RelevO - Março de 2013

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Col etiv oA rbu s

Jornal

PARANÁ | MARÇO DE 2013 | EDIÇÃO 08| ANO III


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2 Altair de Oliveira endereço adrianowintter.wordpress.com. Poeta, nascido em Panorama (SP), radicado em Maximilian Rox Curitiba desde 1998. Cursa 5º período de Jornalismo na UP. Susan Blum Pessôa de Moura Robson Vilalba Escritora, formada em Psicologia pela PUC Chargista. E escritor. e em Letras pela UFPR. É mestre em estudos João Lucas Dusi literários pela UFPR. Cursa 1º período de Jornalismo na UP. Cezar Ubaldo Carol Damião Professor, pedagogo, poeta, nascido em Feira Escritora e atriz curitibana. de Santana (BA). Munique Duarte Almandrade Jornalista e escritora mineira. Publica seus textos Artista plástico, arquiteto, poeta e professor de no endereço textosimperdoaveis.blogspot.com. Teoria da Arte. Reside em Salvador (BA). Wilson Nogueira Andréa Motta Escritor curitibano. Poeta nascida em São Paulo e radicada em Priscila Merizzio Curitiba. É graduada e Pós-graduada em Curitibana, ventríloqua, nascida no Ano do Direito. Búfalo. Adriano Wintter Wolodymir Tkach Escritor porto-alegrense. Publica seus textos no Escritor ucrianiano. Mora em Chernistsi.

Expediente

Fundado em Setembro de 2010 Edição: Daniel Zanella Projeto gráfico: Marcos Monteiro Fotógrafo responsável: Ricardo Pozzo Impressão: Gráfica Helvética Tiragem: 2000 Edição finalizada em: 9 de março

Visões d’ópio

Sinto náuseas e ao mesmo tempo uma nevrose de crime. A névoa da sala torna-se lívida, com tons azulados. Há na escuridão uma nuvem de fumo e as bolinhas pardas, queimadas à chama de candeias, põem uma tontura na furna, dão-me a imperiosa vontade de apertar todos aqueles pescoços nus e exangues.

Editorial De tempos em tempos é necessário repetir os próprios fundamentos, tanto para a pedagogia dos novos que chegam, quanto ao exercício fundamental de nossos palácios de memória. Bem, somos um impresso literário - não é difícil perceber. Publicamos de tudo: crônica, conto, poesia, artigo, trechos de romances. Abrimos espaços para muitos escritores iniciantes, alguns de trajetória ampla ou simplesmente escrevinhadores que utilizam as letras para melhor viver. Não aceitamos dinheiro público, em hipótese alguma. Não é função do Estado nos subsidiar, mesmo que a gente se ache muito bom, os melhores - não somos: existem no Brasil, no mínimo, cinco jornais de segmento

Joedson Adriano Escritor paraibano. Mora em João Pessoa. Fernando Martins Almeida Estudante de Publicidade e Propaganda na UP. Cindy Carlos Escritora e professora da Rede Municipal de Araucária. Luíz Horácio Escritor, jornalista, dramaturgo e roteirista de cinema. Gaúcho. Daniel Zanella Cursa 7º período de Jornalismo na UP. Amigo de Champollion, aquele que decifrava hieróglifos. Marcos Monteiro Quase jornalista, quase escritor. Fotógrafo. Ricardo Pozzo Escritor e fotógrafo radicado em Curitiba.

João do Rio

melhores do que a gente. Sem ligação política ou dependente da verba de nossos impostos: aí, sim, talvez possamos alegar que somos o melhor desta categoria. Talvez. Não fazemos joguete com as editoras. O que isso quer dizer? Não permutamos anúncio em troca de espaço editorial. Os escritores selecionados a cada edição, definitivamente, estão aqui porque o editor gostou do que leu - se este é um leitor ruim, aí é outra história. Importante dizer: por mais que tenhamos muitos escritores curitibanos em nossas páginas, não somos um impresso de literatura curitibana. Entenda que nossa circulação impressa é regionalizada, sendo natural que mais escritores da capital entrem em contato com a redação. A isso damos o nome de

 Contato twitter.com/jornalrelevo Facebook: Jornal Relevo Envie suas crônicas, críticas e sugestões para jornalrelevo@gmail.com PDF's das edições anteriores: issuu.com/jornalrelevo

antena da raça. Ainda sobre Curitiba - e suas rinhas pequenas -, acontece mesmo de ter muitos bons escritores, mas há também um pequeno cânone local, incensado em demasia pela imprensa maior, um grupo de escritores, sem dúvida, de algum talento, mas, como diria minha avó, muito saliente. A este grupo, vísivel em todos os cantos, talvez a gente não dê tanto espaço - até porque não precisam. Mas somos seres históricos: eles aparecerão em um e outro momento porque também são bons. [Entre um figurão e um desconhecido, o desconhecido.] Enfim, nossa única, de fato, missão: circular literatura periodicamente. Uma boa leitura a todos.


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Domingo

O milionário time do Queens Park Rangers não é tão ruim como dizem. Sim, acontece de errarem passes de dois metros, dominarem de canela bolas quebradas, isolarem para a arquibancada lances em que deveriam refinar mais, essas coisas todas. O time do QPR é ruim demais. Segunda-feira

Três filmes para ouvir o oceano: - Nunca Aos Domingos. - A Lenda do Pianista do Mar. - Imensidão Azul. Terça-feira

acontecer, então?] Quinta-feira Vimos Thelma & Louise na oficina de cultura desta semana. É um dos maiores relicários afetivos que tenho. Choro sempre que revejo, mas os adolescentes têm severas dificuldades para se concentrar em qualquer coisa que tenha mais silêncio e contemplação do que o burburinho de flertes disfarçados e celulares. Há de se entender. Também não conseguirei debater sobre o filme enquanto não desmemoriá-lo. Quinta-feira Amanhã reverei a moça que hoje abrange todas minhas noites. Observo seu rosto e suas belezas tristes, típicas de coração em nevasca. Ela se derrama pelo passado quando escreve. Também fotografa pássaros. Sofro

sempre que leio ela percorrer literariamente seu ex-amor, mas quero tanto me aprofundar em seu mundo que me controlo. A cena final de A Curiosa História de Benjamin Button me lembra dela, quando um beija-flor se despede de nós em meio a uma tempestade. Sexta-feira Ela está linda, ainda mais quando um tanto perdida, inédita na noite. O DJ evoca canções marcantes do fim dos anos 90. Veja se você conhece alguma: Praise You, do Fatboy Slim, Tubthumping, do Chumbawamba, Mambo Nº 5, do Lou Bega (ou será Lou Vega?). Em janeiro de 1998, eu ouvia na casa da minha madrinha, agora morta, de fato, nunca morta, o Top Ten das músicas mais votadas do dia. Parece-me que estas músicas estavam todas lá em um destes dias, enquanto escrevia

sobre os filmes que me comoviam, enquanto começava a sentir as primeiras dores de amor pela vizinha, enquanto meu único padrinho não tinha sumido e nunca mais dado notícias. Sábado A Invenção de Hugo Cabret é um estudo memorialista para derrubar até os corações mais duros. Ver Ben Kingsley incorporando George Mélies é de uma dignidade derradeira, o atestado de integridade de Martin Scorsese, um tributo comovente. Não há como passar imune. O filme, em toda sua beleza histórica, acaba nos braços líricos de um autômato. Durmo embriagado de meus sonhos. Boa noite, beija-flor encantado.

DANIEL ZANELLA

Teremos um campeonato de jornalistas. Jornalistas que jogarão futebol. Não espere nada. Ao fim da universidade, sinto-me cada vez mais distante do cotidiano das redações, mas tenho pelo futebol um amor além da profissão: sonho o jogo. [Vamos quebrar a bola. Vamos quebrar a bola.] Quarta-feira Queria dizer como é triste ver os bolivianos correndo atrás da bola, como parecem bêbados querendo provar para bêbados de suas suficiências – ‘olha, conseguimos praticar futebol’ – e como falta-lhes todo tipo de sutileza. Mas fico sabendo que um menino morreu no estádio. Então, o futebol de pouco importa. Quem venceu, quem perdeu. Todos perderam. [Estranha-me o domínio público da informação no intervalo e a partida não ser interrompida. O que precisa

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Sabe, é para poucos Essa dança maluca e sensual, esse tom de voz baixinho, essa pele exalando alecrim. O pote de veneno no prato. Meu conto de fadas só depende de mim. Quero eu mesma enfrentar os dragões e me resgatar, sem beijo ou espada.

Foi na feira, naquele olhar, ao som das frutas caindo no chão que ela soube: casariam; dois filhos. Dois anos depois, dois tiros o levariam. Desviou o olhar, enganou o destino. - Sou um pouco distraída. Lia lhe disse, só para não ser acusada, quando para distrair o olhar, ele a percebe longe, sem saber como chegou lá.

Quando era dia de visita Lia acendia seu corpo, vestia de lilás o entardecer, bebia absinto em taça verde. Ele chegava trazendo uma guerra nas mãos tanta delicadeza na voz. E, bêbados, dançavam tango.

Todos os dias ao abrir a janela; Ela perdia-se no perfume das rosas, Enterrava suas veias nos espinhos, deixando vermelho o sofá, até que a brisa da tarde anoitecia na sua pele azul.

