EM BUSCA DAS MARCAS DE ARGUMENTAÇÃO

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EM BUSCA DAS MARCAS DE ARGUMENTAÇÃO: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE TEXTUAL A PARTIR DOS OPERADORES ARGUMENTATIVOS 1 SOUZA, José Wellisten Abreu (UFPB) FERRAZ, Mônica Mano Trindade (UFPB)

Resumo Este trabalho tem por objetivo apresentar a relevância dos operadores argumentativos na construção de sentido do texto/discurso e, consequentemente, a necessidade de se inserirem tais recursos como conteúdo programático, no que concerne ao ensino da língua materna na Educação Básica. Inicia-se com uma breve contextualização dos estudos semânticos, delimitando a semântica argumentativa como aporte teórico, uma vez que é seu objeto o estudo das marcas linguísticas que orientam argumentativamente o discurso, a partir da leitura de Ducrot (1981 e 1987). Ainda nos aspectos teóricos, selecionam-se os operadores argumentativos como os elementos norteadores para análise, vistos também em Koch (1992 e 2002). Em sequência, apresenta-se a análise, demonstrando o uso dos operadores em dois dos diferentes gêneros textuais: anúncio publicitário e artigo de opinião. Justifica-se o corpus pelo fato de ambos, mesmo apresentando diferenças em seus propósitos, estrutura e linguagem, serem textos nos quais se prevê alto grau de argumentatividade. Assim, busca-se mostrar o quanto os operadores são responsáveis por evidenciar as intenções de persuasão contidas nos enunciados. Como considerações finais, discutem-se as possibilidades de aplicação desses textos e desse tipo de abordagem analítica nas práticas escolares, com a finalidade de proporcionar ao aprendiz a compreensão de que os operadores argumentativos são recursos essenciais na constituição do sentido e na força argumentativa da linguagem. PALAVRAS-CHAVE: Semântica, Argumentação, Operadores, Ensino.

1. Considerações Iniciais

Como participantes do processo comunicativo, escolhemos maneiras de nos comunicar, as quais podem se realizar sob diferentes formas de textos ou gêneros textuais, determinados pelas situações de uso da linguagem. Para a construção destes textos, usamos vários recursos linguísticos dentre os quais os operadores argumentativos podem ser considerados muito producentes, visto que, além de garantirem a progressão textual, também marcam e evidenciam a argumentação nos textos. 1

Artigo apresentado no II Seminário Nacional sobre Ensino de Língua Materna e Estrangeira e de Literatura (VII SELIMEL) e publicado nos Anais do VII SELIMEL, Campina Grande-PB, UFCG, de 09 a 12 de agosto de 2011. CDROM, ISSN: 2175-6481.

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Com relação às relações argumentativas em um texto, vemos que este estudo pode ser relevante se considerarmos que estas não são, muitas vezes, evidentes, o que revela a grande importância dos elementos coesivos no processo de construção argumentativa do texto, uma vez que eles apresentam um determinado enunciado, e ainda preparam o interlocutor para uma determinada conclusão que o levará a compreender o texto, perfazendo assim uma boa coerência. Diante do exposto, será objetivo deste trabalho: a) traçar um panorama sobre os operadores e inseri-los nos estudos da semântica argumentativa (seção 2); b) apresentar a relevância dos operadores argumentativos na construção de sentido, analisando a função destas marcas linguísticas nos gêneros anúncio publicitário e artigo de opinião (seção 3); d) propor a necessidade de se inserirem tais recursos como conteúdo programático, no que concerne ao ensino da língua materna na Educação Básica (seção 4); e) algumas considerações finais (seção 5). 2. Semântica Argumentativa e os Operadores.

Ao utilizarmos a linguagem, sempre buscamos alcançar uma meta e, consequentemente, não produzimos enunciados de forma aleatória, pois, para que nossas palavras conduzam o interlocutor, elas devem, necessariamente, explorar seu aspecto argumentativo. A teoria da argumentação ganha espaço na linguística a partir dos estudos de DUCROT e ANSCOMBRE. É com estes autores que se dá a inserção da noção de topos, ou seja, lugar argumentativo nos estudos referentes à língua. Segundo ALMEIDA (2001), Ducrot, baseado na enunciação e em oposição ao modelo tradicional de argumentação — em que a argumentatividade é dependente dos fatos — propõe um modelo de semântica que considera a argumentatividade como algo inscrito na própria língua: não falamos sobre o mundo, falamos para construir o mundo e a partir dele tentar convencer nosso interlocutor da nossa verdade. Então, o ato da enunciação tem suas funções argumentativas, ou seja, leva o interlocutor a uma determinada conclusão ou a desviar-se dela. A Teoria da Argumentação proposta por Ducrot e colaboradores rejeita a concepção de língua como conjunto de estruturas e regras independentes de toda enunciação e contexto, negando a ideia de que a língua tem

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primeiramente uma função referencial e que o sentido do enunciado se julgue em termos de verdade ou falsidade. (NASCIMENTO, 2009; 15).

