O SÃO PAULO - 3035 especial

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São Paulo

O Apóstolo, a cidade e a prática pastoral ano 59 | Edição Especial 3035 | 21 a 27 de janeiro de 2015

Na cidade em mudança, a constante renovação de práticas pastorais ca pastoral da Igreja na capital paulista busca dar resposta às situações que se tornaram mais intensas nas duas últimas décadas, como a verticalização dos bairros e a maior presença dos imigrantes em diferentes locais. Além disso, é lançado um olhar para o futuro da vida na cidade, a partir das perspectivas de dois jovens paulistanos para as questões sobre educação e oportunidades de trabalho. Páginas E3 a E8

Luciney Martins/O SÃO PAULO

No domingo, 25, na Festa de Conversão de São Paulo Apóstolo, a maior cidade do Brasil completa 461 anos de fundação. Nascida pela missão dos Jesuítas, a cidade tem no apóstolo dos gentios, padroeiro da Arquidiocese e de todo Estado, o exemplo de que o seguimento a Cristo é o caminho para não perder a esperança diante das dificuldades. Neste caderno especial, O SÃO PAULO, que inicia comemorações pelos seus 60 anos de criação, mostra como a práti-

Verticalização da cidade, como acontece em torno da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, na Região Episcopal Ipiranga, traz novos desafios à ação evangelizadora da Igreja em São Paulo


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O Patrono de 44 milhões de habitantes

Luciney Martins/O SÃO PAULO

São Paulo Apóstolo intercede junto a Deus na Arquidiocese e em todo o Estado Daniel Gomes

danielgomes.jornalista@gmail.com

Na Festa da Conversão de São Paulo, o apóstolo dos gentios, missionários jesuítas realizaram, há 461 anos, a primeira missa no território da atual cidade de São Paulo, em 25 de janeiro de 1554, data que se tornou referência para a comemoração do aniversário da maior metrópole do País. Desde 2008, São Paulo Apóstolo é oficialmente o patrono da Arquidiocese de São Paulo, após pedido feito pelo Cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano, à Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. “A Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, considerando o exposto, concorda com o pedido e, em virtude das faculdades a ela concedidas pelo Sumo Pontífice Bento XVI, excluídos outros patronos e revogadas quaisquer disposições contrárias, confirma o Apóstolo São Paulo como patrono junto de Deus da Arquidiocese de São Paulo, no Brasil”, consta no decreto assinado em 22 de novembro de 2007, pelo Cardeal Francisco Arinze, então prefeito da Congregação, e por Dom Alberto Malcom Ranjith, então arcebispo secretário da Congregação (veja ao lado). O Apóstolo dos Gentios também é o patrono do Estado de São Paulo e de seus 44 milhões de habitantes. Em 1958, quando a população paulista era de aproximadamente 12 milhões de pessoas, o então arcebispo metropolitano, Cardeal Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, por conta das comemorações dos 50 anos de elevação da diocese a arquidiocese, pediu ao Vaticano que confirmasse o Apóstolo como patrono do Estado. “Ouvida a Sagrada Congregação dos Ritos, por estas Letras e de maneira perpétua, de ciência certa e madura deliberação, por nosso pleno poder apostólico, confirmamos ou de novo declaramos, fazemos e constituímos o Apóstolo São Paulo padroeiro principal da cidade e de todo o Estado de São Paulo”, consta em trecho do decre-

to assinado pelo Papa Pio XII, em 24 de maio de 1958 (leia a íntegra ao lado) “A cidade foi fundada no dia da conversão de São Paulo, ou seja, na raiz de sua fundação está a própria fé cristã católica. Como a cidade de São Paulo se tornou capital do estado federativo, natural que São Paulo Apóstolo se tornasse o padroeiro geral do Estado de São Paulo”, analisou, ao O SÃO PAULO, o Padre Arnaldo Juliano, professor de Teologia e capelão do Mosteiro da Luz. Desde 1815, a cidade de São Paulo é a capital do Estado, completando em 2015, portanto, 200 anos nessa condição.