Quando voltei para ele, pensei em levar tudo embora; ouvindo blues e latindo pra lua.

Soube pela manhã o que a tarde só tornaria mais claro. Sua noite foi solitária, sumira a mala e, ele não tomou café. Não sei o que vai me fazer gritar, mas espero que o susto aconteça, enquanto olho o mar, tomando chá, sem açúcar. Todo dia, ela ouvia um pedir mudo de ajuda. Até que sem saber como, ela permitiu tudo para que ele pudesse, enfim, ouvir sua própria voz. Coletivo Arbus

FLORES PARA MATILDE CINDY CARLOS


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CEZAR UBALDO

ESPAÇOS E SILÊNCIOS

Os espaços vazios, longe de serem silenciosos, gritam tão fortemente seus desejos ocultos que até o silêncio é afetado na sua alma inquieta.


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Entre o copo de água eROBSON café VILALBA 6

Preferiu rasgar o envelope ao invés de pedir desculpa e, enfim, enviá-lo ao seu destino. “Eu evitaria a tragédia!”, não foi bem com essas palavras que Frederico pensou. Era tarde demais, a tragédia já tinha ocorrido e o envelope estava aos pedaços no lixeiro amarelo ou vermelho, “sempre me confundo com a cor do lixeiro que é destinado para papel”. O destino era a tragédia. “Se me desculpasse e enviasse o envelope isso seria evitado”. Claro que não, estúpido! Bom! Cada coisa estúpida que se pensa quando já está consumada uma tragédia, seria o mesmo que pensar que se a Mônica não tivesse chupado o Clinton evitaria o 11 de Setembro. Estúpido, não é não!? Só você mesmo, Frederico, para pensar uma asneira dessas. Tudo já estava em pedaços e dentro do lixeiro azul. No dia seguinte deixou o trabalho mais cedo, não estendendo o expediente como costumava fazer. Repetia aquela história na cabeça com a meticulosidade em que rasgou o envelope. “Sonharei com isso a noite toda”. Não sonhou e estava cansado demais para se lembrar do sonho, caso o tivesse. De manhã, levantou assustado, correu em direção ao celular na sala, chegou antes de o despertador (tocava “Time” do Pink Floyd). Olhou ao lado e lá estava o corpo ensanguentado do mendigo. Não! Não! Desculpa! Um minuto. Estou confundindo os tempos da história. Outro dia, pela manhã, levantou também assustado, e chegou antes do despertador (tocava “I Want You” dos Beatles, que irá enjoar e trocará por “Time” e convidará um velho mendigo a conhecer sua casa, não que houvesse um nexo entre esses dois fatos). O fato é

que acordou pensando estar atrasado, mas o seu corpo já estava domesticado e o tempo do trabalho trilhava as suas horas, fazendo-o levantar antes de o despertador tocar. Não era um relógio, era um celular que cumpria outras funções, assim como ele e o seu trabalho, múltiplas e flexíveis. “Ufa!” Não estava atrasado. Não era bom chegar atrasado ao trabalho por aqueles dias. Acabara de ocorrer uma tragédia! “Bom dia”. Deu bom dia ao porteiro antes de deixar o prédio, coisa que quase nunca fazia e que era razão mais que suficiente para que o porteiro não lhe respondesse. E quem disse que Frederico precisasse de um bom dia, ele só queria se livrar da culpa. Deixou a recepção e de cara viu o velho mendigo; velho de idade e de tempo de casa, no caso, tempo de frente-de-casa. “Um cigarro!” “Não fumo”. Outro dia irá comprar cigarros para poder responder “sim”. E convidará o mendigo a entrar e conhecer o seu apartamento. Naquele dia ele fedia muito. Todos os dias ele fedia muito, entretanto, naquele dia perguntou como o mendigo chegou a esta situação. Não perguntou para o mendigo, outro dia, no seu apartamento, irá perguntar e o velho mendigo contará uma história que Frederico não lembrará quase nada, mas ouvirá atento demonstrando interesse, não pela história, nem tampouco pelo mendigo; sabe o comportamento que temos diante de alguém que acabamos de conhecer, fingindo interesse? É isso. Apertou os passos, não queria chegar atrasado. Não era de seu feitio chegar atrasado, gostava de chegar cedo e sair tarde do trabalho; ao contrário de Fernando que já não trabalhava mais

com ele. “Que tragédia!”. Como de costume, Frederico entrou no escritório e pegou um copo d’água. “Oi, Frederico!”. Uma moça, eu acho, ou uma voz de moça lhe chamava. Quando se deu conta que o “oi” havia sido direcionado a ele, ela já tinha sumido em uma porta ou na montoeira de coisas de uma repartição burocrática. Ou foi coisa da sua cabeça. “É o Diabo”, lembrou do folclore da infância, quando diziam que se você ouve o seu nome no meio da rua e não vê ninguém, é o Diabo. Não seria má ideia. Estava só ultimamente, qualquer companhia seria agradável ainda mais um Diabo com voz de mulher. Não custava sonhar. “Frederico, chega aqui na minha sala.” O Diabo. Não o com a voz feminina e tampouco o do sonho: o seu chefe. E quando a frase que iniciava com um nome próprio e segue com uma oração imperativa, terminava mal. “A voz”, pensou o quanto ela já havia lhe marcado um conjunto de sensações que só encontraria alívio dias depois numa sexta, no seu apartamento, à noite, quando esfaqueará um mendigo sobre o carpet da sala sem motivo aparente. “Senhor!”. Entrou e sentou-se a convite de um senhor alto e de barba bem feita que atendia pela alcunha de “chefe”. “Frederico, o que aconteceu com o Fernando?” “Uma tragédia, senhor”. Silêncio. ... Veio à mente de Frederico uma destas coisas que vem à mente na hora mais absurda, como quem descobre onde está aquilo que procurava, horas depois de passar horas procurando – foi sua mãe quem lhe apresentou Fernando, no supermercado. Rolou uma identificação imediata, compravam a mesma cerveja e ao comentarem o fato fizeram uma piada que ambos conheciam. Fernando

lhe convidaria para entrar na empresa. Frederico convidará um mendigo para tomar café no seu apartamento. Aqui o tempo é hiper-quântico. Deixou a sala do chefe com um nó na garganta que só poderia ser desfeito com um copo d’água. Moribundo, caminhou até o corredor do escritório, dirigiu-se à recepção e no caminho viu uma bela moça e se perguntou se foi ela quem o chamou. “Foi você”. Não foi uma cantada que ele disse. O tom com que Frederico disse aquilo era como se acusasse a moça pela tragédia com Fernando ou pelo assassinato que só ocorrerá na sexta. “Eu?”. Eu perguntaria a mesma coisa, e você? “Não é que...” Pronto lá vem uma desculpa. Não sou eu quem estou dizendo (ou escrevendo), foi ela quem pensou. “Ouvi meu nome.” Insistiu Frederico. “Não. Desculpa, estou com pressa”. É impressionante como as pessoas têm pressa nos nossos dias. A expressão “tirar o pai da forca” já virou parricídio. Fast-food. Full-time, lava-rápido, avião-jato, trem-bala, tudo está correndo. E, se correr atrás de dinheiro era coisa de porco capitalista, correr atrás do tempo, não. Acho que nada nunca foi tão digno. Dignidade de merda. Se ela não existisse teria poupado Fernando, me poupado de escrever esse conto e Frederico de matar o mendigo que parece não ter nada a ver com a história. Sempre, voltando para a casa, encontrava algo com que se distrair. Os obstáculos na calçada, o medo de assalto e as meninas novinhas desfilando peitinhos eram capazes de desprender aqueles

pés do chão. Naquele dia não. Eu me preocupo com Frederico. Sério! Até sentaria com ele, pagaria uma bebida e tentaria contar uma história para acalmá-lo. Na verdade, não. Eu nem saberia o que estaria passando pela cabeça dele. A gente nunca sabe o que está passando pela cabeça de alguém que está do nosso lado, não é como se lesse seus pensamentos em um livro. Imaginamos. Quando ele escolheu entrar naquela padaria. Naquela padaria. As pessoas ali notaram que ele não estava bem. Bebeu o café que escorria pelo canto da boca. “É a culpa, não é?”. Perguntou uma velha senhora sentada ao lado. “Eu sei que quando o café escorre quente pelos lábios são lábios de culpa. Boca mole”. Frederico lhe devolveu um olhar cansado que mal alcançava a altura dos olhos da senhora. Mas, parecia que ela estava correta, tendo em vista que ninguém naquele lugar poderia lhe dar alguma explicação sobre tudo isso. Foi só quando se levantou que percebeu que já tinha passado algumas semanas, e não conseguira, desde lá, notícias de Fernando. Ignorando completamente a senhora que comentava seu café, pagou a conta e comprou um LM. Carregou-o na mão até o seu prédio, sem saber exatamente que força conferir para não espremer o maço. Pareceu mais confiante. Mirava longe um destino possível, como se cada passo que desse a frente fosse sempre antecedido da certeza que se sabe o que vai acontecer. Voltou para o prédio “O senhor tem um cigarro?” Perguntou o velho. Frederico disse sim.


