Tudo & etc - 2ª edição

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outubro / 2011 | N. 1 |

CULTURA EM MOVIMENTO

OS LIVROS QUE SE TRANSFORMAM EM FILMES entrevista com o novo livro de o escritor pola juremir iberĂŞ oloixarac machado teixeira

o mercado editorial e as novas tecnolog

ias


[ÍNDICE]

OUTUBRO PAMPA STOCK

2011 5

9

Conheça o novo livro do escritor gaúcho Juremir Machado: “Vozes da legalidade”

As obras de literatura brasileira que já foram e que irão parar nos cinemas

12

Em entrevista, a escritora argentina Pola Oloixarac fala sobre o seu livro “As Teorias Selvagens”

6

PIRAHY

O advogado Iberê Teixeira fala sobre o seu livro “1933 – A invasão de Santo Tomé” e sobre a arte de escrever

14

16

O filósofo Paulo Eduardo da Rocha e o dono da Editora Mutuus, Leandro Schabbach, dão dicas de como utilizar as novas tecnologias para publicar um livro

Passamos um dia com Carlota Aquino e descobrimos o seu vício pela leitura


4

N

para boas ideias, mesmo longe das nababescas metrópoles. A revista evidencia justamente aquilo que buscamos, mesmo sem perceber: a cultura no nosso cotidiano. Sim, porque eu, tu, ele, nós, somos seres culturais todos os dias, continuamente: conversamos, lemos, brincamos, contamos piada, oramos, dançamos, pescamos, plantamos, cozemos e cosemos... Expressamos nossa cultura em conjunto, nos identificamos, compartilhamos sonhos, sentidos, quereres. Isso é cultura e está em nós, em todos os lugares, a todos os momentos. Tudo & Etc comprova que celebrar e apreciar a cultura é um ato também singelo e de nós exige apenas um tantinho de atenção e uma pitada de amor. Atenção para realmente enxergar o que está à nossa volta e necessita ser visto e também ser festejado. Atenção para com a cidade e seus sujeitos, suas lutas, seus contextos e pretextos, suas histórias e cantigas. Amor para com o convívio com a diferença e o novo, o anseio pela vida, pelos costumes e trejeitos, sonhos e esperanças. Amor para ver que tudo e todos ao nosso redor merecem ser lidos, ouvidos, contemplados, compreendidos. Nosso jeito de celebrar a cultura é compartilhando, com todos, a revista Tudo & Etc. Todos são bem-vindos para lê-la, senti-la, vivê-la. Afinal, em se tratando de cultura, buscamos algo mais além do tudo. Boa leitura... & Etc!

5

JUREMIR MACHADO

FOTO: Tatiane Bernardo PRODUÇÃO: Aline Sant’Ana e Renan Guerra

Ano 1 | n. 1

TUDO & ETC EDIÇÃO: Caroline Rossasi, Pâmela Faustino e Phillipp Gripp REVISÃO: Joseline Pippi - MTb 12.164 REPORTAGEM: Aline Sant’Ana, Felipe Laud, Liziane Wolfart, Manuella Sampaio, Marina Almeida, Nycolas Ribeiro, Rafael Junckes, Renan Guerra, Sofia Silva, Tamara Finardi, Tatiane Bernardo DIAGRAMAÇÃO: Beatriz Wardzinski ILUSTRAÇÃO: João Ricardo Ribeiro APOIO TÉCNICO: Ariel Barcelos DIRETOR COMERCIAL: Juliano Jaques PARA ANUNCIAR revistatudoeetc@gmail.com Curta nossa página no FACEBOOK www.facebook.com/RevistaTudoeEtc Siga-nos no TWITTER @RevistaTudoeEtc Revista Tudo & Etc Cultura em Movimento Produção Independente Tiragem: 500 exemplares Distribuição gratuita

