um novo e muito bem informado relatório de avaliação da economia brasileira e de suas perspectivas Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 01 Outubro 2016 às 05h00 Com uma pitada de otimismo e uma lista de severas advertências, o Fundo Monetário Internacional (FMI) acaba de publicar um novo e muito bem informado relatório de avaliação da economia brasileira e de suas perspectivas. O otimismo é baseado nos primeiros sinais de estabilização da atividade, nas promessas de ajuste e de reforma apresentadas pelo governo e, naturalmente, na reação favorável dos mercados ao novo cenário. A economia poderá crescer em torno de 0,5% no próximo ano, depois de uma retração de 3,3% em 2016. Mas a modesta reação projetada para 2017 poderá ser prejudicada, se o avanço nos programas de ajuste e de reformas for muito lento ou, pior, se as mudanças ficarem travadas no Congresso. Nesse caso, a confiança reavivada nos últimos tempos logo se esvairá, a incerteza voltará a dominar os mercados e o País afundará de novo na recessão. Essa primeira e mais importante advertência é meramente sensata. Sem um claro progresso na aprovação e na implementação das novas políticas, a insegurança impedirá a reativação dos negócios. Mesmo numa hipótese mais otimista, o retorno ao crescimento será provavelmente vagaroso. Dois fatores são destacados. O desemprego ainda alto dificultará a expansão do consumo. Além disso, o endividamento excessivo das empresas limitará sua capacidade de ação. O peso da dívida é um problema grave até para as maiores companhias brasileiras. Muitas têm sido incapazes de ganhar o suficiente para cobrir os juros, como indicou pesquisa divulgada há poucos dias em reportagem do Estado. Sem os detalhes desse recente levantamento, economistas do Fundo já haviam chamado a atenção para as possíveis dificuldades de empresas muito endividadas. Não se pode acusá-los de mal informados a respeito dos problemas e das possibilidades da economia brasileira. Ao contrário: vale a pena levar em conta a lista de recomendações e advertências contidas no relatório divulgado na quinta-feira passada. De modo geral, a agenda proposta coincide com aquela já indicada pelo governo do presidente Michel Temer. Os técnicos do FMI aplaudem os compromissos de arrumação das contas públicas, devastadas, como se recorda no documento, pela política irresponsável do governo anterior. Apontam como essencial a reforma da Previdência, enfatizando a importância de mudanças na idade mínima de aposentadoria, na acumulação de benefícios e nos critérios de reajuste. É preciso, segundo o relatório, rever o vínculo entre a política de aumento do salário mínimo e os ajustes dos benefícios previdenciários, um tema já discutido muitas vezes no Brasil, mas politicamente muito complicado. 2


Em alguns pontos a agenda esboçada pelos técnicos e dirigentes do FMI vai além das ideias defendidas em Brasília. Eles defendem, por exemplo, a extensão aos Estados de uma reforma semelhante à do teto do gasto da União, formulada na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 241. Há mais audácia, também, nos comentários sobre a política de ajuste das contas de governo e de contenção do endividamento público. Segundo a avaliação do FMI, valeria a pena apressar a arrumação fiscal e buscar mais prontamente a geração de superávits primários. Isso permitiria controlar a dívida num prazo mais curto e ampliar as condições favoráveis ao crescimento. O ponto polêmico está nos detalhes. Depois de uma fase inicial de ajuste por meio da contenção do gasto, o trabalho ficaria mais eficiente se houvesse medidas também do lado da receita. Uma ressalva é acrescentada: será melhor aplicar essa combinação quando o crescimento estiver firme. O resto completa um quadro de propostas de bom senso: abrir a economia, eliminar os gargalos de infraestrutura, reformar os impostos e o sistema trabalhista são alguns dos pontos indicados. O documento resume em poucas páginas, com muita clareza, passos indispensáveis a uma política de reabilitação econômica do País. É uma excelente base para uma discussão sensata.

A politização da Justiça Sempre que ministros do STF se comportam mais como ativistas do que como magistrados, perdem aquele tribunal e, por extensão, a democracia Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 01 Outubro 2016 às 05h00 Sempre que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se comportam mais como ativistas do que como magistrados, perdem aquele tribunal e, por extensão, a democracia. Descuidados do necessário distanciamento das paixões políticas, alguns daqueles juízes, aos quais cabe a palavra final sobre temas decisivos para o País, vêm revelando há tempos um pendor pela opinião fora de hora e lugar, o que pode até lhes conferir certa popularidade entre militantes partidários, mas em nada contribui para a estabilidade institucional e o respeito à Constituição. Quando um ministro como Ricardo Lewandowski diz o que disse publicamente sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff – decisão tomada num processo inteiramente sacramentado pelo Supremo e que foi finalizado sob a presidência dele próprio –, deve-se perguntar se esse ativismo não estaria pondo em risco a credibilidade da mais alta corte do País. Em uma aula na Faculdade de Direito da USP, Lewandowski disse que o impeachment de Dilma foi um “tropeço na nossa democracia”, desses que, segundo ele, “se repetem a cada 25, 30 anos”. Ora, de que “tropeço” fala o ministro e professor? De um processo que respeitou a Constituição, tanto no afastamento de Dilma como no impeachment de Fernando Collor? Ou estaria ele sugerindo que “tropeço” é, na verdade, o outro nome do tal “golpe” de que os petistas tanto falam? Seja lá qual tenha sido a intenção de Lewandowski, sua atitude é dificilmente compreensível, especialmente considerando-se sua participação no julgamento de Dilma – participação, aliás, que lhe permitiu torcer a gramática constitucional para poupar Dilma da perda de seus direitos políticos. Isso, sim, foi um verdadeiro “tropeço”, como bem disse o ministro Gilmar Mendes, ao reagir à fala do colega.

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Mas a aula de Lewandowski não parou aí. O ministro deu-se o direito de criticar duramente a medida provisória baixada pelo presidente Michel Temer para modificar o ensino médio. Segundo ele, a proposta deveria ter sido submetida a consulta popular, e não estabelecida por medida provisória elaborada, segundo ele, por “alguns iluminados que se fecharam dentro de um gabinete”. Trata-se de óbvio posicionamento político, ainda mais grave considerando-se o fato de que o Supremo – Lewandowski incluído – terá de se manifestar a respeito do assunto, depois que o ministro Luiz Edson Fachin resolveu levar a plenário uma ação do PSOL que considera a medida provisória inconstitucional. A decisão de Fachin, aliás, dá bem a medida do quão judicializada está a política brasileira: ao acolher a ação, o ministro deu a entender que o Executivo não é soberano para propor medidas como essa e, além disso, fez o Supremo se antecipar ao Congresso, ao qual cabe analisar se a medida provisória é adequada e fazer as modificações que julgar cabíveis. Ou seja, Fachin deveria ter recusado a ação, porque é o Congresso, e não o Supremo, que deve aprovar ou não a medida encaminhada pelo governo. Mas não é de hoje que muitos ministros do Supremo Tribunal Federal consideram que aquele tribunal é uma espécie de “poder moderador” da República, um mediador de conflitos que deveriam ser resolvidos por aqueles que detêm mandato eletivo para isso. Não surpreende que, simultaneamente ao fenômeno da “judicialização da política”, esteja ocorrendo o fenômeno da “politização da Justiça”. Vários ministros do Supremo não perdem a oportunidade de externar seus pontos de vista diante de microfones e holofotes, como se os julgamentos dos quais eles são chamados a participar ocorressem tanto dentro como fora do plenário do STF. Ao se manifestarem de maneira indiscreta, esses ministros, que representam o Supremo aos olhos da opinião pública, comportam-se na verdade como políticos, interessados em arregimentar apoio e constranger os colegas de tribunal a votar desta ou daquela maneira. Está claro que este é um caminho perigoso, razão pela qual se espera dos guardiães da Constituição que guardem para si suas opiniões políticas.

O País atolado em déficit Se o governo for competente, os parlamentares cuidarem do interesse público e os deuses forem complacentes, lá por 2020 ou 2021 a dívida pública estará controlada Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 02 Outubro 2016 às 03h07 Se o governo for competente, os parlamentares cuidarem do interesse público e os deuses forem complacentes, lá por 2020 ou 2021 a dívida pública estará controlada e talvez declinando como porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB). Essa meta continua distante, como indicam as últimas contas de todos os níveis de governo – federal, estadual, municipal e de parte das estatais – publicadas na sexta-feira passada pelo Banco Central (BC). A paradeira econômica e o desemprego explicam parte do estrago nas finanças oficiais. A receita de impostos e contribuições continua caindo bem mais que a despesa, porque o gasto governamental é muito rígido. Mas a causa maior do desarranjo financeiro é mesmo a coleção de erros e desmandos políticos. As piores decisões foram tomadas ou sacramentadas no Palácio do Planalto, pelo menos desde o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O governo promete fechar o ano com um déficit primário – sem a conta de juros, portanto – igual ou inferior a R$ 170,5 bilhões. Para definir essa meta foi preciso reconhecer e explicitar graves problemas deixados pela administração petista. De janeiro a agosto, o resultado primário de todo o setor público foi um buraco de R$ 58,86 bilhões. Isso foi possível porque os 4


governos estaduais e municipais conseguiram juntos um superávit de R$ 10,31 bilhões, enquanto o governo central acumulou um rombo de R$ 67,98 bilhões. Esta é a soma dos saldos do Tesouro, da Previdência e do BC. O maior desafio continua nas contas da Previdência, com déficit de R$ 87,56 bilhões de janeiro a agosto. O buraco foi parcialmente compensado pelo superávit de R$ 20,06 bilhões alcançado pelo Tesouro em oito meses. Mas essa compensação tem ficado cada vez mais difícil. Em agosto, o Tesouro também foi deficitário, com um saldo em vermelho de R$ 6,78 bilhões. Nada sobrou, portanto, para tornar menos feio o conjunto das contas federais, fechadas com um resultado negativo de R$ 21,14 bilhões em agosto. Para o balanço fiscal publicado pelo BC leva-se em conta a necessidade de financiamento do setor público. Assim se calculam os números positivos ou negativos dos níveis de governo. Um dia antes desse balanço consolidado sai, normalmente, o relatório mensal do Tesouro com o desempenho do governo central. Esse relatório cuida só das contas primárias e mostra a diferença entre a arrecadação e as despesas de custeio, de investimento e de cobertura de benefícios previdenciários, sem os componentes financeiros. Os efeitos da atividade econômica e da rigidez da despesa são mais visíveis nesse relatório. Pelos cálculos do Tesouro, o governo central teve um déficit de R$ 20,34 bilhões em agosto. A soma dos saldos do Tesouro e do BC foi um resultado negativo de R$ 5,03 bilhões. O balanço mensal da Previdência foi deficitário em R$ 15,31 bilhões. De janeiro a agosto, a receita líquida total, R$ 706,83 bilhões, foi 6,3% menor que a de um ano antes, já descontada a inflação. Na mesma comparação, a despesa total ainda foi 1,1% maior. Um conserto efetivo das contas públicas será possível somente com mudanças estruturais. Sem a reforma da Previdência as finanças do governo se tornarão inadministráveis dentro de alguns anos. Também será preciso tornar mais flexíveis outras despesas, com a eliminação, por exemplo, de vinculações de verbas e de todas as formas de indexação. A proposta de um teto para o aumento do gasto é apenas um modesto começo, mas indispensável. Para uma visão mais ampla e realista dos problemas atuais é preciso levar em conta o custo dos juros. Por esse critério, o déficit global do setor público, também chamado de nominal, atingiu R$ 587,04 bilhões em 12 meses, 9,64% do PIB. A média europeia está abaixo de 3%. Aperto de cinto e juros menores ajudarão a reduzir o buraco e a conter o endividamento. Isso dependerá também do combate à inflação. O desastre aumentará se o problema for ignorado ou se o governo apostar em soluções voluntaristas.

Hora de rever planos de saúde Entre as várias razões que explicam o elevado custo dos planos no Brasil, um especialista na questão aponta três que merecem especial atenção Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 02 Outubro 2016 às 03h03 A grave crise por que passa o País deixou mais evidentes os problemas enfrentados tanto pelos clientes como pelas empresas operadoras de planos de saúde, que não são de hoje e demonstram que o setor de saúde privada precisa ser repensado, e com urgência. Essa é uma questão que interessa a muita gente e por isso exige pronta resposta de todos os que nela têm uma parcela de responsabilidade. Cerca de um quarto da população é hoje atendido pelos planos, que a eles aderiu para fugir das notórias deficiências do Sistema Único de Saúde (SUS). Em pouco mais de um ano, os planos perderam 1,78 milhão de clientes, passando de 50,13 milhões em maio de 2015 para 48,35 milhões em junho deste ano, com um impacto facilmente imaginável na economia das operadoras. Isso é reflexo do desemprego, que já 5


atingiu a marca de 12 milhões, pois aquela redução do número de clientes refere-se principalmente aos que foram demitidos por empresas que ofereciam planos de saúde coletivos a seus empregados. A grande maioria dessas pessoas não pode evidentemente passar a pagar planos individuais, muito mais caros. Só com a reativação da economia, que não produz efeitos da noite para o dia, ela poderá voltar à situação anterior. Enquanto isso, será obrigada a recorrer ao precário e sobrecarregado SUS, em cuja ampliação e melhora sucessivos governos, com destaque para os do PT, não investiram o que deveriam. Preferiram apostar na ampliação da saúde privada como se com isso pudessem atingir dois objetivos: demonstrar que a “nova classe média” podia ter acesso aos sonhados planos e, ao mesmo tempo, aliviar os gastos com o SUS. Erraram nos dois casos: o caminho para os planos é mais acidentado do que lhes parecia e o SUS foi sucateado. Não são apenas os acidentes da economia – no caso da crise atual, um desastre monumental – que não recomendam considerar a saúde privada capaz de absorver os vários segmentos da classe média. Os custos dos planos, já antes da crise, mostravam que a sua tendência é se tornarem mais restritos às camadas de melhor renda. Reportagem do jornal Valor mostra, com base em pesquisa da empresa de consultoria Willis Towers Watson, que no Brasil o reajuste médio dos planos corporativos, oferecidos por empresas a seus empregados, que representam 65% do mercado de saúde privada, é o dobro da média mundial. E isso vem ocorrendo ao menos desde 2014, quando aquele reajuste foi de 14,1% no Brasil para 7,5% no mundo e 4,9% nos Estados Unidos, país onde a saúde privada tem papel importante. Em 2015, aqueles números foram 15,7% para o Brasil, 8% para o mundo e 4,1% para os Estados Unidos. Para este ano as estimativas são, respectivamente, de 18%, 9,1% e 5%. Entre as várias razões que explicam o elevado custo dos planos no Brasil, um especialista na questão daquela consultoria, César Lopes, aponta três que merecem especial atenção. Uma é o fato de aqui as empregadoras assumirem praticamente toda a responsabilidade pelos planos. Isso leva seus empregados a não desenvolverem uma cultura de uso responsável do benefício, consultando médicos com grande frequência: “É muito comum a pessoa repetir consultas e exames”. Outra é que, ao contrário dos Estados Unidos, aqui os planos não têm franquia. Quando ela existe, o cliente paga pelos procedimentos até uma determinada quantia e, por isso, ele os limita ao que é realmente indispensável. A ANS já estuda a adoção de algo semelhante aqui. Finalmente, a inclusão constante e obrigatória nos planos de novos procedimentos, resultantes de modernas e caras tecnologias, eleva seus custos e força reajustes elevados. Nesse caso específico, são inteiramente procedentes os argumentos das operadoras para explicar os altos preços dos planos. Já está mais do que na hora de os planos de saúde serem reavaliados, à luz de questões como essas, para garantir seu equilíbrio e o bom atendimento que deve a quase 50 milhões de brasileiros.