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Entrando pelo Susan túnel Blum Pessôa de Moura 7

Calor. De derreter os miolos. Aula na sala entupida de gente, feito sardinhas em lata. Não pelo número de alunos, mas pelo fato da sala ser pequena. Para variar, ventiladores quebrados. Federal. Esperar o quê? O Professor coloca mais equações de tunelamento quântico no quadro. Pedro fica olhando, um pouco confuso e depois copia maquinalmente as equações. Por seus ouvidos entra a voz metódica do Professor. Bem longe escuta as explicações de que somos feitos de átomos, assim como o chão da sala, e que esta quantia imensa de partículas é que cria barreiras que impedem que atravessemos o piso. Pedro olha o sol pela janela. O Professor para, desanimado com os rostos inexpressivos à sua frente e comenta: “vou tentar explicar de outra forma que talvez atice a curiosidade de vocês: não é possível atravessar paredes, mas há uma probabilidade mínima, bem remota, é verdade. Mas existe! De que eu seja sugado pela gravidade atravessando este chão e suma da vida de vocês para sempre!”. Alguns alunos esboçam um sorrisinho e cochicham como isso seria bom, assim não teriam mais esta aula chata. Pedro fica um pouco mais interessado e pergunta: “então é possível que o senhor vá para os ‘quintos dos infernos’?” O Professor olha rapidamente em sua direção e diz displicentemente, entredentes: - só que esta chance é tão pequena, tão ridiculamente pequena que mesmo que a idade do Universo fosse multiplicada inúmeras vezes a chance de não acontecer é muito maior. – o Professor sabe que Pedro é um de seus melhores alunos e continua

Coletivo Arbus

falando acenando que sim, apenas rapidamente, com a cabeça. Pedro suspira com o calor, afasta uma gota de suor que passeia pelo rosto e novamente volta seu olhar para fora. Sol alto, sem vento, algumas árvores e plantas. De repente um movimento chama a sua atenção.

Um gato parece espreitar algo que Pedro não vê. A bundinha do gato sacode no movimento típico de um felino que prepara um bote. Pedro estica a cabeça para frente e finalmente vê o passarinho frágil, que aparenta estar com a asa quebrada. Pensa: “Ah, gato danado! Pega o passarinho...

vai! Mostra seu poder, ‘bichano’ danado!” No momento em que o gato dá o bote, o Professor chama a atenção de Pedro, que desvia o olhar para ele e para o quadro. “O mundo é extraordinário. Temos que prestar atenção nas coisas ao nosso redor... Uma simples piscadela e

podemos perder fenômenos incríveis! Vocês, como futuros físicos, devem observar bem este mundo e suas maravilhas!” Lá fora, o gato está no mesmo local anterior, onde estava um passarinho, olhando o nada, sem entender o que aconteceu.


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Munique Duarte Aquela seria a última vez. Pensava sobre os últimos anos vividos enquanto abotoava os botões da camisa. Era preciso muita energia para cumprir o trato que havia de ser selado para sempre. Olhos perdidos no primeiro poste que se acendeu no início da noite no horizonte distante. As malas já estavam prontas. Os pensamentos não. Quanta manteiga rançada derramada na última noite. Quantos pássaros já haviam morrido lá fora até os anos se passarem todos. Até chegar a hora de abotoar o último botão e dizer basta. O coração esperneava clamando calma. O cérebro esquiava feliz sobre a manteiga derretida. Saltava, voava, arquitetava piruetas, fazia careta na frente do espelho. O

HIENAS

tempo era um devorador de folhas caídas das árvores. Ganhava sempre das traças penduradas no teto. Túnel longo sem sinal. Ao fechar a porta e trancá-la com chave pensou em jogá-la fora, em meio a uma pilha imensa de folhas de outono perdidas. Coração perdido e desapontado. Ele perdeu a competição sobre a arena manteigosa. O cérebro farto de manobras se aquietou. Daí os sapos pularam até a garganta. Toda memória vem com uma corda a tiracolo, perigosa e escorregadia. Percebeu que o último botão da camisa ainda estava aberto. Ao encerrar o processo de todos os botões em suas casas enfileiradas, apertou uma vontade imensa de colocar a chave na porta e cheirar a madeira dos móveis outra

vez. Quando os móveis são bons de verdade, o cheiro não se desmancha no ar com o passar das folhas secas caídas de outono. O sabonete azul no banheiro ficaria feito pedra com a ausência dele. Tudo murcharia. Ou viraria pó. Ou viraria manteiga rançada. Pães mofados. Começou a chover. A noite avançava como hiena em direção à caça morta há meses. Entre dar o primeiro passo e recuar três metros novamente para o interior da casa, passaram-se vinte minutos. Os olhos fixados na luz de um poste entre as centenas de outros acesos lá no horizonte distante. As folhas secas se encharcaram. A camisa mudou de cor. Tom escuro empapado. Sapatos gelados. Coração parado. Cérebro

esquiando. Decidiu finalizar a decisão de ir de vez ou não na calçada da rua, mas os pés encharcados não se descolavam do chão. Estava perdido. Decidiu entrar, trocar de roupa e esperar a chuva passar. A hiena já saboreava a carniça em seu sorriso infindável. Ele podia ouvir cada uma mastigando seu pedaço merecido. Os postes sumiram todos no horizonte atrás da névoa espessa formada pela chuva gelada. As hienas ficariam resfriadas. Cheirar de novo a madeira dos móveis era um alento. Adiaria a partida por algumas horas. Até a tempestade se esgotar. Até as folhas se amontoarem de novo na frente da casa. Jogaria a chave no meio delas ao partir novamente. O corpo pesava sobre o sofá que se encharcava

Coletivo Arbus

no compasso de cada respiração que ele dava. Sons das goteiras lá fora. Cérebro se desligando. Coração alarmado aos saltos. Ouvia mais uma vez a repetição do nome: Diana. Diana, Diana, Diana, Diana. O último ‘a’ sempre mais reforçado. Dianaaaa. Aquela seria a última vez. As hienas devoraram tudo. Só sobraram as penas verdes voando lentamente pelo quintal. Misturaram-se às folhas verdes caídas de outono. Como era inigualável sentar-se no sofá, cheirar a madeira dos móveis e não ter mais que partir. Certamente, aquele não era o plano. Assim como a chuva que chegou sem aviso. Depois de um tempo, a essência de madeira passou a deixá-lo estranho. Na porta de entrada avistou a memória. Ela trazia sua corda traiçoeira a tiracolo, rodeada de hienas risonhas.


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ALMANDRADE

GEOMETRIA FORADE LUGAR

MAXIMILIAN ROX

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Porta de Garagem

A esquina celebra o ângulo. Possível destino de uma reta: mudar de direção. A rua possibilita o retorno. O andarilho inocente repete o caminho sem encontrar uma saída.

MEDITAÇÃO 2 O corpo encontra a fala. Uma pedra de sal e uma lembrança nas costas. o pensamento enfraquecido de tanto resistir é um líquido derramado.

A garagem de meu prédio tem uma descida e uma porta. Meu filho ali veria a entrada para um calabouço repleto de esqueletos e morcegos; uma saída secreta para um veículo voador de algum super-herói mascarado; um portal intergalático com naves dos povos wharbyacor esperando a ordem de invasão; uma porta para o inferno com diabinhos saltitantes e labaredas em ação. E hoje eu só consigo ver uma porta de garagem.

RETORNO O sonho arranca a verdade. Olhar é ter a tarde remota, aqui. Um sopro perdido no meio de cálculos, uma experiência desafia o sonâmbulo. Agora é dia, o sol queima a letra.

JOÃO LUCAS DUSI

MORTE EM ALGUMAS ETAPAS

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Jazia o corpo, ali, numa floresta, há vários meses, já decomposto, esqueletizado. Ninguém havia dado falta. As células cerebrais são as primeiras a morrer – principalmente quando se explode a própria cabeça com um um revólver calibre 357 Magnum, acabamento oxidado, capacidade para cinco tiros, pesando aproximadamente 700 gramas. Morte com estilo. Fim de consciência. Após a morte cerebral, a alma vai direto para o inferno. É claro que deus não vai querer em seu paraíso a presença de um filho que enfiou um tiro na própria cabeça, sabe, ele sente-se chateado ao ver todo o trabalho que teve ser destruído por um artefato mundano. Sem alma, o coração para de bater, acaba-se o fluxo de sangue e o corpo para de receber oxigênio, resultando em palidez em certas partes e concentração de sangue em partes inferiores (manchas escuras). Algumas horas após o feito, os músculos ficam duros como rocha (rigor mortis), uma constatação de que o filho da puta não irá mais mexer os membros. O calor se vai e sobra matéria orgânica gelada, sem vida, sem hipocrisia. Passado um tempo, com a morte geral das células, a rigidez do corpo diminui e as bactérias e enzimas naturais começam a dissolver todos os órgãos. Insetos e animais e o diabo começam a fazer a festa sobre o que um dia foi um ser pensante, racional, filantropo; agora um santo condenado. Já podre, mal cheiroso, abominável, o corpo se torna hospedeiro de larvas de moscas. Até trezentas larvas são depositadas nos restos orgânicos, sendo estas carnívoras e eficientes na decomposição; por fim, as larvas se transformam em novas moscas. Olha só, não é que no final servimos para alguma coisa?!


Passarela

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Longos cílios penetram - sorrateiramente no relógio auditivo do cinza-estrada, buscam ser espaço, além do branco-negro-fuga.

