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ilhavirtualpontocom MARÇO 2012

ANO 12 NÚMERO 11

EDITORIAL Caros amigos Neste número do nosso informativo sobre a literatura maranhense, temos o estudo de Maria Alice Moraes sobre o teatro de Coelho Neto, essa faceta menos conhecida da vasta produção do polígrafo maranhense é analisada como ênfase na peça O Patinho Torto, na qual o escritor trata de forma artística o polêmico assunto da homossexualidade. Susane Ribeiro faz uma leitura do livro Os primeiros raios do sol, do poeta e pesquisador Baial Ramos. A ensaísta observa como o autor retrata frames da sua terra natal em versos carregados não apenas de lirismo, mas também de

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preocupação com aspectos sociais do cotidiano do homem interiorano. É destacado também o livro Entre Viana e Viena, do magistrado e escritor Lourival Serejo, autor de crônicas que mesclam crítica social e memorialismo. Finalmente, reproduzimos um belo soneto de Inácio Xavier de Carvalho, um dos grandes poetas que merecem um espaço maior em nossa historiografia literário. Até o número 12!

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LENÇÓIS POÉTICOS O paraíso maranhense nos versos de Baial Ramos

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Por Susane Martins Ribeiro Todo maranhense (e visitante também) fica maravilhado ao visitar um dos mais belos patrimônios naturais do Brasil: os Lençóis Maranhenses. Situado a duzentos e sessenta quilômetros da cidade de São Luís, capital do Maranhão, este Parque Nacional encanta por sua beleza, seus aspectos naturais, além de suas magníficas paisagens, o frescor de suas lagoas e, além de tudo isso, inspira vários artistas, dentre eles, o escritor e poeta Baial Ramos. Baial Ramos é filho da cidade de Barreirinhas (cidade abrangida pelos Lençóis), nascido no dia 23 de maio de 1955, juiz de direito aposentado e membro da Academia Barreirinhense de Letras. Desde 2007, dedica-se exclusivamente à literatura, publicando obras como História de Barreirinhas, o romance Marcas que Ficaram, além de seus livros de poesia Terra e Os Primeiros Raios do Sol. Os Primeiros Raios do Sol é um livro de caráter peculiar. Ao longo de suas cento e seis páginas, essa obra mostra, através de poemas, o perfil do homem pobre barreirinhense, que encontra forças para sobreviver nesse paraíso isolado que, diante de todas as dificuldades, encontra conforto neste éden: São os primeiros raios do sol Substituindo a escuridão, E no nascer do novo dia,

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Aprendi compor poesias Para alegrar meu coração Poema Os Primeiros Raios do Sol

As poesias desta obra de Baial Ramos transmitem amor, sofrimento, tristeza, ânsia, calma, mas sem deixar de lado a magnitude que são os Lençóis e, principalmente o Rio Preguiças: Mas ele não perece Ao desaguar no mar. Ao contrário, Dá vida ao seres do oceano Em sua total transfiguração. Poema Identidade de Um Rio

Citado inúmeras vezes, em vários poemas, o Rio preguiças é, para o poeta, a fonte de seus anseios, desejos, sucessos e, lógico, a saudade, e refere-se à cidade de Barreirinhas, banhada por esse belo rio, com muito orgulho, assim como Gonçalves Dias para sua terra, em sua Canção do Exílio: Minha terra tem um Rio, Que corre como a paz Sua beleza é esplêndida Igual, não existe jamais Poema Rio Preguiças

Toda essa beleza despertou, nos últimos dez anos, o interesse de muitos empresários dos ramos turístico e hoteleiro. Diante de todo esse interesse, vem a preocupação do poeta com sua terra preciosa, com relação aos impactos ambientais provocados pelo crescimento turístico-hoteleiro em sua terra:


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Hoje vem muita gente De todo canto e lugar Olhar o meu encanto Que não canso de apreciar Só peço a Deus Que não venha pra cá Essa tal de poluição. Se vier toda assanhada O que será, que será Da futura geração?

Poema Morrarias, Dunas e Lençóis

Com uma linguagem simples e forte, as poesias de Baial Ramos trazem também a dura realidade da vida no interior. As dificuldades vividas são mostradas em diversos versos, como no Poema Nosso de Cada Dia: Nascido no meu nordeste Nos jardins de mandacaru Das secas em frio Dos retirantes afim... sem fim... Frutos das injustiças sociais Dos exploradores, dos corruptos e coisas e tais Das leis sem costumes e nem princípios morais. Uma sensação forte presente em várias linhas é a saudade. Sentimento difícil de expressar em diversas línguas (principalmente a língua inglesa), é exposto em diversas faces, como falta do ser amado (feminino) que deixara,

E a lua nascendo do lado de lá. Poema Luar de Minha Vida Cada página de Os Primeiros Raios Do Sol mostra o retrato da vida pobre interiorana no meio de um paraíso e declara, no meio de tanta complexidade, o Viva a Vida! Então, Viva a Vida A vida é do tamanho do tempo Esqueça o pause. E toque sua vida o tempo todo E sinta a beleza de viver cada instante Durante todo o tempo da vida. Assim, Baial Ramos declara seu amor à sua terra e ao seu povo, em versos apaixonantes e realistas, mostrando que o céu tem seu lado inferno, e faz tudo isso na sua melhor métrica, através de poesia: Assim faço dois versos No final dessa leitura Deste rimado dicionário Maior que mil brochuras Ferramenta essencial No exercício da cultura.