A Justiça e a crise dos Estados À medida que vai se agravando, a crise financeira dos governos estaduais amplia os conflitos entre os Poderes Executivo e o Judiciário Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 03 Outubro 2016 às 03h05 À medida que vai se agravando, a crise financeira dos governos estaduais amplia os conflitos entre os Poderes Executivo e o Judiciário. Por falta de recursos, vários governadores não 6


apenas estão atrasando pagamentos do funcionalismo público, mas, também, deixando de repassar os valores relativos ao crédito consignado de servidores aposentados e pensionistas às instituições financeiras, que os incluem nas listas de inadimplentes do Serviço de Proteção ao Crédito. Em resposta, juízes de Varas de Fazenda Pública têm acolhido recursos judiciais impetrados por sindicatos e associações de servidores, determinando o bloqueio de todas as contas da administração direta. A situação mais insólita ocorre há quase um ano no Estado do Rio de Janeiro, onde os juízes, esquecendo-se de que a recessão econômica reduziu drasticamente a receita do ICMS e a arrecadação de royalties do petróleo, têm mandado abrir os cofres públicos e recolher todo o dinheiro que está neles guardado. Segundo eles, permitir que o Executivo fique com dinheiro em caixa ou estabeleça datas diferentes das previstas pela Constituição para o repasse das verbas orçamentárias a que o Legislativo, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o próprio Judiciário têm direito, representa uma “afronta” à autonomia dos Poderes. No começo do ano, o TJRJ chegou a afirmar, em nota, que “a discussão sobre repasse de verbas é uma luta pela independência dos Poderes e uma insurgência contra a retenção indevida pelo Executivo de verbas que não lhe pertencem”. O problema é que uma parte significativa dos recursos que têm sido arrestados por determinação judicial resulta de repasses de fundos federais e de bancos públicos – como o BNDES e a Caixa Econômica – destinados a serviços essenciais nas áreas de saúde, educação, segurança pública, energia elétrica e gestão ambiental, sob responsabilidade dos Estados e municípios. Em outras palavras, o dinheiro arrestado teria de ser obrigatoriamente aplicado em programas específicos, como determina a Constituição, não podendo assim ser utilizado para pagamento de pessoal. A irracionalidade das decisões judiciais chegou a tal ponto que, nos últimos meses, alguns juízes de Varas de Fazenda Pública determinaram o confisco até mesmo de recursos provenientes de empréstimos obtidos junto a agências internacionais de fomento e a organismos multilaterais para o financiamento de programas sociais no Estado do Rio de Janeiro e de obras de despoluição da Baía de Guanabara – um compromisso assumido pelo Executivo estadual para a Olimpíada. Essas decisões acenderam a luz vermelha do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Mundial. Suas respectivas diretorias queixaram-se de desrespeito aos contratos assinados, alegando que isso não aconteceu nem mesmo em países em guerra, como a Líbia. Temendo que esse quadro de insegurança jurídica leve os organismos multilaterais a interromper os repasses de recursos já contratados e a suspender as negociações para novos financiamentos, o governo estadual bateu na porta dos tribunais, afirmando que os sucessivos confiscos determinados por juízes de primeira instância estão causando “grave risco à economia pública do Rio de Janeiro”. Como vários desembargadores do TJRJ têm apoiado as liminares concedidas por juízes de primeira instância autorizando os arrestos pedidos por entidades e sindicatos de servidores, inclusive do Judiciário fluminense, o caso foi parar no Supremo Tribunal Federal, tendo a ministra Rosa Weber como relatora. Até o momento, ela não se manifestou. Quando o fizer, é de esperar que reafirme que a crise financeira dos Estados em hipótese nenhuma justifica decisões judiciais contrárias às determinações constitucionais, em matéria de prioridades de gastos públicos, e aos contratos negociados com organismos multilaterais.

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A extensão do desemprego A existência, no fim de agosto, de 12 milhões de trabalhadores sem emprego no País, número 37% maior do que o de um ano antes, dá a dimensão da tragédia que a crise econômica está impondo às famílias brasileiras Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 03 Outubro 2016 às 03h05 A existência, no fim de agosto, de 12 milhões de trabalhadores sem emprego no País, número 37% maior do que o de um ano antes, dá a dimensão da tragédia que a crise econômica está impondo às famílias brasileiras. Iniciada na segunda metade de 2014 – ano em que Dilma Rousseff conquistou seu segundo mandato – a crise não tem se limitado, porém, a gerar números que mostram a assustadora velocidade da deterioração do mercado de trabalho e, consequentemente, da renda da população. Ela afeta também a qualidade do emprego preservado. As pesquisas continuam a registrar recordes negativos do mercado de trabalho. Em um ano, 3,22 milhões de pessoas se juntaram aos que estão à procura de uma vaga, como constatou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com base em dados colhidos em mais de 3 mil municípios. Nesse período, a população ocupada encolheu 2,2%, com o fechamento de 1,991 milhão de postos de trabalho. A taxa de desemprego aferida no final do trimestre encerrado em agosto, de 11,8% (era de 8,7% um ano antes), só não foi maior porque, como constatou o IBGE, a população inativa, isto é, a que deixou de procurar emprego, cresceu 1,3%. Isso significa que, no período, 809 mil pessoas saíram da força de trabalho porque deixaram de buscar alguma ocupação remunerada. Muito provavelmente, essas pessoas, em sua maioria, fizeram isso porque não acreditavam que poderiam conseguir uma vaga. Essa hipótese foi apontada pelo coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, que viu nesse fenômeno a possibilidade do aumento do desalento do brasileiro. É o impacto negativo da extensão e da profundidade da crise no ânimo do trabalhador. A Pnad Contínua constatou que a maior parte dos postos de trabalho fechados é de empregos com carteira assinada. Isso mostra outro aspecto da deterioração do mercado de trabalho. O total de trabalhadores formais – com contrato assinado e protegidos pela legislação que lhes assegura diversos benefícios – diminuiu 3,8% em um ano. Já o número de trabalhadores sem carteira assinada admitidos pelas empresas privadas cresceu. Outro dado que mostra a deterioração do mercado é o fechamento de 1,42 milhão de postos de trabalho na indústria. Isso significa a redução de 11% do total de empregados da indústria em um ano. Dado o nível de qualificação e de habilidades exigido para o preenchimento das vagas na indústria, esses empregados são, em geral, os mais bem preparados do mercado e, por isso, têm remuneração superior à dos trabalhadores de outros setores. O fechamento em maior número de postos de trabalho na indústria, por isso, tende a reduzir a remuneração média dos que continuam empregados. Além disso, a crise vem impondo aos empregadores severa contenção de custos, o que implica a compressão dos gastos com pessoal. Dessa combinação o resultado só poderia ser, como constatou a Pnad Contínua, a redução da renda média real do trabalhador. No trimestre encerrado em agosto, a renda foi de R$ 2.011, resultado 1,7% menor do que o de um ano antes. Com a redução também do número de empregados, a massa de renda real habitual paga aos ocupados somou R$ 177 bilhões no período da pesquisa do IBGE, valor 3% menor do que o do mesmo período de 2015. 8


Menor renda média e massa salarial em queda significam menos gastos e menos consumo. “É um ciclo vicioso”, observou o pesquisador do IBGE responsável pelos estudos sobre trabalho e renda. “Menos rendimento, menos pessoas ocupadas, menos consumo”. Vendendo menos, o comércio demite e faz menos encomendas à indústria, que igualmente se vê forçada a demitir. O rompimento desse círculo pernicioso exige indicações concretas do governo de que está fazendo o necessário para propiciar a retomada dos investimentos. O necessário – e urgente – no momento é criar as condições para o equilíbrio de suas contas.

Muito mais que um teto Muito mais que um gastador irresponsável, o Estado brasileiro tem sido um entrave à modernização, ao crescimento da produção e à multiplicação de empregos produtivos Fonte Jornal O Estado de S. Paulo, 03 Outubro 2016 às 03h03 Muito mais que um gastador irresponsável, o Estado brasileiro tem sido um entrave à modernização, ao crescimento da produção e à multiplicação de empregos produtivos. Por isso, a criação de um teto para o aumento do gasto público pode ser muito mais que um passo inicial para a arrumação das finanças públicas, devastadas pela gestão petista. Pode ser e este é o ponto mais importante – o começo de uma grande restauração da economia nacional, com mais ênfase na modernização e na busca da eficiência e da capacidade de competir. O aumento da produtividade deve passar por uma reversão das políticas aplicadas nos últimos anos, disse em São Paulo, na quarta-feira passada, a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi. Com desonerações e subvenções, argumentou, tentou-se compensar a baixa eficiência das empresas. Foi um claro exemplo de um grande erro. Os efeitos dessa política, poderia ter acrescentado a secretária, são visíveis para todos: um buraco maior nas contas públicas, nenhum ganho de produtividade, inflação disparada, recessão e, é claro, desemprego de 12 milhões de trabalhadores. No mesmo dia, numa exposição por videoconferência, o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto de Almeida, ampliou a argumentação, mostrando como os padrões da política fiscal brasileira geram ineficiência e comprometem o Tesouro. É preciso, indicou, mudar os padrões e critérios das despesas, em vez de tentar de novo o ajuste por meio do aumento da tributação. Mas a mensagem ainda veio com uma ressalva: mesmo com forte aperto nos próximos anos, só em 2019 poderá haver de novo superávit primário – alguma sobra para o pagamento de juros e para a contenção do endividamento. Na noite anterior, o presidente Michel Temer havia reunido ministros e líderes da base aliada, num jantar, para pedir pressa na apreciação e na aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.º 241, mais conhecida como PEC do teto. O apelo foi necessário porque vários parlamentares vinham mostrando pouca ou nenhuma disposição de cuidar do assunto antes de concluídas as eleições municipais. O governo também deveria deixar para depois da disputa eleitoral, segundo esses políticos, o projeto de reforma da Previdência. O encontro parece ter produzido algum resultado. O relator da PEC 241, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), prometeu apresentar seu trabalho nesta segunda-feira. Segundo participantes do encontro, concordou-se em tentar a votação do projeto, na Câmara, até o dia 11. 9


Ainda faltará a tramitação no Senado. O governo já terá um ganho se o exame do assunto avançar antes de concluído o processo eleitoral, mas ainda será preciso cuidar da preservação dos pontos essenciais do texto. Emendas aparentemente bem-intencionadas – em defesa, por exemplo, dos chamados gastos sociais – poderão distorcer a proposta e reduzir perigosamente sua eficácia. O presidente da comissão especial encarregada do tema, deputado Danilo Forte (PSB-CE), já cuidou de esclarecer um ponto importante: o teto do gasto, definido pela taxa de inflação do ano anterior, valerá para a despesa total, sem afetar as normas em vigor para os itens educação e saúde. Os mínimos constitucionais para educação (18% da receita bruta) e para saúde (13,2% da receita corrente líquida) continuarão valendo e o ajuste será feito nos demais componentes do Orçamento. Uma reforma efetiva, no entanto, exigirá muito mais que essa regra. A aprovação da PEC 241 poderá bastar para o ajuste inicial, mas será preciso avançar com mais ambição na mudança de padrões. Vinculações de verbas, lembrou o secretário Mansueto de Almeida, são pouco eficientes e, além disso, favorecem o desperdício. Na Inglaterra, conhecida por seu sistema de saúde universal e gratuito, despesas com assistência nunca foram vinculadas à evolução da receita. Quando certos objetivos são realmente valorizados pelos políticos, poderia ter acrescentado Almeida, para que fixar a vinculação? Quem ganha com isso?

Entre hesitação e firmeza FONTE JORNAL FOLHA DE S. PAULO, EDITORIAL 03/10/2016 às 02h00 O presidente Michel Temer (PMDB) abandonou as meias palavras a que em geral recorre e, na semana passada, jogou a culpa pela crise na gestão petista e afirmou não ser passivo seu a irresponsabilidade que trouxe o país à recessão. Às vésperas de seu teste de fogo —a votação da proposta que limita o crescimento dos gastos à inflação—, Temer busca angariar apoio na sociedade para o ajuste duro que será preciso implementar. O deficit nas contas públicas, afinal, chegou a R$ 170,5 bilhões. O presidente deixa de lado uma parte fundamental, porém, ao não completar o balanço com um mea-culpa. Membro fundamental da coalizão que sustentou as duas gestões de Dilma Rousseff (PT), nada disse sobre o que acontecia. Alertas não faltaram; provenientes dos mais variados setores, ganhavam volume na mesma proporção dos desmandos federais. O PMDB, contudo, engrossou o coro apenas quando Dilma já agonizava. Se é correto dizer que o PT detinha o comando da política econômica desastrosa, também o é que o PMDB foi seu sócio minoritário e silencioso, beneficiando-se tanto da maquiagem contábil como do assalto aos cofres públicos. Feito o balanço completo, reconheça-se que o país precisa sair do atoleiro em que se encontra. A esse respeito, as propostas do governo Temer apontam na direção correta. O teto para os gastos públicos é condição necessária e primeiro passo para recuperar a confiança na solvência do Estado. Se aprovado, como se espera, o ritmo de crescimento das 10


despesas se dará de forma controlada. A imposição de um limite também forçará um bemvindo debate democrático sobre as prioridades do Orçamento. Temer também se comprometeu a enviar ao Congresso uma sugestão de reforma da Previdência, sem a qual o teto se inviabilizará. Para que prospere, porém, a proposta deve ser bem explicada e primar pela equidade. Ou seja, além de levar em conta a evolução da demografia, precisa equiparar os privilégios de aposentadorias especiais no serviço público às regras do INSS. Quanto às mudanças na legislação trabalhista, após tropeços de comunicação, o governo dá sinais de que prefere aguardar respostas advindas da própria sociedade. A agenda básica da administração Temer parece delineada. A hesitação e os recuos que têm caracterizado o governo, contudo, deixam dúvidas quanto à firmeza de propósitos do presidente —algo especialmente necessário dado o pendor do PMDB para práticas arcaicas e patrimonialistas.