IMPRESSÃO Kunde Artes Gráficas Santa Rosa - RS

Vozes da legalidade e o seu

CAPA

Contato, pautas e sugestões: revistatudoeetc@gmail.com

- JOSELINE PIPPI, JORNALISTA

[CONTEXTO]

contexto | MANUELLA SAMPAIO

P

foto | BLOG DA UNISINOS

ura história. Dos peque-

quisa e produção dos escritos: “uma

muitas vezes foi visto como um escritor

nos acontecimentos até os

obra é uma ideia que toma corpo.

polêmico, mas enfatiza que esse não é

mais célebres, da grande

Aparece, desaparece, volta e se instala.

o seu objetivo. “Eu não gosto de ser

história até as desconheci-

Aí é preciso persegui-la, trabalhar

visto como polêmico (problemático),

das. Homens que evitaram bombar-

duramente, ir a arquivos, entrevistar

mas sim como polemista, aquele que

deios e tragédias, herois anônimos

pessoas, ler tudo sobre o tema, pensar

aborda os temas sensíveis. Esse é o

que vêm a público através de um livro

o contexto, construir hipóteses de

trabalho do intelectual. Estou numa

de resgate histórico, prendendo o

trabalho, organizar o material. Na

fase de efervescência, de busca, de

leitor do início ao fim.

verdade, tudo se mistura, mas há um

muito trabalho, tenho muitas ideias

De Itagiba a Leonel Brizola,

momento em que a redação passa a

na cabeça pedindo passagem”.

assim começa a história que marcou

ser o foco principal, embora a coleta

os rumos da política no Brasil e

de informações continue até mesmo

um livro louvável, por mostrar a

despertou instintos de luta pela

depois da publicação do livro.”

importância de um movimento tão

“Vozes

da

legalidade”

é

“Vozes da Legalidade” descorti-

relevante para a história do Brasil:

Juremir é jornalista, escritor, so-

na, sobretudo, em vários aspectos,

“É um livro importante na medida

ciólogo, historiador, tradutor e profes-

a campanha da Legalidade de 1961.

em que despertou a atenção das

sor da Faculdade de Comunicação da

Durante a pesquisa, houve várias

pessoas. Contar histórias reais atrai

PUC-RS. Sua última obra contempla

descobertas, as mais relevantes dizem

os gaúchos. Somos muito ligados ao

um dos maiores movimentos popu-

respeito ao papel dos sargentos da

nosso passado e queremos revivê-lo.”

lares do Brasil, a campanha da Legali-

Base Aérea de Canoas, especialmente

dade. O livro conta detalhes dessa his-

o depoimento de Caetano Vasto,

tória que já sabemos o desfecho, mas

“o homem que soube enfrentar seu

se torna inédita para o leitor.

superior e bloquear a saída dos aviões

democracia em tantos gaúchos.

Em entrevista para a Tudo & Etc o autor fala sobre o processo de pes-

para bombardear Piratini.” Pelo teor de suas obras, Juremir

Editora Sulina 2011 4a edição 220 páginas RS 29, 00

foto | REPRODUÇÃO

ão há evento mais oportuno para chamar a atenção para a cultura do que uma feira do livro. Da mesma forma não há espaço mais democrático para as manifestações intelectuais do que os corredores por entre os stands repletos de livros. Porque uma feira do livro é a manifestação conjunta daquilo que, muitas vezes sem saber, mais prezamos: conhecimento do novo, ousadia e arte. Desejo de leitura à flor da pele, conhecer novos autores, ouvir sugestões de livros, debater convictamente sobre os mais diversos assuntos. Também ouvir música: apreciar novos ritmos, aprender a deliciar-se ao som de instrumentos desconhecidos ou descobrir algo novo no velho e conhecido timbre do violão. Interessar-se repentinamente por teatro, cinema, cartoons. É a atmosfera brilhante, com cheiro de papel e risos de crianças que transformam a praça em cenário novo, com outros significados, com outras vontades. A feira do livro celebra a cultura justamente por ela se fazer tão presente. Valoriza o saber das letras e das artes através da ousadia de mostrar que todos nós somos cultos em variados e diferentes aspectos, que se manifestam através de nossas idiossincrasias. Celebrar é importantíssimo, pois é o apreço à cultura que a perpetua, que a renova constantemente. Em meio a esse ambiente que transborda cultura, nasce a Tudo & Etc, provando que também há lugar

