Brasil século xxi

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BRASIL, SÉCULO XXI por uma nova regionalização agentes, processos, escalas



BRASIL, SÉCULO XXI por uma nova regionalizaçăo agentes, processos, escalas

Organizadores: Ester Limonad - Rogério Haesbaert - Ruy Moreira Autores Ana Clara Torres Ribeiro Antônio Carlos Filgueira Galvão Bertha Becker Cláudio Antônio Gonçalves Egler Ester Limonad Ivaldo Gonçalves de Lima Jorge Luiz Barbosa Leila Christina Dias Roberto Luís de Melo Monte-Mór Rogério Haesbaert Ruy Moreira Sandra Lencioni Tânia Bacelar de Araújo


Copyright © 2004 - Editora Max Limonad (1ª edição) Copyright © 2015 - Editora Letra Capital (2ª edição) Copyright © 2015 Ester Limonad, Rogério Haesbaert e Ruy Moreira Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998 Nenhuma parte deste livro, sem a autorização prévia por escrito da Editora, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados.

Editor: Capa: Preparação e revisão de texto: Transcrição e edição de fitas:

João Baptista Pinto Eva Randolph Ester Limonad Flávia Quintaes Louvain

Comitê Editorial Ana Cristina Fernandes, Carlos Antônio Brandão, Ester Limonad, Geraldo Costa, Heloísa Soares de Moura Costa, Hermes Magalhães Tavares, Ivo Marcos Theis, Lilian Fessler Vaz, Rainer Randolph, Roberto Luís de Melo Monte-Mór, Ruy Moreira, Sandra Lencioni

B823 Brasil, Século XXI – por uma nova regionalização? Processos, escalas, agentes /organizadores:Ester Limonad, Rogério Haesbaert,Ruy Moreira. – Rio de Janeiro: Letra Capital Editora, 2015. 214p.:il.,mapas Inclui bibliografia ISBN 9788577852871 1.Geografia Humana-Brasil.:Planejamento regional. I.Limonad, Ester (org.) II.Haesbaert,Rogério(org.) III.Moreira,Ruy(org.) CDD: 304.20981

Letra Capital Editora Tels.: 21 2224 - 7071 | 2215 - 3781 www.letracapital.com.br


SUMÁRIO

1.

Apresentação Ester Limonad, Rogério Haesbaert e Ruy Moreira ............... 9

2.

Uma nova regionalização para pensar o Brasil? Bertha Becker ....................................................................... 11

3.

Política Nacional de Desenvolvimento Regional: Uma Proposta para Discussão Tânia de Araújo Bacelar e Antônio Carlos Galvão ............ 28

4.

Brasil século XXI, regionalizar para que? Para quem? Ester Limonad .................................................................... 54

5.

Novos rumos e tendências da urbanização e a industrialização no Estado de São Paulo Sandra Lencioni ................................................................... 67

6.

Rio de Janeiro: uma nova relação capital-interior? Ester Limonad ..................................................................... 78

7.

Sudeste Brasileiro: a institucionalidade da questão regional Cláudio Antônio Gonçalves Egler ........................................ 93

8.

Escalas Insurgentes na Amazônia Brasileira Ivaldo Lima ........................................................................ 103

9.

Urbanização e Modernidade na Amazônia Contemporânea Roberto Luís de Melo Monte-Mór ....................................... 112


10. A nova divisão territorial do trabalho e as tendências de configuração do espaço brasileiro Ruy Moreira ....................................................................... 123 11. Globalização e espaços da desigualdade Jorge Luiz Barbosa ............................................................ 153 12. A importância das redes para uma nova regionalização brasileira: notas para discussão Leila Christina Dias ........................................................... 161 13. Desterritorialização, Multiterritorialidade e Regionalização Rogério Haesbaert ............................................................ 173 14. Regionalização: Fato e Ferramenta Ana Clara Torres Ribeiro ................................................... 194


SOBRE OS AUTORES ANA CLARA TORRES RIBEIRO – Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, Docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pesquisadora e Consultora do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica. ANTÔNIO CARLOS FILGUEIRA GALVÃO – Doutor em Economia Aplicada, Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio-Ambiente pela Universidade Estadual de Campinas, Diretor da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional, do Ministério da Integração Nacional. email: antonio.galvao@integracao.gov.br BERTHA BECKER – Livre-Docente em Geografia, Professora Emérita do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pesquisadora e Consultora do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica, Consultora do Ministério da Integração Nacional. CLÁUDIO ANTÔNIO GONÇALVES EGLER – Doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas, Docente do Instituto de Geociências e da Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pesquisador e Consultor do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica. ESTER LIMONAD – Doutora em Estruturas Ambientais Urbanas pela Universidade de São Paulo, Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense, Pesquisadora e Consultora do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica. FREDERICO KRAMER COSTA - Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional, do Ministério da Integração Nacional. IVALDO GONÇALVES DE LIMA - Doutorando em Geografia pela Universidade Federal Fluminense, Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense. JOÃO M. DA ROCHA NETO - Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional, do Ministério da Integração Nacional. JORGE LUIZ BARBOSA - Doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo, Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense.


LEILA CHRISTINA DIAS – Doutora em Geografia pela Sorbonne (Paris I), Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina, Pesquisadora e Consultora do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica. MARIA JOSÉ MONTEIRO – Gerente da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional, do Ministério da Integração Nacional. ROBERTO LUÍS DE MELO MONTE-MÓR - Doutor em Planejamento Urbano pela University of California, Los Angeles, UCLA, Docente da Faculdade de Ciências Econômicas, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) e da PósGraduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais. ROGÉRIO HAESBAERT - Doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo, Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense, Pesquisador e Consultor do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica. RONALDO R. VASCONCELLOS – Gerente da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional, do Ministério da Integração Nacional. RUY MOREIRA - Doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo, Docente do Departamento e da Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense, Pesquisador e Consultor do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica. SANDRA LENCIONI - Livre-Docente do Departamento e da PósGraduação em Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Pesquisadora e Consultora do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica, PróReitora de extensão da Universidade de São Paulo. SUSANA L. LINS DE GÓIS - Consultora do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – IICA. TÂNIA BACELAR DE ARAÚJO – Doutora em Economia Pública, Planejamento e Organização do Espaço pela Sorbonne (Paris I), Docente da Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco, Secretária da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional do Ministério da Integração Nacional.


