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A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 26 DE NOVEMBRO DE 2011

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arte urbana

Pensar

por Luiz Eduardo Neves

DIVULGAÇÃO

A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 26 DE NOVEMBRO DE 2011

NAS RUAS, TUDO É GRAFFITI Os primeiros grafiteiros do Estado surgiram no final dos anos 80. Mas essa arte só atingiu sua maturidade por aqui na virada do século

A Nos estilos “personagem” e “tag”, os traços dos artistas Somall e Iran preenchem um dos muros de Jardim da Penha, em Vitória

Na Ilha de Santa Maria, em Vitória, quem passa pela rua pode ver a obra de Alecs Power e Fredone Fone no estilo “letras”

expressão pichação é utilizada apenas no Brasil. Em qualquer outra parte do mundo, tudo é graffiti. Tal afirmação tem mais sentido quando pensada numa linha histórica, que é permeada de fatos que retornam em diferentes períodos. Claro que esse intervalo do tempo pode ter ondas cíclicas maiores, como é o caso das pinturas em paredes. Arte rupestre é o nome que se dá às mais antigas representações pictóricas conhecidas. Datadas a partir do período Paleolítico Superior (40.000 a.C.), as primeiras impressões de registro artístico foram gravadas em cavernas ou também em superfícies rochosas ao ar livre. As pinturas rupestres são vibrantes descrições do cotidiano pré-histórico realizadas em policromia que, determinada a imitar a natureza com o máximo de realismo, gravaram para sempre as observações feitas durante as caçadas ancestrais. Milhares de anos mais tarde, a partir dos anos 60, a arte nas paredes ressurgiu por meio do braço das artes plásticas da cultura hip-hop. No Bronx, subúrbio de Nova York, para dividir o território dominado pelas gangues, pintavam nos muros palavras quase ilegíveis, denominadas tags, facilmente reconhecíveis como símbolos de um grupo. Não apenas paredes e monumentos recebiam tintas. Toda a cidade, os metrôs, viraram alvos das gangues que buscavam divulgar sua existência. O conceito continuou o mesmo durante alguns anos, até que as tags não comportaram mais a ansiedade dos artistas. As pichações ganharam estilo e assumiram o status de graffiti, com a inclusão de personagens e cenários. Na terra brasilis, o hip-hop começou a surgir em meados de 80, por meio das equipes de black music, como Chic Show, Black Mad, Zimbabwe, além de algumas revistas e dos discos que apareciam na galeria da rua 24 de Maio, em São Paulo. Os pioneiros praticavam quase todos os elementos desse novo movimento cultural – o break, o graffiti e o rap.

Coloridas angústias

Os grafiteiros Iran e Cain dividem o espaço com placas e publicidade numa parede da Ilha do Príncipe, no Centro de Vitória. A dupla usa tag e personagem para estabelecer um contato com quem passa pela rua

Os primeiros grafiteiros da Grande Vitória também dançavam, cantavam e pintavam pelas ruas e paredes da cidade. Há mais de vinte anos, começavam a aparecer os primeiros grafiteiros capixabas. Entre eles, Edson Sagaz, que, em 1989, comprou duas latas de spray – uma vermelha e outra azul – para dar início às primeiras intervenções coloridas no cinza das edificações urbanas. Ao longo da década de 90, personagens como Cyborg, Chicão, Alecs Power, Sandrinho, Aloyr e Fredone Fone surgiram, acrescentando técnicas que, na virada do século, formaram a identidade estética da arte urbana local. Os graffitis que vemos por aí podem ser classificados por seus estilos e praticantes. Por exemplo, artistas como Fagundes e AQI desenvolvem o Realismo, enquanto Moska, Kika e Giu dominam os Personagens. Smoke e Maik trabalham mais com o Freestyle. As Letras são especialidade de Alecs Power e Japão. No entanto, o estilo clássico da Tag todos dominam. Porém, para essa arte ser decodificada, é preciso conhecer os códigos da cultura hip-hop. As mensagens descritas nas obras dos grafiteiros são uma verdadeira “queda-de-braço” com o poder constituído, tendo em vista a sociedade descrita pelo filósofo francês Michel Foucault, pois os integrantes de tal cultura não compram ideias prontas. Há a necessidade de produzir algo para o seu próprio consumo. É necessário colocar a cara a tapa sem a necessidade de obter sucesso. Entretanto, a aceitação faz parte do objetivo de qualquer tipo de arte, mesmo que isso não seja declarado. O artista quer aplausos, quer reconhecimento. Entre esses artistas estão os grafiteiros. Marginais, os seus quadros são os muros - a sua janela para o reconhecimento a partir dos transeuntes das ruas das cidades. Se o poder constituído não lhes cedeu espaço, eles retomaram um modo de exprimir suas angústias e sentimentos. Da mesma forma que as pinturas rupestres, o graffiti é um reflexo estético dos anseios do homem, se fazendo notar por seu caráter primordial: encher de desenhos coloridos os espaços da vivência humana.


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