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- um suspiro Pausa, aos ponteiros interregno ao vazio. Na quietude da madrugada batidas desassossegadas ponteiam na inação dos códigos verbais. Enquanto a mão esquerda dedilha a percepção, a direita cala, a voz, dos símbolos visuais, Em posfácio, vertigens movimentam-se na paisagem agreste das -minhasladeiras sinuosas.

ANDRÉA MOTTA

Íntima Fração

surdos meus pés gritam a distância disfarçada curvos adjetivados pela hora tardia

das estranhas noites contam espinhos obscenos turvos semeiam e colhem a palavra Ismael Alencar

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I Os dentes da madrugada curitibana rangem enquanto uma montanha de panos velhos aproxima-se de um apressado pacato burguês e sua sacolinha de remédios. “Uma moeda, por favor”. Sem desviar o rosto da estrada deserta, responde: “Lamento, minha última moeda gastei nos medicamentos”. Não perde seu precioso tempo procurando algum rosto entre aqueles trapos ambulantes e levanta o braço mostrando a sacola da farmácia, enquanto com a outra em punho cerrado, aperta a moeda com a efígie do presidente JK. Passos apressados na escuridão sem o farol dos carros, passa a andar no meio da rua. Como o tempo pode ser tão longo! II O cano de um revólver na cabeça de um aluno em frente à escola. Correria, angústia, desespero. Trocam passos incertos, pés em todas as direções sobre pernas trêmulas. Ouvem tiros que explodem no desespero do silêncio, imaginando dor e sangue, que sentem em suas entranhas. Pavor. Professores como pastores tangem seu rebanho para a segurança (?) das salas. Professoras procuram armários inexistentes para se esconder, alunas gritam e choram sem saber, sem ver. Do alto de uma janela, a diretora impassível perscruta o drama. Homem armado ameaçou aluno, mesmo sendo este aluno o Maeda, não merece tal violência. As vísceras do infortúnio sorriem, um prazer sádico abre uma avenida nos lábios da professora de português. Enfim era só um policial à paisana. III -Aquela motorista! -Qual motorista? -Você foi pra lá e tinha uma motorista do bus...? Os franceses não são simpáticos com quem não fala francês. “Pardón, s’il vous plaît”. A motorista que fumava feito uma chaminé e dirigia xingando os outros motoristas até cair o cigarro na calça e... Ela não gostou Homem, o que você está esperando? O bus passar com outra motorista, bonita e que não fume; agora só vejo aqueles de cara de travesseiro amassado; já algum tempo longe do sol, sabe como é...? Estou igualzinho! Disseram que preciso andar no parque, enquanto tiver sol... Quando saí, vi um gato imenso de gordo subindo com espantosa agilidade o muro de uma casa. Perguntei, como é que o chinês não viu. Quantas esfihas não daria! Fiquei com raiva. Não consigo mais me abaixar sem que minhas costas protestem.

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Jucélia (41) 3031-2357 (41) 9663-7557

WILSON NOGUEIRA

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A história de um gatinho 12

WOLODYMYR TKACH

Atalaia é uma das aldeias do distrito de Setúbal. É disposta fronteiramente a Lisboa e junto à cidade de Montijo, antes chamada de Aldeia Galega do Ribatejo. Poucas pessoas moram nela, umas dois mil e trezentas, e quase todos se conhecem. Na aldeia, todos têm amigos de mais, sendo-lhes amigos demais. Este lugarejo não tem muitas coisas que atraiam turistas de sobejo, não sendo o tempo de romaria, organizada anualmente já um meio milênio. Tem três artefatos realmente atraentes lá: é a igreja da Nossa Senhora de Atalaia, erguida no lugar em que um belíssimo dia apareceu a Imagem, e três cruzeiros, dispostos bem perto da igreja. Perante isto tem uma rua, cujo perfil é de uma escada. As casinhas à direita e à esquerda desta, pintadas de azul e branco, fazem lembrar o Alentejo, que está a uns 70 quilômetros de lá, e sempre o farão para quem as vir de perto. Um dos cruzeiros está perante a igreja, uns 50 degraus por baixo. Mais um, vê-lo-ão doutro lado desta, a uns 20 metros. Basta percorrer uma rua estreita. Tem mais um, um pouco mais longe, mas mesmo assim perto. Por que eu te trouxe para cá? Na igreja, tem missa cada dia. E cada dia que tem missa, podemos ver um gatinho miando lamentavelmente. Por que será? Este gatinho de nove anos pertencia à dona Marília, que morava numa das casas nos arredores. Uns oito anos atrás, o inverno estava muito frio e caiu a neve, coisa rara para Lisboa e região. O pequeno gato estava morrendo de frio, deitado num dos degraus da escada. Dona Marília, de alma cheíssima de sentimentos, de repente sentiu muito dó dele e resolveu abrigá-lo na sua casa. O gatinho e dona Marília amavam-se. Ele caçava ratos. Não só no sótão e no porão da casa da dona, mas também na vizinhança. Um dia, foi organizada a exposição de gatos em Lisboa, no Centro Comercial Vasco da Gama, e Chico (assim chamava-se o gatinho) venceu. Passaram muitos anos e os filhos, netos e bisnetos da Dona Marília saíram de Portugal à procura do melhor destino; um resolveu mudar para os Estados Unidos, outro, para o Brasil. O mais novo resolveu morar na Austrália, deixando assim a Dona Marília, de marido morto já faz uns vinte anos, sozinha com o Chico. Morta ela, aos 95 anos, a casa foi vendida a uma família de Alcochete. Esta resolveu vender o Chiquinho a um comerciante de Lisboa, que tinha praticamente um zoo-

Coletivo Arbus

lógico: 14 gatos, quatro cães e dois papagaios. O novo dono, porém, não tratava o Chiquinho de tal maneira como dona Marília. Ademais, os cães roubaram a comida dele. Foram frequentes as vezes em que os outros gatos pelearam com Chico, que certamente sentia mais e mais saudades de Atalaia. Ele resolveu voltar. Na casa do seu novo dono só passou umas três semanas. Todos nós sabemos que os gatos têm boa memória. E o Chiquinho não era exceção. Com medo de ser atropelado por um carro, ele atingiu a estação de Oriente e entrou a clandestino na camioneta que ia à sua Atalaia de sempre. Chegado lá, ele viu a gente indo à missa do domingo. Correu rapidamente, esperando ver a dona Marília exatamente onde a vira por última vez. Miando, chamou a dona e ela não respondeu. Ele não desistiu e ficou até que a missa terminasse. Não tendo resposta, resolveu vir à igreja de novo, ao próximo dia, na esperança de que visse afinal a sua dona. Ainda hoje ele assiste a cada missa (apesar de ficar fora da igreja), esperando a sua dona. Discos de Rock, Jazz, Blues, Soul, MPB, Rock alternativo, Música Clássica... Literatura Brasileira, Estrangeira, Arte, Filosofia, Ciências Sociais, História... Tudo selecionadíssimo! Rua Dr. Claudino dos Santos, 48 Largo da Ordem - (41)3155-0026

Ter-Sex 10h - 20h Sáb 13h - 19h Dom 9h - 14h


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CAROL DAMIÃO

Francesca Hoje eu não estou kafkiana, queria te escrever uma frase proustiana, sem parecer que sou clariciana, dizendo que sou borgeana, entretanto, não quero que pense que estou em situação dantesca de uma história rodriguena. É claro que eu não, sou burlesca, pretendo bancar a hilstiana, ou me afundar na sartreana, ou confundir a freudiana, com essa febre burguesa. Aliás, ando mais pra coutesca brincando de guimarâneana. Rifando minha fase ionesca em prol da minha fase mundana. Afinal, eu não estou pra gincana e nem o meu coração é rubrica de obra shakespeareana.

Coletivo Arbus


Ricardo Pozzo

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A [in]substância inflamável do desejo Noiada, a princesa derviche ou vulnerável azeviche, estende a mão como quem esmola, mas ampara filete de mijo de rato e pomba e água que desce pela marquise; Agar, que vê brotar a misericórdia em pleno deserto de vidro e pedra britada. Poucas quadras a separam de Ismael, deixado sob a mesa de plástico do bar, encoberto pelo fiapo de manta igual seu choro tão chorado e vão que não desperta menor atenção na platéia alcoolizada pelo futebol de quarta.

Coletivo Arbus

Ninguém transfigurou em película o tunisiano em chamas ou ao indígena Galdino ou aos flamígeros mendigos das ocupações herdeiras da Vila Socó, igual fez com o budista Quang Duc, imolado como quem humilha para sempre o Tribunal do Santo Ofício. Mas ao olhar seus olhos no espelho às fronteiras do silêncio e saber que arde sua carne, sem auxílio de subproduto petrolífero, extraordinário seria perceber, guardada devida proporção quando digo da entrega como meta, que há pouca distinção entre você e o sábio asceta.