Apóstolo é exemplo a ser seguido A proclamação oficial de São Paulo Apóstolo como patrono arquidiocesano aconteceu durante as comemorações do centenário da Arquidiocese, em 2008. “As palavras do Decreto da Santa Sé, confirmando São Paulo nosso patrono, ajudam a entender melhor o porquê da escolha de um santo para ser titular de uma igreja, paróquia, diocese ou outra instituição: ‘Patrono junto de Deus’, esse é o conceito completo. E isso significa que a ele se confia a intercessão junto de Deus, em favor da instituição colocada sob o seu ‘patrocínio’. En-

tão, São Paulo é reconhecido e será invocado por nós, sobretudo, como amigo da Arquidiocese de São Paulo; a ele, poderemos recorrer para que interceda por nós e pelas necessidades de nossa Igreja paulistana”, explicou Dom Odilo, em artigo neste semanário arquidiocesano, em 27 de maio daquele ano. “Toda arquidiocese tem no seu patrono aquele exemplo fundamental. O patrono é aquele que vai estimular a Arquidiocese a seguir Jesus Cristo como ele o seguiu em sua própria vida”, explica Padre Arnaldo Juliano. “Tendo São Paulo, este apóstolo grandíssimo, como nosso patrono, ai está o caminho de vida pelo qual a Arquidiocese é chamada a viver, um caminho de intensa conversão. A exemplo de São Paulo Apóstolo, nunca devemos perder a confiança em Deus, segui-lo fielmente, e como bem diz o Apóstolo na carta aos Filipenses, ‘ter os mesmos sentimentos de Jesus Cristo e não desanimar’”, comenta Padre Arnaldo. “O grande convite de São Paulo como patrono de uma cidade como a nossa é este: tenhamos o nosso coração voltado para o tesouro maior que é Jesus Cristo, sabendo que temos grandes desafios para superar, especialmente os desafios do isolamento, da competitividade, do egoísmo, do orgulho e da soberba”, complementa.


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-americanos, estudantes da USP que se reúnem para a celebração eucarística. “Começamos, então, a participar e se abriu para nós uma nova janela da mobilidade humana: os estudantes. Pudemos perceber a sede de viver em comunidade, de partilhar suas experiências de vida embebidas de fé”, ressaltou a missionária.

Acolher os jovens que chegam de longe, olhar a cidade como um “resumo do mundo”, dar aulas de português para quem só fala espanhol. Qual o rosto da capital de todas as culturas?

Começar a falar

Nayá Fernandes

nayafernandes@gmail.com

“Ao contrário do que se imagina, a imigração é um processo contínuo. Não é algo que ficou perdido na História, mas um agente que transforma as sociedades em qualquer lugar.” A afirmação é de Rodrigo Borges Delfim, 29, jornalista e criador do blog MigraMundo, que tem informações atualizadas sobre iniciativas e eventos relativos à imigração em São Paulo. A maior capital do Brasil sempre foi um lugar de encontros culturais e os bairros foram crescendo com a colaboração de comunidades inteiras de imigrantes. Os novos fluxos migratórios e a inserção dos habitantes na capital vão aos poucos mudando também os hábitos dos paulistanos e fazem de São Paulo um lugar onde o mundo cria e transforma as paisagens humanas e urbanas. Rodrigo comentou à reportagem que ele percebe isso quando convive com pessoas de sobrenomes de diversas origens. “Italiana, portuguesa, espanhola, japonesa, judaica, russa, lituana, entre tantos outros, que são fruto de imigrantes que vieram para o Brasil no passado; hoje, é cada vez mais comum se deparar com alguém falando francês, inglês, créole, árabe ou mesmo algum idioma africano como suaíli, igbo ou bambara.” Para ele, a cidade é “uma espécie de resumo do mundo de fato”. Rodrigo lembrou o escritor e poeta Guilherme de Almeida, que ainda em 1929, escreveu uma coletânea de textos que deu origem ao livro “Cosmópolis”. “Eu vejo esse cosmopolitismo, essa possibilidade de poder dar uma minivolta ao mundo sem sair de São Paulo”, disse. Se, por um lado, um simples passeio pelo centro da capital abre possibilidades de ver o mundo, por outro, continua o jovem escritor, “é desapontador saber que há pessoas que preferem usar estereótipos de toda

