e-book Sala de Conto #1

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SALADECONTO

Inenarrável Material de Apoio para Contistas em Formação no Inspirador Curso de Escrita Criativa Criado pelo Inexpugnável Tiago Kickhöfel

Vai escrever teus contos, maluco!

nenhum direito reservado, senão desejado por Tiago
Kickhöfel

NOITES

CHÁ #1

FUNDAMENTOS DO CONTO Princípios teóricos do conto

PLANEJAMENTO (1/2)

Personagem Sinopse

TAREFA

2 sinopses originais

CHÁ#2

PLANEJAMENTO (2/2)

Beat-sheet

Projeto

TAREFA

1 beat-sheet + pré-projeto

CHÁ#4

CHÁ #5

LABORATÓRIO (2/2)

Leitura coletiva

CHÁ #3

MENTORIAS INDIV. Agendadas

TAREFA

1º tratamento

LABORATÓRIO (1/2)

Leitura coletiva

Mapa indiv. de revisão

TAREFA

2º tratamento

CAFÉ #1

RELATÓRIO

Leitura-crítica individual

Google Meet https://meet.google.com/mte-kexh-xtg LINKS Drive AGENDA Chá #1 - 7/8 - 19h-21h30min Chá #2 - 14/8 - 19h-21h30min Chá #3 [Agenda] - 21, 22, 23/8 - 20min Chá #4 - 28/8 - 19h-21h30min Chá #5 - 4/9 - 19h-21h30min SALA #1 WhatsApp

#1 FUNDAMENTOS DOCONTO MODERNO

Teoria do conto

Conceitos para entender a forma

CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DO CONTO

FICÇÃO

TEXTO NARRATIVO ENREDO NÃORIZOMÁTICO
RECORTE CENA EPISÓDIO
BREVE
TEMPO E ESPAÇO CONDENSADOS CLÍMAX E DESFECHO COINCIDENTES ORIGEM NA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS ORAIS
PERSONAGENS REDUZIDAS
IDENTIFICAÇÃO POPULAR
ESCALONAMENTO DE TENSÃO

ANALOGIAS TEÓRICAS

“Se é que serve para alguma coisa, escrevo baseado no princípio do iceberg. A dignidade do movimento do iceberg é que somente um oitavo de sua grandeza brilha ao sol: há sete oitavos submersos, para cada parte que aparece. O que você conhece, pode ser eliminado, e a parte que não aparece só robustece o iceberg.”

O [tema] excepcional reside numa qualidade parecida à do ímã; um bom tema atrai todo um sistema de relações conexas, coagula no autor, e mais tarde no leitor, uma imensa quantidade de noções, entrevisões, sentimentos e até ideias que lhe flutuavam virtualmente na memória ou na sensibilidade;

Um escritor argentino, muito amigo do boxe, dizia-me que nesse combate que se trava entre um texto apaixonante e o leitor, o romance ganha sempre por pontos, enquanto que o conto deve ganhar por knock-out.

É verdade, na medida em que o romance acumula progressivamente seus efeitos no leitor, enquanto que um bom conto é incisivo, mordente, sem trégua desde as primeiras frases.

Julio Cortázar (1964)

Enquanto no cinema, como no romance, a captaçã mpla e multiforme é alcançada mediante o desenvolvimento de elementos parciais, acumulativos, numa fotografia ou num conto de grande qualidade se procede inversamente, isto é, o fotógrafo ou o contista sentem necessidade de escolher e limitar uma imagem ou um acontecimento que sejam significativos, que não só valham por si mesmos, mas também sejam capazes de atuar no espectador ou no leitor como uma espécie de abertura, de fermento que projete a inteligência e a sensibilidade em direção a algo que vai muito além do argumento visual ou literário contido na foto ou no conto.

#1 PLANEJAMENTO (1/2)

Pré-escrita Personagem Sinopse

A PERSONAGEM, ANTES DE TUDO

Todos os componentes do conto - narrador, enredo, espaço, tempo - são criados e organizados por reflexo à personagem, sendo assim, o sucesso da narrativa depende sobremaneira de sua construção e desenvolvimento.

Dois atributos são imprescindíveis ao desenvolvimento da personagem protagonista na narrativa literária:

1) Ter bem definida a questão essencial que provocará os conflitos e moverá a história;

2) Passar por uma transformação ao fim da história.