[AO LEITOR]


[ENTREVISTA] foto | SEBASTIAN FREIRE

entrevista | NYCOLAS RIBEIRO

A

princípio, a ideia de

“Fogo Pálido” e “Lolita” de Vladimir

preconceituosa ainda presente no

realizar uma entre-

Nabokov, e tudo que eu encontrava

universo da literatura?

vista com uma escri-

sobre a luta armada na Argentina.

Pola: A literatura é, infelizmente,

tora estrangeira pare-

A partir de 2001, houve um boom

um meio muito machista. Ser parte

cia algo bem distante da realidade

editorial da literatura de sobrevivente,

da cultura não faz as pessoas menos

de um estudante de jornalismo.

como best-seller de aventura mistura-

Neanderthais... às vezes é o oposto!

Quando encontrei o perfil de Pola

do com temas do Holocausto do Esta-

no Twitter (@poliamida) me deparei

do Alemão. Lia muitos blogs e coisas

com o neologismo geográfico que

que encontrava na internet. A expe-

constava no campo de “localidade”:

riência é sempre um híbrido de lei-

Brasiloche, uma clara junção de

turas e sensações.

Brasil e Bariloche. A possibilidade da argentina ser acessível e ter um certo carinho pelo nosso país tornou tudo mais viável. Grande destaque da Flip 2011 (Festa Literária de Paraty – litoral sul do Rio de Janeiro),

T&E: Atualmente é comum (até demais) trazer obras literárias para o cinema. Caso algum dia lhe seja proposto adaptar “As Teorias

“Ser parte da cultura não faz as pessoas menos Neanderthais”

Pola Oloixarac chamou a atenção

T&E: Sua obra possui um

Selvagens” em filme, você aceitaria?

da mídia nacional por seu carisma,

aspecto político como base de desen-

Pola: É claro que eu gostaria de

beleza exótica, vasto conhecimento

volvimento, de onde surgiu essa

explorar essa possibilidade, você pode

cultural e, principalmente, por sua

ideia de abordar problemas políticos

fazer coisas divertidas na linguagem

obra “As Teorias Selvagens” (Editora

passados em um cenário tecnológico

audiovisual. Claro que também se

Benvirá, 2011), tão aclamada pela

com hackers e pornografia digital?

podem ter coisas de má qualidade...

crítica internacional. Abordando te-

POLA OLOIXARAC

7

Pola: Eu estava interessada em de todo modo, se ficar ruim sempre se

mas políticos e filosóficos em um

como se dá a subversão política na

cenário geek, o livro se destaca dos

contemporaneidade. O raqueamento

romances convencionais na literatura

ao Google Earth tem a ver com

argentina, contendo uma narrativa

isto: uma meta global e essas novas

satírica e de complexa leitura. Em

linguagens simbólicas.

entrevista por e-mail, a argentina fala de suas influências e faz mistério sobre projetos futuros.

pode culpar o cineasta. ;)

T&E: Existe algum autor ou obra brasileira que tenha te chamado mais atenção a ponto de se tornar grande admiradora?

chamou

Pola: Bernardo Carvalho. Eu

bastante a atenção da crítica, que

acho que é um mestre contemporâneo.

T&E:

O

livro

se surpreendeu com sua escrita

T&E:

T&E: Quais são seus futuros

Quais são as suas

forte, considerada por alguns como

influências literárias que acabaram

“máscula”, contrastando com sua

projetos

refletindo em “As Teorias Selvagens”?

feminilidade (o fato de se interessar

temas com semelhanças ao “As

O livro também foi escrito baseado

por moda e ser uma mulher

Teorias Selvagens”?

em experiências próprias?

atraente). Você acredita que essa

Pola: Os livros que li na época:

surpresa é uma posição machista e

na

literatura?