SOMÁLIA NA CAPITAL DAS ARAUCÁRIAS


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UMA HISTÓRIA ESCRITA COM A AMPULHETA Priscila Merizzio

I Havia debaixo do colchão de sua cama um facão para cortar pela metade a dor e os sonhos. Julgava uma inépcia pessoas que se refugiavam em fantasias e escutava com lassidão seus discursos. Carregava consigo uma assepsia de emoções que o deixava embotado diante de sentimentos profundos. Foi uma criança sisuda e pautada nas farmacopeias que os mais velhos ensinavam. Considerava frugais as brincadeiras das outras crianças, optando quase sempre pela aspereza da solidão. Cresceu com os ossos dos joelhos ensimesmados e não houve especialista que conseguisse curar a dor lancinante em dias de tempestades. Embora ganisse a cada trovoada, deixava que a natureza se ocupasse de ficar úmida e trincava os dentes com força para não derrubar lágrima sequer. Tão logo alcançou maioridade, partiu de casa em busca de independência. Ambicionava ser um homem rico e também preencher a arcada dentária com ouro trazido de minérios negreiros. Sua personalidade compenetrada lhe rendeu um emprego promissor em uma importante madeireira. Tinha brios luciferianos e nas parcas correspondências que trocava com a mãe não se queixava de saudades, doenças ou escassez de comida, como costumavam fazer os outros rapazes de sua idade. A madeireira foi seu único emprego. Começou como estagiário e aposentou-se como sócio majoritário, exportando pinus à

DE CRONOS

Europa e, para espanto dos colegas, também para as Índias. Saía com mulheres aceitáveis, mas nada extraordinárias. Permitir-se o extraordinário era fado dos românticos. Jamais armazenou velas para gastar com defuntos. Permitia-se ternura e superstição apenas com seus gatos, que não lhe exigiam cuidados demasiados. II Havia algumas raras situações em que ele cruzava o olhar com mulheres que o deixavam em estado de Lua Cheia. Ele tinha pavor do efeito hipnótico e destemperado que elas produziam em seu comportamento. Após sentir o perfume de Cleópatra que emanava do tufo de pelos no meio de suas pernas e de bebericar seus orgasmos de ambrosia, voltava-lhe impiedosa a dor nos joelhos. Ele urrava quase esfarelando os dentes entre as mandíbulas, mesmo que lá fora fizesse um sol de latejar as têmporas. As enxurradas de suor daquelas mulheres lhe valiam mais do que três mil tempestades e não havia nada que amainasse sua dor. Concluía que elas eram ardilosas feiticeiras, com seus seios de Medeia e gracejos de fogueira, distribuindo sorrisos como quem despeja moedas estreladas em danças ciganas e mesmerizantes. Após o encontro com essas mulheres, caía em si e se rechaçava por ter se permitido enveredar nas ratoeiras do desejo descomedido. Punha-se então a ruminar saídas mentais e estratégicas e empunhava tochas gélidas

de racionalidade que o livravam do labirinto das câmaras dos átrios e ventrículos daquele monstro sentimental que pulsava na cavidade de seu tórax. Ele não concebia a ideia de ter um coração, apenas um cérebro. Seguinte ao pequeno descarrilamento emocional, retornava a seus afazeres, interando-se em cálculos e bebericando conhaque em negociações com outros poderosos. Voltava a esvaziar as necessidades de homem em bordéis com gorjetas mesquinhas e não beijava a boca das putas. Substituiu os dentes naturais por dentes de ouro egípcio.

III Embora tentasse fugir dessas raras mulheres feiticeiras, houve uma delas que fatalmente o envolveu em um véu de brumas aquáticas. Quando deu por si, estava se deitando com ela em meio a incêndios oceânicos que repartiam Netuno em dois e ásperos pedregulhos vigiados por cascavéis que avisavam com seus guizos plutônicos que, frutos férteis e lunáticos, estavam quase caídos dos pés. A feiticeira estendia seu efeito desagradável também sobre seus gatos, que em noites enluaradas estranhamente tomavam formas de enormes lobos, uivando insaciáveis. Os gatos, transmutados em lobos, sumiam na escuridão e traziam consigo, na manhã do dia seguinte, embutidas dolorosamente em seus membros ainda intumescidos, delicadas fêmeas andorinhas. Ele ficava horrorizado com tamanho espetáculo e

esguichava água fria para que seus gatos deixassem de ser lobos e as fêmeas partissem, incumbidas de bicarem sozinhas suas feridas. Não se solidarizava com a dor alheia. Ademais, ele estava ranzinza a maior parte do tempo. Ora porque a feiticeira não estava por perto, ora porque ela se ausentava. Ansiava em ter sua sobriedade de volta, embora soubesse que o preço a pagar seria alto. Teria de expelir todo o carmim de suas paredes para revesti-las novamente com o cinza dos bordéis e dos números certeiros de seu livro de contas. Além disso, os gatos pareciam conspirar contra ele quando não transfigurados em lobos. Quando ele começava com suas especulações taciturnas sobre as implicações negativas acerca da feiticeira, os bichanos bocejavam modorrentos. Desde que haviam experimentado os presságios mágicos da Lua Cheia, eles observavam sua soturnidade com audaz desprezo e abençoavam a entrada daquela mulher bruxa em suas vidas. IV Mal ele sabia que os gatos haviam desenvolvido o desagradável hábito de espionar suas noites de volúpia com a feiticeira, que dominava a arte do amor e entregava despudorada cada nuance de seu corpo quente. Ela engatinhava pelo quarto como uma pantera e colhia seu sêmen em uma taça de ouro. Quando ela fazia isso, os gatos que estavam espionando pelo vão da porta, ficavam de pelos eriçados e salivavam

inebriados. Para ele, aquelas foram noites guiadas por um deus ébrio de Vênus e nada daquilo lhe soava linear. A passagem arrastada do tempo o deixava Saturno. Decidiu que era hora de findar aquela desgraça. Após uma noite ardente, ele acordou e sentiu falta da feiticeira ao seu lado. Foi procurá-la pela casa e flagrou-a dando seu sêmen de beber aos gatos. Eles lambiam a taça de ouro e ameaçavam transformar-se em lobos. No lugar dos cabelos escuros e sedosos da mulher, brotaram-lhe serpentes que ondulavam sensualmente ameaçando o picar nos olhos para que ficasse cego. Ele começou a gritar apavorado, ordenando que Medusa fosse embora e que levasse com ela as serpentes e aqueles gatos-lobos repugnantes. E assim foi. Para disfarçar a sensação de perda, ele iniciou uma criação de cabras. Elas talvez lhe pudessem render calmaria e algum trocado com o leite que produziam. Nutria uma raiva sombria daquela mulher que surgiu em sua vida para levar o que mais de precioso ele tinha: os gatos. E sua inconfessável presença de bruxa. A dor dos ossos do joelho se tornou violenta como uma maldição. Em vez de surgir em meio às tempestades, ela agora anunciava sua presença nas noites de Lua Cheia. Enquanto andorinhas cantavam no telhado, primeiro partiram-se as juntas e depois os ossos de seus joelhos. Os dentes de ouro de sua boca derreteram-se como argamassa, grudando seus beiços definitivamente. Ele morreu de hipotermia, julgando escutar lobos afônicos uivando lá longe, enquanto suas cabras pastavam tranquilamente na colina. Jamais derrubou lágrima sequer.


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ARQUEOLÓGICO (3012)

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Toda terça Coletivo Arbus

ADRIANO WINTTER só teus metais resistirão: a prata aflante das folhas o paládio dos pássaros o irídio dos lírios ouros imóveis: anoitecer e tudo estará desfeito panos tirânicos do corpo, isopores da fala, vidros do sentimento só teus metais ressurgirão sobre mãos pasmas (como hoje) entre 4 e 6 da tarde num parque porque dura é a beleza de existir


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JOEDSON ADRIANO

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1 a luz é tão devagar aqui além ou sei lá onde como quando as palavras surgem em desenhos nuvem na mente que não mando 2 ¿mas será que eu sou de idêntico tamanho que se eu sou tu quem és

ou nem lembro onde estou da cabeça aos pés em todo canto ou fanho?

3 através da criação com uns versos maduros com uns verdes dinossauros

acelero a evolução papagaiadas de louros os sábios do futuro

que possui oito lados um círculo infinito que ninguém nem se move

5 na palma da minha mão a estrela bem velhinha mais que peso seu pesar

depois duma explosão com preguiça de brilhar de apagar mais velinhas

7 mais que laço bonitinho mas ele nos deixa atado pra que no tempo lasso

perfeito no colarinho por isso eu o desfaço se levante um sonho alado

8 ¿por que não norte pra baixo e não está em cima que eu desorientado

Fisioterapria Pilates Massagem rítmica Terapias corporais Drenagem linfática ...e muito mais...

Solange Maria Costa Crefito 5611-F

4 dentro desse quadrado eu desenho com nove de lados tão bonitos

Agora ninguém mais pode dizer que Curitiba não tem sol. Venha conhecer um espaço com conceito ampliado de:

se o centro eu não acho tampouco nos tantos lados desacordo com o clima?