OPINIÃO: Premiando os rejeitados FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, MARCUS ANDRÉ MELO 03/10/2016 às 02h00 Há dois paradoxos nas eleições municipais. O primeiro é a perpetuação no poder de atuais ocupantes de cargos eletivos em um quadro em que suas taxas de rejeição são inéditas. A mudança nas regras de financiamento e no formato das campanhas fortaleceu os atuais mandatários, criando uma inédita assimetria pró-incumbente. Ela resulta do amplo controle da máquina, maior potencial de "reconhecimento do nome", maior capacidade de criar fatos midiáticos etc. O viés pró status quo acaba prevalecendo sobre a rejeição porque pode levar à anulação do voto. E também a rejeição tem direção certa: o PT, pelo impacto da Lava Jato. Prefeitos da antiga oposição são pouco afetados -veja-se os casos de Salvador ou Recife. O PT foi punido eleitoralmente, o que mostra a vitalidade da democracia brasileira. Por outro lado, o viés pró status significa que o sistema político está menos competitivo: regressamos à República Velha. Os custos das eleições se reduziram, mas a assimetria prótitular do cargo aumentou. O saldo líquido é que as barreiras à entrada podem ter aumentado. Quem está dentro, fica. O segundo paradoxo é que os campeões das eleições -o PSDB e o conjunto de forças que sustentam o governo Temer- possuem pés de barro. A fraqueza dos vitoriosos tem origem sistêmica: deriva da fragmentação do sistema partidário. A fragmentação vem de longe. Os três maiores partidos em 1996 (PSDB, PMDB e PFL) detinham 61% das prefeituras (3.150). Em 2012, os três principais (PMDB, PSDB, PT) caíram para 42% (2.339). Para os cinco maiores (os já citados mais PSD e PP), dados apontam para uma redução de 82% para 60% no mesmo período. 11


Enquanto escrevo este artigo, no domingo (2), os dados de 2016 ainda não estão disponíveis, mas certamente a fragmentação terá se acentuado. A identidade das agremiações mudou pouco no período. O número efetivo de partidos políticos (NEPP) -índice que pondera o número de siglas pelo tamanho das bancadas- alcançou 13,4%, um recorde mundial, em 2014. A fragmentação alcançou o maior valor, matematicamente, em sete Estados: todos os seus deputados federais proveem de partidos diferentes. Inteiramente previsível, a debacle espetacular do PT significa que o partido está reduzido ao seu núcleo duro de militantes com forte identidade partidária e programática (no jargão da área, ao seu "core voters"). Composto de setores sindicais, movimentos sociais e classes médias ligadas ao setor público, o partido com maior bancada eleita em 2014 (68 deputados federais) voltará a ter porte médio. Já partidos nanicos,como o PRB, tornam-se partidos médios. Em modelos estatísticos, as eleições municipais são o melhor preditor das bancadas federais que se formarão em eleições subsequentes. A vitória é importante para o governo Temer, uma vez que sinaliza a fraqueza da oposição. Os ganhos para o PSDB, que corre o risco de tornar-se partido médio, também são evidentes. Mas são vitoriosos em um sistema à beira do colapso. A derrocada do PT é apenas parcialmente resultado da debandada dos eleitores voláteis ("swing voters"), sem identidade partidária. Esse grupo, que inclui amplos setores de baixa renda, abandonou o barco pela reversão de expectativas produzida pela crise. Mas o PT está sendo punido também por ter deixado de ser governo. Por isso, e não apenas pelo fato de que a Lava Jato colocou seus doadores na prisão, sofreu enorme redução no financiamento de campanha. Em um quadro em que o Estado brasileiro é fonte de privilégios, importa estar do lado de quem o controla. Qualquer que seja o governo. MARCUS ANDRÉ MELO é professor titular de ciência política da UFPE - Universidade Federal de Pernambuco. É coautor do livro "Brazil in Transition" (Princeton University Press)

Novas bases para uma sociedade generosa FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, PAULO GHIRALDELLI JR. 03/10/2016 às 02h00 A direita reclama do Fisco, mas, uma vez no governo, nunca tem outra ideia que não a de aumentá-lo ou introduzir um imposto a mais aqui e ali. Por sua vez, a esquerda é obcecada pela ideia de ampliá-lo para as camadas mais ricas, como se dinheiro na mão do Estado garantisse alguma equalização social. Nietzsche disse que Deus morreu, ou seja, que o absoluto metafísico não era mais do interesse de gente séria. Mas não se deu conta de que a divindade intocável da modernidade nada é senão o Fisco. Todas as propostas sobre tudo que se pode mudar na Terra não tocam no imposto. Ou se arranca do homem à força algum dinheiro que deve ir para o Estado ou não se tem sociedade. Eis o dogma de uma religião com legitimidade de pés de barro.

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Na quarta (5), pelo projeto Fronteiras do Pensamento, o Brasil vai receber o único filósofo contemporâneo que tem a coragem de fustigar esse dogma, sem vínculo com qualquer tipo de conservadorismo. O filósofo alemão Peter Sloterdijk defende uma mudança de mentalidade que possa gerar uma "sociedade generosa", aquela na qual o Estado social-democrata que adora taxar possa até estar presente, mas sem dar as cartas para o clima social em geral, que funcionaria pela ênfase na doação e no patrocínio, em um mecenato de cuidado. Sloterdijk está longe de defender qualquer tipo de "privatização" ou "socialismo feito por capitalistas e doadores". Sua proposta básica é olharmos para o que já fazemos em termos de trabalho voluntário, doação de dinheiro, tempo e criatividade em inúmeros projetos louváveis, o que não é pouco no mundo, e caminharmos no sentido de incentivar tal atividade e ampliála. Esse tipo de coisa criaria o que ele chama de "dinheiro inteligente", o oposto do Fisco que, sabemos, arrecada e joga para políticos a tarefa de antes desperdiçar que empregar dinheiro naquilo que queremos. O filósofo nos conta que a Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, fez um cálculo mostrando que, em 2008, os americanos gastaram US$ 307,7 bilhões em caridade, dentro de suas obrigações fiscais. Só uma pequena parte disso era obrigação restituível. Esse dinheiro "endereçado", diz ele, é aquele que vai para a vida cultural e social que realmente se deseja. Uma sociedade assim pode equacionar melhor um grave problema atual, o da distância entre a população e a política. Sloterdijk não diz tudo isso como uma ideia tirada da cartola. Ao contrário, ele tem revolucionado a descrição de nós mesmos a partir de sua antropologia e psicologia. O desenho do homem feito pela psicologia moderna nos reduz a uma disputa entre razão e paixão. A fúria por reconhecimento e nosso ímpeto na busca de identidade orgulhosa no que criamos fica sem lugar na alma humana moderna. Sloterdijk propõe um desenho do homem a partir da psicologia antiga. É necessário um lugar positivo para um terceiro componente da alma, o thymos, o lugar da autoestima, da dignidade e do reconhecimento. Forças eróticas querem as coisas para suprir carências. Forças timóticas não querem pegar as coisas para acalmar desejos, pois são antes de tudo, forças doadoras e, portanto, realizadoras. Uma sociedade como a nossa pode recuperar as forças timóticas em detrimento das eróticas e gerar um grande incentivo a uma vida generosa. PAULO GHIRALDELLI JR., 59, professor aposentado de história da filosofia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, é autor de "Para Ler Peter Sloterdijk" (ed. Via Vérita), entre outros

Por que discutir a reforma do ensino médio? FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, MARIA ALICE SETUBAL 01/10/2016 às 23h50

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Estudos e pesquisas sobre o ensino médio e juventude apontam, de forma recorrente, a falta de interesse dos estudantes pela escola, a defasagem entre o ensino escolar e a realidade cotidiana dos jovens, o excesso de disciplinas e a baixa qualidade da educação demonstrada pelos indicadores educacionais. Todos esses fatores indicam a necessidade de mudanças profundas nessa etapa da educação básica. A ampla repercussão do anúncio do Ministério da Educação sobre a reforma do ensino médio na mídia, com manchetes nos principais jornais do país e noticiários da TV, parece sinalizar que há um consenso na sociedade sobre a importância da educação para o futuro do país. Ao mesmo tempo, o fato de a reforma ter sido lançada por meio de medida provisória denota a distância entre o tempo da política e o tempo necessário para que a sociedade conheça, discuta e se aproprie das mudanças na educação. As manifestações de rua e nas redes sociais revelam um anseio por participação e protagonismo por parte dos diferentes setores da sociedade, especialmente os jovens. Teorias de mudanças enfatizam a importância de se construir uma visão compartilhada entre os envolvidos a partir do engajamento de todos, das secretarias de educação às escolas. políticas públicas, o maior tempo para partida pode significar, na maioria das vezes, maior efetividade e eficácia na implementação e no alcance de resultados. Embora muitos desejem ter uma bala de prata que resolva os problemas e garanta melhores resultados, há sempre diferentes dimensões a serem consideradas na educação. A flexibilização do currículo, com opção para diferentes percursos formativos, precisa considerar aspectos fundamentais na sua implantação, sob o risco de aumentarmos as já enormes desigualdades educacionais. Estratégias para o enfrentamento dessa questão não foram apontadas na medida provisória. Outra dimensão ausente na proposta diz respeito ao apoio federal para que as redes de ensino melhorem a infraestrutura das escolas, com instalação de bibliotecas, laboratórios, computadores com internet e wi-fi, quadras esportivas. No âmbito pedagógico não há medidas para enfrentar a baixa qualidade do ensino noturno, que atende a 23,6% dos alunos brasileiros, conforme Censo Escolar de 2015. Como viabilizar percursos formativos para esse turno? A Base Nacional Comum Curricular ainda demanda uma discussão ampla e profunda com a participação dos diferentes segmentos da educação, incluindo os estudantes, e da sociedade, para que possamos ter mais clareza sobre as disciplinas obrigatórias e as opcionais das quatro áreas do conhecimento. Finalmente, vale aprofundar a discussão sobre recursos. Sem dúvida, as escolas que implantaram educação integral têm alcançado bons resultados. No entanto, fica a questão: por que o MEC optará por destinar mais recursos apenas para as escolas que ampliarem a jornada escolar? A flexibilidade do currículo, assim como a diversificação das ofertas dentro de uma mesma rede, pode ser promissora, desde que se garanta um patamar básico de qualidade para todas as escolas.

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Secretários de Estados que enfrentam graves dificuldades financeiras já anunciaram que não terão condições de implementar a reforma. Obviamente, não se trata apenas de mais recursos mas também de uma gestão, tanto das secretarias como das escolas, mais responsável e comprometida na busca por resultados, com a melhoria da infraestrutura e a formação de seus professores. MARIA ALICE SETUBAL, a Neca, doutora em psicologia da educação pela PUC-SP, é presidente dos conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária Cenpec e da Fundação Tide Setubal. Foi assessora de Marina Silva, candidata à Presidência em 2014

Votemos com responsabilidade FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, GILMAR MENDES 01/10/2016 às 23h50 Mais de 144 milhões de eleitores têm um compromisso inadiável neste domingo (2). Devem escolher aqueles que governarão e decidirão os rumos das políticas públicas de sua cidade pelos próximos quatro anos. Cerca de 430 mil urnas eletrônicas registrarão o voto de cada eleitor, de forma segura, confiável e sigilosa. As eleições são a oportunidade para exercer, com responsabilidade, o direito de escolher nossos governantes. Para tanto, devemos fazer o esforço de identificar os candidatos sérios, com currículo e serviços prestados à comunidade, autores de propostas adequadas para solucionar os problemas. Por outro lado, devemos estar atentos para evitar as armadilhas dos candidatos vendedores de ilusões, propagadores de ideias mirabolantes e demagógicas, sem esteio na realidade local. Engana-se o eleitor que torce o nariz para a política, pois somente por meio dela as mudanças, boas e más, ocorrerão. Antes de virar as costas e rejeitar participar do debate nacional, estadual e municipal, é útil lembrar que a construção da boa política se faz por meio da eleição de bons políticos, honestos e críveis. Esse é o caminho próprio da democracia, da cidadania. Que o eleitor, ao refletir sobre as propostas e programas apresentados, escolha o candidato mais capaz de ocupar o cargo público e efetivar as transformações de que o Brasil necessita para se tornar um país melhor, mais justo, onde direitos e deveres sejam iguais para toda a população. Mas o papel do eleitor no processo democrático vai além: também deve fiscalizar aqueles que foram eleitos a fim de que cumpram os compromissos assumidos e não cometam abusos e arbitrariedades. É um olhar para além do momento do voto, que vislumbra a concretização das promessas de campanha e a melhoria da vida de cada habitante da cidade, com condições dignas de trabalho, de saúde, de educação e de moradia. Em 2016, a reforma da legislação eleitoral trouxe novos paradigmas relacionados à vedação ao financiamento de campanhas por pessoas jurídicas, ao limite de gastos e à redução do tempo de propaganda no rádio e na TV. Tudo isso faz parte de um conjunto de regras que foram aplicadas pela primeira vez neste ano. Novos desafios se impõem. 15


A Justiça Eleitoral, em parceria com diversos órgãos públicos, de forma inédita tem fiscalizado a prestação de contas para coibir crimes eleitorais. Essa medida representa, sem dúvida, um avanço e traz mais transparência ao processo. Nunca é demais lembrar que os resultados das eleições municipais influenciam as eleições estaduais e nacionais. Assim, o voto dado em 2016 representa forte aceno à configuração do pleito de 2018. Ao escolherem prefeito e vereadores, os eleitores sinalizam o que acham ser convincente e conveniente também para o Estado e o país, em termos de capacidade de gestão, ética e conduta pública. Portanto, o cidadão não deve se esquivar de defender de forma franca o que quer para o seu município, para o Estado, para o Brasil. O eleitor é o protagonista desse processo. Tudo começa nas eleições municipais. Esse é o ponto de partida da democracia. Que todos votemos bem, de forma livre e responsável, sopesando as trajetórias de vida e os projetos dos candidatos. GILMAR MENDES, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), é presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral)

Saldo de nova lei eleitoral foi positivo? SIM FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, JOSÉ CARLOS MASCARI BONILHA 01/10/2016 às 02h00 REGRAS ATENDEM AOS ANSEIOS DA SOCIEDADE A respeito da minirreforma eleitoral, que entrou em vigor no ano passado, há que se destacar alguns aspectos positivos, conquanto nem todos mereçam homenagens. Penso que o estabelecimento de limite máximo para gastos com as campanhas seja proveitoso. Sabe-se que, nestas eleições, não se poderá dispor de mais de 70% do maior gasto do pleito passado (municipal), regra que vale para os vereadores e os municípios sem segundo turno. Nas disputas majoritárias em cidades que tenham segundo turno, há uma diferenciação -no primeiro, não se poderá utilizar mais da metade do maior gasto das eleições passadas; no segundo, o limite será de 30% do valor do primeiro. A vedação de financiamento de pessoa jurídica tem o mérito de contribuir para afastar as relações, nem sempre republicanas, entre candidatos e sociedades empresariais. Da mesma forma, a diminuição no tempo de propaganda eleitoral (caiu pela metade), não obstante ajude quem já está no mandato eletivo ou esteja em evidência por algum motivo (como apresentadores de TV, por exemplo), buscou baratear o custo das campanhas. As novas regras também eliminaram efeitos especiais, trucagens e distorções da realidade nos vídeos exibidos na TV, o que me parece altamente positivo.