Seguem

Pola: Algo assim... mas são super secretos! :D


[ARTIGO]

[CAPA]

A CULTURA DO RETROVISOR*

A

educação no território mais meridional do Brasil – que viria a ser o Rio Grande do Sul - inicia por um projeto de catequização. Os jesuítas que desembarcaram por aqui, no século XVII, tinham na bagagem uma missão política e proselitista, mas que acaba se convertendo, ao mesmo tempo, em um incipiente processo pedagógico e cultural. No que se refere às Letras, talvez a organização de um sistema no Estado tenha aparecido a partir da Sociedade Partenon Literário cuja reunião de intelectuais, atuantes em Porto Alegre, principalmente, formou o cânone do gaúcho que conhecemos, com suas variantes, até hoje. A hegemonia política e oligárquica acaba, então, definindo o tema da identidade – embora essa discussão fosse diferente dos parâmetros atuais - como central para a representação ficcional, elegendo o gaúcho como personagem cujos atributos heroicos impulsionariam nossos elementos genealógicos. São Borja, de sua parte, também fundada por jesuítas, à margem esquerda do rio Uruguai tem, em sua representação ficcional, dois escritores como precípuos para um início de uma História da Literatura, que são Vargas Neto (19031977) e Apparício Silva Rillo (19311995). O primeiro, jornalista e bacharel em Direito, autor de “Tropilha Crioula” (1925) tem seus textos voltados para o ambiente e os costumes do pampa, priorizando os causos, as lendas e os personagens típicos da região. Já Silva Rillo, nascido em Porto Alegre, possui obra mais prolífera, no que se refere à variedade de escrita em diferentes gêneros. O autor transita pela poesia (“Cantigas ao velho pai”, obra inaugural de 1959), causos de tradição oral (“Rapa de Tacho”) e, também, em composições

para festivais de música nativista. Silva Rillo escreve, igualmente, ensaios e textos de pesquisa histórica, estudando o folclore e as tradições gaúchas (como em “Já se vieram”, de 1978). Nos anos 70, no período da ditadura militar, aparecem inúmeros escritores, marcando uma ascensão do conto no Estado (Caio Fernando Abreu, Moacyr Scliar, Josué Guimarães, entre outros). Na década seguinte, é a vez do romance histórico surgir com força nas narrativas

foto | REPRODUÇÃO BLOG CINEMA GRAFADO

Selton Melo em cena de O Cheiro do Ralo

por um “desejo do revir”. Na cultura, reproduzimos, a partir de uma espécie de angústia da influência, os mesmos temas e motivos dos textos de nossos antepassados. Em São Borja, por exemplo, não temos um teatro, uma sala de cinema e uma imprensa totalmente independente. Na música, ora mimetizamos elementos do cânone do século XIX, ora difundimos festivais de um ou outro gênero, prescindindo da diversidade cultural como formadora desta região de fronteira.

DAS PÁGINAS ÀS TELAS de Luiz Antonio de Assis Brasil e José Clemente Pozzenato. Mas, ainda assim, poucos conseguiram uma projeção nacional. Na poesia, Mario Quintana, de temática inefável para a crítica especializada, viria a se transformar em nosso orgulho regional. Em1982, quando perde pela terceira vez a disputa para uma vaga na Academia Brasileira de Letras declara desistir do fardão, pois, segundo ele: “uma terceira derrota foi trágica. Uma quarta seria cômica”. Contudo e a despeito da trajetória lapidar de nossos escritores, a cultura gaúcha ainda sofre da síndrome do retrovisor. Este pequeno percurso histórico que fiz serve para ilustrar a questão. Nossa sociedade é contaminada

No âmbito político ainda aguardamos um descendente do legado de Getúlio Vargas ou João Goulart. Ainda somos a terra dos presidentes - o que é relevante, sem dúvida - mas isso mostra que andamos para frente arrastando a tradição. Oxalá consigamos quebrar esse retrovisor e com os estilhaços erigir uma política e uma cultura que ultrapassem o mero reflexo do passado! Quiçá iniciativas como a desta revista instiguem a pensarmos algo realmente novo e que vá além das fotos sorridentes de “socialites” em crônicas citadinas de jornais, injustamente chamadas, em suas compilações, de literatura. O Rio Grande do Sul e São Borja merecem muito mais que apenas isso!