Essa capacidade de transformação é uma das principais características da "personagem esférica" , porquanto a "personagem plana" não se modifica pelas circunstâncias.

Protagonistas são, portanto, personagens essencialmente esféricas.

AQUESTÃOESSENCIAL

A questão essencial de uma personagem é o que a faz agir, o que a motiva para tal. Pode ser uma necessidade, um desejo, uma perda, uma sorte... algo que deu origem à história e que nela se desenvolve e encerra.

Exemplo: Para recuperar o respeito da pequena comunidade onde mora, o velho dono de um decadente posto de combustível mente para os vizinhos que o posto em construção frente ao seu lhe pertence.

Questão essencial: O protagonista precisa sustentar uma mentira.

É da questão essencial que emanam os conflitos estruturantes da história.

É nela que atuam os agravantes da tensão narrativa.

No mesmo exemplo: Para convencer da mentira, o velho oferece emprego a um vizinho; compra mantimentos fiado na mercearia para oferecer comida aos peões; troca a placa do posto, colocando outra com o seu nome.

conflitos e agravantes: os riscos que o protagonista corre, se a verdade for revelada, são cada vez maiores.

Nós, contistas, devemos criar obstáculos que tensionem diretamente a questão essencial das nossas personagens.

Os conflitos, em agravo crescente de tensão, leverão a história ao seu clímax, o ponto mais tenso e arrebatador para a personagem.

ATRANSFORMAÇÃO

Toda a personagem protagonista passa por uma transformação significativa e diretamente ligada à questão essencial, seja alcançando seu objetivo ou falhando miseravelmente. De todo modo, ela não será a mesma após o clímax.

Seguindo no exemplo anterior: O engenheiro do novo posto chega para conferir as obras e revela a mentira do velho para toda a comunidade, que o desgraça moralmente. O velho, então, abandona a comunidade em vergonha.

transformação: da busca por respeito ao desrespeito total.

Exercício 1

Leia o conto "Perda e recuperação do cabelo", de Cortázar, e resuma:

a) A questão essencial da personagem;

b) Os conflitos agravantes;

c) O clímax da história;

d) A transformação (hipotética) da protagonista.

SINOPSE

Sabendo o que move nossa personagem (questão essencial) e a transformação pela qual passará após o clímax da história, ou seja, seu início e fim, podemos avançar no planajemento do nosso conto resumindo-o em uma sinopse.

A sinopse é um texto expositivo que resume, em aproximadamente três frases, a história a ser narrada.

! não confundir com sinopse de venda, cujo objetivo é aguçar a curiosidade e o interesse do leitor. A sinopse de planejamento serve para resumir a história do início ao fim, como guia para o seu desenvolvimento.

Basicamente, uma boa (e útil) sinopse de planejamento é composta por:

Caracterização básica da protagonista + questão essencial + sugestão dos conflitos + clímax + transformação

Exemplo de sinopse:

Para recuperar o respeito da pequena comunidade onde sempre morou, Élbio, o velho dono de um decadente posto de combustível (caracterização básica) mente para os vizinhos que o posto em construção em frente ao seu lhe pertence (questão essencial); fingindo ser o dono, ele colhe as benesses da mentira (sugestão dos conflitos) até que a verdade é revelada e a comunidade o hostiliza (clímax) ao ponto de precisar abandoná-la (transformação).

Tarefa 1

Crie 2 sinopses originais para que 1 delas seja desenvolvida em conto durante o curso.

Sugestões

Ondeprocuraraquestãoessencialdapersonagem?

Na profissão: algo impede a realização profissional da personagem (mar sem peixe, engraxate e tênis); algo que limite o desempenho do trabalho (professora de linguística com Alzheimer, aposentadoria)

Nas relações amorosas: encantos; desencantos; término; casamento; deslocamento afetivo

Nos aspectos financeiros: dívida; herança; sorte lotérica; falência

Nas relações familiares: rompimento de laço; maternidade/paternidade; dinâmicas do lar

Na contravenção: crime; investigação; confissão

Nos extremos da vida: nascimento e morte

Na intimidade: segredo

Pequena Miss Sunshine

Garotinha quer ser miss infantil e tem o corpo fora dos padrões estéticos (absurdos)

Central do Brasil

mulher solitária se apega a um garoto órfão e decide levá-lo até sua família

#2 PLANEJAMENTO (2/2)

Pré-escrita Beat-sheet Projeto

BEAT-SHEET

Beats são unidades de ação narrativa.