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A necessidade de atender à cota por gênero (mínimo 30% e máximo 70%), que já existia, foi aperfeiçoada, uma vez que houve alteração nos recursos do fundo partidário com o propósito de incentivar a participação feminina na política. Isso vem ao encontro dos anseios da sociedade contemporânea e é digno de aplausos. A proibição de propaganda em bens públicos enseja elogios. Vale ser lembrado que, para fins eleitorais, o conceito de bem público não é coincidente com o conceito do direito civil. Dessa maneira, cinemas, shoppings, clubes, templos e etc. se enquadram nessa categoria e, portanto, neles a lei não tolera propaganda eleitoral. Observo que a prestação simplificada de contas -que inclusive devem ser apresentadas parcialmente, antes do pleito- e a necessidade de se dar maior transparência às campanhas são medidas que buscam a modernização do sistema. Até 72 horas após a contagem dos votos, partidos, candidatos e coligações têm a obrigação legal de prestar contas de tudo aquilo que foi recebido (doações em dinheiro e/ou estimáveis em dinheiro) e tudo o que foi gasto, dando-se ampla publicidade para que o conjunto da sociedade possa acompanhar toda a movimentação financeira. A eliminação do comitê e a criação da conta bancária específica são elogiáveis, pois facilitam a transparência do processo. O aumento do período de pré-campanha, por seu turno, trouxe a possibilidade de contato do pré-candidato com os eleitores, o que lhe garante, sem que haja pedido explícito de voto, oportunidade de demonstrar projetos e ideias. Os mecanismos que permitem a aferição, a qualquer momento, da origem dos recursos que irrigam as campanhas são outra inovação que deve ser celebrada. Não se pode deixar de registrar a Lei Brasileira de Inclusão, que estabelece exigências que alcançam o campo eleitoral, como a necessidade de linguagem de sinais, legendas e audiodescrição nos vídeos, para que todos sejam destinatários da propaganda eleitoral. JOSÉ CARLOS MASCARI BONILHA, professor da Escola Superior do Ministério Público, é promotor de Justiça Eleitoral

Saldo de nova lei eleitoral foi positivo? NÃO WALBER DE MOURA AGRA 01/10/2016 às 02h00

FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, MUDANÇA FRAGILIZOU O DIREITO A inflação é um fenômeno, na seara econômica, que, dentre outros males, corrói o poder aquisitivo dos assalariados. Na esfera jurídica, a inflação legislativa também é prejudicial, pois utiliza o arcabouço teórico como uma panaceia para a resolução dos males sociais, resultando no aumento da ineficácia e no avolumar da distância entre a normatividade e a facticidade. No direito eleitoral, infelizmente, o fenômeno da inflação legislativa é uma constante, aparecendo de forma casuística, normalmente, nos anos pré-eleitorais. A lei nº 13.165/2015, que realizou uma minirreforma, não fugiu a essa regra.

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A nova legislação não foi proposta com o afã de densificar a conexão dos princípios norteadores da vida cidadã. Surgiu para aplacar interesses os mais controversos possíveis, contribuindo para fragilizar o direito eleitoral como ciência jurídica e desenvolver a jurisprudencialização, que impede a consolidação de sua teoria. Essa foi sua principal mácula. Não se pode dizer que não houve avanços -como tornar obrigatória a realização de novas eleições quando decisão judicial indeferir registro, cassar diploma ou importar na perda de mandato de candidato eleito em pleito majoritário. Todavia, o balanço geral não é satisfatório, muito pelo contrário. Reduziu-se o tempo de campanha, em um claro acinte ao padrão do regime democrático. O início da plenitude do período eleitoral, que antes começava no dia 6 de julho, passou a ser permitido em 16 de agosto. A vinculação de propaganda gratuita de rádio e TV passou de 45 dias para 35 dias. Mesmo assim, houve a imposição de que todos os pedidos de registro sejam julgados, pelas instâncias ordinárias, até 20 dias antes da eleição, configurando um irrealismo jurídico, digno de uma alienação exacerbada da práxis eleitoralista, tomada a palavra alienação no sentido de distanciamento da realidade. Uma esquizofrenia eleitoral foi limitar exacerbadamente os gastos nos municípios com até 10 mil eleitores. Nesses casos, cada campanha para prefeito pode gastar até R$ 100 mil; para vereador, até R$ 10 mil. Todos sabem que esses valores não refletem a realidade, forçando vários candidatos a condutas ilegais. Resulta -no que seria cômico, não fosse trágico- em uma ilicitude impingida em razão de um estado de necessidade eleitoral. Outro paradoxo apresentado pela lei: com a redução do tempo para a campanha eleitoral, retirou-se a punição a condutas irregulares na pré-campanha, tornando essa fase mais importante do que a etapa eleitoral típica. Debilitou-se, assim, completamente o conceito de propaganda antecipada, agora confinada exclusivamente ao pedido explícito de voto, limitado em sua literalidade. Portanto, a reforma realizada em 2015 pode ser caraterizada como mais do mesmo, no sentido de que mantém a práxis da improvisação, do desapego à natureza sistêmica e continua na diretriz de manter o direito eleitoral como uma ciência de difícil compreensão, pertinente a poucos iniciados que ousam desvendar a esfinge de Tebas. Resta, à maioria que não consegue desvendá-la, ficar relegada à fortuna, no senso maquiavélico, do dogma da autoridade da jurisprudência "lotérica" eleitoralista. WALBER DE MOURA AGRA, doutor em direito pela Universidade Federal de Pernambuco e pela Facultà degli Studio di Firenze (Itália), é procurador do Estado de Pernambuco

Presença indesejável Aloisio Mauricio/Fotoarena/Folhapress

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O presidente Michel Temer vota três horas antes do previsto, em São Paulo FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, WALDO CRUZ 03/10/2016 às 02h00 BRASÍLIA - O PMDB de Michel Temer ficou bem mal na foto nas três principais capitais do país. Perdeu feio em São Paulo, no Rio e em Belo Horizonte. Para quem comanda hoje o país, era de se esperar resultado no mínimo um pouco melhor. Afinal, nestas grandes cidades do chamado triângulo das bermudas da política, o pleito costuma sofrer mais influência de temas nacionais. Talvez aí esteja uma das razões da derrota dos aliados do presidente. O peemedebista herdou de sua antecessora, Dilma Rousseff, uma herança maldita. Para consertar o estrago deixado pela petista, o receituário é amargo e impopular: ajuste fiscal e reforma da Previdência. Não por outro motivo, Temer driblou os protestos programados para a hora de seu voto. Antecipou sua ida à seção eleitoral e escapou de vaias e xingamentos certos. Aplausos, dos eleitores, ele ainda não garantiu e vai demorar para conquistar. Sua agenda, de fato, é ingrata. Não rende votos nem simpatia. Corta verbas de programas federais e vai fazer o brasileiro trabalhar mais para ter direito à aposentadoria. Só que ele não tem outra saída, já que o estrago deixado por Dilma é gigantesco. Daí que, no segundo turno, ele deve manter a mesma posição do primeiro. Não interferir nas campanhas. Não porque possa beneficiar esse ou aquele candidato governista em detrimento de outros, mas porque sua presença, hoje, é indesejável para quem quer ganhar a eleição. Temer, até aqui, tem prometido não se curvar ao populismo diante das vaias que tem enfrentado ou delas escapado, como na eleição em São Paulo. Diz não ter medo da impopularidade, desde que consiga equacionar a crise econômica do país.

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Na fase da interinidade, ele emitiu sinais contraditórios nesta seara. Tinha a justificativa de ainda não ser definitivo. Agora, o que dele se espera é exatamente o que está prometendo. Fazer o que tem de ser feito. Se assim o fizer, por enquanto é conviver com as vaias e até fugir delas.

A cidade e os carros Eduardo Anizelli - 27.dez.2015/Folhapress

Congestionamento no sistema Anchieta-Imigrantes, em São Bernardo do Campo (SP) FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, SAMUEL PESSÔA 01/10/2016 às 16h19 São Paulo tinha, em 1936, um total de 301 quilômetros de vias para bondes eletrificados. O controle tarifário que reduziu a lucratividade da Light, multinacional canadense que explorava o serviço, levou a um longo e lento processo de deterioração da qualidade do serviço. Na virada dos anos 30 para os anos 40, a Light avisou que não desejava renovar a concessão do serviço após o término do contrato em 1941. Em 1947 o serviço foi transferido para a Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC), empresa municipal recém-criada. Naquele ano, o bilhete subiu de 200 mil réis, valor mantido constante desde 1909, para 500 mil réis.

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Nos anos 30 e 40, sob a liderança de Prestes Maia, a cidade optou de vez pelo transporte individual. A partir dos anos 40, até 1968, os 300 quilômetros de trilhos foram paulatinamente desfeitos. Independente dos motivos que justificaram à época essa opção, o olhar retrospectivo indica que um erro brutal foi cometido. Era necessário modernizar, e não eliminar. Os 300 km de trilhos até hoje fazem falta. A miopia da classe dominante, que enxerga o mundo através de suas necessidades, produziu o erro. É erro parecido ao cometido pela sociedade ao aceitar investir somente 1% do PIB (Produto Interno Bruto) em educação fundamental nos anos 50, quando o crescimento populacional era de 3% ao ano: 7 de cada 10 crianças entre 7 e 14 anos fora da escola. Insistir na opção por transporte individual aprisiona a cidade: fica cada vez mais custoso corrigir o erro. Tudo se ajusta para que a opção seja reforçada. Investimos na redução das calçadas, em alargar as vias junto com os cruzamentos para que a quantidade de carros que consegue transpor um sinal seja maior etc. Resulta na deterioração do espaço urbano e na expulsão dos pedestres das ruas. No entanto, é impossível solucionar a mobilidade urbana com carros. Infelizmente trata-se de um teorema. Adicionalmente, a cidade não pode esperar, ao ritmo de 1,5 quilômetro por ano, o dia em que o metrô ficará pronto. A cidade não tem esse tempo. Nos últimos 30 anos, houve uma sequência de prefeitos que tentaram reverter a opção rodoviária da cidade. Covas, Erundina, Marta e Haddad pertencem a essa tradição. Haddad entregou 41 quilômetros de corredores de ônibus e deverá entregar mais 18 quilômetros até o fim do mandato. Não é muito. Tempos difíceis. Resultado da incompetência superlativa da política econômica petista, principalmente de 2009 a 2014. Entregou 400 km de faixas exclusivas para ônibus –infelizmente, franqueou-as aos táxis– e 400 km de ciclofaixas, que, além de estimular o uso da bicicleta, aumentam a fluidez do trânsito pois retiram espaço de estacionamento. Antenado com a moderna gestão de cidades, de Michael Bloomberg em Nova York, Enrique Peñalosa em Bogotá ou Ken Livingstone em Londres, o prefeito estabeleceu abrangente programa de controle de velocidade, com resultados palpáveis sobre redução de acidentes e mortes no trânsito, e, possivelmente, ganhos de fluidez. Independente de quem seja o novo prefeito de São Paulo, será enorme avanço se tivermos construído um consenso de que já passou do momento de nos desfazermos da escolha errada dos anos 30 do século passado. Que utilizemos com sabedoria os recursos públicos na construção da rede de transporte coletivo que caiba no orçamento da cidade. De carro não chegaremos a nenhum lugar.

Cela 13 Como o partido que se anunciou como o da redenção nacional pôde cair tão baixo?

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FONTE JORNAL O ESTADO DEE S. PAULO, *Denis Lerrer Rosenfield 03 Outubro 2016 às 03h13 Qualquer cidadão, por mais desatento que seja, fica estarrecido com o destino do PT. Um destino político que se tornou policial. Não há dificuldade em fazer uma reunião da cúpula petista no xilindró! Lá já estão ex-ministros, tesoureiros, líderes partidários, e assim por diante. Outros estão na fila, o que vai completar esse quadro da derrisão. A verborragia da “perseguição política” e do “golpe” nada mais é que uma tentativa desesperada dos que não foram ainda condenados ou presos, procurando, assim, escapar do encarceramento iminente. Os que acreditam em tal palavreado mais parecem religiosos que se apegam a dogmas. Seriam dignos representantes da religiosidade petista e comunista. O partido da “ética na política” tornou-se o símbolo mesmo da imoralidade e da corrupção. Cabe, então, uma pergunta: como pôde esse partido, que se anunciou como o da redenção nacional, cair tão baixo? Talvez seja um equívoco conceitual considerar o PT como social-democrata, do gênero dos partidos europeus que, tendo começado com o marxismo, enveredaram para uma óptica de transformação social do capitalismo, no amplo reconhecimento da economia de mercado e do Estado Democrático de Direito. Embora algumas mentes mais lúcidas do partido tenham tentado impor essa nova visão, ela terminou não prevalecendo, dada a animosidade partidária contra a propriedade privada, a economia de mercado, a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação em geral e a democracia. Não é suficiente considerar as medidas sociais tomadas pelo PT quando no exercício do poder como essencialmente social-democratas, dado que a própria experiência europeia mostra que os partidos democrata-cristãos na Itália e na Alemanha, além da direita francesa com De Gaulle, seguiram política semelhante. Aliás, muitas medidas sociais, por exemplo, na Inglaterra, nasceram das consequências sociais da 1.ª Guerra, no cuidado de órfãos, viúvas e idosos. Há uma tentativa ainda em curso no País de salvar a concepção de esquerda das consequências dos governos petistas. É curioso, pois é como se a ideia de esquerda fosse imaculada, desde sempre válida, o problema consistindo, então, em sua má realização. Ora, trata-se de uma ideia fundamentalmente religiosa, dogmática, pois a experiência histórica mostra que a realização das ideias de esquerda culmina sempre no totalitarismo, no desastre econômico-social, em políticas liberticidas, quando não no assassinato coletivo de milhões de cidadãos. No Brasil, ela está acabando na prisão. Dos males, o menor, pois o País tem uma chance de revigorar sua mentalidade, sua concepção, e empreender um novo caminho. O que não pode – nem deve – é permanecer em mera repetição histórica. Analisemos alguns dos fatores do malogro petista, tendo presente que não estamos diante de nenhum acidente de percurso, mas de algo inerente a esta lógica esquerdista. A corrupção seria um elemento central. Primeiro – O intervencionismo dos governos Dilma e Lula em seu segundo mandato origina-se de profunda desconfiança quanto à economia de mercado, à propriedade privada e à livreiniciativa. Tudo foi feito para limitar a vida dos empreendedores, salvo os grandes grupos empresariais e financeiros que se aliaram ao assalto ao Estado e aos seus “benefícios”. As bases da corrupção já se faziam presentes tanto na alocação de recursos quanto na necessidade de os empresários comparecerem aos balcões da propina. As delações bem mostram o compadrio entre eles. Segundo – O PT considerou o lucro como algo moralmente negativo, algo a ser evitado, devendo os membros partidários se apresentar como as encarnações do bem, por mais falsa 22


que fosse essa representação. O lucro deveria ser controlado por uma elite burocrática partidária, imbuída do esquerdismo de suas concepções. Terceiro – Ora, se o lucro era desprezível, qualquer medida para combatê-lo seria justificável, até mesmo extorquir empresários para dele compartilharem. Ou seja, se o lucro não era legítimo, a propina e a corrupção enquanto formas de partilha seriam justificáveis, sobretudo se feitas em nome do partido. Note-se que até hoje o partido considera como válida a distinção entre corrupção privada e partidária, a segunda tendo valor moral. Quarto – De acordo com essa perspectiva, os fins (partidários) justificariam os meios (a corrupção, a propina, saquear estatais), de tal maneira que a imoralidade e a ilegalidade nada mais seriam do que meios de atuação partidária. A imoralidade partidária foi, assim, erigida em princípio. Quinto – A corrupção petista, no entanto, não se restringiu a enriquecer os cofres partidários, mas se alastrou também para os bolsos de seus membros. Os milhões de enriquecimento individual saltam aos olhos e assombram qualquer um. Foi, digamos, um meio perverso de conversão ao capitalismo, tudo passando a valer. Sexto – Essa conversão perversa é, assim, o fruto de uma concepção do mercado como não tendo nenhuma regra, onde tudo valeria. Na verdade, essa concepção termina por identificar o mercado ao contrabando, não imperando nenhuma lei. E se a lei não vigora numa economia de mercado, por que os membros do partido deveriam segui-la? Sétimo – Para que tal política fosse bem-sucedida seria necessário que a imprensa e os meios de comunicação em geral fossem controlados e supervisionados, de tal modo que a verdade não fosse revelada. Foram inúmeras as tentativas do governo Lula de exercer esse controle, aquilo que foi eufemisticamente qualificado como “controle social dos meios de comunicação”. O “social” era o acobertamento da corrupção. Isto é, a corrupção e a imoralidade partidária não poderiam tornar-se públicas, pois o projeto partidário terminaria inviabilizado. E é isso que, de fato, está acontecendo. *Professor de filosofia na UFRGS. email: denisrosenfield@terra.com.br

De quando é bom ter uma pinguela segura Agora não resta solução senão a de atravessar, pé ante pé, essa estreita que se tem à frente... FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, *Luiz Werneck Vianna 02 Outubro 2016 às 03h11 Para um observador desavisado, inexperiente de como aqui se vivem as coisas da política, diante do cenário que aí está, nada de estapafúrdio que se lhe dê na telha a ideia de estarmos na iminência de uma revolução. Nas salas de aula das universidades os estudantes exibem adesivos estampando um “fora Temer”, professores das escolas de ensino médio cumprimentam seus alunos com o mesmo bordão, artistas e cantores populares não começam seus espetáculos sem ele, também presente nas salas de cinema e nos teatros. Uma ex-presidente da República que teve seu mandato cassado, num trâmite que passou pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, que decretou o seu impeachment, em julgamento presidido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, participa de comícios eleitorais de candidatos às eleições municipais, quando se declara vítima de um golpe, todos são sinais que levam nosso observador a ruminar suas impressões.