APRESENTAÇÃO

Este livro e o seminário que lhe deu origem são frutos do projeto de pesquisa “Economia fluminense - desigualdade espacial e economia globalizada” por nós coordenado, financiado pelo Edital Universal do CNPq para o período de 2001-2003, e desenvolvido no âmbito do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense por nossos respectivos grupos de pesquisa Gecel (grupo de estudos e pesquisa de cidade, espaço e lugar), Nureg (núcleo de estudos e pesquisa sobre regionalização) e Geret (grupo de estudos e pesquisa sobre reestruturação do espaço e do trabalho). Cabe assinalar que este seminário foi uma atividade combinada a um seminário interno, que originou o livro: Reestruturação Industrial e Espacial do Estado do Rio de Janeiro, organizado por Ruy Moreira. Gostaríamos de expressar nossos agradecimentos a todos aqueles que tornaram a elaboração desse livro possível. Nosso muito obrigado às Secretarias da Pós-Graduação e do Departamento de Geografia, às estagiárias de iniciação científica Andressa Lacerda, Flávia Quintaes Louvain, Luisa Simões e Mariane Biteti, que secretariaram este evento. Cabe esclarecermos o objetivo deste livro. Nossa meta era encontrar elementos que nos permitissem avançar na compreensão das transformações na organização espacial das estruturas industriais, à medida que na contemporaneidade, esse conhecimento constitui uma prioridade vital para países e regiões em suas relações internacionais. Tratava-se, além disso, de verificar em que sentido as desigualdades sócio-espaciais estariam a ser minimizadas ou acentuadas no processo de tornar o país competitivo e o que isto representava em termos de uma nova regionalização do espaço nacional - debate um tanto negligenciado nos últimos anos. A organização contemporânea do espaço no Brasil reflete o novo quadro das relações internacionais num mundo globalizado e a necessidade de novos parâmetros de análise. Neste sentido, para situar as questões assinaladas, abrem esta coletânea a conferência

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Ester Limonad, Rogério Haesbaert e Ruy Moreira

de Bertha Becker, acompanhada pela proposta para discussão de uma Política Nacional de Desenvolvimento Regional, elaborada pela equipe da Secretaria de Políticas de Desenvolvimento Regional coordenada por Tânia Bacelar de Araújo e Antônio Carlos F. Galvão; seguida pelas ponderações introdutórias de Ester Limonad. Os eixos de discussão direcionados, em particular, para o Sudeste e Amazônia, nada têm de fortuito. A região Sudeste emerge como foco por ser, indiscutivelmente, a área mais desenvolvida e urbanizada do país, onde, em função das inovações tecnológicas e da reestruturação produtiva, podemos observar mudanças nos padrões de urbanização e nos traços predominantes da organização espacial das atividades produtivas. Sobre estas tendências da urbanização e industrialização no Sudeste e no Brasil temos os trabalhos de Sandra Lencioni, Ester Limonad, Cláudio Antônio Gonçalves Egler e Ruy Moreira. A Amazônia, por sua vez, constitui o que poderíamos chamar de uma região de “ponta”, se adotássemos uma terminologia tecnológica, um espaço prenhe de potencialidades e transformações onde a urbanização assume padrões específicos e não segue os esquemas de outras regiões - onde se verificam interações e relações sócio-espaciais distintas, como apontam Bertha Becker, Ivaldo Gonçalves de Lima e Roberto Monte-Mór. Seguem-se a estes trabalhos os ensaios de Jorge Luiz Barbosa, Leila Christina Dias e Rogério Haesbaert que abordam diversos fatores e elementos a serem considerados na reflexão sobre as regionalizações contemporâneas. Encerra este volume a síntese de Ana Clara Torres Ribeiro, que visa tanto definir ângulos de leitura dos trabalhos aqui reunidos que contemplam o fenômeno - a regionalização - e as diferentes formas assumidas por seu questionamento, quanto buscar esclarecer diretrizes analíticas. Serão abordadas, portanto, diversas questões candentes relativas às possibilidades e potencialidades do desenvolvimento regional, elementos que contribuam para pensarmos um novo Brasil e repensarmos as regionalizações correntes com base nas experiências da Amazônia e do Sudeste. maio de 2004 Ester Limonad Rogério Haesbaert Ruy Moreira

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UMA

NOVA REGIONALIZAÇÃO

PARA PENSAR O

BRASIL?*

Bertha Becker

A questão central desse Seminário é: porque a temática da nova regionalização e a retomada da preocupação com a região? Em meu entender, este fato decorre hoje de pelo menos duas razões: •

a primeira é a reestruturação do território brasileiro nas últimas duas décadas, com a conformação de ilhas dinâmicas em diferentes partes do país, que alteram as regiões convencionais a segunda razão, no meu entender, está relacionada ao resgate do papel do Estado e do planejamento territorial.

Antes de tratar destas razões, contudo, gostaria de fazer duas ressalvas à apresentação deste Seminário. A primeira ressalva refere-se à menção a uma “tímida” desconcentração industrial a partir do Sudeste; a segunda à afirmação de que a descentralização industrial foi uma meta perseguida sem sucesso pelo Estado brasileiro. As razões apontadas acima para explicar a retomada da preocupação com a regionalização, são respostas a essas ressalvas. Fundamentarei, assim, minha exposição na discussão sobre as duas razões citadas seguida da análise de um exemplo, no caso a Amazônia brasileira. A reestruturação do território nas duas últimas décadas e as regiões Na verdade, as ilhas industriais que emergiram no território brasileiro foram objeto de um amplo debate teórico, na década de

* Conferência de Abertura do Seminário Brasil Século XXI, por uma nova regionalização? realizada no Auditório do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense.