Cada beat descreve um acontecimento ou ação/reação da personagem.

O conjunto total dos beats de uma história é o que forma um beat-sheet.

Beat-sheet de "O Abutre"

* Um homem tem os pés sendo dilareçados por um abutre;

* Um cavalheiro passante pergunta por que o homem suporta o abutre;

* O homem explica que não tem outra opção;

* O cavalheiro afirma que um tiro resolveria o problema;

* O homem pergunta se o cavalheiro faria o disparo;

* O cavalheiro concorda e pede que o homem o espere ir em casa buscar o fuzil;

* O homem agradece e o cavalheiro vai embora;

* A abutre escuta e entende o plano dos homens;

* O abutre voa para pegar impulso e mergulha na boca do homem;

* Ambos morrem. O abutre afogado no sangue do homem.

Beat-sheet é um documento que:

apresenta objetivamente todos os pontos principais do enredo;

facilita o encadeamento causal das (re)ações da protagonista frente aos acontecimentos;

organiza de forma sucinta a estrutura narrativa básica, limitando-se ao que é fundamental à compreensão da história, sem elementos de estilo ou tratamentos estético-literários (estes serão elaborados no Projeto).

O importante é que o beat-sheet condense de maneira clara e objetiva todos os pontos fundamentais para a compreensão geral do enredo.

Dica: mesmo que pretendas organizar a estrutura narrativa de forma fragmentada, articulando movimentos temporais não lineares, é importante saber como a história se desenvolve cronologicamente. Para isso, primeiro escreva os beats do conto de forma cronológica e no presente do indicativo, depois, se necessário, poderás reorganizá-los na ordem que achar mais interessante ao conto.

Tarefa2: Criarobeet-sheetdasinopseescolhida.

PROJETO

A partir de 3 aspectos (personagem, narrador e estrutura) podemos arquitetar um projeto sólido que nos guie durante o desenvolvimento literário do conto.

PROJETO

Bom, agora que já sabemos o que move a nossa personagem, as ações/reações que ela executa, do início ao fim do conto, em função desta necessidade, e a transformação pela qual passará após o clímax da história, é momento de definirmos os aspectos narratológicos, estruturais e estéticos da narrativa.

Avancemos à etapa de planejamento do conto revisitando nossa personagem. Antes de a lançarmos às vicissitudes da história que definimos no beat-sheet, é importante que ela esteja consistente, isto é, que consigamos imaginá-la (física e psicologicamente) diante das situações determinadas - e inclusive fora delas.

Exercício

Tomandotuapersonagememcontrução,escreva5beats narrativosparaoscontextos*aseguir:

a) Comprando pão numa manhã fria de inverno.

1. Na fila, Iván Dmitrich olha com desejo para os pães frescos

2 Pondera sobre gastar o dinheiro reservado para a conta de gás

3. Muito frustrado, ele pede o pão torrado

4. O padeiro lhe atende com desdém

5. Iván pensa em gastar o resto do dinheiro comprando outras delícias, mas o padeiro, impaciente, chama o próximo da fila

b) Encontrando, ocasionalmente, o primeiro amor (defina o local).

1. Ao sair da padaria, Iván encontra Natalya, seu primeiro amor da infância

2. Ela não o reconhece e ele se apresenta, ambos se alegram com o reencontro

3 Ela pergunta da vida de Iván e ele mente absolutamente tudo, inclusive diz ser viúvo e rico - ela também.

4. Ao ser atendida pelo padeiro, ela pede disfarçadamente pão torrado, mas Iván escuta e entende a mentira de Natalya

5 Numa cumplicidade irônica, Iván mostra o saco de pão torrado que mantinha escondido nas costas, segurando-o com a mão da aliança.