Imigração e juventude: um papo sem fronteiras sorte como escudo para a própria ignorância”. Mas se Rodrigo chega a perder “um pouco da fé na humanidade com comentários xenófobos pelas redes sociais”, ele recupera essa fé quando os textos do seu blog são compartilhados, citados e até mesmo reproduzidos. “Tem sido uma experiência riquíssima entender mais e melhor quem são essas pessoas que nasceram tão longe e aqui tentam passar ao menos uma parte de suas vidas. Respeitar melhor o outro e suas diferenças, seja o que e quem são, é o melhor presente que podemos dar a essa Metrópole, ajudando-a a se tornar mais humana”, enfatizou Rodrigo.

Estudantes, uma nova janela

E como será a experiência de ser jovem atravessando fronteiras? Quando se sabe que, na juventude, a identificação com o grupo é parte essencial do seu estar no mundo? Preocupadas com os jovens imigrantes, as Missionárias Seculares Scalabrinianas promovem atividades para desenvolver, entre as culturas e as mentalidades, “um mundo novo, no qual pessoas e povos descobrem-se entre eles pertencentes a uma única família da humanidade”, como explicou Elaine da Silva, missionária que mora em um dos Centros Internacionais em São Paulo.

“No laboratório dos Centros Internacionais, aprendemos a nos deixar transformar em nossa maneira de pensar, de ver e de nos relacionar com o outro, que é sempre diferente. Vamos ao encontro dos migrantes e refugiados, fazendo visitas às famílias ou aos alojamentos, paróquias pessoais e em pequenos grupos”, comentou Elaine. E sempre novos desafios acontecem para esta pequena comunidade de mulheres que veem no encontro com o diferente um renovar de esperanças e de perspectivas. No ano passado, por meio do O SÃO PAULO, elas ficaram sabendo que há, na cidade, jovens universitários hispanoMissionárias Seculares Scalabrinianas

Jovens de diferentes nacionalidades visitam a comunidade das Missionárias Seculares Scalabrinianas em São Paulo

Na zona norte da capital, os jovens ficaram do outro lado da História. Eles começaram uma atividade, a partir do Grupo Fé e Política da Paróquia Santa Zita, na Vila Maria, para realizar um trabalho pastoral e social junto aos imigrantes daquela região. “Foram discussões, relatos e enfim ações solidárias para um número grande de estrangeiros. Em particular, assumi as aulas devido ao convite da Elaine Lima, membro da Pastoral da Juventude e do Grupo Fé e Política, em meados de agosto ou setembro de 2014”, contou Diego Daniel Pereira, professor de geog rafia e também membro do Grupo Fé e Política da mesma Paróquia. Ele começou a dar aulas de português, na maioria das vezes, para falantes de língua espanhola. “As aulas seguem um modelo pautado em Paulo Freire, de valorização do diálogo, o que potencializa a aquisição de novas palavras e costumes de nossa cultura. Aprendi a falar com mais calma e os mesmos me reorganizaram na didática e metodologia em sala de aula. Pediram para simplificar termos que não são de conhecimentos deles e isso me abriu um leque de ações pedagógicas”, enfatizou Diego. A Escola Estadual Carmosina Monteiro Vianna, na qual trabalha o professor de geografia, realizou uma ação coletiva e solidária de doação de livros de literatura brasileira para esse grupo, que já consegue interpretar, com a ajuda do professor, alguns dos textos. “A experiência está ótima, mas creio que falta a apropriação do espaço urbano em uma das maiores cidades do mundo. Afinal, São Paulo é uma terra imigrante”, ressaltou o Professor. Outra atividade de referência no trabalho com imigrantes é a Missão Paz, ao lado da Paróquia Nossa Senhora da Paz, no centro de São Paulo. Mantida pela Família Scalabriniana, a instituição tem um papel essencial na acolhida de imigrantes e refugiados com hospedagem, orientação e encaminhamento de documentação, trabalho e educação, além de manter a Casa do Migrante, o Centro de Estudos Migratórios e a Revista Travessia.