Sobre saudade, nada sei dizer Se soubesse, talvez diria assim: É a lembrança que sinto de você É a pena que sinto de mim Poema Saudade I e da infância vivida na terra natal: Recordando minha infância Vem-me na lembrança Uma cena singular: Eu sentado, Um rio no meio

Susane Martins Ribeiro Graduanda em Letras pela FAMA Coorganizadora do projeto ILHAVIRTUALPONTOCOM susane.m.ribeiro@gmail.com


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Por Maria Alice Moraes Coelho Neto representa, nas suas qualidades e nos seus defeitos, toda uma época de nossa História Literária. Num balanço imparcial, nem é ficcionista glorificado do primeiro quartel do século XX, nem escritor abominado pela geração modernista, mas um escritor de méritos inegáveis em que pese os altos e baixos de sua obra com lugar definido em nossa História Literária. (Massaud Moisés)

As artes cênicas começaram a ganhar força no Brasil a partir do século a XIX e, mesmo sabendo que este gênero literário está presente desde a colonização, é neste período que as casas de ópera são substituídas por Teatros (PRADO, 1999, p. 267). Em meados do século XIX, surge a Comédia nacional, com peças curtas (uma ato) e concluídas com dramas mais longos, chamados de entremez. Desta fase destaca-se Martins Pena que, embora romântico, é um comediógrafo que satirizou atitudes exaltadas e declarações de amor tonantes. Ainda desta fase, destaca-se os Dramas Históricos Nacionais, de Agrário de Menezes e Paulo de Eiró. Já na parte final do século XIX e início do século XX, Coelho Neto, um dos mais geniais e fecundos escritores da literatura do Brasil e homem que, em quase cinquenta anos de carreira literárias e jornalísticas, nos deixou como herança cerca de 130 obras que comprovam por que ele foi um escritor fecundo, com uma linguagem elaborada, marcada pela riqueza vocabular, pela adjetivação constante e pelas construções de imagens raras, uma vez que ele mesmo declara que a palavra escrita vive do adjetivo, que é sua extensão, exercia forte influencia social e intelectual, ao mesmo tempo em que divulgava, em reuniões em seu famoso salão, batizado por Martins Fontes de “A Santa Casa de Coelho Neto”, sua obra para todas as pessoas. O polígrafo maranhense foi um dos poucos escritores que conseguiu sobreviver de sua função de escritor. Ele tem uma estreita relação com a sociedade em que vive e da qual retrata a atmosfera.


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Sendo um dos alvos prediletos dos modernistas, o Príncipe dos Prosadores Brasileiros é uma das personalidades que domina o cenário cultural-literário brasileiro no período equivalente ao final do século XIX e primeiro quartel do século XX. Ele é, junto com Olavo Bilac, representante da Literatura institucionalizada e impõe à literatura brasileira o teor nobre e apurado de sua produção literária. No Brasil dessa época prevaleciam os padrões de vida burguesa e a literatura era fortemente entusiasmada pela sociedade europeia e o teatro também espelhava esses reflexos. O Rio de Janeiro também vivia uma fase de modernização e alguns intelectuais aderem a campanha “Rio civilize-se”, no entanto outros superestimavam essa civilização e escreviam sobre uma realidade que não existia. Ele retirava dessa sociedade mais abastada e fútil, Coelho Neto retira grande parte do referencial para o seu teatro e isso faz com que seus personagens encarnem a defasagem social do meio em que vivem (COSTA, 1975, p. 1).

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A mulher, por exemplo, é presença marcante quantitativa e qualitativamente em seus enredos. Levando-se em conta que, nesta época, a figura feminina ainda vivia para a sua função de dona de casa, educada para ser mãe. Contraposta a essa situação, a mulher na obra de Coelho Neto acompanha a evolução do capitalismo e sua possível liberdade através do trabalho. Essa nova mulher pode ser encontrada, principalmente, nos dramas “A Muralha” (1905) e “O dinheiro”, onde o autor permite um tratamento mais aprofundado do choque entre as duas consciências: a da mulher – objeto e da mulher sujeito de troca (COSTA, 1975, p. 3). A peça “Quebranto” (1908) é para os críticos a mais perfeita dentre as obras teatrais de Coelho Neto. Nele o autor pôs o amor contraposto ao dinheiro de uma forma como jamais utilizara. Nessa peça, a contraposição parece ter adquirido maior amplitude porque o cômico.