* Se sua personagem não for capaz de realizar uma das ações (estiver ilhada, em outro plano espiritual ou num período histórico anterior, p. ex.), tente adaptar a ação ao contexto da personagem

1/3 PERSONAGEM

Um projeto literário "maior" (em extensão, como um romance ou roteiro de longa-metragem) geralmente pede um planejamento maior das personagens, como descrições das relações e parentescos entre elas e um resumo da sua biografia. Em um conto breve, porque as personagens são reduzidas, a definição básica de seus atributos físicos e psicólogicos basta, essencialmente, ao projeto.

Dica: Há muitas fichas de criação de personagem disponíveis na internet que podem ajudar nesse processo de caracterização. Por certo, as fichas contemplam muitos outros aspectos os quais não serão desenvolvidos no curto recorte narrativo do conto - mas isso pode ajudar bastante na constituição da personagem durante a escrita.

Algumas fichas de criação de personagens sugeridas:

Link 1

Link 3

Link 2

Planejamento básico da personagem:

Atributos físicos & Caracterização psicológica

A regra básica deste ponto foi muito bem resumida pelo escritor e professor de Escrita Criativa, Luiz Antonio de Assis Brasil, em seu livro Escrever Ficção - um manual de criação literária (ed. Companhia das Letras, 2019, p. 44-45):

“Para atingir um bom resultado na caracterização do personagem [tanto física quanto psicológica], tenha cuidado em evitar listas de itens pertencentes ao mesmo domínio de significados.

As características, somadas, transformam o personagem num ser inconfundível”.

Outro ponto importante é que as descrições físicas sejam feitas logo no início do conto, para não quebrar a imagem mental que o leitor já criou da personagem.

E sempre vale a pena repetir: Se você acha que o leitor vai saltar a descrição dos aspectos físicos da personagem, então não a descreva. Aliás, corte de seu conto tudo o que suspeita que será saltado pelo leitor ou que quebre o ritmo da narrativa, isto é, que atrapalhe o crescente de tensão.

[...]

Possibilidades interessantes de caracterização

1.

Caracterização física

- Produza uma combinação diferente de elementos descritivos: umnarizgrandenãoprecisaseguir-sedeumatestalarga.

-Esqueçaorostoeuseoutrapartedocorpocomometonímiade todo o organismo e até do caráter: uma personagem com a colunacurvada,sugerindosuasubserviênciaoucansaço.

- Inclua na descrição algo que a personagem agregou à sua figura,umelementovoluntáriodopersonagem(tingircabelo,por ex.,éumaintervençãoqueguardaumsignificadosobreapers.–vaidade,mascararodecursodotempo...)

- A personagem está reagindo à experiências intensas no conto, o que faz com o corpo todo. Pense em como ela reflete isso: Ela tem gestos característicos, como Tocs, manias, hábitos corporais? (roer unhas, tensionar ombros, piscar compulsivamente,mexernoscabelos...)

2. Caracterização psicológica

- A personalidade da personagem(pacífica,explosiva, vingativa...) em contraste com seusatributosfísicospodedaro caráterúnicoaumpersonagem: os olhos e gestos tranquilos do psicopata Hannibal Lecter são umbomexemplodisso.

- Estabeleça os critérios de avaliação moral: Quando vemos uma personagemexporsuasavaliações/julgamentossobreosoutros, nãosóestesserevelam,tambémentendemosapsiquedequem osavalia

Processo de caracterização

Por fim, no projeto podemos pré-definir o processo de caracterização da personagem na narrativa, isto é, como as informações sobre os aspectos físicos e psicológicos serão transmitidas ao leitor.

É um processo que ocorre de maneira praticamente natural na escrita narrativa*

Basicamente, há duas possibilidades:

Caracterização direta

As características são diretamente apontadas pela própria personagem (autocaracterização), pelo narrador ou por outra personagem (heterocaracterização).

Caracterização indireta

As características são deduzidas através de comportamentos, atitudes, ações ou diálogos dos personagens.

* Por certo, essa definição vai depender da escolha do narrador que contará a história: um narrador onisciente, provavelmente, fará uma heterocaracterização direta, enquanto um narrador em primeira pessoa, quase sempre, se dará a ver e a entender de maneira indireta.