O ponto que podemos considerar central nessa produção embrionária e inaugural de Ducrot no tocante à argumentação é que esta é intrínseca à língua. Mais a frente, como suscita ALMEIDA (2001), Ducrot e colaboradores veem a necessidade de reformular a teoria. Com esta reformulação, passa-se a hipótese de que certas frases de uma língua possuem força ou valor argumentativo, ou seja, os enunciados possuem uma intenção argumentativa, e isto é produzido graças aos efeitos de sentido impressos pelos operadores argumentativos. Para KOCH (2001), o encadeamento conferido ao texto pelos operadores argumentativos expressa a orientação, ou seja, a direção do sentido (ou efeitos de sentido) que estas marcas aferem à enunciação, constituindo-as como extremamente importantes. Portanto, na perspectiva semânticoargumentativa, estaremos interessados em perceber quais mecanismos linguístico-discursivos marcam a direção argumentativa dos gêneros textuais, no caso de nosso trabalho, do artigo de opinião e do anúncio publicitário. Assim, na perspectiva da semântica argumentativa, Ducrot desenvolveu, além dos operadores argumentativos já citados e que são o objeto deste trabalho, estudos sobre escalas argumentativas e polifonia. Segundo ILARI & GERALDI (2006), “a noção de escala argumentativa explica certas escolhas, à primeira vista não-motivadas, que fazemos entre as diferentes maneiras de construir as frases” (p. 82). CAMPOS (2007) traz a explicação para esta escolha/oposição suscitada acima por meio da descrição clássica ducrotiana dos operadores argumentativos “pouco” e “um pouco”, em que “tanto são opostos que podem encadear-se em frases com ‘mas’”: Trabalhou pouco, mas trabalhou um pouco. Essa explicação de Ducrot demonstra o sentido da noção de escalaridade, pois entre ter trabalhado pouco e ter trabalhado um pouco parece haver um intervalo ou mesmo uma oposição (sentido positivo e sentido negativo) que poderia ser entendida como “não trabalhar” e/ou “ao menos ter trabalhado”, vejamos: Ele trabalhou. 3


Ele trabalhou um pouco. Ele trabalhou pouco. Ele não trabalhou. Essa “escolha” faria parte das instruções contidas na significação das palavras que são responsáveis pela orientação argumentativa. Tais instruções estão contidas na significação do que o autor chama de expressões argumentativas ou operadores argumentativos – tais como “pouco” e “um pouco”, que determinam o valor argumentativo dos enunciados em que aparecem. O sentido do enunciado, para [DUCROT] ainda está relacionado com a noção de polifonia. É essa noção que vai permitir que Ducrot descreva as diferentes vozes que permeiam a enunciação e que ficam, através de diferentes estratégias, materializadas no próprio discurso. (NASCIMENTO, 2009; 17) [grifos nossos].

A acepção de polifonia é trazida por Ducrot a partir de Bakhtin, da análise feita por este a respeito do discurso, da natureza dialógica da linguagem, por fim, das relações polifônicas existentes no texto literário. É Ducrot quem amplia este noção, trazendo-a para o campo da linguística. Muitas das vezes, os enunciados que produzimos, tanto na oralidade quanto na escrita, não constituem ideias novas, mas uma nova maneira de dizer aquilo que já nos foi dito, ou seja, uma fusão de ideias que já assimilamos e que refletem o grupo ao qual pertencemos. Assim, quando discutimos algum assunto e pretendemos convencer nossos interlocutores, acabamos utilizando argumentos já citados por outras pessoas que defenderam a mesma ideia. A noção de polifonia (ou múltiplas vozes) demonstra que o discurso também se constitui pela manifestação de várias vozes/ditos/ideias que nos já foram ditas e que foram assimiladas. Na próxima seção do artigo, abriremos espaço para os operadores argumentativos. O nosso foco será mostrar a contribuição destas marcas linguísticas a partir de textos, dentre os quais faremos o destaque para o anúncio publicitário e o artigo de opinião. Justifica-se o corpus pelo fato de estes gêneros congregarem alto grau de argumentatividade. Assim, buscar-se-á mostrar o quanto os operadores são responsáveis por evidenciar as intenções de persuasão contidas nos enunciados.