* Marcelo Rocha é professor da Universidade Federal do Pampa (São Borja) e Doutor em Letras pela PUCRS.

“M

As adaptações de obras literárias nacionais para o cinema

eu livro preferido

De produções bem sucedidas

de 10 milhões de espectadores para o

será adaptado pa-

às mais vergonhosas, dos autores

cinema. Jorge Amado, além de um

ra o cinema. Se-

clássicos até os mais undergrounds,

dos escritores mais lidos, é também

rá uma versão fiel da história? Qual

no Brasil temos diversos exemplos

um dos que mais são adaptados para

atriz será a protagonista? Esse diretor

de adaptações das páginas para o ci-

as telonas.

é confiável?” Todos nos perguntamos

nema. Investimentos da indústria

Nem todos os autores nacionais

isso, seja você um fã de Crepúsculo, de

cinematográfica à parte, o cinema na-

têm o sucesso de público (em literatu-

Sthepen Meyer, ou de Dom Casmurro,

cional tem conseguido de forma signi-

ra e cinema) de Jorge Amado, mas

de Machado de Assis. Criamos laços

ficativa emplacar filmes que derivaram

muitos contam com o amor incondi-

com a obra e a adaptação para o ci-

de também sucessos literários – os

cional de cineastas, como Machado de

nema pode destruir aquele imagi-

roteiros bem bolados que o digam!

Assis, que tem desde adaptações fiéis,

nário perfeito que criamos ao ler.

Historicamente, uma das nossas mai-

como Memórias Póstumas de Brás

Ao mesmo tempo, um público ainda

ores bilheterias é o clássico Dona Flor

Cubas, de André Klotzel, até releituras

maior conhecerá aquela história, mes-

e Seus Dois Maridos, adaptação de

de suas obras, como o cru Quan-

mo que às vezes ela esteja um pouco

Bruno Barreto do livro homônimo de

to vale ou é por quilo?, de Sérgio

(ou muito) distorcida.

Jorge Amado - autor que levou mais

Bianchi, adaptado do conto “Pai con-


[CAPA]

10

capa | RENAN GUERRA | TAMARA FINARDI | TATIANE BERNARDO insistência do parceiro Beto Brant.

11 foto | REPRODUÇÃO SITE PROJETO CINEMA

tra Mãe”, ou o malsucedido Dom,

por alguns dos roteiros mais interes-

de Sérgio Goés, uma modernização

santes do cinema brasileiro pós-reto-

O sucesso literatura/cinema tem

novas ‘leituras’. Passa a ser

nais, a cada dia, descobrem

da obra “Dom Casmurro”. Esse tipo

mada, como Crime Delicado (2005),

se tornado cada vez mais comum no

um trabalho de equipe, todos

novos filões, como o caso da

de adaptação, desprovida, em partes,

Os Matadores (1997), O Cheiro do

país, sendo um dos grandes sucessos

interferem no resultado fi-

literatura espírita e a infanto-

de interesses comerciais, é comum,

Ralo (2007) e O Invasor (2001), este

dos últimos anos a comédia Divã,

nal.” Mas ainda assim gosta

juvenil. Atualmente vemos

como em obras de Clarice Lispector.