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Contudo se ele resolver testá-las, levantando a vista para a sociedade inteira, logo reconhecerá o despropósito da sua fabulação. No Congresso, em suas duas Casas, o governo detém folgada maioria, couraça sem a qual não há Executivo que se mantenha, fato ilustrado pela nossa experiência, contundentemente confirmada por recentes episódios. Nas chamadas classes fundamentais, fora a agitação de sempre que lhes é própria, não se percebem outras movimentações que não sejam as da defesa de seus interesses e direitos. No mundo agrário, tradicional calcanhar de Aquiles da política brasileira, sopram os mesmos ventos. Faltaria, ainda, consultar o que se passa nas eleições municipais, termômetro confiável para o registro dos sentimentos da população, e nos quartéis, cuja importância na tradição republicana brasileira dispensa comentários. Nestes últimos reina, há tempos, a reverência ao culto constitucional e ao exercício dos seus papéis profissionais; nas eleições, que transcorrem em clima morno, se valem as pesquisas – e tudo indica que valem –, as candidaturas que se deixaram embair pelo bordão “fora Temer”, principalmente nas grandes capitais, estão longe de obter votações que as levem à vitória. E, como sempre entre nós, não há melhor detergente em horas de crise política do que um processo eleitoral. Feito esse balanço, nosso observador admite que se equivocou no diagnóstico. Mas se não é de revolução, do que se trata, que bicho é esse que nos aturde com sua presença? A frase é velha, mas nem por isso perde validade: o passado não mais ilumina o futuro, que ainda não começou a nascer. A hora é de transição, de lusco-fusco, não é mais noite e o dia tarda a aparecer, mas a sociedade se inquieta e começa despertar sem saber o que a espera em meio às ruínas que sobraram dos partidos e, em geral, das nossas instituições políticas. Ela mudou em meio às poderosas transformações demográficas, sociais e ocupacionais que desfiguraram a paisagem reinante em meados do século passado. Encontramo-nos em terra nova, como se estrangeiros a ela, agarrados a um passado que nos foi familiar, com as relações entre gerações, entre gêneros, sobretudo entre as classes sociais e sistema de crenças girando em gonzos fora do nosso controle e da nossa imediata percepção. A sociedade modernizou-se por cima, sujeita a experimentos saídos das pranchetas de uma tecnocracia ilustrada, impostos a ferro e fogo – exemplo mais recente, o da colonização da Amazônia. Entre nós, a obra dessa modernização persistiu por décadas, ora por vias duramente repressivas, como no Estado Novo de Vargas e no regime militar, ora de forma doce, como nos governos de Juscelino – que criou no centro geográfico do Brasil, nos ermos do Cerrado, uma nova capital para o País – e nos de Lula e Dilma. Fora de dúvidas que tais esforços em favor da aceleração da modernização foram bemsucedidos, em que pesem os altos custos políticos e sociais envolvidos, não só pelo aprofundamento das desigualdades já existentes, como pela condenação da sociedade a um estatuto de minoridade sobre a qual deveria incidir a ação modernizadora do Estado. Não à toa as lutas pela democratização do País trouxeram consigo a denúncia dessa modelagem, filha de nossa longa tradição de autoritarismo político, do que foi exemplar a publicação de São Paulo 1975 – Crescimento e Pobreza, sob a iniciativa do cardeal Paulo Evaristo Arns, obra coordenada por Lucio Kovarick e Vinicius Caldeira Brant. Essa nova agenda, nos anos 1980, encontrou no PT uma de suas mais importantes vocalizações. Com efeito, dele vieram críticas contundentes ao nacional-desenvolvimentismo e à cultura política que enlaçava a sociedade civil ao Estado e às suas agências, como no caso do sindicalismo, objeto de feroz crítica das emergentes lideranças sindicais dos metalúrgicos do ABC, Lula à frente, como seu principal porta-voz. O PT nasceu e cresceu em nome de uma representação da sociedade civil que aspirava por autonomia diante da onipotência de um Estado que fazia dela base passiva para sua manipulação. Como se sabe, esse partido, por fas ou nefas, se converteu às práticas que combatia; e levouas à exaustão depois de um curto período de fastígio no seu uso, culminando no episódio 24


melancólico do impeachment do mandato presidencial de Dilma Rousseff sob a acusação de ter atentado contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, cuja inspiração oculta, ao impor limites ao decisionismo do Executivo, consistiu precisamente em interditar caminhos ao processo de modernização autoritária vigente por décadas no País. Agora, não resta outra solução que não a de atravessar, pé ante pé, a pinguela estreita que se tem à frente, de que falou em entrevista o ex-presidente Fernando Henrique, travessia perigosa que, para ser segura, está a exigir outra bibliografia e uma imaginação bem diversa da que nos trouxe até aqui. *Sociólogo, PUC-RJ

É tempo para ousar O espectro de uma sociedade incivil e uma política de demagogos é um risco real FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, *Fernando Henrique Cardoso 02 Outubro 2016 às 03h07 A semana que ontem terminou foi pródiga em debates eleitorais. O mais significativo em termos globais foi o duelo Hillary Clinton versus Donald Trump. Entre nós, a multiplicidade de candidatos a prefeito é tanta e a fragmentação do eleitorado é tão grande que fica difícil até mesmo acompanhar o que dizem. Vendo o debate americano, ficou claro que Trump quer ser o candidato do “contra tudo isso que está aí”, muito especialmente contra a globalização, e dos que não gostam dos imigrantes. Com jeito, Hillary mostrou, a quem tem olhos para ver, que a intolerância racial se junta ao blend de arrogância e beligerância do candidato republicano. Experiente e bem preparada, Hillary exibiu racionalmente suas qualidades como eventual “comandante em chefe” das Forças Armadas e chefe de Estado e de governo. Mostrou-se também mais comprometida com os valores da igualdade democrática. Uma estadista. Com o olhar de alguém de fora e com formação universitária, a vitória de Hillary pareceria assegurada. Como político, contudo, sinto certa angústia: o marquetismo nas sociedades de massas, interligadas pelas TVs e pela mídia social, torna ainda mais imprevisível o comportamento do eleitor. Esta é a esfinge da política contemporânea. Aos mais velhos dá saudades do tempo em que os partidos correspondiam no geral aos “interesses de classe” ou pelos menos a grupos sociais mais bem definidos e a política era ou parecia ser a disputa entre esses interesses pela sua representação nos órgãos eletivos do Estado. Hoje o eleitorado é mais fragmentado porque a sociedade é também mais fragmentada e os indivíduos se definem por adesões a valores, a identidades culturais, que se sobrepõem às identidades de classe, tornando-as menos nítidas. No caso americano, pelo menos, ainda se podem distinguir visões claramente diferentes: do lado republicano, uma visão abertamente isolacionista e hostil aos imigrantes e à globalização; do lado democrata, uma visão cultural e racialmente mais aberta, liberal-democrática, e mais realista, no reconhecimento da globalização das relações produtivas. Entre nós, é mais difícil perceber os “dois campos”, ainda mais numa eleição de âmbito local. Aqui é maior a desconexão entre os partidos e a sociedade. Nem esta se vê representada naqueles, seja em seus interesses econômicos, seja em seus valores e identidades culturais, nem os partidos são capazes de apresentar visões que, agregando interesses e valores, em distintos campos culturais e políticos, permitam à sociedade perceber-se como mais do que um conjunto de indivíduos ou de grupos identitários autorreferidos. Embora em São Paulo e no Brasil o PSDB deva sair fortalecido, o quadro das eleições municipais, projetado para 2018, preocupa. Desde as eleições de 1994 até 2014, o PSDB e o PT 25


pelo menos organizavam dois campos distintos na disputa pela Presidência da República, o que apontava um certo rumo para o mandato presidencial. O PMDB, por sua vez, atuava como elemento estabilizador para a aprovação das medidas governamentais no Congresso Nacional. É natural que em 2018 as questões nacionais estejam em pauta. Para dar um rumo congruente ao País, no entanto, será necessário que um ou mais candidatos se ergam acima da fragmentação partidária e não se deixem guiar pela “ciência” do marketing eleitoral. Torço para que se apresente quem proclame em alto e bom som que zelar pelo equilíbrio fiscal é obrigação de qualquer governante responsável, pois o descontrole das contas públicas leva à inflação, que rouba a renda dos mais pobres; que sem investimento e crescimento econômico não há sustentabilidade das políticas de inclusão social, mas também que sem estas o “mercado” concentra a renda e frustra a aspiração legítima por justiça social. Um candidato que não se omita na discussão sobre os direitos reprodutivos das mulheres, inclusive o aborto, assim como sobre o uso de drogas (e as melhores políticas para reduzir o seu consumo), nem tema afirmar que todas as pessoas devem ter a liberdade de escolher sua orientação sexual sem prejuízo dos seus direitos como cidadãos iguais aos demais. Noutros termos, precisamos de uma candidatura presidencial que seja fiscalmente responsável, socialmente progressista e culturalmente liberal. Ela deve ajudar a desenhar um novo campo político, que seja de centro-esquerda, mas plural e sem pretensões hegemônicas deste ou daquele partido. Não será um campo orientado por critérios de classe, mas voltado para os interesses das maiorias não ricas do País, contra os privilégios, e aberto às novas formas de participação e representação da sociedade. Os partidos que não se derem conta de que a sociedade mudou e continuarem a girar no esplêndido isolamento do mundo congressual poderão continuar existindo, mas apenas como representação dos interesses daqueles que os controlam. Sem encontrar canais de representação nos partidos, os fios entre a sociedade e os Estados se tornarão ainda mais frágeis e esse vazio pode ser ocupado por formas de representação e organização de interesses altamente nocivas à democracia e à convivência civilizada. O espectro de uma sociedade incivil e de uma política de demagogos é um risco real. A agenda de reformas que o atual governo apresentou é uma oportunidade para devolver grandeza à política. Aos partidos não cabe apenas votá-las no Congresso, mas convencer a sociedade das razões dos seus votos e, nesse debate, começar a desenhar visões sobre o Brasil para além de 2018. Fortalecido pelos bons resultados nas eleições municipais, o PSDB deve tomar a dianteira, sem exclusivismos, nessa tarefa, olhando para o futuro, sem esquecer de desmascarar o passado, com serenidade, mas com firmeza. *Sociólogo, foi presidente da República

Poucos economistas republicanos sérios apoiam candidatura de Trump James Robinson/PennLive.com/AP

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Candidato republicano à Presidência dos EUA, Donald Trump FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, PAUL KRUGMAN 03/10/2016 às 11h24 Donald Trump acaba de ter uma semana extraordinariamente ruim, enquanto a de Hillary Clinton foi extraordinariamente boa. As bolsas de apostas agora calculam que a chance de vitória de Hillary é quase tão alta quanto pouco depois da convenção do Partido Democrata. Mas tanto as virtudes de Hillary quanto os vícios de Trump sempre foram evidentes. De que maneira, portanto, a disputa podia parecer tão apertada logo antes do debate? Boa parte da resposta, eu já argumentei, está no comportamento da mídia, que passou o mês que antecedeu o primeiro debate presidencial norte-americano tratando Hillary com aspereza, retratando pequenos deslizes como grandes pecados e inventando falsos escândalos com base em nada. Mas isso não significa que não haja outros culpados. Trump não teria chegado ao ponto que chegou sem o apoio, ativo ou tácito, de muita gente que compreende perfeitamente o que ele é e o que sua eleição significaria, mas ainda assim escolheu não se posicionar. Comecemos pela elite política do Partido Republicano, que vem apoiando Trump como se ele fosse um candidato à presidência normal. Tenho muitas críticas a fazer sobre Mitch McConnell, o líder da maioria republicana no Senado, e sobre Paul Ryan, o presidente da Câmara dos Deputados. Uma coisa de que jamais os acusaria, porém, é estupidez. 27