Com a caracterização da protagonista planejada, e definidas a questão essencial e sua transformação, temos as informações sobre a personagem essencias ao projeto do conto; resta organizá-las:

identificação:

Élbio, dono do P viúvo; aposent morou naquela c

Questão essen quer recuperar perdido e, para manter a mentir posto de com construção ser s

Transformaçã da busca por desrespeito abandono do lug

Atributos físicos básicos: idoso (72 anos); típico gaucho açoriano (bombacha, botas e aba larga surrados); magro e alto; postura altiva.

Características psicológicas básicas: orgulhoso; esconde a carência de afeto; ambicioso; explosivo.

Processo de caracterização:

heterocaracterização direta (com alguns momentos de caracterização indireta)

ASPECTOS NARRATOLÓGICOS

No conto (em todo tipo de narrativa, na verdade, literária ou não, escrita ou oralizada), tão importante quanto a história em si é o modo como ela é contada pelo narrador. Por mais incrível que seja a história, se ela não for bem transmitida ao leitor, tudo o que nela há de interessante pode ser corrompido, enfraquecido e até perdido.

Pois, sim, para cada história há um tipo de narrador ideal, que a contará a partir do ponto de vista mais interessante para o leitor, isto é, gerando o preciso escalonamento da tensão narrativa que o conduzirá até o clímax em seu efeito catártico.

Um conto policial, por exemplo, perderia todo o suspense se fosse narrado em terceira pessoa, pois este tipo de narrador é onisciente e, portanto, já conhece todos os fatos em torno do crime. O narrador ideial para esse tipo de história é em primeira pessoa, o policial, a detetive ou o parente da vítima que investiga o mistério e passa as informações ao leitor na medida que as descobre, e a autoria do crime será descoberta por ambos, narrador e leitor, de maneira síncrona.

Como bem apontou o professor Assis Brasil:

"Em determinadas ocasiões desejamos que o leitor saiba integralmente os mínimos pensamentos, desejos e emoções do personagem; noutras, é melhor que ele tenha um conhecimento parcial disso tudo; ainda, há a hipótese de acharmos melhor que [o leitor] saiba mais do que o personagem ” .

2/3
PROJETO

PROJETO 2/3

ASPECTOS NARRATOLÓGICOS

TIPOS DE NARRADORES

Em termos práticos, os narradores clássicos da literatura se dividem nestas duas categorias: narradores oniscientes (em terceira pessoa, contam a história sem fazer parte dela) e narradores-personagens (em primeira pessoa, dentro da história). Cada uma dessas categorias possui diferentes tipos de narradores, classificados de acordo com o papel que desempenham e o grau de afastamento da história que contam.

Narradores oniscientes

São aqueles que têm acesso a tudo o que os personagens sentem, pensam e lembram, por isso sabem tudo sobre a história que contam e são capazes de oferecer tanto o seu ponto de vista - privilegiado e como que divino ponto além do tempo e do espaço - quanto o ponto de vista das personagens. Todavia, não interferem diretamente nos eventos da história.

Os narradores oniscientes podem ser simples ou múltiplos, dependendo da quantidade de mentes e pontos de vista que selecionam para refletir ao leitor.

O narrador onisciente seletivo simples transmite as informações a partir de uma única personagem, da qual nos são revelados todos os pensamentos, ideias, lembranças e sentimentos; mas somente dela, os demais personagens são descritos apenas em sua exterioridade e pelo ponto de vista da protagonista.

O narrador onisicente seletivo múltiplo, por sua vez, dá a ver os pensamentos e pontos de vistas de todas ou quase todas as personagens da história, influenciando o leitor a tomar uma posição em relação a elas.

Além da seletividade, os narradores oniscientes se classificam de acordo com o grau de intromissão ou julgamento que fazem sobre a história que contam ou sobre as personagens. Assim, podem ser intrusos ou neutros.

O narrador onisciente intruso se intromete na história para lançar seus juízos de valor sobre aquilo que narra, seja fazendo genaralizações autorais sobre a vida, os modos, as atitudes ou as morais das personagens.

O narrador onisciente neutro, do contrário, conta a história de modo imparcial, sem apresentar as suas observações ou impressões sobre os eventos narrados.

Narradores-personagens

São aqueles que fazem parte da história que contam e, portanto, narram em primeira pessoa. Eles são classificados de acordo com o seu papel como personagens da história. Assim, podem ser testemunhas ou protagonistas.