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O bairro cresceu? E agora? Luciney Martins/O SÃO PAULO

A cidade de São Paulo se transforma constantemente e, de repente, a casa da esquina dá lugar à construção de mais um prédio. Como as paróquias e comunidades atuam a partir dessas mudanças?

25-01-2015

Nayá Fernandes

nayafernandes@gmail.com

“Se as perguntas do Censo fossem mais a fundo, perguntando, por exemplo, além da religião que cada um diz professar, quais são as crenças e as práticas, a constatação poderia surpreender ao mundo todo. Seria uma confusão de crenças, superstições, interesses em negociação com o Divino, encobrimento de frustrações e complexos, incertezas e ignorâncias doutrinárias, concepções acerca do Reino de Deus, e o resultado, ao invés de esclarecer, confundiria.” A constatação é de Irineu Uebara, 64, advogado, atual tesoureiro da Cáritas na Arquidiocese de São Paulo e candidato ao diaconato permanente. A reflexão veio a partir do questionamento sobre a inserção da comunidade paroquial que ele participa, na Mooca, bairro onde mora há mais de 30 anos, com a vertica-

lização e construção desenfreada de prédios no lugar das casas. Para responder à reportagem, Irineu se lembrou do Censo de 1970, quando os números apontavam que 90% dos brasileiros se

confessavam católicos. “A Igreja Católica sempre teve grande influência no País. Basta ver a quantidade enorme de lugares aos quais se atribuíram nomes de santos, inclusive a cidade em que

habitamos e o Estado onde ela se localiza”, disse Irineu, que nasceu no interior de São Paulo e hoje mora com a família no último andar de um prédio próximo ao metrô Belém.

Renato Papis, jornalista que colabora no Setor de Comunicação do Secretariado da CNBB, regional Sul 1, mora na zona norte da capital há 4 anos, mas percebe o quanto as mudanças são rápidas e, na maioria das vezes, não respeitam a história do bairro. Ele observou que “a questão dos prédios em ruas que tinham somente casas, causa o aumento de carros e as pessoas ficam sempre mais sobrecarregadas com compromissos e a necessidade de deslocamento. Além disso, há mais asfalto, menos verde e menos espaços públicos. Sem contar o abandono de alguns desses espaços”. A mesma situação acontece em Sapopemba, uma das regiões mais conhecidas da zona leste da capital, onde mora Danton Dalas Deffert, ministro da Eucaristia na Paróquia Nossa Senhora de Fátima. “Para Sapopemba, 50 anos fizeram uma grande diferença, pois passou a ser um bairro com população maior que de muitas cidades, algo em torno a 250 mil habitantes”, contou. Cortada pela avenida de mesmo nome, a maior da América Latina, Sapopemba era um bairro rural. “Com o tempo, as chácaras foram dando lugar às primeiras casas e com isso recebemos, de forma massiva, a colônia de portugueses, que até hoje mantém sua presença. Em função do crescimento populacional, surgiu a Igreja Nossa Senhora de Fátima, construída pelos frades capuchinhos”, explicou Danton.

A comunidade pode fazer a diferença “O brasileiro não conserva a originalidade e a própria história arquitetônica de seus prédios. Um exemplo é o condomínio onde moro, que recentemente passou por uma reforma. Tínhamos pastilhas nos corredores internos, que davam amplitude e os refrescava. Para minha surpresa, pintaram as pastilhas. Mais um pouco de memória apagada”, contou Renato, que ressaltou a importância de ajudar as pessoas a verificar essas mudanças que podem ficar despercebidas. Para o jornalista, o papel da comunidade paroquial é participar nas mudanças do bairro. “Por isso insisto que é fundamental a atuação da comunidade, da paróquia local neste debate, na construção de um mundo mais ecologicamente correto, economicamente viável, socialmente justo. Se tivermos um pouco de vontade e se esti-