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90, ligado à questão do impacto do modelo de integração competitiva na divisão territorial do trabalho. À forma como o Brasil se inseriu na globalização, bem como o impacto desse processo no território nacional. São inúmeros os trabalhos da década de 90, porém os geógrafos pouco participaram. A maioria dos autores concluiu que as mudanças estruturais associadas a esse modelo de integração competitiva, à crise do Estado e à exposição das empresas nacionais à concorrência estrangeira, favoreceram a concentração espacial, e não a dispersão. Campolina Diniz do C E D E P L A R 1 , mostra que houve uma reconcentração de forma muito mais ampliada partindo do Sudeste em direção ao Sul. Mas, a maioria dos estudos concluiu que, de fato este modelo favoreceu a concentração espacial das atividades econômicas e a redução dos níveis de articulação inter-regionais da estrutura produtiva, provocando, inclusive, a reversão do processo de desconcentração que havia caracterizado as décadas de 1970 e 80. Teria acontecido, assim, exatamente o oposto: houve uma reconcentração e uma reversão do processo de desconcentração. Para a maioria dos autores, mas não para todos. Outros autores, ao analisarem a instalação das plantas industriais em locais selecionados, a entenderam como um processo para assegurar a competitividade das empresas internacionais no mercado mundial a partir de forte seletividade. Então, não teria havido o esgotamento da desconcentração, mas uma desconcentração seletiva, em função dessa escolha locacional. E, essa desconcentração seletiva é que teria gerado ilhas de dinamismo no território nacional. Inclusive os setores mais intensivos em mão– de-obra ou no uso de recursos naturais estariam se localizando na periferia, enquanto os setores mais avançados em tecnologia estariam se concentrando no Sudeste. Um fato importante ligado a essas ilhas industriais é a diminuição da subordinação destas áreas ao pólo do Sudeste porque elas estariam diretamente relacionadas ao mercado global, à globalização, às firmas internacionais, em uma relação local-global escapando da influência do Sudeste. Isto é, estaria havendo uma despolarização econômica, mas com o risco de fragmentação nacional. Neste sentido temos o trabalho “Desconcentração Econômica e Fragmentacão da Economia Nacional”2, do Carlos Américo Pacheco, que foi secretário executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia no governo de Fernando Henrique Cardoso, onde na idéia de fragmentação da economia nacional estava quase que implícita a fragmentação da sociedade e

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do território nacionais. No entanto, não me parece ser isto o que ocorre – como veremos mais adiante. A segunda ressalva é a questão do reduzido sucesso da política estatal no sentido de promover a desconcentração. Aqui questiono se essa desconcentração também não se deve às políticas de descentralização do Estado nas décadas anteriores. Na verdade, elas influíram decisivamente como, por exemplo, na criação dos distritos industriais. Em outras palavras, a desconcentração não decorreu apenas das estratégias das empresas multinacionais; houve uma política estatal que favoreceu a desconcentração industrial no território nacional. Feitas as ressalvas em relação ao texto de apresentação do Seminário, quero fazer ressalvas ao próprio debate sobre a fragmentação do território e da economia nacional. O que sobressai desse debate é que houve um reconhecimento geral de que as macro-regiões, unidades básicas de intervenção em décadas anteriores, deixaram de ser as unidades representativas e operacionais para promover o desenvolvimento. Ademais, acredito que as explicações teóricas sobre o deslocamento das atividades podem ser ampliadas de acordo com todos os argumentos que foram apresentados nesse debate. O primeiro ponto que eu gostaria de chamar a atenção para a nossa discussão de hoje, é o rompimento da estrutura clássica centro-periferia sob a nova divisão territorial do trabalho. As periferias não são mais apenas consumidoras de produtos industriais e exportadoras de recursos; elas também têm produção industrial de produtos que são, inclusive, consumidos pelos centros. E, por sua vez, nos centros estão em curso processos de desindustrialização e de crescimento de bolsões de pobreza. Significa que o esquema clássico centro-periferia, em que a periferia só exportava recursos e absorvia produtos industrializados, modas e mídia “caiu por terra”. Está aí uma questão para discussão. Antes de prosseguir, quero fazer também ressalvas ao emprego do termo fragmentação, também utilizei há alguns anos, quando, com o fim da guerra fria, com a globalização, emergiram, como disse Harvey, múltiplas vozes, múltiplas sociedades, múltiplas reivindicações. Parecia uma eclosão do local em um momento em que se rompeu aquela dualidade do mundo contemporâneo. Mas, a reflexão que devemos fazer, que a Geografia, e outros campos do conhecimento devem fazer, é quais as novas relações que estão sob essa aparente fragmentação. O termo fragmentação não é adequado porque sugere uma ruptura. Na verdade não houve ruptura, mas uma reestruturação com novas relações, uma

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Bertha Becker

recomposição, em que algumas áreas declinam e outras surgem, em um processo dinâmico de reestruturação territorial. Inclusive, como já demonstrado por Henri Lefebvre há muito tempo, e já sabíamos, o capitalismo se mantém através da diferenciação espacial: a toda hora ele se reconstitui para extrair mais excedentes, mais-valia, de certas regiões. Há, assim, um processo dinâmico de reestruturação das regiões tradicionais e a formação de novas regiões, sub-regiões, em uma outra escala geográfica, que não as macro-regiões, que eram, como já assinalei, até recentemente, as grandes unidades de intervenção e de identificação. Persistem as relações entre as novas e velhas regiões, mas, há que implementar novas formas de analisar estas relações. Isto é relações inter-regionais persistem sob novas formas. Antigamente só eram considerados os aspectos referentes ao comércio interregional, mas hoje em dia essa relação é insuficiente, tendo em vista as relações on-line, as relações pessoais, a influência de fatores externos e internos. Há que se considerar, ainda, a potencialidade dos territórios, em termos de potencial humano e natural, de cultura e iniciativa política e de acesso às redes de comunicação e informação. Além disso, há que registrar, por exemplo, a influência das redes políticas. Há, então, uma série de relações não explícitas e não visíveis, às vezes, mas que são fundamentais, inclusive para caracterizar os territórios. No caso do Brasil, inclusive, deve ser considerado o papel das novas igrejas, um fator extremamente importante na caracterização e na configuração de novas regiões que crescem. Outro ponto importante a criticar no debate da década de 90 é a omissão das cidades. Falava-se das regiões, da reconcentração ou desconcentração, mas ninguém articulava a questão regional com as cidades. Não se pode tratar de região e regionalização sem levar em conta as cidades. A outra omissão relevante é a da nova escala continental: o Mercosul. O debate, também, não levou em conta, essa tendência extremamente importante, que, inclusive, retoma a importância das metrópoles brasileiras porque as metrópoles terão um papel fundamental na formação do Mercosul. O urbano também tem que ser valorizado nessa análise, não só no debate como na análise.