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Aliás, o amor sempre foi tema muito oportuno. O amor maternal e paternal que protege ao exagero, as relações extra – conjugais, tabus como virgindade, homossexualidade, entre outros, que eram propostos de maneira triangular, provocando maior possibilidade dramática, não interessando as intrigas amorosas que não se complicam. Em “O Patinho Torto ou os mistérios do sexo”, de 1920, o polígrafo maranhense apresenta Eufêmia, uma jovem que se sente como homem e nega-se a casar com o noivo que sua mãe, viúva, e se padrinho lhe arrumaram. Diante deste impasse padrinho e mãe propõe a Eufêmia que case co Iracema, irmã do então ex – noivo. Em um estudo feito por Costa, constata-se que em “O patinho torto” há a relativização do tema do amor, de vez que não importa a Eufêmia desposar ou Bibi ou Iracema. É uma peça ousada, despojada do romantismo piegas no que respeita ao tratamento formal do tema do amor, que passa a plano secundário. Nela, são mais importantes os preconceitos sexuais com relação à mulher mantidos pela sociedade. Em “O patinho torto” constata-se a relativização do tema do amor, de vez que não importa a Eufêmia desposar ou Bibi ou Iracema. É uma peça ousada, despojada do romantismo piegas no que respeita ao tratamento formal do tema do amor, que passa a plano secundário. Nela, são mais importantes os preconceitos sexuais com relação à mulher mantidos pela sociedade. (COSTA, 1975, p. 9). O teatro de Coelho Neto não é revolucionário, apenas mantém os valores tradicionais. Ele não contestou a forma do teatro, apenas deu continuidade à tradição histórica, principalmente o drama e a comédia de costumes. Não se filiou a nenhuma das estéticas literárias do seu tempo, mas realiza uma síntese continuadora dessas tendências. Coelho Neto reflete de maneira formal e do ponto de vista do conteúdo um momento de eclosão que precede o Modernismo Brasileiro. REFERÊNCIA: COSTA, Marta Morais da. Teatro de Coelho Netto: uma leitura conteudística. Curitiba: Letras, 1975. Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/letras/article/ viewArticle/19664. Data de Acesso: 25 Mar. 2011. PRADO, Decio de Almeida. História concisa do teatro brasileiro (1570 – 1908). São Paulo: Edusp, 1999.

Maria Alice Moraes é graduada em Letras pela Faculdade Atenas Maranhense na mesma instituição atualmente cursa pós graduação em Língua Portuguesa e Literatura


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LIVRO EM DESTAQUE Entre Viana e Viena é a mais recente publicação de Lourival Serejo. Nesse livro, o escritor reúne cem crônicas publicadas ao longo dos diversos anos de colaboração em jornais. Os temas são os mais variados, sempre tratados com elegância estilística e com um toque de humor, mas sem perder o foco da seriedade do assunto abordado. Cronista habilidoso, Serejo sabe tirar de assuntos aparentemente banais assuntos para seus textos. Dessa forma, um simples passeio pelo Shopping, um livro dado de presente ou até mesmo uma relação de nomes incomuns pode servir de mote para uma crônica que ora faz um mergulho nas reminiscências do autor, ora demonstra seu aguçado olhar crítico sobre a realidade circundante. Entre Viana e Viena é um livro que convida o leitor a passear aleatoriamente por suas páginas, sem compromisso de chegar ao fim, mas com a certeza de que cada página, cada crônica, cada linha e cada parágrafos são únicos e merecem toda a atenção.

Site do Escritor: www.lourivalserejo.com.br


CANTINHO DA POESIA

O SINO DE SÃO PANTALEÃO Em minha terra, o sino mais sentido, o mais triste de todo o Maranhão, é o grande sino, há muito erguido da velha e secular São Pantaleão... Todo enterro ali passa... E ele dorido, vendo-os passar, soluça na amplidão... E é tão forte e é tão fundo o seu gemido que a todos espedaça o coração!

O informativo Ilhavirtualpontocom é parte integrante do projeto Sistema Literário Maranhense: Hipertexto e Hipermídia, patrocinado pela Faculdade Atenas Maranhense, sob a coordenação de José Neres e cm a colaboração de Susane Martins Ribeiro.

Eu avalio a mágoa desse dobre, quando meu velho Pai, vida tão nobre, diante da Igreja, em seu caixão passou... O sino gemeu tanto, nesse dia, que, eu de tão longe, ouvi, na alma vazia, os dolorosos ais que ele dobrou!


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