vermos bem informados, veremos que é possível colaborar.” Sobre os ‘espigões’ que sugiram nos últimos tempos, criando uma paisagem urbana totalmente verticalizada na região da Moóca, Irineu disse que imaginava que as mudanças movimentariam também as paróquias e comunidades da região. “Nada disso, no entanto, aconteceu. Quando muito, percebeu-se o aumento na procura pelo Sacramento do Batismo, como obrigação social ou, então, na celebração de missas de sétimo dia e exéquias.” Irineu também falou sobre a dificuldade para formar grupos de Catequese e o desinteresse pela vivência comunitária. “O individualismo em busca de estabilidade e riqueza, o consumismo desenfreado, o distanciamento com os vizinhos de apartamentos e a geração do imediatismo, da tecnologia, das distâncias desconhecidas

pelas redes sociais; do Deus democrático e presente em tudo e em todos; do sucesso fácil.” Igualmente Danton descreveu as mudanças em Sapopemba, que causaram o afastamento da comunidade. “As festas em louvor a Nossa Senhora de Fátima ocupavam o quarteirão e vinham pessoas de muito longe. Porém, com o desenvolvimento do bairro, as casas foram dando lugar ao comércio e aos prédios e os relacionamentos foram esfriando. Sem falar na violência e com isso, a festa se reduziu apenas ao salão da paróquia”, constatou. “As chácaras deram lugar à avenida Luis Inácio de Anhaia Melo. Parece que o progresso havia mesmo chegado, e com ele os esfriamentos das relações. Somos vizinhos e estranhos ao mesmo tempo, não ‘perdemos mais tempo’ com as conversas

no fim da tarde. Ainda mais agora com a chegada do Monotrilho do Metrô, muitas casas foram desapropriadas e a maioria de moradores antigos do bairro teve que sair”, lamentou. Preocupada com o resgate da convivência da comunidade, a paróquia realiza anualmente as Santas Missões Populares. “Temos muito a fazer pelo nosso bairro, mas o que tem sido feito já faz a diferença”, afirmou Danton. Iniciativas como grupos que realizam encontros e celebrações nos condomínios para valorização dos momentos fortes da liturgia e as indicações do Plano de Pastoral da Arquidiocese de São Paulo, suscitam o surgimento de comunidades, movimentos de evangelização e pastorais ambientais que, inseridas no contexto urbano, apontam a participação mais efetiva dos leigos e uma Igreja atenta e aberta aos sinais dos tempos.


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Luciney Martins/O SÃO PAULO

60 anos: Olhar o passado e construir o futuro No dia 25 de janeiro, festa do Patrono da Arquidiocese e aniversário da cidade, O SÃO PAULO completa mais um ano de história

Edcarlos Bispo edbsant@gmail.com

Em 1956, na primeira edição do O SÃO PAULO, o então arcebispo, Cardeal Motta, afirmava que queria que o jornal enfrentasse a batalha da informação e fosse a “boa imprensa” que a Igreja e a sociedade brasileira precisavam. O Cardeal desejava que o jornal fosse pautado por “princípios da verdade, do amor, da justiça e da paz” e lembrava que o nome sugeria “um programa de apostolado”, especialmente às cerca de 3 milhões de pessoas que viviam na capital paulista naquele ano. Além de registrar a história da Igreja em São Paulo, este jornal também tem a sua. Na história do jornalismo no Brasil e do jornalismo confessional estão reservadas para O SÃO PAULO bonitas páginas, que, além de mostrarem a missão evangelizadora da Igreja, falam da presença da Igreja na vida da cidade, nas lutas pela redemocratização do Brasil, na árdua tarefa de tornar a cidade mais fraterna, solidária e acolhedora. Uma página importante da história do semanário arquidiocesano foi a sua resistência à censura política nos tempos da ditadura. De maneira firme, o jornal disse não à mordaça, seja mantendo os espaços em branco onde deveriam estar matérias censuradas (veja mais no box) e, nesses espaços, a frase “Leia e divulgue O SÃO PAULO”; seja ainda mimeografando as matérias censuradas e enviando-as às paróquias e comunidades. Em 2015, O SÃO PAULO entra no seu 60º aniversário. Uma história que se mistura a da Igreja e a da cidade, formada por momentos de alegria e de tristeza. Por exemplo, a edição de 9 a 15 de fevereiro de 1974, noticiava a missa de 7º dia, celebrada na Catedral da Sé, em memória dos mortos no incêndio do Edifício Joelma. A mesma edição trazia, ainda, um telegrama do Papa Paulo VI se solidarizando com as vítimas desse trágico acidente.