Os dois sabem o tipo de homem com quem estão lidando —mas decidiram passar essa eleição fingindo que estamos discutindo políticas públicas seriamente, e que votar em Trump significa simplesmente votar em alíquotas menores para os impostos. E não deveríamos permitir que eles finjam que o seu apoio a Trump não existiu quando a eleição tiver ficado para trás. Isso vale especialmente para Ryan, que vem recebendo tratamento extraordinariamente favorável da imprensa há anos —ele é retratado como um político honesto, estudioso das questões públicas e sinceramente preocupado com a probidade fiscal. Essa reputação jamais foi merecida; suas propostas políticas sempre foram obviamente fantasiosas. Mas no passado, as críticas de Ryan dependiam de apontar para fatos inquestionáveis —como o de que seus números não costumam bater. Agora, a tarefa ficou muito fácil. A cada vez que ele for apontado como exemplo de seriedade, basta lembrar de que, na hora mais importante, ele apoiou Trump. Embora quase todos os republicamos detentores de postos eleitorais tenham expressado apoio a Trump, o mesmo não pode ser dito sobre o que poderíamos descrever como a intelligentsia do partido —os especialistas, reais ou autoproclamados, em políticas públicas, os colunistas, e assim por diante. Em geral, os membros desse grupo não se pronunciaram em favor do candidato republicano à eleição deste ano. Por exemplo, nem mesmo um integrante dos conselhos de assessoria econômica da Casa Branca em governos republicanos passados expressou apoio a Trump. Se você for verificar quem está apoiando Trump —digamos, os signatários de uma declaração de apoio divulgada pelos "Estudiosos e Escritores da América"—, perceberá que se trata de um grupo bastante patético. Mas se você acha que eleger Trump será um desastre, não deveria estar instando os norteamericanos a votar em sua oponente, mesmo que não goste dela? Afinal, não votar em Hillary —seja literalmente não indo às urnas, seja optando por um voto puramente simbólico em um candidato de partido pequeno— significa dar meio voto a Trump. É justo ressaltar que alguns poucos intelectuais conservadores, especialmente na área de política externa, aceitaram essa lógica; é preciso dar algum crédito a pessoas como, por exemplo, Paul Wolfowitz, por sua coragem política. Mas também tivemos muita gente que hesitou em fazer a coisa certa; quando Henry Kissinger e George Shultz declaram, untuosamente, que não apoiarão qualquer candidato, isso é um retrato de covardia. E a resposta dos economistas republicanos sãos foi especialmente decepcionante. Só charlatões e picaretas endossaram Trump, mas apenas alguns poucos economistas sérios fizeram jus à ocasião e se mostraram dispostos a declarar que, se é importante manter Trump fora da Casa Branca, é necessário votar em Hillary. Por fim, é desanimador perceber a irresponsabilidade das pessoas de esquerda que decidiram apoiar candidatos independentes. Algumas delas parecem acreditar na velha doutrina do fascismo social —melhor ver a esquerda derrotada pela direita dura, porque isso prepara o terreno para uma verdadeira revolução progressista. Essa ideia funcionou maravilhosamente bem na Alemanha dos anos 30, como sabemos. Mas a motivação da maioria dessas pessoas parece ser a política como expressão pessoal: elas não gostam de Hillary —em parte porque aceitaram a imagem enganosa que a mídia criou 28


sobre ela, e planejam expressar esse desapreço ficando em casa ou votando em candidatos como o libertário Gary Johnson. Se as pesquisas merecem confiança, mais ou menos um terço dos eleitores jovens pretende, para todos os efeitos, optar por ficar de fora desta eleição. E se o fizerem, Trump ainda poderia ganhar. De fato, o maior perigo que a semana terrível vivida por Trump traz é a de que ela poderia encorajar a complacência e a autoindulgência entre eleitores que realmente odiariam, odiariam muito, vê-lo na Casa Branca. Por isso é bom lembrar: seu voto só vale se você usálo de maneira que importe. Tradução de PAULO MIGLIACCI

Licença de servidores da Câmara bate recorde em 12 meses FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, MARIA CRISTINA FRIAS 01/10/2016 às 23h50 Em agosto, a soma do número de dias que os servidores da Câmara dos Deputados tiraram em licença saúde foi 28% superior à média dos últimos doze meses. A cada mês, a Casa perde 4.254 dias de trabalho de seus funcionários que precisam fazer tratamentos para doenças. Em agosto, foram 5.398. Os números de setembro ainda não foram fechados -até o dia 27 haviam sido 4.559 dias autorizados. Geralmente, os meses que concentram as altas de saída por motivos de saúde são março, abril e maio, que é quando costuma eclodir a gripe, afirma Gustavo Gusso, professor de clínica da USP. "Há um exagero de licenças no setor público", diz Fernando Schuler, professor de ciência política do Insper. O aumento de dias em agosto pode estar associado a dois fatores, segundo ele: diminuição da atividade entre os deputados e o começo das campanhas das eleições municipais. Trata-se de hipóteses, afirma. "Com a restrição a doações de empresas, há uma escassez de recursos nas campanhas, e os candidatos que contam com apoio da estrutura de deputados têm um diferencial", diz ele. A prática de usar o trabalho de servidores dos gabinetes em campanhas politicas "é ilegal, mas aceitável" na lógica dos partidos, afirma Rafael Araújo, professor de política da PUC-SP. "Podemos especular que parte deles tem vínculo com as candidaturas, mas é uma suposição", diz ele. O que estou lendo MOREIRA FRANCO, secretário-executivo do PPI Danilo Verpa/Folhapress

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Moreira Franco, secretário-executivo do PPI

"Só o tempo dirá - As crônicas de Clifton, volume 1", de Jeffrey Archer, é a leitura de cabeceira do secretário-executivo do PPI, Moreira Franco. "É um romance que se passa nos anos 1920 do século passado. Nesse ambiente, a narrativa se desenvolve e nos leva até os anos 1940. Retrata as dificuldades dos operários e dos portuários, com personagens excepcionalmente bem estruturados", disse Moreira, um dos auxiliares mais próximos do presidente Michel Temer. Retomada em construção A construtora Setin vai investir R$ 170 milhões até o fim deste ano, com o lançamento de dois empreendimentos na capital paulista. Os novos residenciais serão localizados na Barra Funda (zona oeste) e na Vila Nova Conceição (sul) e deverão ter 280 e 18 unidades, respectivamente. Esses serão os primeiros edifícios lançados pela companhia neste ano –em 2015, a empresa começou a construir três empreendimentos. "Vamos lançar só o que imaginamos que não vai ter 'encrenca', e as vendas não vão empacar durante as obras. A ideia é não ficar sem vender, mesmo que devagar", diz o presidente da empresa, Antonio Setin.

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A partir do ano que vem, caso a economia continue a demonstrar sinais de recuperação, a construtora deve voltar a lançar mais projetos, afirma o executivo. 100 são os funcionários da empresa Sem amargura As exportações de açúcar subiram 31,5% de janeiro a agosto de 2016, segundo o Mdic (do Desenvolvimento Comércio Exterior e Serviços). No acumulado dos oito primeiros meses deste ano, as vendas ao exterior totalizaram US$ 4,8 bilhões (na cotação atual, R$ 15,7 bilhões). O consumo interno caiu, mas o mercado tem se valido do aumento da demanda internacional, de acordo com a Unica (entidade do setor). "A safra mundial do produto deve entrar em deficit até 2019, e a produção brasileira aproveitou essa brecha para crescer", diz Antonio de Padua, da associação. Embora o câmbio não esteja tão favorável para exportar quanto no começo do ano, com a menor oferta de açúcar, o preço do produto no mercado internacional subiu cerca de 64%, calcula. Leste e oeste Um grupo de 50 executivos brasileiros, sobretudo das áreas de infraestrutura e mineração, vai viajar ao Japão para buscar parcerias com empresas do país asiático entre terça (4) e quartafeira (5). "Além de estudar propostas para um acordo, uma meta é propor um programa de patentes semelhante ao que o Brasil tem com os Estados Unidos", diz Carlos Abijaodi, da CNI, que organiza a missão. Brincadeira... Os impostos representam 98,7% do preço de um console de videogame, segundo levantamento da consultoria BDO. O estudo avaliou a carga tributária dos produtos mais procurados para o Dia da Criança. ...sem graça Do valor de venda de um jogo de tabuleiro, por exemplo, 47,3% são taxas. O ICMS e a Confins são as que mais pesam nos preços finais, de acordo com Valmir Oliveira, da consultoria. Nova geração Nove em cada dez gestores ouvidos pela Robert Half, de recrutamento, dizem confiar no nível de preparo de profissionais da geração Y para cargos de liderança.

NOTÍCIAS: O que o mundo nos ensina sobre relações públicas e governamentais 31


Pedro Ladeira/Folhapress

O ministro da fazenda, Henrique Meirelles, conversa com o secretário do Tesouro dos EUA, Jack Lew FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, 01/10/2016 às 02h00 Dizem que o termo "fazer lobby" (lobbying) surgiu no século 19 quando peticionários reuniamse no lobby do hotel Willard, ao lado da Casa Branca, para tomar drinques e fumar charutos com Ulysses Grant, presidente dos Estados, e assim influenciar as suas decisões políticas. Influenciar pessoas que detém poderes de qualquer natureza não é privilégio de lobistas profissionais da política. Na realidade, a prática se dá o tempo todo no ambiente de nossas famílias, amizades e associações. Ocorre também, com grande força, dentro das empresas, e entre estas e os seus públicos externos. Uma recente pesquisa da McKinsey com executivos de 1.334 empresas do mundo mostrou que o envolvimento com atores do entorno da empresa, os chamados "stakeholders", nunca foi tão importante e prioritário como é hoje. Apesar disso, poucas empresas estão preparadas para responder a essa nova demanda e, menos ainda, têm tomado atitudes proativas de engajamento com eles. A pesquisa destaca que a função de relações públicas e governamentais tornou-se a prioridade número um da empresa para 16% dos CEOs consultados, sendo que metade deles a posiciona entre as três grandes prioridades. Em relação a governos e reguladores, a pesquisa destaca que mais da metade dos executivos americanos e europeus acredita que a ação dos mesmos trará impacto negativo para os seus negócios. Contudo, na Ásia a maioria dos empresários enxerga a atividade governamental com otimismo, mais como oportunidade do que risco.

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Tendo atuado na área no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia, aprendi que a função de relações públicas e governamentais tem diferentes "drivers" e formatos no mundo. Nos Estados Unidos predominam instituições fortes que conseguem se sobrepor aos políticos aventureiros. O foco americano é criar regras do jogo que permitam que as empresas e os negócios prosperem, na melhor ética protestante herdada do mundo anglo-saxônico. O lobby é regulamentado e exercido dentro de regras objetivas e transparentes. Grandes coalizões de interesses convergentes são formadas e moldam os movimentos das políticas públicas. Os políticos são umbilicalmente ligados às suas bases e manifestam opiniões claras sobre todos os assuntos do seu interesse. Na União Europeia, as relações públicas e governamentais são afetadas pelo mosaico de países, línguas e culturas. É o local onde o poder de uma complexa teia de "stakeholders" se faz mais intenso: associações, sindicatos, organizações não governamentais, comunidades, formadores de opinião, imprensa local e redes sociais ganham proeminência, em regiões com hábitos e costumes tão diversos. Na Europa, o foco não é o ambiente interno da empresa, mas sim o seu entorno. Já na Ásia o centro das relações externas das empresas são os governos e suas criaturas. Em alguns países, lideranças ou partidos políticos autocráticos comandam as decisões, sem oposição. No Japão, são os grandes conglomerados criados e apoiados pelo Estado. No sul e sudeste da Ásia, o poder costuma estar nas mãos de famílias ou etnias hegemônicas.

Em suma, o interesse central dos governos e das empresas varia muito no mundo e não há uma formula única para o sucesso. Nessa dança global, o profissional de relações públicas e governamentais precisa ter jogo de cintura para alinhar princípios éticos sólidos, estratégias corporativas claras, contribuições efetivas para a política pública dos países envolvidos e atendimento aos interesses dos stakeholders e às demandas da opinião pública.

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Essa é a complexidade e a beleza da profissão, que no Brasil precisa ser urgentemente repensada e valorizada para encarar os novos tempos e os novos desafios.

Renegociação de dívidas soma R$ 430,5 bi e alimenta recuperações de crédito Alta nesse montante foi de 82% em relação a 2014 FONTE JORNAL O GLOBO, RENNAN SETTI 02/10/2016 ÀS 04H30

Oi passa pela maior recuperação judicial já feita no país, com dívida de R$ 64,5 bi - Michel Filho / Agência O Globo RIO - A crise da dívida brasileira vai muito além daquela devida por estados e União: empresas e famílias estão afundadas em débitos caros e difíceis de honrar com a renda desidratada pela recessão. A gravidade da situação, porém, impulsiona segmentos que salivam justamente sobre créditos inadimplentes. Negócios como o de reestruturação de grandes dívidas corporativas, aquisição de carteiras de "crédito podre" e recuperação de contas em atraso estão tendo o ano mais movimentado dessa indústria. Existem, hoje, no Brasil R$ 403,5 bilhões em créditos bancários renegociados ou reestruturados - quando há mudanças nas condições de financiamento devido a dificuldades enfrentadas pelo devedor -, 82% mais do que em março de 2014, segundo números do Banco Central (BC). Considerando-se apenas as empresas, o valor subiu 85% no período, para R$ 176,56 bilhões. Não há dados consolidados sobre o mercado de assessorias para reestruturação corporativa, mas os casos de 20 grandes empresas que anunciaram ou concluíram este ano processos de reestruturação ou recuperação judicial mostram como a demanda está aquecida. O débito em jogo nessas empresas é de R$ 144,7 bilhões. Parte relevante é formada por títulos de dívida (debêntures e bonds emitidos no exterior), que não entram nas contas do BC. São casos de destaque como os de Oi - que passa pela maior recuperação judicial já feita no país, com dívida de R$ 64,5 bilhões - e Sete Brasil, mas também de firmas menores, como a Log-In, de logística que repactuou R$ 481 milhões, e Usina Coruripe, de açúcar e álcool, que reestruturou R$ 1,9 bilhão.

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- A crise se instalou em velocidade tão grande que a geração de caixa praticamente sumiu antes de as empresas conseguirem fazer ajustes. Sem poder pagar as dívidas, as empresas estão tendo que fazer reestruturações - afirmou Renato Franco, sócio da Íntegra, uma das pioneiras desse segmento no país, tendo reestruturado a Parmalat em 2006. O banco Brasil Plural estima que de 60% a 70% das companhias abertas não geram caixa suficiente para pagar sequer os juros de suas dívidas. A reestruturação envolve um diagnóstico da situação financeira da empresa que leva a uma renegociação com bancos e credores, em busca de alongamento e carência. Caso não dê certo, o caminho é partir para recuperações extrajudiciais ou judiciais. - Embora já haja alguma expectativa de reação econômica, isso ainda não chegou aos balanços das empresas. O que houve foi uma estabilização em um ponto muito baixo. Os juros continuam altos, o custo das empresas está entre 18% a 20% ao ano. Isso gera destruição de geração de caixa e vai demorar para melhorar - disse Ricardo Carvalho, chefe de Ratings Corporativos da Fitch. Bancos independentes e consultorias estrangeiros como Moelis, PJT, Rothschild e FTI Consulting vêm explorando com mais força esses serviços no Brasil, sobretudo quando bonds integram as dívidas. Estima-se que só a Moelis - que assumiu casos como Oi, Coruripe, Log-In e Tonon - já atuou na recuperação de mais de US$ 20 bilhões desde que chegou ao Brasil, em 2014. Mas a crise da dívida tem chamado a atenção de bancos que não atuavam no segmento. São instituições que viram encolher suas receitas com assessoria de fusões e aquisições - cujo número de transações caiu 28% no primeiro semestre, segundo a PwC - justamente por causa da crise e buscam recuperá-las por meio desse segmento. O americano JP Morgan é um dos novos entrantes, assessorando a Samarco na reestruturação de dívida líquida de R$ 13,1 bilhões. O Brasil Plural investe no segmento: criou a área de special situations há três anos e tratou de 15 casos que somam dívida bruta de R$ 25 bilhões. - Não somos um banco de crédito. Não temos qualquer conflito de interesse para fazer reestruturações, já que não somos credores das empresas - afirmou o sócio Warley Pimentel, que atua como presidente do Grupo Colombo, rede de vestuário masculino que contratou o banco para reestruturar dívida de R$ 1,5 bilhão. - Hoje, o segmento é bastante relevante para o banco. O Brasil Plural quer aumentar a equipe especializada nessa área de 12 para 18 funcionários este ano; no futuro próximo, o objetivo é dobrar o número. Em cada reestruturação, o banco contrata especialistas externos, como advogados e consultores. Os bancos credores se prepararam para fazer frente à deterioração das finanças corporativas, tornando improvável um abalo ao sistema, segundo Alcir Freitas, analista da agência Moody's. Segundo a agência, nos bancos privados, as provisões contra calotes equivalem a 180% dos créditos problemáticos, contra 150% em 2013. Os bancos têm sido mais atuantes na venda dos chamados "créditos podres", carteiras em atraso cuja chance de recuperação é considerada cara por ser mais improvável. Além disso, é uma forma de gerar receita extra num momento de menor concessão de crédito. Os sócios da 35


KPMG Brasil Fernando Omori e Fábio Barbosa estimam que o volume vendido pode chegar a até R$ 30 bilhões este ano, 15% mais que os R$ 26 bilhões do ano passado. No começo da década, o mercado era de R$ 6 bilhões; o potencial é de atingir R$ 50 bilhões em 2020, disse Alexandre Nobre, da RCB Investimentos, que compra e recupera carteiras. - O crescimento vai depender de os bancos adotarem uma estratégia de colocar ao menos 25% ou 30% de sua carteira no mercado - afirmou Nobre. Firmas como a RCB pagam entre 2% e 5% do valor de face dos créditos podres. - O mercado está mais movimentado, estamos crescendo 26% ao ano. Mas, por causa da crise, ficou muito mais difícil recuperar o crédito. Não existe mais devedor que não paga porque não quer. Isso é 1%. As pessoas não estão conseguindo pagar - contou Rodrigo Carvalho, diretor de Operações da Paschoalotto, que presta serviço de recuperação de crédito aos principais bancos e tem a Gávea Investimentos entre os sócios. A crise da dívida corporativa está levando à ampliação do sofisticado mercado de fundos de investimentos cuja rentabilidade está ligada a recebíveis inadimplentes. O patrimônio dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FDICs) com foco em crédito inadimplente saltou 136% em dois anos, para R$ 4,4 bilhões, segundo levantamento da consultoria Uqbar feito a pedido do GLOBO. Os maiores gestores são o Banco Merrill Lynch (patrimônio de R$ 1,74 bi) e a Península (R$ 513 milhões). - O segmento cresce tão fortemente que vem levantando a indústria de FIDCs como um todo disse Carlos Augusto Lopes, sócio da Uqbar.