último com uma história sui generis:

de José Alvarenga Jr., baseado no

da adaptação, “achei o filme

um crescente de filmes com

Um exemplo clássico da relação

Marçal escrevia seu livro, quando

romance tragicômico-cotidiano da

delicado e divertido. Ele é

a temática espírita, como a

de amor dos diretores com a litera-

na metade da produção, o cineasta

autora Martha Medeiros. O sucesso

muito fiel à peça de teatro

cinebiografia Chico Xavier,

tura versus a conflituosa relação dos

Beto Brant leu o texto e disse “isso

de público é uma comum tanto do

que a Lilia já havia encenado,

filmes com o público pode ser ex-

tem que virar filme” e lá se foram os

livro, que vendeu cerca de 50 mil

mas a familiaridade com o

foto | REPRODUÇÃO SITE DA REVISTA CONTIGO

pressa pela adaptação de Lavoura

adaptada sofre alterações,

Arcaica, de Raduan Nassar feita por Luis Fernando Carvalho em 2001. Sem roteiro prévio, o filme foi rodado tendo o livro como base para as falas, o que alguns consideraram um ato de fidelidade e respeito pelo texto, e outros uma subserviência desnecessária ao livro. Lavoura Ar-

Camila Pitanga em cena de Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios

de Chico Xavier”, de Marcelo Souto

ressalvas, Martha enxerga o filme

Babenco, foi assistido por cerca de

Maior; e o recém estreado O livro

com olhos de uma mãe que vê seu

4,6 milhões de pessoas no cinema. Há

dos espíritos, de André Marouço e

filho ganhar o mundo e fica surpresa

ainda o inverso, como Tropa de Elite,

Michel Dubret. No entanto, veem-

que ele tem pernas para ir ao teatro,

de José Padilha, que atingiu cerca de

se ainda outros espaços que não

ao cinema e às telas da Rede Globo.

2,4 milhões de espectadores, fazendo

foram realmente galgados, como por

sileiro. Há os livros que vendem

“O melhor mesmo é não comparar [as obras] e apenas curtir”

exemplo, o público infanto-juvenil –

muito e rendem produções capricha-

[MARTHA MEDEIROS]

das, já que as produtoras preferem

ascender a busca pelo livro “Elite da

nacional é um aprendiz. Mas com

investir em sucessos garantidos,

Tropa”, de André Batista, Rodrigo

todas essas adaptações, espera-se ape-

A autora conclui “o melhor mesmo é não comparar [as obras] e apenas curtir”, mas, ainda assim, ressalta que

da crítica, tanto nacional quanto

feita pela atriz Lília Cabral é “mais

internacional, um filme excelente,

divertida do que a ‘minha’ Mercedes,

mas sofreu certo repúdio do público,

mas tem muito a ver, sim. A Lília

em parte pela sua longa duração (163

sabe equilibrar drama e comédia com

Mesmo com percalços e dificuldades, o cinema nacional continua

REMIÃO

atuações teatralizadas do elenco.

foto | LETICI A

ciosos aliados à fotografia abstrata e às

investindo em adaptações. Este mês estreia mais uma adaptação da obra

baseada no livro “As vidas

e Carandiru, dirigido por Hector

a Mercedes, protagonista da história,

A escritora Martha Medeiros (ao lado) e sua personagem Mercedes, interpretada por Lilia Cabral (acima).

dirigida por Daniel Filho e

livro não é tão grande assim.” Com

caica foi considerado pela maioria

minutos) e seus longos takes silen-

Os produtores nacio-

muita competência”. As adaptações se tornaram um mercado lucrativo no cinema bra-

historicamente relegado às reproduções de enredos e personagens advindos da televisão. Não vemos uma adaptação de qualidade para este público desde Menino Maluquinho, do Ziraldo, adaptado em 1994 por Helvécio Ratton. Livros como os de Lygia Bojunga Nunes, de Ana Maria Machado e até mesmo de Thalita Rebouças não dariam bons filmes voltados a esse público? De qualquer forma, o cinema