Os momentos de alegria e luta do povo também tiveram espaço nas páginas do jornal. Na edição de 19 a 25 de abril de 1984, já na capa, noticiava-se: “Multidão de Paulistas pede: diretas já”, e na página 5, uma reportagem falava do ato que lotou a praça da Sé, além de uma entrevista com o Cardeal Arns, na qual o então arcebispo metropolitano destacava a importância das manifestações, da união das pessoas, e de se manter viva a esperança. Em entrevista ao jornal por ocasião da edição 3 mil, o arcebispo emérito de São Paulo, Cardeal Cláudio Hummes, ressaltou que, mesmo não tendo estatísticas da leitura do O SÃO PAULO fora da Arquidiocese, tem conhecimento que ele é enviado a muitas dioceses, se tornando, assim, “um intercâmbio muito importante, pois cria comunhão eclesial. As dioceses, assim, podem inspirar-se umas às outras, sobretudo na forma como põem em prática as orientações do próprio

papa e as da CNBB. É uma forma de caminharem mais unidas e de se encorajarem mutuamente”. “Sempre pude contar muito com O SÃO PAULO na animação da pastoral. Ele assumia e divulgava o que era planejado em conjunto nas nossas assembleias pastorais e as orientações pessoais do arcebispo, e depois acompanhava o que de fato se realizava. Mas também acolhia o que o povo pensava e propunha, sobretudo as várias pastorais. Informava e ajudava a formar”, lembrou o Arcebispo emérito. O Cardeal Scherer, arcebispo metropolitano, ressaltou que o jornal tem

importância, antes de tudo, “para a própria Igreja em São Paulo, onde ele fez sua história, já cinquentenária. Ao longo desse período, foi testemunha da vida da Igreja e, em certa medida, também da sociedade paulistana e brasileira. Penso que, além de informar e formar a opinião pública, um jornal tem o papel de fazer o registro da História, da qual ele deve ser um observador, analista e testemunha”. Quanto ao papel que O SÃO PAULO tem desenvolvido na divulgação e disseminação do plano de evangelização da Igreja, Dom Odilo afirmou que esse veículo “tem trazido, passo a passo, as propostas feitas à Arquidiocese para colocar em prática os apelos de evangelização da Igreja e tem colaborado para mostrar como isso vai acontecendo na Arquidiocese. Nisso, desempenha um papel importante e ajuda a criar a consciência de ‘pastoral de conjunto’”.

O futuro

Desde 2013, O SÃO PAULO passa por profundas mudanças tanto na parte gráfica quanto na editorial, com a inclusão de noticiário internacional, maior quantidade de articulistas, notícias sobre cultura e esporte, e reportagens de interesse humano, sempre à luz do Magistério da Igreja e em consonância com o 11º Plano de Pastoral da Arquidiocese. Em 2015, as ações para aperfeiçoamentos continuam. A equipe do jornal planeja relançar o site do semanário, contendo não apenas as reportagens das edições impressas da semana, mas outras notícias e reportagens. A ideia é criar uma plataforma digital que sirva de referência de notícias relacionadas à Igreja em São Paulo e no Brasil, agregando as redes sociais, áudio, vídeo e imagem, além de aumentar a contribuição e participação dos internautas/leitores do processo de criação e elaboração das notícias e reportagens. Este “senhor jornal”, pretende se modernizar e tornar-se atrativo para as novas gerações, sem perder, contudo, seus princípios históricos que claramente são expressos em sua linha editorial: “O jornal O SÃO PAULO defenderá a dignidade da pessoa em toda e qualquer circunstância. Combaterá toda e qualquer discriminação, sem com isso abdicar do seu direito de proclamar os princípios da moral cristã, particularmente no que diz respeito à dignidade da vida, da sexualidade humana, da família.”