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O resgate do papel do Estado A segunda razão do porque do resgate da regionalização e da região, no meu entender, deve-se ao resgate do papel do Estado. E ao se tentar resgatar o papel do Estado, necessariamente se resgata a região. Porque as regiões, e isso é o mais importante, são expressões espaciais e territoriais concretas do Estado-Nação, são constituídas pela apropriação de parcelas do espaço por arranjos específicos de atores que conformam sociedades locais, que são a expressão social das regiões. De acordo com Dulong3, as regiões são constituídas por arranjos de frações de classes não monopolistas e adquirem uma certa identidade do ponto de vista da estrutura econômica, do ponto de vista cultural, do ponto de vista político. As regiões possuem uma finalidade política própria. Elas são elementos do próprio Estado, que não é uma entidade abstrata. Enquanto parte do Estado, enquanto expressão espacializada de interesses políticos específicos, as regiões dialogam com o Estado, pressionam, relativizam o poder homogeneizador e dominante do Estado, o que lhes confere um papel fundamental. Essas regiões resultam de uma relação dialética entre decisões tecnocráticas e práticas do poder, de um lado, e práticas sociais e demandas coletivas, processos coletivos, de outro lado. É nesse processo que se formam as regiões. Em alguns momentos, em alguns lugares, os adensamentos, as sociedades locais surgem e o Estado as legitima. Um exemplo seria, talvez, o caso da Europa. Em outros lugares, em outros momentos, é o Estado que atua primeiro, e depois se forja a região: os interesses políticos dos quais a região é uma expressão digerem a decisão tecnocrática e dão margem ao surgimento das sociedades locais que se apropriam da região. As sociedades locais relativizam o papel das decisões tecnocráticas do poder. O Estado tem que dialogar com as suas regiões, com os interesses políticos específicos espacializados e regionalizados, que são ele mesmo, em última análise, e negociar formas diferenciadas para poder agir. Eis a resposta do por que a retomada da regionalização e da região. Do ponto de vista teórico, é o resgate do papel do Estado, que na prática influiu também no aparecimento das ilhas dinâmicas na periferia. Não por acaso o Ministério da Integração hoje desenvolve a chamada Política Nacional de Desenvolvimento Regional. A diferença é que não se quer mais uma política ligada ao ministério, mas sim

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uma política integrada, que tem por objetivo a identificação do que ele denomina meso-regiões. Não quero usar esse termo, prefiro falar das sub-regiões, que emergiram no país ou estão em formação. A idéia é de que estas sub-regiões sejam complementares, e constituam o fundamento da política e do planejamento de acordo com um projeto nacional. Há, contudo, que discutir se há, e se houve, um projeto nacional. Creio que embora não explícito, houve um projeto nacional no passado recente e hoje em dia estamos diante de um novo governo cujo projeto é a retomada do desenvolvimento, mas com compromisso social e ambiental. Essa é a diferença. Porque antes havia um projeto desenvolvimentista, mas sem menor preocupação social e ambiental. E hoje se quer retomar o desenvolvimento, nesse sentido é desenvolvimentista, mas com o compromisso social e ambiental. E a política nacional, o planejamento tem que estar ligados às grandes diretrizes do projeto nacional. Agora vou falar um pouco, e dar um exemplo do que expus até aqui em relação à Amazônia. Um exemplo - a Amazônia No caso da Amazônia, a intervenção do Estado, do poder estatal autoritário, tecnocrático foi fundamental na criação das regiões. A Amazônia Legal foi uma criação geopolítica do governo federal para implementar o controle do território, com o argumento de propiciar o desenvolvimento regional. Tal intervenção, todavia, de desenvolvimento não teve nada, mas foi a primeira intervenção governamental que criou realmente uma região. Uma região que não correspondia só à região norte, ao bioma florestal; foram incorporados a esta região o estado do Mato Grosso e parte dos estados do Maranhão e o chamado norte do estado de Goiás, que posteriormente tornou-se o estado de Tocantins. As rodovias implementadas no período Kubitsheck, 1958-60 foram elementos espaciais fundamentais no recontorno da região, como se foram duas grandes pinças em torno da Hiléia: a BelémBrasília e a Brasília-Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco. Estas rodovias, como é notório, foram fundamentais no processo de ocupação da região e formação da fronteira econômica e demográfica nacional ao longo desse grande arco em torno da Hiléia. Mas, foi com o Programa de Integração Nacional de 1970 que, o Estado passou a tomar conta, controlar e ocupar a região.