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WORKSHOP & OFICINA LITERÁRIA com o poeta português JORGE MELÍCIAS Março | 2013 (vagas limitadas) Inscrições e informações: mimesismimesis.com.br mimesis@mimesismimesis.com.br facebook/mimesismimesis

9 o piloto sem nave no todo vazio mergulha pra ruidosas paisagens

dum canto à outra chave sem som nem imagem de agulheiros sem agulhas

10 eu que não sei montar um cavalo duma cor de asa invisivelmente

de repente quis comprar totalmente diferente rosada pro meu voo

MIMESIS


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o corpo sobretudo o corpo sobretudo o corpo o sobretudo corpo sobretudoo corpo sobretudo ofronteira corpo sobretudo limite e limite e fronteira limite e fronteira limite e fronteira o corpo sobretudo o corpo sobretudo limite e fronteira o corpo sobretudo limite e fronteira o corpo sobretudo o corpo filtro sobretudo filtro pó estrada filtro pó estrada filtro pó estrada pó estrada limite e fronteira limite e fronteira filtro pó estrada limite e fronteira filtro pó estrada limite e fronteira limite e fronteira o corpo sobretudo caminho e trincheira caminho e trincheira caminho e trincheira caminho e trincheira filtro pó estrada sobretudo o corpo sobretudo filtro pó caminho estradao corpo caminho efiltro trincheira filtro pó estrada e trincheira filtro pó estrada pó estrada limite e fronteira caminho e trincheira limite e fronteiracaminho e trincheira limite e fronteira caminho e trincheira caminho e trincheira caminhooecorpo trincheira filtro pó estrada o corpo sobre filtro o corpo o corpo sobre o corpo o corpo sobre o corpo sobre o corpo pó estrada filtro o pócorpo estrada sobre o corpo o corpo sobre o corpo caminho e trincheira novo novo novo novo o corpo sobre o corpo caminho o corpo sobre ocaminho corpo e trincheira novoe trincheira o corpo sobre o corpo novo o corpo sobreonde o corpo o corpo onde sobrese o corpo onde se alcança onde se alcança se alcança alcança novo novo onde se alcança onde se alcança novo o corpo sobretudo novo outro outro outro onde se alcança o corpo sobre o corpo o corpo sobre onovo corpo outroo corpo sobre o corpo onde se alcança outro onde se alcança outro limite e fronteira onde se alcança onde alcança novo onde suporta onde suporta onde suporta suporta outro novo novoonde suporta se onde corpo sobretudo outro oonde outro suporta filtro pó estrada outro outro onde se alcança chão chão chão chão onde suporta se alcançaeonde ondechão se alcança limite e onde fronteira onde suporta suporta chão caminho trincheira o corpo sobretudo Quando moleque a conheci, com uns julgado por um Deus Barbudo, que só me onde suporta onde suporta outro onde se cala onde se cala onde se cala onde se cala chão outro outroonde se cala pó estrada chão filtro chão onde se cala limite e fronteira chão 14suporta anos, naquelasfogueira saidinhas da escola sentir culpado, quesuporta me punechão como onde suporta fogueira fogueira onde se faz calame onde onde e trincheira onde se caminho cala fogueira onde se fogueira onde se cala certas correntes fogueira o corpodasobre oSegundo corpo filtro pó estrada onde se cala cala depois aula. um chefe, por chegar atrasado. Ando chão fogueira chão novo chão fogueira fogueira caminho e trincheira fogueira rápido fogueira o corpo sobretudo onde se cala religiosas, algumas pessoassobretudo que encontraao seu encontro. silêncio. sobretudo quando silêncio. quandomentalmente silêncio. sobretudo quando silêncio. sobretudo quando onde se onde se cala corpo sobretudo osilêncio. corpo sobre oocala corpo o corpo sobretudo silêncio. sobretudo quando sobretudo quando onde se alcança limite e fronteira fogueira o corpo jaz o corpo jaz o corpo jaz o corpo jaz mos nessa vida sãosobretudo conhecidas de vidas silêncio. sobretudo quando fogueira fogueira limite e fronteira ocorpo corpo sobretudo limitesobretudo e fronteira silêncio.novo quando o corpo jazsilêncio. silêncio. quando osobretudo jaz outro corpo sobre o corpo silêncio. sobretudo quando filtro pó estrada aonde poeira sobre a poeira sobre aquando poeira sobre aopoeira o corpo jaz passadas. Ou, por meio de uma ilusão * filtro pó estrada se alcança limite e fronteira filtro pó estrada o sobre corpo jaz sobre a poeira o corpo jaz sobre a poeira onde suporta novo o corpo jaz o corpo jaz caminho e trincheira silêncio. sobretudo quando sobrea apoeira chama toda sobre chamajustificar todasobre a poeira sobre a chama sobree trincheira a chama toda silêncio. sobretudo quando silêncio. sobretudo quando caminho e trincheira pseudo-espiritual, eu atento outro filtroapó estrada caminho sobre sobre atoda chama toda sobre a poeira sobre chama toda chão onde se alcança sobre a poeira sobre a poeira o corpo jaz sobrea achama aurora silenciosa sobre a aurora silenciosa sobre aaquela aurora sobre a aurora silenciosa sobre todaproporciona oaurora corpo jaz se cala o corpo jaz asilenciosa onde suporta caminho eas trincheira borboletas noa chama estômago na a chama Ela sobre me sensação sobre sobre aurora sobre todaque tive sobre atoda silenciosa onde outro a chama toda sobresilenciosa a chama todaa poeira o corpo sobre o corpo sobre alvissareira alvissareira alvissareira alvissareira sobre a aurora silenciosa sobre a poeira sobre a poeira o corpo sobre o corpo chão o corpo sobre o corpo sobre a aurora silenciosa o corpo sobretudo primeira vez que eu a vi.silenciosa Enfim, sei que de férias, alvissareira que é sempre melhor do quea aurora sobre a aurora alvissareira fogueira onde sobre a aurora silenciosa sobre silenciosa novo o corpo sobretudo sobre asuporta chama toda de uma madrugada de junho. de uma madrugada de junho. de uma madrugada de junho. de uma madrugada de junho. alvissareira sobre a chama toda sobre a chama toda novo onde se cala o corpo sobre o corpo novo alvissareira limite e fronteira de telefone uma madrugada mesmo tão novo, senti algo verdadeiro, a realidade. Consigo seu pelo de junho. de uma madrugada dealvissareira junho. chão alvissareira alvissareira onde se alcança limite e fronteira sobre a aurora silenciosa de uma madrugada de junho. sobre a aurora silenciosa sobre a aurora silenciosa onde se alcança novofiltro onde se alcança de uma fogueira madrugada de junho. pó estradasobretudo e silêncio. mesmo anos depois e tão mais velho, jornal, ejunho. marcamos o madrugada de uma madrugada de junho. quando onde se denos umaclassificados, madrugada de uma decala junho. outro filtro póde estrada alvissareira alvissareira alvissareira outro ondecaminho se alcança outro e trincheira procuro a mesma sensação em outras. encontro em um motel beira de estrada, o corpo jaz fogueira onde suporta caminho e trincheira de uma madrugada de uma madrugada junho.primeiro amor. placa vermelha piscante. de umaEla madrugada de junho. onde suporta silêncio. sobretudo outro de suporta sobre aquando poeira Outras camas.deMeu aceitouonde de chão chãoaochama o onde corpo jaz sobre chão osuporta corpo sobre corpo o corpo sobretudo o corpo sobretudo toda nos apresentaram. imediato Amigos em comum silêncio. sobretudo quando a proposta. Safada. Ponho a onde se cala o corpo sobre o corpo onde se cala sobre poeira chãoanovo onde se calao corpo jaz limitemelhor e fronteira limite emeus fronteira sobre abranquinha. aurora silenciosa Linda, Quanto mais bonita e minha roupa e junto aos o corpo sobretudo fogueira novo fogueira sobre aonde chama toda onde se cala fogueira sobre a poeira sealvissareira alcança o sobretudo filtro pó estrada filtrosobretudo pó estrada oacorpo corpo sobretudo o corpo limitesobre efogueira fronteira pura alguma coisa é, melhor é a sensação piores pensamentos. onde se alcança aurora silenciosa outroe de limite caminho e trincheira caminho e trincheira sobre a chama toda uma madrugada de junho. limite edefronteira fronteira filtrosobretudo pó estrada silêncio. quando outro limite e fronteira corrompê-la. Trocamos silêncio. sobretudo quandofluidos. alvissareira silêncio. sobretudo quandosilenciosa onde suporta filtro pó estrada o corpo sobretudo sobre a aurora filtro pó estrada filtro pó estrada caminho e trincheira o corpo jazdesilêncio. onde o corpo sobretudo * suporta otrincheira corpo jaz uma madrugada de junho. sobretudo quando o corpo jaz chão caminho e o corpo sobre o corpo o corpo sobre o corpo limite e fronteira alvissareira caminho esobre trincheira caminho e trincheira sobre a poeira chão o corpo sobretudo limite e fronteira * a poeira o corpo jaz sobre a poeira onde se cala novo filtro pó estrada novo de uma o acorpo sobre corposobre limite sobre chama toda onde se calado e fronteira filtromadrugada pó estrada de acorpo chama toda As pessoas esquecem-se que você sobre aopoeira sobre a chama toda fogueira o corpo sobre o onde se alcança onde se alcança caminho e trincheira o corpo sobre o corpo o corpo sobre o corpo novo sobre a aurora silenciosa pó no estrada caminho e trincheira sobre a aurora silenciosa sobre a chama todafiltro Perdemo-nos tempo. Fiquei anos diz, sobre a aurora silenciosa mas nunca defogueira como você outro as fez sentir. novo outro novo novo onde sesobre alcança alvissareira caminho e trincheira alvissareira a aurora silenciosa alvissareira sem vê-la. Mas a vontade sempre silêncio. sobretudo quando Ponto mim. Subo as escadas. Não onde se alcança ondepara suporta onde suporta o corpoesteve sobre o