de Jorge Amado: Capitães de Areia,

dois a trabalhar no roteiro. Após a

exemplares antes da adaptação, e

como os filmes baseados nas obras

Pimentel, Luiz Eduardo Soares e

nas que o público se interesse cada vez

dirigido por Cecília Amado, neta do

finalização do longa, Marçal Aquino

do filme, que levou aos cinemas um

“Carandiru”, de Drauzio Varella, e

Claudio Ferraz, que chegaram a escre-

mais por cinema e especialmente por

autor. E no início de 2012 estreará Eu

sentiu-se desligado do livro, uma vez

público de 159.700 pessoas, apenas

“O doce veneno do escorpião”, de

ver uma sequência para o livro, que se

literatura, pois como diz o cineasta

receberia as piores notícias dos seus

que, segundo o autor, em entrevista

nos três primeiros dias de exibição,

Raquel Pacheco. A versão para o

transformou no filme Tropa de Elite 2

Jorge Furtado: “Só a leitura produz

lindos lábios, de Beto Brant e Renato

ao site “Solto na cidade”, “não achava

(no intermezzo, foi sucesso no teatro

cinema da história de Raquel Pache-

– O Inimigo Agora é Outro, o qual é o

escritores e só a leitura produz bons

Ciasca, baseado na obra homônima de

graça, sabia tudo sobre a trama”, e só

também). Em entrevista para a Tudo

co, Bruna Surfistinha, alcançou uma

indicado brasileiro para o Oscar 2012,

cineastas. O cinema e a televisão criam

Marçal Aquino. O autor é responsável

acabou finalizando o livro após muita

& Etc, ela afirmou que “toda obra

bilheteria de 4,2 milhões de reais,

na categoria Filme Estrangeiro.

imagens, a leitura cria imaginação.”


[PERFIL]

perfil | SOFIA SILVA Estante de livros de Carlota

foto | SOFIA SILVA

13

depois de me lembrar de também ter

num momento de fragilidade, que

pode surgir em qualquer fase da vida.

assistido à adaptação para o cinema.

a fez desenvolver interesse pela arte

Carlota é assim: fica com os romances,

de decifrar as obras. Carlota Aquino

às vezes alguns poemas, mas nunca

Entre outros títulos surge o seu amor pelos versos de Mário Quintana

foto | FELIPE LAUD

- um dos poucos escritores nacionais que lê, pois “sempre gostei de literatura estrangeira”. Em meio a tantas descrições e críticas, contava fatos pitorescos sobre experiências de leitura, como, por exemplo, quando

EU LEIO, TU LÊS, CARLOTA LÊ

créditos | NOME

A

o entardecer, naquele

Os romances de mais de cem

te: “já doei uns sessenta livros para a

momento em que o

páginas apareceram em sua vida

biblioteca, não fico com livro parado”

horizonte é pintado

numa fase não muito romântica,

– tem perfil de leitora atenta, não

por matizes alaranja-

logo após a sua separação, quando

apegada aos volumes e os que ela

dos, chego ao apartamento de Carlo-

voltou a morar com os pais. Uma

mantém em sua estante podem ser

ta Aquino, senhora alta, loira e leitora

vizinha, dona de vasta biblioteca, foi

doados a qualquer momento. Prática

assídua de várias obras. Na sala, a

quem lhe apresentou um mundo a

no mínimo coerente num país onde,

televisão seria apenas uma espec-

descobrir: o dos livros. E foi amor à

na maioria das vezes, comprar livros

tadora muda de nossa conversa ani-

primeira leitura, o passa-tempo do

não é uma opção viável.

mada sobre o mundo das letras e sua

qual não largou mais. Tanto que des-

Na sala, uma grande estante exi-

fome por leitura. Como de hábito, já

de que se aposentou, há aproxima-

be alguns exemplares onde se podem

damente vinte anos, tornou-se uma

tatear títulos que contam a história

quando lia algo preferia os quadri-

frequentadora assídua da Biblioteca

de personagens franceses, como Os

nhos. Com o casamento, o emprego

Municipal de São Borja.