O narrador-testemunha não é a personagem principal da história, ele é um cúmplice que observa as ações daquela e das outras personagens. Ele conta ao leitor somente aquilo que, como observador, poderia descobrir de maneira legítima. Com isso, o narrador-testemunha não tem um acesso senão ordinário aos estados mentais dos outros.

O narrador-protagonista está centralmente envolvido na ação que narra. É a partir da sua experiência e dos seus pensamentos, sentimentos e lembranças que se desenvolve o enredo. O narrador-protagonista também não tem acesso à subjetividade das demais personagens.

Apesar de haver um narrador ideal para cada história, não há uma regra que o determine. A mesma história pode ser contada por narradores diferentes, mas sempre haverá um ponto de vista mais interessante para o leitor acompanhar.

Por isso, é possível perceber alguns padrões narratológicos entre determinados tipos de histórias contadas por determinados tipos de narradores, possibilitando que sejam feitas sugestões para esta escolha:

Narrador-protagonista: quando a intenção é a de traçar o crescimento de uma personalidade à medida que ela reage a experiências.

Narrador-testemunha: quando a situação deve ser gradualmente armada e revelada pouco a pouco, com destaque para o elemento de suspense.

Narrador onisciente intruso: quando a personalidade do narrador possui função definida a preencher em relação à estória.

Narrador onisciente neutro: quando o propósito é o de revelar livremente e à vontade a mente de muitos personagens com maior objetividade ou impessoalidade.

Onisciência seletiva múltipla: quando o propósito é o de mostrar como personalidade e experiência emergem, na forma de um mosaico, a partir do choque entre as sensibilidades de diversos indivíduos.

Onisciência seletiva simples: quando o intento é o de acompanhar uma mente em um momento de descoberta.

PROJETO 2/3 ASPECTOS NARRATOLÓGICOS TEMPO VERBAL

A partir da escolha do narrador e seu grau de afastamento temporal em relação à história que conta, define-se o tempo verbal da narrativa.

O tempo verbal mais recorrente na literatura em prosa é o pretérito perfeito, ou seja, um narrador conta uma história que já aconteceu. Tanto o narrador onisciente quanto o narrador-personagem podem trabalhar com este tempo.

"

[...] Mas os ovos se haviam quebrado no embrulho de jornal. Gemas amarelas e viscosas pingavam entre os fios da rede. O cego interrompera a mastigação e avançava as mãos inseguras, tentando inutilmente pegar o que acontecia. O embrulho dos ovos foi jogado fora da rede e, entre os sorrisos dos passageiros e o sinal do condutor, o bonde deu a nova arrancada de partida. [...]"

Trecho do conto "Amor" , de Clarice Lispector

O presente do indicativo também é usado com alguma frequência nas narrativas, geralmente por um narradorprotagonista que conta as ações conforme as executa. Usamos o presente quando a história toda acontece em um curto tempo, um rápido episódio, causando a impressão de um plano-sequência.

"

[...] Cravo meus dentes na nuca do peixe de ouro e bebo-lhe um mel, sugo aflito, como a uma fruta, meus lábios ficam encharcados, escorre o mel, caem gotas na pedra, minha camisa ensopa-se de baba e mel, um mel raro. Desoladamente constato que trepida a epiderme desgarrada de seu recheio [...]" Trecho do conto "O peixe de ouro" , de Haroldo Magalhães.

Também é possível mesclar os tempos verbais quando, por exemplo, a narrativa se desenvolve fragmentada entre uma cena no presente e flashbacks do passado - mas é algo um tanto arriscado de se fazer e precisa ter um propósito, pois há grande chance de o leitor confundir as temporalidades.

Dois pontos precisam de especial atenção na manipulação do tempo verbal:

Primeiro, devemos manter o mesmo tempo verbal durante toda a narrativa. Se o texto for narrado no passado, siga o tempo todo no passado. Ao menos, é claro, que haja um propósito estrutural ou narrativo para intercalar passado e presente (ou futuro).

Segundo, é o narrador quem indica o tempo verbal adequado à história, e isso depende do grau de afastamento que ele apresenta no momento em que conta a história.

Pronto (ufa!). Podemos incluir os aspectos narratológicos básicos no nosso Projeto de conto.