Empresas no Brasil têm dívidas de R$ 3,6 trilhões Para Goldman Sachs, setor privado no país vai demorar a voltar a investir FONTE JORNAL O GLOBO, ANA PAULA RIBEIRO 01/10/2016 ÀS 08H 37

Notas de R$ 100 e R$ 50 SÃO PAULO - O governo federal conta com a participação da iniciativa privada nos projetos de infraestrutura e parcerias público-privadas, mas, a curto prazo, grande parte dessas empresas está mais concentrada em resolver seus problemas de endividamento. Levantamento do 36


banco Goldman Sachs mostra que o setor empresarial tem uma dívida total de R$ 3,6 trilhões, o equivalente a 61% do Produto Interno Bruto (PIB), e cerca de metade desse valor tem vencimento a curto prazo. Veja também: 

Fundos renda fixa e DI têm a melhor rentabilidade em setembro

Moreira Franco: desrespeito a contratos gerou forte insegurança jurídica

Desemprego bate novo recorde: 11,8%, atingindo 12 milhões de pessoas

PIB do Brasil vai atingir crescimento de 1,6% em 2017, diz Meirelles — A curto prazo, as empresas estarão mais focadas na gestão do seu balanço, na liquidez, do que em novos investimentos. A consequência desse processo de ajuste é um investimento menor — afirmou Paulo Leme, presidente do Goldman Sachs no Brasil, durante seminário realizado ontem pela revista “Exame”. Leme lembrou ainda que essa cifra, R$ 3,6 trilhões, é 22% superior a toda a dívida pública interna e externa. O prazo médio desse endividamento, por outro lado, é considerado baixo, de 6,7 anos, o que, muitas vezes, exige rolagem frequente desses compromissos financeiros. GERAÇÃO DE CAIXA EM QUEDA Se o endividamento do governo federal aumentou de forma acelerada, o mesmo ocorreu no setor corporativo. A dívida das empresas brasileiras cresceu cinco vezes em dez anos, mas a geração de caixa no mesmo período caiu 45%. Os setores menos alavancados são os de varejo e alimentação, enquanto os de mineração e metais e óleo e gás apresentam uma situação mais complicada. Apesar do quadro adverso, Leme reconhece que o setor privado deve contribuir para a retomada da economia, mas ressalta que isso irá acontecer por meio da entrada de recursos estrangeiros no país, que poderão financiar esses projetos enquanto as empresas locais se organizam: — Há uma oportunidade fantástica. O investimento estrangeiro tem imenso interesse em participar, mas os desafios de curto prazo são grandes. SOLUÇÃO PARA CONSTRUTORAS Devido à gravidade do cenário, Leme defende medidas excepcionais para recuperar a capacidade de investimento de empresas que atuam em setores específicos. Como exemplo, citou as construtoras, uma vez que as grandes estão envolvidas na Operação Lava-Jato, e boa parte delas já entrou em recuperação judicial devido à dificuldade de conseguir novos financiamentos e projetos em meio ao escândalo de corrupção da Petrobras. — É preciso ter uma espécie de fast track para construtoras. Elas precisam ser responsabilizadas, mas não podem se descapitalizar. O jurídico e o econômico precisam caminhar juntos — disse Leme.

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No estudo feito pelo Goldman, para que o país retome a taxa de crescimento de 4% ao ano, será necessário que a taxa de investimento (formação bruta de capital fixo) se aproxime dos 20%. No segundo trimestre, ficou em 16,8%.

Economia alemã passa ao largo da crise Com previsão de expansão de 1,9% este ano, país ignora efeitos de Brexit e perda de fôlego do euro FONTE JORNAL O GLOBO, GRAÇA MAGALHÃES-RUETHER 02/10/2016 ÀS 15H 53

Kurfürstendamm, principal avenida comercial de Berlim: economistas avaliam que país terá de lidar com envelhecimento da população - Graça Magalhães / Graça Magalhães-Ruether BERLIM - A economia alemã parece ter ignorado o Brexit, a crise do euro ou a crise mais recente dos refugiados. Segundo as previsões dos institutos de pesquisa econômica, a maior economia da União Europeia espera um "outono dourado", que é verificado também, pela primeira vez, no aumento do consumo interno. O crescimento de 1,9%, confirmado para 2016, deverá continuar estável nos próximos dois anos, com previsão de 1,6% e 1,5%. Veja também: 

Alemanha não pode apoiar eventual socorro ao Deutsche Bank

Notícia de acordo mais favorável faz ação do Deutsche disparar

Alemanha nega que esteja preparando plano para resgatar Deutsche Bank

Deutsche Bank diz que vai resolver problemas sem ajuda de Berlim A previsão apresentada esta semana pelos principais institutos de pesquisa - chamados de "sábios" pelo papel de assessoramento de suas análises - é sustentada, sobretudo, pelas exportações de máquinas de construção e tecnologia de ponta. Esta última é, ao lado da indústria automobilística, uma das principais bases da economia alemã. - A economia alemã espera um outono dourado - revelou Clemens Fuest, diretor do Instituto de Pesquisa Econômica de Munique (Ifo).

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Mesmo assim, o governo alemão adverte para o fato de que ainda existem fatores de incerteza, como um possível agravamento da crise dos dois maiores bancos alemães, o Deutsche Bank e o Commerzbank, e a crise do envelhecimento da população, cujos efeitos já poderão ser sentidos a partir de 2020. Já Simon Junker, do Instituto de Pesquisa Econômica de Berlin (DIW), é mais moderado. Na sua opinião, a Alemanha, com sua estrutura econômica mais robusta e mais competitividade, foi pouco afetada pela crise do euro, mas depende do capital estrangeiro, o que seria, porém, consequência da globalização. - As empresas do índice DAX da Bolsa de Frankfurt têm, pelo menos, 50% de suas ações na mão do capital estrangeiro - disse Junker. A Alemanha é hoje não apenas a campeã em exportações. Segundo análise divulgada esta semana pelo Fórum Econômico Mundial, a Alemanha é o quinto país mais atraente para os investidores internacionais. De acordo com Junker, o aumento do consumo interno também contribuiu para tornar o país mais atraente na avaliação de investidores. Até agora, o consumo era um ponto tradicionalmente fraco da economia alemã. O aumento da competitividade na zona do euro foi possível por meio de uma reforma do mercado de trabalho ainda durante o governo do ex-chanceler Gerhard Schröder (1998-2005). Com o arrocho salarial e um novo setor de salários baixos, a população passou a consumir menos. Mas os salários começaram a subir levemente desde o ano passado, e o poder aquisitivo aumentou também em consequência da queda dos preços do petróleo. Embora seja ainda cedo para os detalhes, os economistas observam efeito positivo do Brexit do ponto de vista alemão. - Quem tirou maior proveito do Brexit foi a Alemanha - avalia o economista berlinense. Segundo Christian Schulz Wulkow, do grupo imobiliário Ernst & Young Real Estate, já começou a corrida do capital estrangeiro em busca de imóveis comerciais na Alemanha. O volume de negócios do ano passado, de EUR 55 bilhões, deverá ser fortemente superado com os investimentos que foram transferidos para a Alemanha em consequência do Brexit. Para Daniel Eckert, analista econômico do jornal "Die Welt", a Alemanha tem uma "economia teflon", capaz de se livrar de tudo o que é negativo e de neutralizar um setor que tem desempenho negativo, expandindo em outras áreas. Mas as empresas de "porte médio" de máquinas de construção e de tecnologia de ponta continuam sendo a base. São empresas pouco conhecidas, capazes de exportar para o mundo inteiro, como a Haver & Boecker, que tem a sua sede na cidade de Oelde, de apenas 30 mil habitantes, no coração da província alemã. Embora desconhecida até dos próprios alemães, a Haver, que produz também arames especiais e máquinas de empacotamento, tem representações em 150 países, incluindo o Brasil (em Monte Mar, SP).

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Reinhold Festge, diretor executivo da Haver, que é também presidente da Federação Alemã dos Construtores de Máquinas e Instalações (VDMA), revela o segredo do sucesso do setor altamente competitivo:"A conjuntura é como uma onda, corre no mundo inteiro. Quando um mercado está saturado, segue adiante em busca de outros." A estratégia do setor foi detalhada por Ralph Wiechers, economista da VDMA. Para compensar a queda das compras dos países do euro ainda em crise (de 7%), foram acentuados os negócios com a China. Além disso, o terreno para a nova onda de exportações, para o Irã, já começa a ser preparado. Mas, para o próximo desafio já previsto na análise dos "sábios", a busca de soluções promete ser complicada e controvertida. Já em 2018 as empresas terão dificuldade em ocupar cerca de 500 mil empregos. A partir de 2020 os efeitos do envelhecimento da população, resultado de décadas de baixa natalidade, serão um desafio. O projeto de "aproveitar" os refugiados no mercado de trabalho vem sendo dificultado por dois aspectos: a resistência da população em relação à entrada no país de mais refugiados e o baixo nível de instrução profissional dos que chegaram até agora e que somam mais de um milhão de pessoas.

Na Argentina, Temer tenta reverter queda de 46% no comércio em 5 anos País foi o que mais rapidamente reconheceu a legitimidade de seu governo Fonte Rodrigo Cavalheiro, Jornal O Estado de S. Paulo, 03 Outubro 2016 às 12h37 O presidente Michel Temer aterrissou ao meio-dia desta segunda-feira, 3, na Argentina, país da região que mais rapidamente reconheceu a legitimidade de seu governo após o impeachment de Dilma Rousseff. É a primeira visita bilateral de Temer - ele foi à China e aos EUA para reuniões do G-20 e da ONU. A viagem inclui uma passagem pelo Paraguai, antes do regresso a Brasília. Acompanhado de cinco ministros, Temer seguiu diretamente para a Quinta de Olivos, residência oficial de Mauricio Macri. Os dois assinariam um acordo de facilitação do comércio e um de estímulo a pequenas e médias empresas, mas o principal objetivo da visita é uma reaproximação que reverta uma tendência negativa. O comércio bilateral caiu 46% nos últimos cinco anos, segundo a consultoria Abeceb. A jornais argentinos, Temer disse em entrevista publicada no domingo pensar parecido com Macri. O líder argentino elogiou a jornais brasileiros na semana passada a institucionalidade do processo de impeachment. Entre funcionários de alto escalão da embaixada brasileira em Buenos Aires, a viagem era considerada imprescindível e ocorreu na primeira janela possível após as passagens por China e EUA. A duração inferior a cinco horas teria relação com o processo eleitoral no Brasil e o perfil do convite. A diplomacia brasileira reconhece que a escolha dos destinos dentro do Mercosul está ligada ao apoio político a Temer. O Uruguai, que admitiu a legalidade do governo mas considerou "injusta" a saída de Dilma, ficou de fora.

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Foto: Divulgação

Manifestantes penduraram uma faixa com a inscrição 'Fora Temer' no muro e espalharam ratos de brinquedo na calçada. Ao receber Temer na residência oficial, e não na Casa Rosada, Macri afastou o encontro ainda mais da pompa requerida por uma visita de chefe de Estado, que em geral exige ida do convidado a sedes de outros poderes. Também distanciou o visitante de protestos programados para a Praça de Maio, em frente da sede presidencial, a 17 quilômetros de Olivos. Ao saber que Temer não passaria pela Casa Rosada, os manifestantes transferiram a primeira parte do protesto para a porta principal de Olivos. Eles penduraram uma faixa com a inscrição Fora Temer no muro e espalharam ratos de brinquedo na calçada. Na Praça de Maio, planejavam costurar pedaços de tecido no formato de países sulamericanos. Um grupo de lutas se apresentaria na praça com o lema "golpe, só de capoeira". Os militantes brasileiros enfrentavam um dilema. Admitiam precisar do apoio dos esquerdistas argentinos, mas não queriam cartazes de "Fora Macri" na manifestação. "Não gostamos do Macri, mas ele foi eleito. Tira o sentido estar perto do 'Fora Temer'", disse uma das líderes da manifestação que sugeriu, por segurança, atacar o "neoliberalismo". Outro problema do grupo era de sincronia. O reforço da militância kirchnerista e de sindicatos só chegaria à Praça de Maio às 18 horas. A esta hora, Temer já estaria no Paraguai. Assunção deu forte respaldo aos primeiros dias de Temer, principalmente no posicionamento contra a chegada da Venezuela à presidência temporária do Mercosul. A comitiva brasileira se reuniria e jantaria com o presidente paraguaio, Horacio Cartes, antes de voar para Brasília. 41


Pelo perfil dos ministros que acompanham Temer - Indústria e Comércio, Defesa, Justiça, Segurança Institucional e Relações Exteriores - assuntos ligados ao controle de fronteira estariam entre as prioridades na passagem pelos dois países. A negociação do tratado de livre comércio com a União Europeia e a aproximação com a Aliança do Pacífico também estavam no centro das discussões. Possível ponto de atrito. Um programa argentino de crédito tributário a empresas do setor automotivo preocupa a indústria brasileira. Alegando prejuízos com o Inovar Auto, plano brasileiro que concede desconto de até 30 pontos porcentuais do Imposto de Produtos Industrializados (IPI) às indústrias que utilizam conteúdo local e investem em melhoria tecnológica, os argentinos criaram um que concede um bônus tributário de 4% a 15% à indústria local e incentiva o uso de componentes nacionais. Esse programa poderá deixar os carros fabricados na Argentina até 18% mais baratos do que os brasileiros. Segundo o jornal Clarín, os brasileiros tentariam convencer os argentinos a adquirir aviões da Embraer para a frota presidencial de Macri, sucateada durante o kirchnerismo.