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Mas como o Estado fez isso? Impôs sobre a região uma malha programada constituída de redes de integração, redes transversais, porque as outras já existiam: Transamazônica, Perimetral Norte, rede energética, rede ferroviária, enfim todos os tipos de rede; principalmente as redes de telecomunicações, estudadas por Leila Dias, que tiveram um papel fundamental na conectividade da região com os espaços externos à ela. Porque internamente a Amazônia continuou bastante desarticulada, o que contribuiu para acentuar suas relações externas. Incentivos fiscais e créditos induziram empresas e fazendeiros a ocupar a região, e vários mecanismos se encarregaram de induzir a imigração para ocupar o território e criar uma força de trabalho regional. A outra política importante desse Programa de Integração Nacional foi a superposição de territórios federais sobre territórios estaduais, como os pólos de desenvolvimento que marcaram a Amazônia: o Pólo Amazônia, implantado a partir de 1974; a incorporação em 1977 do recém-criado estado do Mato Grosso do Sul, ampliando a escala da Amazônia Legal; o Programa Grande Carajás e outros de exploração mineral; o Projeto Calha Norte. Grandes projetos e programas que asseguravam a presença da União na região, e que aí deixaram marcas profundas. O que houve, então, com a construção geopolítica da Amazônia Legal? A Amazônia Legal se diferenciou entre a Amazônia Oriental, que era a área de expansão da fronteira e a Amazônia Ocidental, mais preservada, longe das estradas, uma divisão nova ligada às políticas implementadas na região. Na década de 90 a resistência das populações locais, - tradicionais mais imigrantes - desencadeada com a expropriação de suas terras e da sua identidade gerou um movimento fantástico na Amazônia de organização da sociedade civil como nunca antes verificado na sua História. A resistência social, o esgotamento do nacional desenvolvimentismo com a crise do Estado, e a pressão ambientalista internacional e nacional, introduziram novas marcas na região e reconfigurações da Amazônia Legal. Nessa perspectiva destacamse a demarcação das terras indígenas, a criação de unidades de conservação, e os projetos comunitários formando-se uma nova malha ambiental e sócio-ambiental na Amazônia. As massas florestais passaram a ter novos recortes e projetos em seu interior. É extremamente importante considerar neste contexto que os novos atores, que são as populações ditas tradicionais e pequenos produtores que passaram a ter voz ativa na região, os índios, os ribeirinhos, os seringueiros com Chico Mendes, foram apoiados por

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um novo ator global extremamente importante, que é a cooperação internacional. Enquanto no período anterior do Estado autoritário, da ocupação da Amazônia, o capital internacional financiou a ocupação, das estradas e tudo o mais, na década de 90 tornou-se parceiro das populações tradicionais, dos pequenos produtores. A cooperação internacional ocupou o espaço deixado pela enorme retração dos investimentos produtivos na Amazônia, como, aliás, no resto do Brasil. Mas, há ainda um novo ator ao qual, em geral, se dá pouca atenção, mas é preciso levar em conta, que são os governos estaduais. Os governos estaduais passaram a ter uma importância maior dentro da região, com a crise do Estado, da União, inclusive com estratégias diferenciadas que eu quero destacar. Podemos distinguir, grosso modo, três grandes modelos ou estratégias de desenvolvimento dos estados amazônicos. O primeiro, é o modelo extensivo em área que é característico dos estados do Pará, do Mato Grosso, do Tocantins, do Maranhão, além dos estados de Roraima e Rondônia, que adorariam implementar este modelo, mas têm grande parte do território demarcado em terras indígenas e unidades de conservação, neles predomina a agropecuária, a soja, o dendê e outros produtos, mas sempre na base do modelo extensivo de apropriação de terras e de produção. O outro modelo oposto é o do Estado do Amazonas, que é o modelo da concentração industrial em Manaus, e que de certa maneira preservou o meio ambiente. As florestas foram preservadas devido a essa concentração industrial. Houve, todavia, apesar de muitas inovações grandes problemas em razão dessa brutal concentração em Manaus em relação ao restante do Estado do Amazonas. Dos dois milhões e meio de habitantes do estado, um milhão e meio encontra-se em Manaus, enquanto o outro milhão ficou largado à própria sorte. Houve uma proteção ambiental, mas uma desproteção social no estado do Amazonas. Porém, há que se reconhecer que este é um modelo que protege o meio ambiente. Enfim, o terceiro modelo se fundamenta no uso conservacionista da floresta, que no Acre é chamado de florestania, que é um nome lindo criado para se contrapor à cidadania. No Acre e no Amapá a questão social, os direitos sociais, estão vinculados ao uso conservacionista da floresta. São dois estados que enveredaram no, assim chamado neo-extrativismo, que é um extrativismo mais

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moderno, mais rentável. Aliás, este, é um dos grandes desafios que se colocam para os geógrafos e os planejadores: Como desenvolver e atribuir rentabilidade a esse modelo tradicional do extrativismo? Há, assim, novos atores com novas estratégias, como a Amazônia foi mudando, como foi reconstruída, inicialmente através da intervenção do Estado e, a seguir, das relações que se estabeleceram com as populações regionais. Essa combinação de ações resultou em uma nova geografia amazônica, que exige novas escalas de ação e uma nova política regional. Pois aquelas áreas que foram criadas devido às intervenções do Estado, os pólos, os projetos de colonização da União, os projetos do governo federal em Rondônia e na Transamazônica, geraram sub-regiões e uma malha sóciopolítica. Na Transamazônica, que foi gerada com o projeto de colonização, é impressionante o nível de organização da sociedade civil, constituída predominantemente por pequenos produtores familiares. Criou-se aí um projeto de colonização que foi digerido pela sociedade e se transformou numa sub-região fortíssima. Conversei uma tarde inteira com os líderes locais sobre o que eles precisam, quais são as demandas, sobre a necessidade de negociar com todos os envolvidos no processo de desenvolvimento. Eles têm clareza do que querem, resistindo à construção da hidrelétrica de Belomonte, na medida em que suas necessidades são outras: vicinais, armazenamento, títulos para suas terras, essenciais à produção familiar. A Amazônia mudou, portanto, e apresenta hoje uma rica diversidade regional, com novos atores, novos e diferentes interesses e demandas. Cabe ao Estado reconhecer essa complexificação e a existência de especificidades locais, se quiser contribuir para o desenvolvimento da região no âmbito de um projeto nacional. Nas pesquisas de campo, todas as categorias de atores sociais, sem exceção, apontaram como medida mais importante para solucionar conflitos e promover o desenvolvimento, a presença do Estado. Há, portanto que resgatar o seu papel, pois que o Estado de Direito ainda é a maior garantia que a sociedade pode ter para a democracia. Hoje, o Estado está fundamentando seu planejamento plurianual 2004/2007 (PPA) e o próprio plano da Amazônia (PAS-Plano da Amazônia Sustentável), em que um dos elementos centrais é o reconhecimento da diversidade regional em múltiplas escalas. O reconhecimento da diversidade e da necessidade de dialogar por parte do Estado é algo novo e extremamente positivo.

