Jornal Lampião - edição 22

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Março de 2016

Arte: Camila guardiola

CIDADE

Ouro Preto, solo instável Período chuvoso deixa município em estado de alerta e população reinvindica soluções de problemas antigos agliene melquíades

Sabrina Passos

O verão é a época do ano na qual há maior incidência de chuvas. Isso acontece porque as temperaturas mais elevadas do ano acabam coincidindo com o período de precipitação. Em Ouro Preto não é diferente, já que entre outubro e março chove cerca de 87% do esperado ao longo de todo ano, confirmando a alta pluviosidade da região. Por conta disso, no dia 17 de janeiro deste ano, a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil de Minas Gerais (Cedec-MG) informou que havia risco de deslizamentos em 15 municípios mineiros, incluindo Ouro Preto. Nesse dia, a cidade estava com um índice acumulado de precipitação de 138 mm, acima do alerta máximo, de 128 mm. A partir dos dados registrados pela prefeitura, o LAMPIÃO apurou que o total de precipitação de janeiro de 2016 foi oito vezes maior que em 2015. A inclinação das encostas e a ocupação desordenada de morros, além dos problemas geológicos existentes, são fatores cruciais para a ocorrência de desastres nessa época do ano. O crescimento populacional sem planejamento e gestão territorial adequada na cidade resultou em processos de ocupação de locais não apropriados e de difícil acesso (encostas e antigas áreas mineradas). São as conhecidas “áreas de risco”. No caso da cidade de Ouro Preto, que as áreas instáveis já estão ocupadas, surge um novo elemento a ser considerado: a vulnerabilidade. Ela expressa perdas materiais e socioambientais e possibilita dimensionar os ris-

cos enfrentados pelo município. De acordo com o coordenador da Defesa Civil de Ouro Preto, Sebastião Evásio Bonifácio, cerca de 60% do solo urbano é instável e tem risco de médio a muito alto. Uma das principais recomendações para os habitantes das áreas de perigo é nunca realizar obras ou cortes nas encostas sem autorização. Por outro lado, segundo ele, a cidade não enfrenta problemas graves em relação a enchentes e alagamentos desde 2006. Na região, somente Adamantina e Cachoeira do Campo têm esse tipo de problema. As medidas tomadas pela prefeitura se baseiam no lançamento anual do Plano de Contingência do município e nos monitoramentos dos pluviômetros e inclinômetros, instalados pelos bairros que necessitam de mais atenção, entre os quais Alto da Cruz, Piedade, Taquaral, São Francisco, São Cristóvão, Padre Faria, Morro Santana, Piedade e Vila Aparecida. Equipamentos A Defesa Civil, em parceria com o Instituto Geotécnico de Ouro Preto (Igeo), instalou em Ouro Preto, entre 2014 e 2015, 43 inclinômetros, instrumento utilizado para medir deslocamentos em terrenos. A leitura desses aparelhos permite determinar a progressão de movimentos de terra e localizar a profundidade de uma eventual ruptura na superfície. Já a instalação dos pluviômetros faz parte de um projeto do Governo Federal, que direciona esses equipamentos para os municípios com histórico de desastres naturais. Ouro Preto foi a primeira cidade brasileira a ter

Vulnerabilidade. Construções em encostas aumentam riscos no bairro São Cristóvão

Paloma demartini

Receio. Morador do Taquaral há três décadas, Wagner teme pela segurança da família

pluviômetros automáticos e semi-automáticos. Os automáticos enviam os dados coletados para o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) via sinal de rádio. Já os semi-automáticos fazem a leitura automática, mas são operados pela comunidade. A cidade também possui uma Carta de Riscos Geotécnicos da Área Urbana que foi atualizada em 2011 pelos professores da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Roméro César Gomes e Michel Fontes. O documento mapeia as áreas de risco do município para o controle e uso do solo urbano. Para Charles Romazamu, engenheiro geológico da Secretaria Municipal de Obras de Ouro Preto, a parceria realizada com o Igeo é vista como um marco em termos de estudos geotécnicos da cidade. O Igeo Itinerante, por exemplo, “foi uma das ações mais importantes no quesito conscientização da população sobre os riscos que são enfrentados por ela”, segundo Charles. A ação visava divulgar o trabalho do instituto e informar os riscos urbanos à população ouro-pretana. Até o fechamento do LAMPIÃO havia cerca de 140 solicitações de vistoria de obras denunciadas como irregulares, segundo o fiscal de Obras, Patrimônio e Postura da Prefeitura de Ouro Preto, José Mauro Barsante. As denúncias são atendidas por grau de prioridade, levando em conta a gravidade e a complexidade de cada caso. Mas, segundo ele, na maioria dos casos as famílias insistem em