Varejo demite jovens e contrata funcionários mais maduros Do total de vagas cortadas no setor em 2015, 91,6% (ou 157,6 mil) ocorreram entre trabalhadores com até 24 anos de idade Fonte Daniela Amorim, Jornal O Estado de S. Paulo 03 Outubro 2016 às 11h39   

Notícias relacionadas: Desemprego cresce em ritmo mais veloz no interior do que nas capitais Números indicam que haverá agravamento no desemprego, diz Padilha População desempregada alcança recorde de 12 milhões, afirma IBGE

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Foto: Estadão Conteúdo

Em meio à crise nas vendas, o comércio varejista apostou na dispensa de trabalhadores jovens e contratação de funcionários mais maduros, segundo um levantamento feito pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Em 2015, o número de trabalhadores ocupados no varejo recuou pela primeira vez desde 1992. Ao final do ano passado, 7,92 milhões de pessoas trabalhavam no setor em todo o País, uma queda de 2,1% em relação ao ano anterior, o equivalente a 171.969 vagas a menos. Os dados foram compilados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho. Do total de vagas cortadas no varejo, 91,6% ocorreram entre trabalhadores com até 24 anos de idade, o que significa que 157,6 mil jovens perderam seus empregos. Ao mesmo tempo, a despeito da redução nas vendas, foram geradas 27,8 mil vagas no comércio varejista para trabalhadores com 50 anos ou mais de idade. Quanto à remuneração média, os cortes atingiram mais as faixas de renda mais altas: entre 5,01 e 10,00 salários mínimos (-9,5% ante 2014), de 10,01 a 20,00 salários mínimos (-10,3%) e acima de 20 salários mínimos (-7,4%). Em 2015, 89,7% dos comerciários recebiam rendimentos mensais entre 1,01 e 3,00 salários mínimos, o maior porcentual nessa faixa em 13 anos de levantamentos. As demissões atingiram, majoritariamente, os trabalhadores com escolaridade mais baixa. Os empregados que não completaram o ensino médio responderam por 99,5% do fechamento de vagas no varejo em 2015, o equivalente a 170,9 mil dispensados. Entre as dez profissões com maior participação na força de trabalho do varejo, a que mais cortou empregados foi a de auxiliar administrativo, com redução de 7,1% no número de vagas

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(-45,8 mil postos). Os vendedores, categoria profissional responsável por 33,9% da força de trabalho do varejo, perderam 33,8 mil vagas em 2015. O varejo é segundo maior empregador do País entre os 25 principais subsetores econômicos. A CNC ressalta que a queda no número de pessoas ocupadas coincide com o pior ano nas vendas do varejo. Em 2015, o faturamento real do setor apresentou a maior retração em 15 anos, 8,6% em relação a 2014, segundo a Pesquisa Mensal de Comércio apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Bancos patinam ao reagir a inovações de start-ups financeiras FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, TÁSSIA KASTNER DE SÃO PAULO 03/10/2016 às 02h00 Em uma tentativa de acompanhar as inovações das fintechs (start-ups do setor financeiro), os bancos estão importando produtos, serviços e a forma de comunicação dessas empresas para dentro de suas operações. Mas com as amarras da estrutura bancária tradicional, as grandes instituições ainda tropeçam em atender à demanda de uma parcela de consumidores que espera resolver qualquer tipo de problema por aplicativo no celular, sem falar com ninguém. As iniciativas vão de produtos que imitam o rival da empresa iniciante à maior oferta de serviços digitais. Há ainda casos mais ousados, como o do Bradesco, que planeja criar um novo banco digital do zero, a exemplo do que fizeram algumas instituições europeias. O banco não se pronuncia sobre o andamento do projeto, que deve sair nos próximos meses. O Bradesco, juntamente com o Banco do Brasil, também está por trás do Digio, um cartão de crédito moldado para concorrer com o da fintech Nubank, no mercado há dois anos. Os dois cartões não têm anuidade nem tarifas. O pedido é feito por aplicativos no celular, após preenchimento de um cadastro simples, envio de fotos de documentos e selfies. O controle de gastos também é pelo telefone, e a fatura mensal vai por e-mail –pelo correio, só o cartão. O Digio não oferece crédito rotativo, cujas taxas de juros de mais de 400% ao ano têm contribuído para o desgaste dos bancos. A experiência de um cartão sem essa linha de crédito será compartilhada entre Bradesco e Banco do Brasil, disse uma fonte ouvida pela Folha. CONTA DIGITAL O Itaú lançou há algumas semanas um aplicativo para abertura de conta-corrente pelo celular. O abreconta usa sistema semelhante de cadastro dos cartões, mas os serviços que podem ser contratados são analógicos: ficou de fora a conta digital iConta, que tem apelo com o público que não quer usar a agência nem pagar tarifa. Questionado, o Itaú disse que o objetivo do banco hoje "é adaptar o que o cliente tem à disposição na agência para o aplicativo" e que ainda está realizando pesquisas para decidir se irá permitir abrir a iConta na plataforma. 44


Em março, o banco Original lançou sua conta digital, aberta e controlada pelo celular. Não existem agências, e os saques são feitos nos caixas da Rede 24h. Mas a leveza da estrutura não significa tarifa zero –elas chegam a R$ 30 por mês. "A gente sempre tenta ser um pouco mais barato do que a concorrência e 100% transparente com o que oferece", diz Fernando Miranda, diretor de varejo do banco. Para Guilherme Horn, diretor-executivo da consultoria do setor financeiro Accenture, por mais que uma empresa consolidada tente, a velocidade das mudanças será menor que numa fintech. "Os bancos estão reagindo e conscientes do que precisa ser feito, mas a velocidade vai ser lenta porque eles têm processos muito arraigados", afirma Horn. A resposta de uma fintech à dificuldade de usar banco no celular sem custo veio do banco Neon, que abre as primeiras 5.000 contas. Pedro Conrade, presidente do Neon, antes tentou a Contro.ly, que oferecia serviços financeiros através de cartões pré-pagos. "Percebi que as pessoas não conseguiam abrir mão do banco só com o cartão pré-pago", diz. PROBLEMAS Os serviços oferecidos pelas fintechs tendem a ser mais básicos que os trazidos pelos grandes bancos. O Neon, por exemplo, não oferece crédito. Já o primeiro serviço extra do Nubank é o programa de pontos, que custará R$ 190 por ano, valor próximo da anuidade de um cartão. Antes desse lançamento, a fintech enfrentou críticas por ter subido a taxa de juros do rotativo –foi de até 7,5% para até 14%, próxima da praticada pelos bancos. Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank, defende que o aumento ocorreu para que a empresa pudesse aceitar mais clientes e elevar o limite de crédito dos usuários. "Nosso custo para ter dinheiro aumentou. Para a maioria a taxa de juros subiu, mas para alguns foi para 2,75%", defende. Banco Neon Banco com conta aberta pela internet, sem agência Regras > Conta é aberta por aplicativo no celular > Não há tarifa de serviços O que você precisa saber > Apenas o primeiro saque (na rede 24h) e a primeira transferência no mês são gratuitas > Cartão de débito pode ser usado em compras pela internet > Após aprovação, conta precisa de depósito de R$ 100 para começar a usar

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Folha testou > O banco liberou 5.000 contas e agora está em processo de aceitação de novos correntistas. Portanto, só o cadastro foi testado h2. Abreconta Itaú Aplicativo para abertura de conta-corrente Regras > É preciso baixar o aplicativo no celular > O candidato a correntista precisa fotografar documentos, fazer selfie e declarar a renda no app > Há cobrança de tarifas O que você precisa saber > O banco não permite a abertura da conta digital pelo app > É preciso escolher uma agência física de relacionamento Folha testou > De todos os aplicativos, foi o único que travou durante o cadastro > O processo de cadastro é mais burocrático que nos demais serviços, com mais informações a preencher > No processo de preenchimento de cadastro, o novo correntista escolhe se quer cartão de crédito (com anuidade), cheque especial e outros serviços Banco do grupo J&F (que controla a Friboi) Regras > O cliente abre a conta pelo aplicativo > O serviço é de conta-corrente digital > Há cobrança de tarifas O que você precisa saber > Banco iniciou operação mirando público com renda acima de R$ 7.000 > Limites de crédito e cartões podem ser aplicados a clientes com renda menor

Produção de petróleo e gás no Brasil bate recorde pelo 3º mês seguido De acordo com a ANP, só o volume produzido de petróleo avançou 2,4% em agosto, para 2,609 milhões de barris por dia Fonte Daniela Amorim, Jornal O Estado de S. Paulo 03 Outubro 2016 às 11h14

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Foto: Marcos de Paula/Estadão

Recorde anterior era de 3,21 milhões de barris por dia A produção total de petróleo e gás natural no Brasil totalizou 3,293 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boe/d) em agosto, alcançando patamar recorde pelo terceiro mês consecutivo, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O recorde anterior de julho foi de 3,21 milhões de barris por dia. A produção de petróleo foi de aproximadamente 2,609 milhões de barris por dia (bbl/d), um avanço de 1,1% em relação a julho e crescimento de 2,4% na comparação com agosto de 2015. O montante ultrapassa o recorde alcançado em julho, quando foram produzidos 2,581 milhões de barris por dia. A produção de gás natural totalizou 108,8 milhões de metros cúbicos por dia (m?/d) em agosto, também acima do recorde anterior de 107,2 milhões de metros cúbicos por dia registrado em julho de 2016. O montante representa um aumento de 1,5% em agosto ante julho e um salto de 9,6% na comparação com agosto de 2015. A produção do pré-sal - que inclui 65 poços - foi de aproximadamente 1,099 milhão de barris de petróleo por dia (bbl/d) e 42,2 milhões de metros cúbicos por dia (m?/d) de gás natural, totalizando 1,365 milhão de barris de óleo equivalente por dia (boe/d), um aumento de 3,6% em agosto ante julho. O resultado do pré-sal supera a produção 1,060 milhão de barris diários de petróleo e os 40,8 MMm3 de gás natural obtidos em julho. A produção total também superou o recorde do mês anterior, de 1,317 milhão de barris de óleo equivalente por dia. O aproveitamento de gás natural em agosto foi de 95,4%. A queima de gás foi de 5 milhões de metros cúbicos por dia (m?/d), um aumento de 13,5% ante julho e avanço de 7,8% em relação a agosto de 2015. Segundo a ANP, a principal razão para o aumento na queima de gás natural

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foi o comissionamento do FPSO Cidade de Saquarema, navio-plataforma localizado no Campo de Lula, na Bacia de Santos. Os campos marítimos produziram 94,4% do petróleo e 77,1% do gás natural. A produção ocorreu em 8.792 poços, sendo 781 marítimos e 8.011 terrestres. Os campos operados pela Petrobras produziram 93,4% do petróleo e gás natural.

Aumento de cotas a países-membros será discutida em reunião do FMI ZACH GIBSON/AFP PHOTO

FMI vai discutir possível aumento dos seus recursos financeiros aos países-membros

FONTE JORNAL FOLHA de S. PAULO, MAELI PRADO DE BRASÍLIA 03/10/2016 às 13h02 O FMI (Fundo Monetário Internacional) discutirá, na assembleia anual que realiza com o Banco Mundial nesta semana em Washington, um possível aumento das cotas dos países emergentes na instituição. Para cada país, o fundo atribui uma fatia, que varia segundo sua posição na economia mundial. O tamanho da cota determina o poder de decisão de cada país no fundo.

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Atualmente, o Brasil possui 2,32% do total das cotas. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, participarão da reunião.

A Folha apurou com membro do governo brasileiro nesta segunda-feira (3) que a discussão será sobre se os recursos atuais são ou não adequados para fazer frente a eventuais crises da economia mundial. "Pode-se elevar as cotas sem mexer na distribuição. Há uma crescente consciência de que vai ser necessário aportar mais recursos", disse o integrante. No início do ano, o Brasil passou a ser o décimo maior cotista do FMI, subindo quatro posições no ranking. "Além desse aumento recente, deve haver algum montante adicional de recursos". Uma das discussões prioritárias na reunião do FMI é o crescimento da desigualdade no mundo, inclusive dentro de países ricos, e entender porque a produtividade da economia mundial não está crescendo, apesar do aumento do progresso tecnológico no mundo. INVESTIDORES Meirelles, que embarca nesta terça (4) para Washington, terá reuniões bilaterais com os ministros de economia do Reino Unido, França e Austrália. O ministro ainda se reunirá, na quarta ou na quinta-feira, com representantes dos outros membros dos Brics (grupo de países emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia e China). No sábado (8), o ministro viajará para Nova York, onde se encontrará com investidores internacionais.

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Mercado reduz previsão para inflação e passa a ver corte nos juros em outubro Projeção da Selic para o fim do ano continua em 13,75%, com dois cortes de 0,25 ponto porcentual; estimativa para inflação caiu para 7,23% Fonte Reuters 03 Outubro 2016 às 10h16 Notícia relacionada:  BC prevê inflação abaixo da meta em 2017 e sinaliza corte de juro SÃO PAULO - Economistas consultados na pesquisa Focus passaram a ver um corte de 0,25 ponto porcentual na taxa básica de juros na próxima reunião do Banco Central, mas não alteraram a perspectiva para o final do ano. O levantamento divulgado pelo BC nesta segunda-feira passou a mostrar expectativa de corte na Selic, atualmente em 14,25%, na reunião dos dias 18 e 19 de outubro do Comitê de Política Monetária (Copom) depois de quatro semanas projetando manutenção. Mas a projeção para a taxa no final do ano permaneceu em 13,75%, portanto os economistas passaram a ver dois cortes de 0,25 ponto, em vez de apenas uma redução de 0,50 ponto na reunião de novembro. Para o final de 2017, a expectativa para a Selic continua sendo de 11%. Foto: André Dusek/Estadão

Mercado calibrou as apostas após a divulgação do Relatório Trimestral de Inflação do Banco Central

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A mudança veio na esteira da divulgação, na semana passada, do Relatório Trimestral de Inflação, documento que era altamente aguardado para que o mercado calibrasse suas apostas em relação à política monetária. Os economistas que mais acertam as previsões, grupo chamado de Top 5, também alteraram a expectativa para a reunião deste mês de manutenção para corte de 0,25 ponto, mantendo as projeções para a taxa básica ao fim de 2016 em 13,75% e em 2017 em 11,25%. No relatório, o BC passou a ver a inflação abaixo do centro da meta tanto em 2017 quanto em 2018, apontando progressos em relação à alta dos preços de alimentos e reforçando no mercado as apostas de corte de juros já na próxima reunião. Para a inflação, o Focus passou a mostrar estimativa de alta do IPCA de 7,23% em 2016, 0,02 ponto percentual a menos do que na semana anterior. Para o ano que vem a alta do IPCA esperada permanece em 5,07%. Em relação à atividade, não houve mudanças. A perspectiva de contração do Produto Interno Bruto (PIB) este ano continua sendo de 3,14%, com recuperação esperada em 2017 de 1,30%.

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