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O Plano Amazônia Sustentável (PAS) em meu entender é um plano bastante avançado, mas que tem chocado os ambientalistas. No primeiro parágrafo do Plano da Amazônia afirma-se que o meio ambiente não é um obstáculo ao desenvolvimento. Isto constitui uma grande mudança em relação à década anterior. Outra afirmativa diversa à visão prevalecente até agora é de que as estradas não são as culpadas pelos impactos negativos, que dependem da forma como são estabelecidas, sendo assim, resultantes ou da omissão do Estado ou da indução equivocada do Estado. Este Plano (PAS) estabelece cinco grandes eixos estratégicos: primeiro produção sustentável com tecnologias avançadas, segundo gestão ambiental e ordenamento do território, terceiro novo padrão de financiamento, quarto inclusão social e quinto infra-estrutura para o desenvolvimento. Há, inclusive, uma tendência do governo atual de resgatar grandes projetos na Amazônia: estão aí o Complexo do Madeira, Belomonte, a Cuiabá–Santarém. Já temos dez anos de denúncia de processos de impacto, está na hora de darmos um passo à frente e contribuir no sentido de tentar compatibilizar desenvolvimento com a sustentabilidade social e ambiental. Precisamos das estradas, da infraestrutura; todos os atores sociais amazônicos necessitam de vicinais e de energia para melhorar suas condições de vida. Porém, como realizar tal compatibilização? Este é o grande desafio que se coloca. Para tanto, é necessário, de início, ampliar o conhecimento sobre a região. Há uma nova geografia amazônica e cabem algumas observações a respeito. Uma novidade é que o Plano da Amazônia é destinado à região norte, não contempla o estado do Mato Grosso. Outra é a interpretação que proponho através de algumas hipóteses. A primeira hipótese, altamente polêmica, é que a Amazônia não é mais a grande fronteira nacional de expansão econômica e demográfica. As frentes de expansão ainda existem, mas estão localizadas ao longo de alguns eixos de estradas da região. Não há mais aquele afluxo migratório nacional de povoamento em torno da hiléia que caracterizou os anos 70. Ademais a migração não é mais nacional, é uma migração intra-regional, exceto no estado do Mato Grosso. E, as frentes são comandadas também e sobretudo por interesses intra-regionais, da própria região, não só do Sudeste ou de outros estados. Há, então, uma mudança qualitativa e quantitativa na fronteira. Não é mais a fronteira de âmbito nacional, embora as frentes localizadas persistam e estejam tendo um recrudescimento enorme

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nesse início de século XXI, por causa da soja e, também por causa das incertezas da economia. A terra pode ter voltado a ser um ativo importante para o investimento de dinheiro neste momento de incertezas e crise da economia. Distingo três grandes macro-regiões na nova geografia amazônica. A primeira, é a macro-região de povoamento consolidado. Corresponde ao que se denomina vulgarmente de “arco do fogo” ou “arco do desmatamento”, grande arco onde se expandiu a fronteira desde a década de 70, envolvendo a Amazônia extremo oriental, Belém, sudeste e leste do Pará até Tocantins, Mato Grosso e Rondônia. Essa denominação é uma falácia, porque no estado de Mato Grosso encontra-se a agricultura tecnificada da soja, a agroindústria, com produtividade maior do que a que dos Estados Unidos. Ademais, no próprio leste e sudeste do Pará está havendo uma grande modernização da pecuária e o indicador mais importante, a reforma de pastagens, mostra uma tendência à intensificação. Além disso, o complexo mineral de Carajás deixou de ser um enclave, e os royalties são investidos em municípios de seu entorno para o desenvolvimento local. Essas mudanças devem ser registradas. O “arco do fogo”, é hoje uma área de povoamento consolidado, que já faz parte do tecido produtivo nacional não lhe cabendo mais, portanto, esta designação. Parece-me mais apropriado, como um reconhecimento das mudanças que ocorreram, adotar o termo “arco do povoamento consolidado”. A Amazônia Central é a segunda macro-região, antigamente chamada de Amazônia Oriental, compreende o restante do estado do Pará, até a rodovia Porto Velho-Manaus. Esta é a região mais vulnerável, porque aí se encontram as grandes frentes de expansão. A mais antiga é a Cuiabá–Santarém, é uma frente completamente diferente das outras, porque é a expansão da velha colonização do Mato Grosso. Nesta antiga frente, os pequenos produtores, que migraram, hoje são pecuaristas médios, e estão aguardando o asfaltamento da rodovia, a realizar-se em breve, em razão da atual parceria dos governos dos estados do Mato Grosso e Amazonas, entre Blairo Maggi e Eduardo Braga, porque a Cuiabá-Santarém é um eixo central e seu asfaltamento melhorará as condições de custo da exportação da soja e dos produtos da Zona Franca de Manaus para o Sudeste Há uma frente nova, que é denominada de “Terra do Meio”, um nome lindo. “Terra do Meio” porque é um miolo de terra cercado por terras indígenas, e pertencente à União. Nela está havendo