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3. Sobre os Operadores Argumentativos nos textos.

Iniciaremos nossa análise com 01 anúncio publicitário publicado em uma revista impressa de circulação nacional. É fato que o apelo visual dos anúncios, a cada dia, é muito maior, no entanto, apresentaremos apenas o texto verbal, fazendo o destaque para o uso dos operadores argumentativos e os efeitos de sentido conferidos por estas marcas ao texto. No processo de elaboração do anúncio publicitário, é função dos profissionais da área tentar convencer e/ou persuadir o interlocutor. A estrutura do texto persuasivo tem como característica básica convencer de imediato o receptor por meio de seu primeiro argumento e da conclusão dele decorrente para poder, com maior facilidade, desenvolver sua estratégia persuasiva. A linguagem publicitária pretende levar o enunciatário à persuasão e, para atingir seu objetivo, faz uso de mecanismos semântico-argumentativos, utilizados para orientar o consumidor para uma determinada conclusão. Observemos o exemplo: Chegou o novo Veet Creme Suprem’Essence, enriquecido com óleos essenciais. Ao contrário das lâminas, Veet não agride sua pele e deixa suas pernas macias, lisinhas e hidratadas quando você mais precisa. Descubra toda a delicadeza de uma pétala de rosa.

Fonte: Revista Istoé Gente, 24/01/11, no. 593, ano 12, p. 41.

É possível observar que o primeiro operador argumentativo na construção deste anúncio é ao contrário. Se nos valermos da distinção apresentada por KOCH (2001), temos que este operador faz parte do grupo de operadores que “contrapõem argumentos orientados para conclusões contrárias”. Para Ducrot, o operador argumentativo por excelência é o MAS, pois é papel desta marca introduzir um argumento que nos leva a uma conclusão contrária, inesperada. Segundo a referida autora: O esquema de funcionamento do MAS (...) e de seus similares é o seguinte: o locutor introduz em seu discurso um argumento possível para uma conclusão R, logo em seguida, opõe-lhe um argumento decisivo para a conclusão contrária não-R. Ducrot ilustra esse esquema argumentativo recorrendo à metáfora da balança: o locutor coloca no prato A um argumento (ou conjunto de argumentos) com, o qual não se engaja, isto é,

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que pode ser atribuído ao interlocutor, a terceiros, a um determinado grupo social ou ao saber comum de determinada cultura; a seguir, coloca no prato B um argumento (...) contrário, ao qual adere, fazendo a balança inclinar-se nessa direção (ou seja, entrechocam-se no discurso “vozes” que falam de perspectivas, de pontos de vista diferentes. (KOCH, 2001; 36)

Vejamos que o autor do anúncio de Veet Creme Suprem’Essence procura levar seu público alvo a não mais comprar lâminas, pois estas agridem a pele. Se alguém pretendesse dizer que Veet Creme Suprem’Essence também faz o mesmo, o locutor faz cair por terra tal tese, demonstrando que ao contrário disso Veet Creme Suprem’Essence não agride sua pele mas sim deixa suas pernas macias, lisinhas e hidratadas quando você mais precisa. Outro operador argumentativo que entra em jogo para cumprir a enunciação que pode ser lida como: compre Veet Creme Suprem’Essence é o operador que, conforme KOCH (2001) soma “argumentos a favor de uma mesma conclusão”, ou seja, o e. Esse operador serve para corroborar a conclusão de que Veet Creme Suprem’Essence é um ótimo produto pelo fato de que não agride a pele e deixa suas pernas maciais, lisinhas e hidratadas, ou seja, apresenta os benefícios do produto. Passaremos, agora, ao tratamento sobre o artigo de opinião, um gênero da ordem do argumentar. Neste gênero, a sequência linguística contém comentários, avaliações, expectativas sobre um tema da atualidade que, por sua transcendência, no plano nacional ou internacional, já é considerado, ou merece ser, objeto de debate. A sequência linguística de tipo argumentativa possui um discurso argumentativo caracterizado pela presença de uma ideia a ser defendida. Dessa forma, o discurso é orientado em direção a determinadas conclusões. O locutor necessita, para isso, elaborar estratégias de persuasão. O artigo de opinião visa, portanto, persuadir o leitor acerca de uma posição, procura formar a opinião do interlocutor, tentando convencê-lo de que a razão está com o locutor. Vejamos este exemplo: Defender a Marcha da Maconha me faz um criminoso?