Pesquisadores selecionam reportagens censuradas

Páginas censuradas Na história do O SÃO PAULO, assim como na história do jornalismo brasileiro, um período lembrado com tristeza é o da ditadura militar, que censurou e calou dezenas de jornais e jornalistas. Para tornar pública essas reportagens e matérias, o grupo de pesquisa “História, Cultura e Sociedade”, do CNPq/ Universidade Estadual de Londrina (UEL-PR), do Centro de Documentação e Pesquisa Histórica CDPH-UEL-PR, dos Programas de Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC-SP e da UEL-PR e do apoio prestado pelo Centro de Documentação e Investigação Científica (CEDIC) da PUC-SP, digitalizou todo o acervo censurado. “A leitura do material censurado pode ser compreendida como lições sobre democracia, justiça, movimentos sociais, cidadania, direitos humanos, reforma agrária, direitos trabalhistas, economia, história, política, dentre outros, que não compuseram as grades disciplinares ou o cotidiano do povo brasileiro no processo de aprendizagem de formação da sociedade civil ou da participação popular”, afirma o Professor. Dr. Fabio Lanza, um dos responsáveis pela pesquisa. A pesquisa documental junto ao acervo do O SÃO PAULO e a descoberta do arquivo vetado pela censura prévia da ditadura militar foi para a equipe de pesquisadores “algo inspirador no processo de investigação e resultou na elaboração e disponibilização das páginas inéditas das 112 matérias jornalísticas vetadas, além de 70 documentos externos, recebidos de várias fontes e colaboradores que foram impedidos de serem publicados”. “A conjuntura em 2014 e 2015 favorece a emergência da organização e disponibilização pública de arquivos oficiais e privados, produzidos durante o período de ditadura militar brasileira (1964-1985), que até o momento encontravam-se restritos ao acesso da população. Esse processo pode ser atribuído às demandas provenientes do amadurecimento e fortalecimento da democracia brasileira, que vive hoje o seu período mais longo de vigência”, afirma o texto de apresentação da pesquisa no site da UEL-PR. Em breve, a pesquisa e o acesso ao material digitalizado estará disponível no site da UEL-PR (http://www.uel.br/portal/)


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Em entrevista ao O SÃO PAULO, dois jovens vestibulandos falam de estudo, trabalho e família

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Juventude e os desafios da cidade Luciney Martins/O SÃO PAULO

Edcarlos Bispo edbsant@gmail.com

Em 2014, uma telenovela apresentada pela Rede Globo de Televisão mostrou um tema ainda desconhecido – ao menos pelo nome – da maioria da população brasileira: os chamados jovens “nem-nem” – nem estudam e nem trabalham. Apesar de ter entrado na mídia no ano passado, este tema já foi retratado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em dados de 2013, baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2012, que mostra que o número de jovens de 15 a 29 anos que não estudava nem trabalhava chegou a 9,6 milhões naquele ano, isto é, uma em cada cinco pessoas da respectiva faixa etária. Essa realidade, que atingia, à época da pesquisa, 19,6% da população de 15 a 29 anos, contudo não é algo próximo de toda a juventude. Ao menos para Leticia Junqueira Sena Alves, 18, e Mateus Macedo de Araújo, 17, a vida cotidiana é um turbilhão de atividades e tarefas. Ambos são moradores da zona norte de São Paulo. Letícia reside no Jaçanã, onde mora com a mãe e o irmão mais novo, e Mateus no Jardim Fontális, com os pais e três irmãs. Os dois estudaram juntos na Escola Técnica (ETEC) Parque da Juventude, onde fizeram o ensino médio regular e uma formação técnica em Meio Ambiente.