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uma expansão violenta a partir de São Félix do Xingu com muitos conflitos entre fazendeiros. Trata-se de algo novo: a guerra não é mais entre fazendeiro e posseiro como nas frentes antigas, agora a guerra é entre os poderosos. É fazendeiro grande contra fazendeiro médio – como é o caso desse que foi assassinado com seus empregados recentemente. São fazendeiros do Pará, - por isso estou falando de interesses regionais, - do Tocantins e do Goiás, e dizem que há, inclusive, lavagem de dinheiro envolvida nessa frente. A outra frente novíssima é uma frente imensa no sul do estado do Amazonas: Humaitá, Lábrea. Nesta área se encontram companhias de colonização, fazendeiros que vêm do norte do Mato Grosso e, uma coisa nova, fazendeiros do estado de São Paulo, do Pontal do Paranapanema que estão sendo expulsos pelas ocupações do MST4. Antigamente os fazendeiros expulsavam os posseiros, agora são expulsos pelo MST que sabe quem tem e quem não tem título de terra. Esse processo já ocorreu há muitos anos em Rondônia, onde as fazendas sem título de propriedade eram invadidas. Os fazendeiros paulistas, então, estão vendendo suas “fazendinhas” de 2.000 ha sem título, e se apropriando de 40.000 ha no sul do estado do Amazonas. Essa frente nova, complexa, com diversos atores está transformando de forma acelerada o sul do Amazonas, e coloca em questão a reflexão sobre que ações podemos tomar para fazer face à essa situação. O maior problema, não é nem esta concentração e diversidade de atores, mas a enorme grilagem e apropriação das terras pelas madeireiras, que estão comprando imensas extensões de terras via satélite. Ao longo da estrada é possível fazer um certo controle, uma regularização fundiária, no entanto essa apropriação “virtual” é muito mais complexa. Uma possível solução estaria na criação de uma força-tarefa para controle das apropriações para além de 100 Km do eixo da estrada. Esta solução foi incorporada pela ADA (Agência de Desenvolvimento da Amazônia). A força-tarefa incluiria o IBAMA (Instituto Brasileiro de Amparo ao Meio Ambiente), o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), a polícia federal, as forças armadas, o SIPAM5, que tem um importante sistema de informação e de controle, e a cooperação internacional,que teve um papel fundamental na demarcação das terras indígenas com um trabalho muito bem feito. Estabelecendo as regras do jogo, podemos contar com a parceria entre a cooperação internacional e estes agentes em uma força-tarefa para

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o controle das áreas além da estrada enquanto não for possível estabelecer uma negociação. A Amazônia Central é a região mais vulnerável por dispor de uma grande extensão de massas florestais e de terras indígenas. As frentes estão localizadas exatamente onde, em 1999, já havíamos estabelecido a divisão entre Amazônia Oriental e Ocidental. Esta proposta de macro-regionalização, vai constar do Plano da Amazônia Sustentável (PAS) porque é necessário conhecer o território para definir as políticas adequadas às diferentes situações regionais. Não adianta elaborar uma política homogênea para uma região extremamente heterogênea; a política a ser traçada tem que ter princípios gerais e diretrizes baseados nas metas do projeto nacional mas adequados à diferenciação regional. Esse é o esquema. A Amazônia Ocidental é a área mais preservada, porém, como já foi assinalado, o sul desta região está sendo ocupado aceleradamente. Esta é uma área, no meu entender, de grande potencial do ponto de vista de uma produção sustentável e do aproveitamento da biodiversidade, o que é urgente para o Brasil. A sociedade brasileira teria que fazer pressão neste sentido. Estamos deixando a oportunidade da biodiversidade passar. Outro ponto a ser considerado é que essa nova geografia exige novas escalas. Já existem regiões, sub-regiões, consolidadas ou em consolidação na Amazônia, e estou trabalhando agora justamente na sub-regionalização. Por exemplo, no grande arco do povoamento consolidado, antes denominado de “arco do fogo”, do desmatamento, há grandes contrastes e diferenças. Nesta parte encontram-se o arco da embocadura que abrange Belém, São Luis, uma área com maior densidade de atividades econômicas e de povoamento; os núcleos de modernização do leste e sudeste do Pará, o corredor do Araguaia-Tocantins; no Mato Grosso encontrase a frente que sustenta a expansão em direção ao Amazonas, para Cuiabá-Santarém e toda agroindústria da soja; em Rondônia domina a agropecuária e o sistema agro-florestal, que é uma combinação do extrativismo com agricultura. Na região vulnerável da Amazônia Central, na área das frentes, há várias categorias de espaço, e agora também as frentes, e se destaca a sub-região da Transamazônica que, como já falei, estende-se de Repartimento até Itaituba. Algo novo no planalto de Santarém é a presença da Cargil, uma multinacional, que está terceirizando os pequenos produtores de arroz como produtores de soja; a empresa não compra e não se apropria de terras, atuando através da terceirização. A soja do planalto de Santarém está até atravessando o rio e penetrando na calha norte do rio Amazonas. 23 23


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Na região da Amazônia Ocidental, a mais preservada, identificamse: a) uma fronteira de integração representada por Roraima mediante a transmissão de energia da hidrelétrica de Guri uma estrada pavimentada que articula o Brasil com a Venezuela; b) a região étnica do Alto Rio Negro, caracterizada pela presença da população e cultura indígena, cujo nome deve ser mantido por constituir a força da região; c) Manaus e seu entorno, onde se desenvolve uma hortifruticultura comercial bastante dinâmica, um enclave, com indução do crescimento dos núcleos urbanos à sua volta; d) deve-se destacar, também as várzeas do Solimões, bem como a florestania do Acre, que compõem duas outras sub-regiões. Em outras palavras, há, atualmente, na Amazônia várias subregiões, cujo estudo e análise encontram-se em curso (sobre as quais estão sendo preparados mapas esquemáticos) e amplos espaços que ainda não possuem sub-regiões delineadas. As que foram aqui citadas são as que se encontram mais configuradas, e deverão ser consideradas na elaboração da nova política de desenvolvimento regional. Outra escala, que não pode ser esquecida, é a escala da Amazônia Transnacional, a Amazônia Sul-Americana. Não é mais possível refletir e estudar a Amazônia somente em termos brasileiros. É necessário pensar em termos continentais. Primeiro, porque corresponde a um capital natural com uma escala dentre as maiores do mundo. É lícito que se façam projetos conjuntos para o aproveitamento dessa potencialidade, da biodiversidade da água, o chamado “ouro azul” do século XXI, e que de acordo com muitos autores substituirá o petróleo como recurso escasso básico podendo gerar guerras. A Amazônia possui a maior concentração de água doce do mundo detalhe, que não pode ser esquecido... Por outro lado, é extremamente importante a integração continental para conquistar projeção coletiva no cenário político mundial e não se prestar à submissão, não apenas a pressão política das grandes potências mas ao domínio do poder econômico também. A integração continental fortalecerá a capacidade de fazer barganhas, inclusive em relação à ALCA6; e a integração da Amazônia Sul-Americana vai fazer parte e fortalecer o Mercosul, constituindo um contraponto à ALCA. E finalmente, mas não menos importante, é o fato de ter que defender o território e as fronteiras brasileiras das convulsões externas, como é ocaso do narcotráfico e das FARC7 da Colômbia, a instabilidade do Presidente Chaves na Venezuela, a crise da Argentina. Mas o problema maior é a presença militar crescente

