JUP Novembro 2008

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JUP NOVEMBRO ‘08 SOCIEDADE

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Simon Charlesworth, sociólogo, em entrevista

O ENSINO SUPERIOR É UMA MANEIRA DE TORNAR SELECTIVO O ACESSO AO EMPREGO Bruno Monteiro

A viagem desde Manchester durou pouco mais de duas horas. O céu plúmbeo combina com o tom da paisagem. As fábricas em redor estão silenciosas. De Rotherham a Swinton sucedem-se ininterruptamente os armazéns vazios e os amontoados de sucata. Foi aqui que Simon Charlesworth, sociólogo, escreveu o seu perturbador livro «A phenomenology of working class experience» (Cambridge University Press, 2000).Bem-vindos à «dead man`s town». Quando fala de «dimensão pessoal da classe», na qual a economia é constituída fisiológica e interpessoalmente, a que se refere? O funcionamento de qualquer sistema económico está relacionado com a existência de um determinado sistema de disposições relativamente ao mundo, requerendo sacrifício, investimento, capacidade para relacionamentos e uma aptidão para adquirir competências. O problema é que a economia funciona de tal maneira que muitas pessoas não estão em condições de adquirir essas disposições. Uma questão fundamental numa sociedade altamente desigual é o modo como os indivíduos percebem o que é constitutivo da presença dos outros. Para os membros da classe operária, a sua presença constitui-se em relação a uma forma de realização que é indeterminada, deslocada relativamente às formas publicamente reconhecidas e valorizadas. Eles existem através de formas sociais atrofiadas apoiadas em formas relacionalmente empobrecidas. Estando sujeitos a um olhar avaliador que salienta quais os aspectos de valor constitutivos da associação e que estabelece as bases da interacção, eles são negativamente posicionados por esse olhar, de que resulta a auto-inibição nas interacções. É no interior dessa não-realização que tentam a realização pessoal, acabando por experimentar a existência como significando não-ser e negação. É nessa medida que se tornam “desajeitados”, “sorumbáticos”, “demasiado tensos”, “desinteressantes”. Eles não são alguém que um painel de avaliação desejasse seleccionar, porque o seu comportamento manifesta uma ausência dos aspectos “humanos” associados a quem é valorizado socialmente. É possível que aqueles que percepcionam os pobres através destas “indicações” de valor tácitas, não verbais, pretendam não ter intenções discriminatórias e psicologizem os resultados da pobreza. Como se a miséria que os pobres sofrem os conduzisse a ser desajustados nas relações interpessoais. O pobre acaba por ser enclausurado em formas de apresentação que mediam a estrutura de classes através da manifestação do sentido da posição social. Por isso, podem ele ser percebido como alguém com atitude “negativa”. Se os jovens trabalhadores estão cada vez mais aprisionados em padrões de consumo imitativos é precisamente por causa dessa conexão entre forma incorporada e valor social. Quando procuram incorporar valor, e já que as disposições que são a verdadeira marca do valor burguês estão fora do seu alcance, acabam desprezados por carecerem da subtileza natural dos inventores deste culto da pessoa. Eles são por isso os “gunas [CHAVs]” ou a “escumalha”.

so a formas de personalidade. A educação, em si e por si, não. O ensino superior massificado é uma maneira de legitimamente tornar selectivo o acesso ao emprego, ao mesmo tempo que constitui os meios que controlam o acesso a esse mesmo emprego pelo controlo do acesso às formas simbólicas produzidas através de envolvimentos pessoais. Não só condiciona o acesso ao emprego pela posse de credenciais académicas, como cria a necessidade destas serem adquiridas e ratificadas por formas simbólicas cuja taxa de câmbio é controlada fundamentalmente através de redes institucionais e interpessoais.

Se esse «espaço das aparências» media a constituição de valor e reconhecimento sociais, porque considera que nas instituições académicas há pessoas que enfrentam processos de denegação dessas distinções? Este é um sistema suportado na constituição de significados elitistas que, instantaneados interpessoalmente e tornados reais pela injusta distribuição de recursos, são usados para embelezar um ambiente constituído para venerar o grupo instituidor, dotado “naturalmente” dessas propriedades. A universidade não implica envolvimento activo para a maioria daqueles que, estando social e geograficamente distantes dela, acabam por limitar-se a cumprir curricularmente ou a perceber o seu fracasso em termos pessoais.

Nestas condições, o grupo dos eleitos pode designar aqueles que a universidade não foi capaz de implicar activamente como simplesmente “os que não querem participar”. As pessoas das regiões mais empobrecidas do espaço social carecem do acesso a recursos e formas de estarem envolvidos em modalidades que sejam interpessoalmente realizadoras. No entanto, o que eles tendem geralmente a encontrar é uma administração anónima de produções simbólicas. Aqui, a degradação é um processo social levado a cabo dentro das redes institucionais e ocupacionais.

“As pessoas das regiões mais empobrecidas do espaço social carecem do acesso a recursos e formas de estarem envolvidos em modalidades que sejam interpessoalmente realizadoras.”

“Se os jovens trabalhadores estão (...) aprisionados em padrões de consumo imitativos, é por causa dessa conexão entre forma incorporada e valor social.”

Em várias ocasiões, refere o «plano circunscrito de realização», o «terreno de negação», que as pessoas das classes dominadas enfrentam em instituições públicas, como o centro de emprego ou a escola. O que realmente representa o sistema de ensino nestas condições? A extensão da escolarização relaciona-se com a distribuição legitimada do emprego. É uma maneira de fabricar emprego para clientelas influentes no seio da população, nomeadamente criando no mercado de trabalho a necessidade de provas simbólicas produzidas por meio das circunstâncias relacionais a partir das quais as instituições educacionais surgem. Na realidade é o emprego e todas as formas de “acção” relacionadas com as práticas de emprego que contam. O problema é que o emprego facilita o acesBruno Monteiro


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