Não fumo maconha e conheço perfeitamente os perigos de usar essa droga -- aliás, também não fumo cigarro. Sou dos que defendem a restrição à publicidade de bebida e sempre criticou o uso de celebridades para vendê-la. Mas acho que as pessoas têm o direito de expressar publicamente suas

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ideias. Dai não conseguir entender a proibição da Marcha da Maconha e, muito menos ( muitíssimo menos) a manifestação programada para criticar a violência policial. Há um grupo cada vez mais influente de cientistas, educadores e políticos pelo mundo que defendem a seguinte ideia: liberar as drogas causaria menos danos do que proibi-la. Pelo menos o poder público poderia fiscalizar sua qualidade. O apoio é ainda maior quando eles falam da maconha que, segundo toneladas de estudos, apesar de todos os riscos, causa menos danos que todas as demais drogas. Inclusive quando comparado ao cigarro e à bebida alcóolica. Isso significa que, ao defender esse ponto de vista, eu estaria incitando o uso das drogas e este artigo deveria ser proibido? Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/gilbertodimenstein/

Os chamados operadores argumentativos são aqueles que podem relacionar elementos de conteúdo, ou seja, situar os estados de coisas de que o enunciado fala no espaço e/ou no tempo, bem como estabelecer entre eles relações entre dois ou mais atos de fala, exercendo funções enunciativas ou discursivo-argumentativas: oposição, contraste, concessão, justificativa, explicação, generalização, disjunção argumentativa, especificação, comprovação, entre outras. Dentre os vários operadores existentes neste artigo, delimitamos apenas dois como exemplificação de análise que pode ser feita na prática de sala de aula. Em Não fumo maconha e conheço perfeitamente os perigos de usar essa droga - aliás, também não fumo cigarro, percebemos o uso do operador aliás que, segundo KOCH, também introduz um argumento adicional a um conjunto de argumentos já enunciados, mas o faz de maneira “sub-reptícia”: ele é apresentado como se fosse desnecessário, como se se tratasse de simples “lambuja”, quando, na verdade, é por meio dele que se introduz um argumento decisivo, com o qual se dá o “golpe final”, resumindo ou coroando todos os demais argumentos. Trata-se do operador aliás. (KOCH, 2001; 34)

É importante observar que para construir o argumento e dar um tom de respeitabilidade/imparcialidade ao artigo, ainda na introdução, o autor usa o operador aliás, justamente para caracterizar que não se trata de um usuário nem de maconha (algo não aceito pela sociedade) nem do cigarro (droga aceita), ou seja, é como se dissesse: eu posso falar sobre o assunto, pois tenho um olhar de fora do problema. 7


No mesmo enunciado, o uso do também confere, assim como o aliás, uma soma de argumentos a favor de uma mesma conclusão não fumo maconha e também não fumo cigarro, porém é menos decisivo para a constituição do argumento, como dito: ouçam o que tenho a falar, pois sou confiável o suficiente para tratar deste tema. No mesmo parágrafo, há o enunciado: Mas acho que as pessoas têm o direito de expressar publicamente suas ideias. É notório que há uma oposição, principalmente porque, como apresentado anteriormente, o mas é um operador que contrapõe argumentos orientados para conclusões contrárias. Seria, pois, natural acreditar que este mas se opõe ao dito anterior, mas não é o que acontece. Conforme Ducrot, há uma relação A que se opõe a uma relação C e não a B. Observe-se que em Ele estudou, mas não passou, por exemplo, a oposição introduzida pelo operador argumentativo mas não é ao fato de ele ter estudado (A X B), mas sim a uma provável conclusão de que quem estuda necessariamente seja aprovado em um exame, o que não ocorre no caso deste personagem, pois ele estudou, mas não passou. O mesmo se aplica ao artigo aqui analisado, pois a ideia expressa em Mas acho que as pessoas têm o direito de expressar publicamente suas ideias não se opõe a Sou dos que defendem a restrição à publicidade de bebida e sempre criticou o uso de celebridades para vendê-la, principalmente porque sua relação de oposição não se estabelece com este outro enunciado, mas sim há uma provável enunciação de que as pessoas não teriam o direito de expressar publicamente suas ideias, a qual o locutor rechaça. Como vimos, é possível considerar o papel dos operadores argumentativos como axial para a construção dos efeitos de sentido também no artigo de opinião, justamente pela natureza destas marcas linguísticas, assim como já discutira Ducrot. Na próxima seção, proporemos uma reflexão no tocante à importância do ensino deste conteúdo nas aulas de língua portuguesa. 4. Reflexão sobre o ensino de Língua: Operadores em sala de aula.