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dos Estados Unidos desde a Costa Rica, América Central, Curaçau, Panamá, Colômbia até o sul, Equador, Chile, Peru, Bolívia, onde se implantam localidades de operação avançada – para não se chamar de bases. E, somente o território brasileiro não as possui porque reage, (a não ser a questão de Alcântara). A incidência da globalização aqui, se faz pela cooperação internacional e não pela presença militar. Faz-se necessária, então, uma estratégia para as fronteiras, inclusive devido ao fato das fronteiras políticas hoje, estarem sendo reativadas na Amazônia. Até recentemente consideradas fronteiras mortas, agora assumem um destaque muito maior em face destas ocorrências e da necessidade da integração para fortalecer o Mercosul. Também a integração continental demanda reflexão e contribuição dos pesquisadores no sentido de encontrar soluções para realizá-la, pois que não será possível realizar uma integração à base de infraestrutura – já prevista – geradora de impactos sociais e ambientais, já bem conhecidos. Parece, então, que o desafio, hoje, é compatibilizar crescimento econômico com compromisso social e ambiental; as cartas estão dadas e é necessário enfrentar este desafio, particularmente a questão da infra-estrutura. Considero três elementos fundamentais para tal compatibilização. O primeiro é a negociação. Negociação que implica em uma ampliação da participação, porque este termo da participação já cansou um pouco, e tem que envolver todos os atores, e não somente os pequenos. Estes, é óbvio, são fundamentais quanto a sua inclusão social, mas há de se negociar também com fazendeiro, com madeireira, na medida do possível. Daí a importância do zoneamento ecológico-econômico (ZEE), o qual, acredito, não foi devidamente compreendido pela sociedade brasileira. O ZEE é especificamente, um instrumento de negociação. No caso das frentes de expansão das madeireiras, a negociação é difícil, e há que recorrer à força da lei com a força tarefa. Um segundo elemento fundamental para esta compatibilização é justamente a regionalização, a valorização das diferenças e políticas adequadas às diferentes situações. Claro que, norteada por princípios gerais; não se trata de lidar com a sub-região isoladamente, mas sim do respeito às características de cada uma, inclusive ao seu ritmo, e de fortalecer na política os elementos necessários à dinamização de cada uma, como partes de um conjunto, num contexto que alguns economistas chamam de competitividade sistêmica. 25 25


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O terceiro ponto reporta-se à idéia de uma revolução científicotecnológica para a Amazônia. Penso que a Amazônia somente se desenvolverá com a “high tech” mesmo. O Brasil já fez três grandes revoluções tecnológicas; realizou uma para a exploração do petróleo na plataforma continental, que é uma inovação brasileira extremamente importante; uma outra foi a revolução tecnológica para a mata atlântica, transformando a canade-açúcar em combustível, revolução tecnológica muito conhecida no exterior e pouco valorizada no Brasil; a terceira revolução tecnológica foi feita para o cerrado, ocupado pelo gado “pé-duro” até a década de 70, e hoje é uma área de grande produtividade de soja, de uma agroindústria avançada e que vem sustentando grande parte da balança comercial brasileira. É lícito plantar a soja no cerrado tomando mais cuidado, evitando a erosão e a poluição de rios mas foi uma revolução tecnológica fantástica. O problema a impedir, é a expansão da soja em áreas florestais. Hoje, está na hora de implementar uma quarta revolução tecnológica para o bioma da floresta amazônica, baseada na biodiversidade e na biotecnologia. E não só para permanecer presa à pesquisa nos laboratórios, mas sim destinada a vários níveis de utilização. A questão dos fármacos é fundamental; avançamos muito em Manaus, onde já existe a construção de um pólo cosmético na base de óleos vegetais e um pólo de extratos, em que Coca-Cola e Pepsi-Cola são os grandes compradores. Há dados revelando que os extratos já respondem por 1/3 das exportações da Zona Franca de Manaus. Representa a primeira grande mudança no modelo da Zona Franca estabelecido há quarenta anos voltado para a produção de eletro-eletrônicos, seguido da indústria de duas rodas (motos e bicicletas) e que agora está se voltando para a biodiversidade e biotecnologia, ainda que modestamente. Repito, a sociedade deve pressionar pela questão da biotecnologia, e para avançar em direção à produção de fármacos. Gastamos milhões com remédios enquanto a biodiversidade é distribuída ou permanece sem aproveitamento. E também pressionar para ligar a biotecnologia à produção de produtos não madeireiros, no seio da floresta, formando cadeias produtivas, e mesmo produtos madeireiros, porque as florestas e a biodiversidade são a grande base da riqueza regional. Rumo, então, à revolução tecnológica para o bioma florestal amazônico. o0o

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Notas e Referências Bibliográficas 1

CEDEPLAR - Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais.

2

PACHECO, C.A. 1996. “Desconcentração Econômica e Fragmentação da Economia Nacional” in Economia e Sociedade. Campinas: Unicamp. v.6, p.113 - 140.

3

DULONG, R. “A crise da relação Estado/sociedade local vista através da política regional” in POULANTZAS, N. (org.). 1977. O Estado em Crise. Rio de Janeiro: Graal.

4

MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra - Brasil.

5

SIPAM - Sistema de Proteção da Amazônia..

6

ALCA - Área de Livre Comércio das Américas..

7

FARC - Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia..

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