corpo ondede se junho. alcança onde se alcança outro de uma madrugada silêncio. sobretudo quando o corpo sobre o corpo de uma madrugada de junho. alvissareira de uma madrugada de junho. o corpo sobretudo o corpo jaz outro chão chão lá, escondida em névoas. Tive saudades. sei se a amo ou gosto mais da sensação novo outro outro onde suporta o corpo jaz o corpo sobre o corpo novo de uma madrugada de junho. limite fronteira sobre a poeira onde cala onde seOcala Sem ela minha vida foi, e ainda é, tediosa; estarseapaixonado. Oa epoeira que falar? que onde se alcança deonde o corpo sobretudo onde suporta suporta onde suporta chão sobre novo onde se alcança filtro pó estrada sobrecomo a chama toda chão fogueira fogueira papos sobre o tempo e músicas da demonstrar? Talvez, na verdade, eu seja outro limite e fronteira chão onde se calachão sobre a chama toda onde se alcança outro o corpo sobretudo caminho e trincheira sobreBjörk. a aurora silenciosa o corpo sobre- onde onde suporta o tipo de pessoasobre filtro pó estrada feitos ede desejos. Culpo-me que asó acredita em si onde se se cala cala Somos onde se cala fogueira aurora silenciosa outro onde suporta limite fronteira o corpoquando sobretudo alvissareira fogueira silêncio.dos sobretudo silêncio.Suor sobretudo quando tudo chão caminho e trincheira por pensar em te procurar. através elogios dos outros. fogueira fogueira alvissareira onde suporta chão filtro pó estrada limite e fronteira o corpo sobre o corpo de uma madrugada de junho. o corpo jaz fundo oum corpo jaz limite e fron-sobretudo onde se cala frio… Respiro e acendo cigarro, silêncio. quandochão caminho e trincheira de uma madrugada de junho. onde se cala filtronovo pó estradasobre a poeira quando sobrena a poeira o corpo teirao corpo jaz silêncio. fogueira o corpo sobrefogueira o corpo silêncio. sobretudo sobretudo quando silêncio. sobretudo quando * sobretudo parado porta do quarto. Movo incríveis onde se cala caminho onde esetrincheira alcança o corpo jaz sobre a chama toda sobre a chama toda limite e fronteira filtrosobre pó estrada novo o corpo jaz o corpoEla jaz abre a poeira fogueira forças para tocarsilenciosa a campainha. o corpo sobre o corpo o corpo sobretudo outro sobre aa poeira sobre a aurora sobre a aurora silenciosa filtro pó estrada caminho silêncio. sobretudo quando onde se alcança sobre poeira sobre a poeira sobreeatrinchama toda o corpo sobretudo silêncio. sobretudo Foda-se. Sei onde você anda agora, pera porta. As filhas deles vão me deixar, novo limite e fronteira o corpo sobre o corpo onde suporta sobre a chama toda alvissareira alvissareira caminho e trincheira o corpo sobrecheira o corpo jaz outro corpo o corpo sobretudo sobre aguntei chama toda sobre a chama toda sobresobreasobretudo aurora silenciosa limite e fronteira silêncio. sobretudo quando quando onde se alcança por aí. Com sujeitos da pior espévocê não. Tu continuas linda, branquinha. o ocorpo corpo sobretudo filtro pó estrada novo chão sobre aurora silenciosa ocorpo corpo sobrecorpo sobretudo de uma madrugada deejunho. deauma madrugada desobretudo junho. tudo o corpo sobretudo sobre ao poeira onde suporta o sobretudo o ocorpo limite e fronteira limite fronteira sobre aacie, aurora silenciosa sobre aurora silenciosa alvissareira filtro estrada opó corpo jaz o corpo jaz outro tudo limite e fronteira ouvi notícias. Vou te ver, ou melhor, Quero você. Por vinte reais. She don’t lie. caminho e trincheira onde se alcança onde se cala alvissareira tudo limite e fronteira o corpo sobre o corpo limite e frono corpo sobre oalvissareira limite e fronteira sobre a chama toda chão limite e fronteira limite e fronteira filtro pó estrada filtro pó estrada alvissareira de uma madrugada de junho. caminho e trincheira sobre a poeira sobre a poeira onde suporta limite e fronteira pó estrada outro preciso te ver, preciso coisas, Teestrada amo, Cocaína. fogueira de uma madrugada de junho. limite eestrada fronfiltro póestrada estrada teira novo expurgar corpo filtro pó sobre afiltro aurora silenciosa onde se pó cala filtro pó filtro caminho e trincheira caminho e trincheira de uma madrugada de junho. de uma madrugada de junho. sobre a chama toda a chama toda chão filtro pó pó estrada caminho e trincheira o motivação, corpo sobre o corpo lembranças, buscar respostas. teira caminhoe sobre etrincheira trincheira filtro onde se alcança novo caminho e trincheiraonde suporta alvissareira fogueira caminho e trincheira caminho o corpo sobre o corpo sobre a aurora silenciosa sobre a aurora silenonde se cala caminho epó trinnovo sobretudo quando filtro Não quero viver além do necessário, não estrada outro onde se alcança de uma emadrugada de junho. chãosilêncio. o corpo sobre o corpo o corpo sobre o corpo novo ciosa alvissareira fogueira cheira o corpo sobresobre o corpo ondesuporta seum alcança se calajaz onovo corpo corpo sobreo ocorpo corpo caminho e onde acredito que realmente dia vou ser outro o corpo o corpoonde sobretudo quando Fernando Martins Almeidasilêncio. o estrada corpo sobre o corpo o ocorpo sobre novo ondede se alcança uma madrugada de junho. novo outro fogueira sobre a poeira caminho e novo trincheira onde suporta novosobretudo o corpo o corpo sobretudo novo novo jaz ochão corpo sobretudo sesobre alcança onde se alcança outro o corpo silêncio. quando o onde corpo o o corpo sobretudo onde se alcança onde suporta o sobretudo corpo sobretudo o corpo sobretudo sobre a chama toda trincheira o corpo sobretudo onde alcança o corpo sobretudo onde se cala o corpo sobretudo chão onde se alcança sobre a poeira limite e fronteira onde se alcança onde sesealcança limite e fronteira outro outro onde suporta limite e fronteira o corpo jaz corpo outro chão limite e fronteira limite e fronteira silêncio. sobretudo quando sobre a aurora silenciosa limite e fronteira limite e fronteira outro limite e fronteira ooutro corpo fogueira limite e fronteira onde se suporta calasobre sobre a chama toda filtro pó estrada outro filtro pó onde onde suporta chão filtrooutro pó estrada sobre afiltro poeira novo suporta onde seestrada cala pó estradaonde filtro pó estrada o corpo jaz alvissareira o corpo sobre filtro pó estrada filtro pó estrada onde suporta o corpo filtro pó estrada filtro pó estrada fogueira onde suporta sobre a aurora silenciosa caminho e trincheira onde suporta onde suporta caminho e trincheira chão chão onde se cala caminho e trincheira sobre a chama toda onde se alcança chão fogueira caminho e trincheira caminho e trincheira sobre a poeira de uma madrugada de junho. o corpo caminho e trincheira caminho e trincheira chão novo caminho e trincheira silêncio. sobretudo quando caminho e trincheira chão alvissareira chãose cala chão onde onde se cala fogueira sobre a aurora silenciosa outro ondeonde se cala sobre a chama toda novo ondese secala cala onde se o ocorpo corpo jaz o corpo silêncio. sobrese cala de uma madrugada de junho. o corpo sobre corpo onde se cala onde o corpo sobretudo o sobre fogueira fogueira o corpo sobretudo o corpo sobre o corpo alvissareira onde suporta silêncio. sobretudo quando o corpo sobre ofogueira corpo o sobre corpooasobre osobre corpo aurora silenciosa onde se o corpo sobre o corpo o corpo sobre o corpo fogueira alcança o corpo sobre o corpo sobre a poeira corpo o corpo tudo quando fogueira novo limite fogueira fogueira e fronteira silêncio. sobretudo quando enovo fronteira de uma madrugada de limite junho. o corpo jaz toda alvissareira alcança outro novo sobre a chama novo sobretudo quando ochão corpo jazsobretudo quando onde se alcança filtro pó estrada onde se alcança silêncio. silêncio. o corpo jaz filtro pó estrada onde se cala silêncio. sobretudo quando sobreaaaurora poeirasilenciosa de uma madrugada outro silêncio.sobretudo sobretudoquando quando suporta onde alcança sobre alcançade junho.silêncio. silêncio. sobretudo quando outroacaminho silêncio. caminho ese trincheira outro o onde corpo jazsobretudo quando o onde corposejaz sobre poeira e trincheira fogueira o corpo jaz sobre a chama toda onde suporta o corpo jaz chão outro alvissareira outro o corpo jaz ondeasuporta o corpo jaz o corpo jaz suporta sobre a poeira sobre a poeira sobre chamaonde toda sobre aonde poeira sobre aurora silenciosa chão sobrea apoeira poeira onde se cala de umaamadrugada de junho. ondeasuporta sobre asuporta poeira chão sobre a poeira sobre o corpo sobre o corpo chão sobre a chama toda sobre chama toda sobre a aurora silenciosa o corpo sobre o corpo silêncio. sobresobresobre achão chama toda toda alvissareira onde se cala sobre a chamatoda toda fogueira chão a chama onde se cala de uma madrugada sobre a chama toda alvissareira novo sobre a aurora silenciosa sobre a aurora silenciosa sobre a chama novo tudo quando sobre aonde aurora silenciosa desobre junho. fogueira sobre a aurora silenciosa se cala onde se cala a aurora silenciosa sobrejaz a aurora silenciosa sobre a aurora silenciosa onde se alcança alvissareira defogueira umaonde madrugada de junho. alvissareira se alcança o alvissareira corpo alvissareira silêncio. sobrefogueira fogueira alvissareira alvissareira dealvissareira uma madrugada de junho. outro de uma madrugada de junho. sobre a poeira deoutro uma madrugada de junho. sobreumamadrugada madrugadadedejunho. junho. de uma madrugada de junho. desilêncio. uma madrugada de junho. dedeuma