A gramática normativa considera os operadores, em alguns casos, como elementos meramente relacionais, ou seja, em um nível linguístico, são denominados simples conectivos (conjunções) que têm apenas a função de ligar orações. É a macrossintaxe do discurso, ou Semântica Argumentativa, que vai recuperar esses

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elementos, por serem justamente eles que determinam o valor persuasivo dos enunciados. É consenso entre os autores que discutem o Ensino de Língua Portuguesa que há problemas no transporte entre a realidade da língua e a língua que é ensinada na escola. Segundo NEVES (2002), a gramática que deve ser promovida na escola deve ser aquela cuja base perpasse uma perspectiva funcionalista, com a qual, ao invés de metalinguagem das orações, isto é, análise morfossintática de orações isoladas, desprovidas de contexto, o texto assuma o papel de unidade mínima nas aulas de língua e que esta língua seja apresentada nas situações reais de uso. Se pensarmos na análise apresentada na seção anterior, consideramos que promover aulas reflexivas cujo objetivo seja construir, juntamente com os alunos, o conhecimento sobre a língua a partir dos textos não só vai ao encontro dos propósitos estabelecidos pelos PCN, como também instrumentaliza o aluno para ler e escrever melhor. Ele estará, por meio de tais atividades, apto a ler os implícitos permitidos graças ao uso dos operadores argumentativos que, como vimos, introduzem importantes efeitos de sentido ao texto pelo fato de demonstrarem a intenção do autor/locutor, como também estará apto a produzir melhores textos. Assim, os operadores resgatam elementos da gramática, pois eles não são apenas responsáveis pela coesão do texto, eles possuem uma carga retórica própria, colaborando para que surjam os efeitos de sentido propiciados pelo contexto. A crítica então, reside no fato de que são justamente essas “palavrinhas” (tradicionalmente descritas como meros elementos relacionais, conectivos, destituídas de qualquer conteúdo semântico) as responsáveis, na maioria das vezes, pela força argumentativa dos nossos textos. Assim como MENDONÇA (2006), consideramos a Análise Linguística o caminho pelo qual a língua pode ser ensinada, considerando tanto aspectos formais quanto uma alternativa complementar às práticas de leitura e produção de texto, dado que possibilita a reflexão consciente sobre fenômenos gramaticais (como já vimos, os operadores são fenômenos comuns à gramática de qualquer língua natural), porém contextualizando-os como fenômenos textuais/discursivos, ou seja, a tão almejada epilinguagem nos exercícios e aulas de língua portuguesa. No entanto, o que estamos aqui propondo não é uma mudança de nomenclatura, ou seja, o professor que vise seguir tal procedimento metodológico não vai apenas 9


mudar sua aula de “conjunções” para “operadores argumentativos” e aí trazer as listas de conectivos que causam um efeito ou outro efeito, mas, efetivamente, uma mudança de procedimentos práticos em sala de aula permitidas pela Análise Linguística, que é o procedimento que confere aos alunos os conhecimentos linguísticos discursivos a serem desenvolvidos em ambiente escolar pela sua natureza reflexiva. Nossa proposta nasce justamente da reflexão de apresentarmos os conteúdos sem remeter à metalinguagem da Gramática Tradicional, e que, infelizmente, desemboca no fracasso de nossas aulas de Português. Faz-se necessária a quebra com o paradigma tradicional de ensino de língua por meio de memorização de receitas ou afins. Uma aula de gramática que apresente atividades que associem conhecimentos de cunho morfológico ou sintático não desconsiderando a interpretação de sentidos, isto é, o viés semântico, parece ser, há tempos, a maneira mais eficaz para a compreensão da língua em seus vários contextos. Cabe ao professor reconhecer e refazer os elos, sejam lingüísticos (que afetam a coesão), ou contextuais-pragmáticos (que afetam a coerência), orientando o estudante para que os problemas possam ser sanados. Em síntese, se é que é possível sintetizar, a discussão sobre novas práticas quanto ao ensino de gramática/língua em sala de aula é muito maior, a literatura sobre tal assunto é muito ampla e não teremos como dar conta em um único artigo, porém, a priori, traçar metas que instrumentalizem nossos alunos por meio de conhecimentos linguísticos como as marcas argumentativos, tomando o texto como unidade mínima, tendo por foco a língua em seus reais contextos de uso, configura-se como o caminho mais seguro para que haja uma real instrumentalização de nossos alunos assim como preconizam os PCN/LP. 5. Considerações Finais