Estudo

Leticia, por causa de 12 pontos, não passou para a segunda fase da Fuvest – o vestibular da USP –, no curso de Direito. Porém, não desanima: já se inscreveu no Sistema de Seleção Unificada (SISU), dessa vez para o curso de Letras em uma universidade de Viçosa (MG), e destaca que vai continuar tentando. Para ela, o problema não é

o fato da formação acadêmica, A escolha do curso superior jovem, bem como na busca da pois acredita que tem uma boa está ligada com a formação téc- independência financeira e na bagagem e capacitação, que pos- nica que possuiu. Mateus conta garantia de que haja um emsibilitarão, mais cedo ou mais que já em seu Trabalho de Con- prego melhor no futuro. Mateus tarde, o ingresso em uma uni- clusão de Curso (TCC) abor- acredita que mesmo o ensino versidade. O que causa medo dou a questão do abandono de não sendo de qualidade, há por em Leticia é o mercado de traba- animais, e que o cuidado com o parte dos jovens uma falta de lho. “Eu tenho um receio muito meio ambiente está intimamen- vontade em buscar um aprofungrande em relação à profissão. te ligado ao que quer para o fu- damento nos estudos. Acho que consigo terminar a turo. Para ele, a formação e in- Mercado de trabalho faculdade, entrar no mercado de Mesmo tendo prestado vestrabalho só que uma coisa que dispensável na capacitação do a gente comenta tibular para Luciney Martins/O SÃO PAULO muito, o pessoal Direito, Leticia da minha idade, é deseja ser professora e acreque é muito difícil encontrar um dita que por bom emprego e mais que haja se manter nesse desvalorização emprego”, afirma. da profissão, o Mateus, por mercado precisa de prosua vez, passou fissionais da para a segunda Educação, que fase do vestibular fizeram a escoda Fuvest, onde lha de estar lá e prestou Medicina Veterinária e não de pessoas só aguarda o reque façam do sultado da prova “ser professor” que sairá no final uma última de janeiro. Ele já opção. se inscreveu no A jovem SISU, também em nunca teve uma universidade um emprego de Viçosa (MG). Mateus Macedo e Leticia Junqueira falam sobre educação, trabalho e família formal ou um

estágio, apenas faz trabalhos voluntários com outros jovens no Rotary Internacional, onde tem contato com experiências profissionais e ainda é uma forma de ajuda à comunidade local. Para Mateus é preciso que os jovens percebam que, por mais que hajam dificuldades e a obrigatoriedade de trabalhar para ajudar em casa, é preciso conciliar o emprego e os estudos. Para o jovem, o que o assusta é a instabilidade no emprego. Ele conta que há alguns dias o pai – que é o principal provedor da casa – informou à família que algo de ruim poderia acontecer em seu emprego e caso isso acontecesse, a família inteira sentiria o efeito. Mateus comenta, ainda, que a ETEC deveria oferecer aos alunos uma experiência de estágio, pois os mesmos estudam por três anos em período integral e não tem nenhum contato com o mercado de trabalho. “O mercado cobra muito essa experiência e para conseguir o primeiro emprego é muito difícil”, afirma.

Família

Com uma rotina dedicada aos estudos e à formação profissional, muitas vezes a vida e as relações familiares são relegadas a segundo plano. Os dois jovens são unânimes em afirmar que o foco primeiro de suas vidas é o estudo, a formação e estabilização profissional. “Eu penso em terminar a faculdade e poder viajar. Eu queria viajar para fora do Brasil, até por isso, fiz curso técnico de Meio Ambiente, pois admiro muito a natureza”, afirma Mateus, que destaca, ainda, que vislumbra em sua vida ter uma família, um relacionamento, filhos, educá-los e que imagina até os momentos de lazer com as crianças. Já Leticia afirma que foi mais sonhadora, mas que por motivos diversos, não relacionadas a desilusões amorosas, não tem uma ideia fixa em ter uma família. Sente esse desejo, sem a necessidade de ter “papéis assinados ou comprovações”. Ela disse que deseja encontrar alguém para viver e adotar uma criança.


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