morar em áreas comprometidas e, mesmo que de maneira ilegal, fazem obras para ampliar o espaço do terreno. Indignação Wagner Gonçalves, 47 anos, é comerciante e mora no Taquaral com a esposa, o filho e outros parentes. Ele vive no bairro há 34 anos, e não tem medo de morar em área de risco, mas teme pela família e se indigna com a política da cidade e a falta de poder público. O morador também conta que a prefeitura disponibiliza para algumas famílias o programa Aluguel Social, mas poucas delas aceitam integrar o projeto, que não cobre todas as despesas necessárias, além de ter um limite de renda, considerado por ele muito baixo para integrar o programa. Em novembro do ano passado, moradores de Águas Férreas e Taquaral fizeram manifestação contra a paralisação de obras como instalação de manilhas e escadas para escoamento da água das chuvas. Na época, a prefeitura prometeu reiniciar as obras, que até o fechamento do LAMPIÃO continuavam paradas. A Secretaria de Obras não se manifestou. Wagner estava presente quando 30 famílias do Taquaral, na primeira semana de janeiro de 2012, tiveram que deixar suas casas pelo risco iminente de deslizamento. Muitas famílias se abrigaram em escolas, outras foram para casas de parentes ou alugaram casas por conta própria. Mas, passado o aviso, muitos voltaram para às antigas moradias, lembra.

Pinheiros Altos quer voltar Alicia Milhorance

ros tenha 3 mil habitantes, dos quais apenas 200 assinaram o abaixo-assinado pela reintegração. De acordo com a Lei Estadual Complementar 37/95, para a anexação de distritos a outro município, ambas as partes têm de ser consultadas. A Câmara de Mariana se diz aberta a receber Pinheiros Altos, pois já atende as demandas da comunidade – principalmente de saúde. Em nota, a Prefeitura de Piranga afirma ser nula a hipótese de separação do distrito de Pinheiros Altos. Segundo o vereador marianense Geraldo Sales, o Bambu, com a reintegração a

Paloma Demartini

Tranquilo, mas esquecido. É assim que o morador José Raimundo Duarte define o distrito de Pinheiros Altos, em Piranga. Abandonados, os moradores queriam voltar a pertencer a Mariana, na esperança de mais investimentos na saúde, infraestrutura e saneamento. Porém, o que era um projeto em execução parece sonho distante. O movimento de reintegração de Pinheiros Altos a Mariana começou em 2016, conduzido pelo advogado Francisco Sales Filho. A comunidade foi estimulada a assinar o abaixo-assinado para dar continuidade ao processo, caso fosse desejo da maioria. Dois manifestos sobre o assunto contêm denúncias à atual gestão municipal. Os moradores recolheram assinaturas no comércio local, mas para o líder do movimento, isso não foi suficiente. De acordo com Francisco, a divergência de objetivos desmotivou a continuidade do processo. “Na área rural tivemos mais apoio. A população é mais unida em relação à zona urbana do distrito.” Segundo dados de 2010, Pinheiros tinha aproximadamente 4 mil habitantes, sendo 3 mil só na zona rural. Hoje, não se tem ao certo o número de moradores de Pinheiros Altos, pois em outubro de 2014 Piranga criou o distrito de Santo Antônio dos Quilombolas, então subdistrito de Pinheiros. A dificuldade em conseguir as assinaturas, segundo Francisco, se explica justamente aí, pois “tirar” a parte mais

populosa foi um artifício para diminuir o território e habitantes. O projeto que eleva Santo Antônio dos Quilombolas a distrito chegou à Câmara Municipal de Piranga no final de 2014 a pedido do prefeito, Carlos de Araújo Silva. A justificativa foi que, como distrito, o lugar poderia receber mais políticas públicas. Para o vereador Lucas Rezende, o processo foi de vontade dos moradores da região, com quase 180 assinaturas da população local. O número confirmaria a validade da ação, garante Lucas. Estima-se, após a reestruturação, que Pinhei-

Piranga. Abandono do pré-escolar municipal é retrato de descaso com distrito

Mariana, a população de Pinheiros – além de buscar assistência – quer resgatar sua origem e história. A Prefeitura de Piranga declara desconhecer os motivos que justificam a saída e garante prestar todos os serviços públicos básicos aos moradores. O vereador de Piranga Lucas Rezende diz que o abandono de Pinheiros decorre da má administração do Executivo. “O problema de Piranga não é a falta de verba, mas a vontade de fazer.” A Prefeitura de Piranga afirma que tem verba para executar projetos, mas age com cautela e respeita as destinações aprovadas pela Câmara. O próximo investimento, já aprovado pelo Legislativo, é o asfaltamento das ruas de Pinheiros Altos. As obras devem começar após as chuvas, informa a prefeitura. O asfalto é compromisso antigo. A aposentada Deia Oliveira diz que muitas promessas foram feitas, mas nada foi cumprido. A má condição das ruas e estradas complica a vida da comerciante Arlinda Cunha. O marido faz fisioterapia em Mariana e enfrenta problemas no percurso: “Ele vai para tratar a coluna, mas de tanto buraco no caminho, volta pior”. A educação é outro nó. O distrito contava com o Pré-escolar Municipal Joaquim Viera de Souza. A creche foi construída em 2004 e usada por poucos anos; hoje, está desativada e precarizada. Os alunos foram transferidos para a Escola Estadual Francisco Sales Ferreira. Os vereadores já pediram à prefeitura para reconstruir a Pré-escola. O Executivo confirma, mas espera análise orçamentária.


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