Assim como fora exposto, os operadores argumentativos são elementos linguísticos que fornecem informações e, ao mesmo tempo, funcionam como instrumentos de argumentação do enunciador, evidenciando a poderosa força que eles transmitem. Acreditamos que, por meio da análise (seção 3), foi possível demonstrar que tanto no anúncio publicitário como no artigo de opinião a utilização de tais recursos argumentativos na construção dos textos corrobora o dito por Ducrot de que a argumentação está inscrita na língua. 10


Ao tentarmos explicar o papel dos operadores argumentativos de maneira a refletir seu papel no ensino, temos que nos valer do apresentado por ILARI E GERALDI, a saber: (...) precisamos esquecer as classificações morfossintáticas tradicionais e fixar nossa atenção nas condições de uso; [isso demonstrará] que há interesse em contar com categorias descritivas que dizem respeito menos à sintaxe ou ao conteúdo objetivo das frases, e mais ao seu possível uso na interação dos locutores. (ILARI & GERALDI, 2006; 80) [grifos nossos]

Portanto, dominar as estratégias argumentativas não somente auxilia o produtor do discurso como também o leitor, pois permite-lhe fazer uma leitura crítica do texto, propiciando que ele acompanhe o seu desenvolvimento e se desvencilhe de eventuais simulacros discursivos. Notamos que os operadores argumentativos, muitas vezes, ficam em um plano secundário e, assim, passam despercebidos aos olhos do “aprendiz” que se limita a decorá-los, sem lhes dar a atenção necessária. Porém, esse fato pode ser prejudicial para a compreensão total do texto, já que grande parte da força argumentativa está alicerçada nessas marcas. Através deste trabalho, tentamos demonstrar, entre outras coisas, que é possível o ensino eficiente de língua portuguesa a partir do estudo dos gêneros textuais, que representam o uso da língua em situações concretas de interação social. Em síntese, é necessária uma mudança de perspectiva: inquietava-nos, no momento anterior ao início do trabalho, o fato de ser senso comum que os alunos, sejam do Ensino Médio, sejam do Ensino Fundamental (por que não dizer no Ensino Superior?) não utilizam ou fazem inadequadamente o uso dos operadores argumentativos nos textos de opinião que produzem. Diante de tal problemática, consideramos que uma intervenção pedagógica sistematizada com os gêneros anúncio publicitário e artigo de opinião (por exemplo), por meio da Análise Linguística, fará com que os alunos passem a utilizar os operadores argumentativos e, em função disso, desenvolvam melhor a argumentação, em outras palavras, sejam instrumentalizados para o efetivo uso da língua portuguesa. 6. Referências

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ALMEIDA, Lucimar de. Análise semântica de operadores argumentativos em textos publicitários. Uberlândia-MG, Dissertação de mestrado/ILEEL/UFU, 2001. BUNZEN, Clecio, MENDONÇA, Márcia. Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Parábola, 2006. CAMPOS, Claudia Mendes. O percurso de Ducrot na Teoria da Argumentação na Língua. In. Revista da ABRALIN. Volume 6. Número 2. Jul./Dez.de 2007. (p. 139 – 169). DIMENSTEIN, Gilberto. Defender a Marcha da Maconha me faz um criminoso? In. http://www1.folha.uol.com.br/colunas/gilbertodimenstein/922256-defender-a-marchada-maconha-me-faz-um-criminoso.shtml. Em 28/05/2011. ILARI, Rodolfo & GERALDI, João Wanderley. Semântica. – 11.ed. – São Paulo: Ática, 2006. KOCH, Ingedore Villaça. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 8ª. edição, 2001. NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática – história, teoria, análise e ensino. São Paulo: Editora UNESP, 2002. OLIVEIRA, Roberta Pires. Semântica. In. MUSSALIM, Fernanda & BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à Linguística – 2. ed. – São Paulo: Cortez, 2001. (p. 1746). REVISTA ISTOÉ GENTE, 24/01/11, no. 593, ano 12, p. 41.

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