Peixes de Águas Interiores

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A descrição permite identificar a espécie como o Callichthys callichthys (cujo nome vulgar mais comum é tamboatá ou ainda camboatá), peixe este que, de fato, abandona, notadamente durante períodos úmidos ou de chuvas, os corpos d’água em que vive e se desloca por terra até outro ambiente. O curioso, contudo, é que a espécie não apresenta “dentes mais aguçados que os dos lúcios”, o que sugere se tratar de uma das típicas narrativas fantásticas da época. Após o relato de LÉRY, o registro mais antigo que encontramos consiste em documento de autor anônimo, provavelmente de 1765, recentemente descoberto por PAPAVERO et al. (1999) e republicado em sua íntegra pelos “descobridores” (ver Referências Bibliográficas). Neste documento que narra observações obtidas nas então Capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás e Mato Grosso, dedica seu nono capítulo a relatar as “Noticia de varios peixes de mar e de rios, q’ se tem conhecimento no Brazil com a distinção, e circunstcas q’ se tem de cada um deles”. No documento, são descritas várias espécies, nenhuma das quais com a indicação do local em que foram observadas. Contudo, é possível que a maior parte das espécies marinhas tenha sido registrada no Estado do Rio de Janeiro, o mesmo valendo para algumas formas de água doce, como a piabanha (pia’bae, o que é manchado), a pirapitinga (pirapi’tinga, peixe branco) Além deste registro, expedições e “viagens filosóficas” de grande vulto só são relatadas do século XIX. De fato, é possível que ainda no século XVIII tenham sido efetuadas amostragens no Estado, contudo expedições portuguesas nesta região são desconhecidas para o período em questão. Expedições realizadas por outros países são pouco prováveis, tendo em vista a proibição portuguesa da entrada de estrangeiros para estudar a fauna, flora e os recursos naturais do Brasil, datada de 18 de março de 1604. Desta forma, no século XVIII o acesso aos rios do Estado por parte de expedições estrangeiras, que implicava, preferencialmente em desembarque no Rio de Janeiro, tornou-se praticamente impossível. Neste período, vários navios que faziam a volta ao mundo foram autorizados a aportar em Santa Catarina e, conseqüentemente, é sobre esta área que surgiu, neste período, maior número de relatos (NOMURA, 1998). Iniciativas portuguesas de exploração sistemática da ictiofauna do Estado são desconhecidas, o que não é surpresa tendo em vista não haver na época intuito algum de divulgar estudos científicos fundamentais de um mundo novo aos europeus, ávidos de informações e novidades. Neste período, a grande exploração portuguesa se deu na bacia amazônica, coordenada por ALEXANDRE RODRIGUES PEREIRA em 1783-1793, cujo material obtido foi posteriormente pilhado pelas tropas napoleônicas a pedido de GEOFFROY St. HILLAIRE. Desta forma, pode-se definir o século XIX como o marco inicial de pesquisa da ictiofauna dos estados do Sudeste brasileiro, sendo a expedição científica austríaca enviada pelo imperador FRANCISCO I a pedra fundamental deste momento. A decisão de enviar uma expedição científica foi tomada em fins de 1816 e coincidiu com o casamento da princesa LEOPOLDINA com o príncipe regente PEDRO I. FERREZ (1978) destaca que: “Até 1808, o Brasil tinha sido um país totalmente isolado. Portugal zelava com ciúme e mesquinhez pela sua colônia à qual devia basicamente sua riqueza. Quando a corte portuguesa mudou-se para o Brasil as fronteiras do país se abriram. Agora, grandes cientistas, artistas e viajantes de

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