Tipo de narrador: onisciente seletivo simples neutro

Tempo verbal: pretérito perfeito

ASPECTOS ESTRUTURAIS

Para que a personagem desenvolva a sua questão essencial até a transformação, em reflexo aos conflitos e agravantes do enredo, é fundamental que a tensão narrativa seja organizada de forma crescente até o seu ponto de explosão incontornável no clímax. Pois bem, é a estrutura do conto que organiza a história para que isso aconteça e o narrador faça o seu trabalho.

Podemos contar uma história dispondo os eventos em diferentes ordens, por exemplo:

começar pelo fim e depois explicar como a personagem chegou naquela situação;

contar uma história e, dentro dela, contar outra;

contar duas histórias ao mesmo tempo e fazê-las coincidir no desfecho...

As possibilidades estruturais vão muito além da ordem cronológica, e o que indica a estrutura ideial da história é o efetivo escalonamento da tensão narrativa. Se a história não envolve o leitor e não o deixa curioso sobre o desfecho, é possível que a ordem dos eventos não seja a ideal.

Em termos práticos, as estruturas narrativas podem ser classificadas em duas categorias: estrutura linear ou estrutura fragmentada.

A estrutura linear é a mais simples, mas não menos eficaz ou interessante. Ela apresenta os eventos em ordem cronológica crescente, da introdução ao desenvolvimento e deste ao desfecho do clímax.

A estrutura fragmentada corrompe a linearidade da história para contá-la em qualquer ordem, cabendo ao leitor reunir os fragmentos e compor sua história mental.

PROJETO 3/3
ORDEM

ASPECTOS ESTRUTURAIS

CENA & SUMÁRIO

Em ambas as estruturas, por vezes, faz-se necessário trazer eventos ou informações de fora daquele episódio para ajudar o entendimento ou agravar os conflitos da história atual.

Esta "história atual" é o que chamamos de Cena, e os eventos trazidos de fora dela são chamados de Sumários.

Para entender e agenciar de modo efetivo estas duas ferramentas é essencial lembrar que o conto apresenta um episódio único, com início, meio e fim. Mesmo que para chegar neste episódio a personagem tenha vivido muitas coisas, ao conto interessa contar este episódio.

Isso não significa, porém, que informações anteriores ou posteriores ao episódio não possam ser trazidas - podem e quase sempre são - mas elas não devem desviar ou atrapalhar o desenvolvimento do episódio principal.

Por exemplo, o conto narra a história de um mecânico que vai fazer um teste para ser dançarino de uma estrela pop. Para que o episódio seja ainda mais significativo, podemos trazer a informação de que por meses ele ensaiou em segredo as coreografias para aquele momento.

Cenas, portanto, fazem parte do episódio narrado no conto. Nas cenas que acontecem os conflitos e, por isso, são elas que fazem avançar a história.

Os sumários são sínteses de informações que não queremos mostrar em minúcias, mas trazem elementos importantes para a história atual.

PROJETO 3/3

Na organização das cenas e dos sumárias é importante ter em vista que:

1. O interesse do leitor está no história "atual", no episódio principal.

2. Os sumários podem atrapalhar ou desviar a atenção do episódio em cena e aborrecer o leitor

Portanto...

Só utilize sumários se eles forem essenciais para o reforço do conflito na cena.

Evite usar sumários para explicar algo da cena de modo direto e didático.

Não faça sumários longos. Se forem necessários, intercale-os com cenas do episódio para não perder a ação principal.

Busque o momento mais fluído para fazer a transiçao da cena ao sumário, e deste de volta à cena. Quanto menos o leitor perceber a transição, melhor.

Quanto mais próximo ao clímax da história, isto é, quanto mais tensão acumulada na narrativa, mais indesejáveis serão os sumários, pois estes quebram a fluidez e a expectativa do leitor pelo final da história.

Bueno, agora só organizar estas informações no Projeto para partirmos de vez para a escrita literária!

Ordem: linear

Cena: Construção do Posto (da placa anunciando as obras à chegado do Engenheiro)

Sumários: história do Posto Lambari; resumo genealógico de Élbio; tempos áureos do Posto; falecimento da esposa; decadência financeira e do respeito por Élbio.

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