Há tempos


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TERGIVERSAR. DOIS PONTOS

Luíz Horácio

Thamara. Eu escolhi o nome. Daqui alguns meses ela completará vinte anos. Incansável, ensina este velho pai desde seu primeiro dia. Uma manhã, enquanto acariciava seu gato, lá se vão uns dezessete anos; me perguntou como acariciar um pássaro. - Ora, pai, nos pássaros a gente faz carinho com o olhar. Aprendi a lição e passei a me demorar ainda mais observando os pássaros. Os raríssimos leitores de meus livros, se não sabem, com certeza deduzem a admiração que tenho por esses animais. Os que cantam, os que não cantam, os coloridos e os nem tanto, os que voam alto e os que tentam. Mas um merece minha admiração especial, o urubu. “Nojento, horroroso, todo preto”, adjetivos destinados ao urubu. “Louco, asqueroso, mórbido”, os que sobram para mim. Luísa, a mãe escolheu o nome. Em novembro terá oito anos. Dia desses pediu que eu lesse Dom Quixote para ela. Breve resumo que ouviu atentamente. Prometi ler a história. “Mas urubu, pai!” Sim, urubu. A elegância do voo me fascina. Falta-lhe apenas a coragem do quero-quero. Independente do meu estado, alguém dirá “de espírito”, mas como disso nada sei, então omito, os urubus sempre aparecem. E me melhoram. Fizeram falta em passado

distante. Quando minha mãe apagava a luz do meu quarto, o peso gelado da escuridão sufocava minha frágil coragem despertando angústias adultas no menino. Noite após dia, noite após dia, naquela hora eu pensava que iria morrer durante a escuridão, então não fechava os olhos até a janela mostrar o fim da noite. Medo, puro medo. O medo detesta os tolos. Enquanto isso a vida ia se enfeitando de mortos. Nesses momentos de medo, eu almejava asas. Asas que me levariam à claridade, asas acelerando o tempo, asas explodindo o breu. Eu ia para a janela, mas os pássaros da noite não se deixavam ver. Espero que minhas filhas, ao se tornarem adultas, que não sejam como a maioria, não acordem em meio ao sonho bom. Apenas os egoístas acordam em meio ao sonho bom. E eu que não posso afirmar que sonho, o que me resta? Vivo prestes a chorar. Na verdade, acredito ter desenvolvido uma maneira muito particular de chorar, sem lágrimas, sem soluços... Sofrer não purifica a alma, não purifica nada. Os urubus e os quero-queros, os únicos seres que sabem sofrer. E por saber não sofrem. Eles não envelhecem. Meus pais formavam a ilha de segurança e solidão onde desfilei minha vida até a adolescência. Segurança porque nunca

o amor esteve ausente e solidão porque a proteção isola. Amigos, se haviam, eram poucos e apareciam de vez em quando. Não que eu sentisse falta de mais alguém, muito pelo contrário, curiosidade apenas. Hoje eu entendo e sinto falta. Proteção implica tristeza? Seria, quem sabe, minha prematura percepção de uma tristeza intrínseca? Olho para o céu e não percebo nenhum urubu solitário. Chegam jornais, livros, revistas, é necessário ler tudo e tentar escrever algo original. Do que é lido extraio questões. Não faço julgamentos, mas, apenas os amigos podem me decepcionar. Desconfiar sem dar certeza é uma arte que, confesso, gosto de praticar. Silêncio é o imperativo do meu bem estar. Só ou acompanhado. Às vezes chego a temer pelos dias de minhas f ilh as, elas repet em minhas preocupações e meus medos. Ainda ontem Luísa perguntou o que fazer para deter o pensamento. Afasto um pouco esse medo quando percebo que ela trata melhor suas dúvidas, bem melhor do que eu. Verbaliza, fala comigo, questiona. Eu as guardava em meu quarto, em meus pensamentos. Thamara, criança, a caminho da praia: “Pai, eu não quero te perder, quando você ficar velhinho, bem velhinho e você morrer... Eu vou guardar as suas fotos.” Equilibrando na fron-

teira entre o riso e o choro, abracei-a com o ímpeto juvenil que ainda me resta na expectativa que ela mantenha essa naturalidade. Prainha é a praia que frequento no Recreio dos Bandeirantes, é lá que encontro Chiquinho, ele tem uma companheira, mas ainda não fui apresentado, um urubu que habita o lugar. Raramente voa, costuma andar entre os frequentadores e tem por hábito roubar uma sombra, de cadeira ou barraca, pouco importa. Às vezes, quando o termômetro bate nos quarenta graus, cansa suas asas num voo até o Parque da Prainha e se demora numa chuveirada. Volta renovado, “outra pessoa”. Dia desses enquanto ele pegava comida em minhas mãos trocamos algumas ideias. Por que ele andava, podendo voar? E por que eu tinha que andar se tanto queria poder voar? Ele riu, balançou seu pescoço pelado e sem dizer nada foi até a beira do mar. Ficou um tempo por lá, ele adora isso. Ao voltar pediu que fosse buscar um coco gelado. Obedeci. Assim que o canudo roncou avisando o fim próximo: -Quer? -Não, obrigado. Sei que minha memória não é lá grande coisa, mas você está me devendo uma resposta. -Você é tão engraçado! Mas vamos lá, acompanhe. Atenção porque o bagulho é profundo. Dois pontos. Faço questão

de dizer dois pontos para o interlocutor perceber a metafísica da coisa. Agora vai. Dois pontos. Você já ouviu dizer que querer é poder? Claro que já. Pois é a maior tolice, a prova viva, ora me ouve. Quem falou isso a primeira vez foi um tio meu. Sou a prova viva, eu quero andar e ando. Você... Você só sabe tergiversar... Tergiversar. Tergiversar e falar. Tudo precisa ser dito, muito barulho, muito barulho não leva a lugar algum.J á me viu gritando, cantando? Não, claro que não. E tergiversando? Hein... Hein? Tergiversando, dois pontos. Dois pontos porque tergiversar não é profundo. Me acompanha? Você quer voar? Não queira. Bem que uma risada seria adequada nessa altura, concorda? Mas não farei isso, pelo menos neste instante. Até amanhã. Melhora o rango, s’il vous plaît. Beijos na Luísa e na Thamara. Fui. Dito isso retornou à beira do mar. Permaneceu por lá dez minutos, marquei no relógio. Voltou naquele passo elegante dos urubus, ao passar por mim lançou um olhar de desprezo misturado com ironia. Não fosse Chiquinho um urubu...Ah, Chiquinho... Ah, Chiquinho... Logo parou, em seguida num voo rápido e quase rasteiro alcançou a barraca da Tia que aluga cadeiras. Dali até o bolo que repousava, oferecendo-se, sobre o prato, foi um pulo. Levou-o no bico e deliciou-se, sem alarde, sobre uma pedra. A tia viu. Sorriu. No silêncio, a única possibilidade de não haver fingimento?


MARÇO

J

2013

20

O Vivente

ALTAIR DE OLIVEIRA

-ISe encontra à meia vida já vencida Reconta as magras contas conquistadas Se espanta ante a soma conseguida: um nada mediante a tão sonhada! Assombra até as sombras mais chegadas tentando vislumbrar uma saída.

- IV Retém-se ante um bar onde festejam e espreita toda a vida que lateja, que beija, e ri, e come, e canta, e dança sem lamentar queimar a própria vela. Espera, e quem espera sempre alcança, ou cansa de esperar... E desespera.

- II Sua história, que era vívida, se transforma e, aos poucos, toma forma de vivida. O antigo jovem a ele se deforma e o que vira predador vira comida. Vê que a vida a ele dada se conforma em certo dia ser ao nada devolvida.

-VResiste nesta tarde que lhe passa com ar de quem insiste alguma graça e evita perceber o que se passa: que não existe mesmo o que lhe basta, que gasta ainda o ar que ainda o gasta e que a morte que levita não afasta!

- III Na rua a multidão de gente só não vence a solidão que lhe povoa. Mas segue o seu destino e anda à toa fingindo procurar lugar melhor, um lar onde rechace o que magoa e disfarce aquele olhar de fazer dó!

- VI Temente de não ser senhor de nada, exuma uma alegria abreviada e cria a sua auto-anestesia. Alegre, ali no meio da manada, assume ser “contente de fachada” e esquece a mesma dor todos os dias!

s rbu A vo leti Co

O Coletivo Arbus é uma empresa de arte, design e fotografia que deu-se início em 2012 pela fotógrafa Camila MG e a artista visual Vanessa Alves. Para conhecer um pouco mais do trabalho do Coletivo, acesse a página no Facebook. /ColetivoArbus.

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