Miseráveis, de Vitor Hugo, obra que

havia devorado dois livros e meio no último mês - o terceiro exemplar seria concluído logo após minha saída. Sem pressa, Carlota relatou que não foi na infância e nem adolescência que se interessou por livros, pois

“Já doei uns sessenta livros para a biblioteca, não fico com livro parado”

no Ministério da Saúde e os filhos,

Contudo, vinte anos de leitura

figura na sua lista de mais lidos. Car-

abandonou qualquer tipo de leitura,

assídua não significa uma biblioteca,

lota já passeou os olhos pelas agruras

deixando-se levar por uma rotina

pelo contrário. Carlota mantém um

que passou o protagonista da história,

pendular: família - casa - trabalho.

número reduzido de livros na estan-

Jean Valjean, umas quatro vezes,

desistiu de ler o clássico Dom Quixote de La Mancha de Miguel de Cervantes, com suas folhas amareladas, traduzido para um português de além-mar, edição antiga de uma amiga.

Em sua sala de estar, Carlota conversa sobre seu vício pela leitura

Romance é o gênero preferido de

demonstra que não há idade nem

sem leitura. Até porque se não tiver

Carlota, se estrangeiro, melhor ainda!

momento exato para começar a ler,

“eu dou um jeito de conseguir algum

Foi na descoberta dessas histórias,

pelo contrário: o desejo de leitura

livro pra ler” - encerra.


[CONVERSA COM O ESCRITOR]

conversa com o escritor | ALINE SANT’ANA

A VALIDAÇÃO DO SER ESCRITOR Iberê Teixeira revela como a história pode ser (re)criada através da escrita e do olhar

N

uma futura repórter, quero ouvir

contar detalhes da vida profissional

to de mão, ao

exatamente o que ele tem a dizer.

e algumas passagens da sua infância,

Para evitar qualquer interpreta-

que o levaram, inclusive, a escrever.

Athayde

tivo, o advogado, que prefiro chamar

Preocupado desde sempre com a

Teixeira, nome que o então advogado

de escritor, decide responder [digitan-

exatidão com que as histórias são

do prefeito de São Borja estampa

do] pausadamente às minhas per-

contadas, o escritor, que agora chamo

cumprimentar Iberê

rém, há um objetivo mais nobre, de

Mesmo reconhecendo ser portador

busca inspiração nas verdades incom-

quem “apenas quer resgatar os fatos e

destas características, a auto-crítica

pletas das histórias populares, usando

depoimentos históricos”.

deste apreciador de verdades ainda

a pesquisa e a investigação para refor-

É nesse momento que entra em

interfere na não-assumida carreira

mulá-las. O livro, que traz uma nova

cena o anistiado, o ativista político

de escritor. Quando o assunto são os

versão do caso da invasão de Santo

que viveu o episódio do Campo de

escritores da cidade, Iberê faz reve-

Tomé pelo Coronel Benjamin Vargas,

Concentração em Itaqui, em 1954, e

rências a Silva Rillo e destaca Rodrigo

o Bejo, irmão de Getúlio, que em

relatou como as “Nuvens de Chumbo sobre o Cambaí” (2009)

Bauer e Izabel Scalco na cena atual.

vingança pela morte dos sobrinhos

pesaram sobre aqueles que lutaram por justiça

o primeiro aper-

por inteiro na placa branco-dourada

foto | ARQUIVO PESSOAL

que marca seu escritório de trabalho, não há como não sentir a incômoda seriedade de um anistiado político diante de uma proposta de entrevista – tratando-o como se fosse uma celebridade. Ele, já mostrando ser o dominador de toda a situação, me convida para entrar e sem meias palavras vai direto ao assunto, “Você

diante de uma Ditadura armada.

Iberê,

De certo a objetividade deve ser um atributo necessário aos advogados, e ele, ciente da postura astuta recor-

ativista, conta que o episódio,

vivenciado

por ele e por tantos outros que se calaram

presidente

reuniu

o Corpo Auxiliar da Brigada

Militar

para

atacar a cidade vizinha, mostra de forma contundente “uma aproximação do que realmente aconteceu”. Mesmo tendo rece-

Além disso, o advogado é sucinto ao

bido incentivo do amigo Juremir

esquecimento e nem oscilar sobre

dizer que “o povo é quem decide se

Machado e divulgação espontânea

as variadas versões do ocorrido.

somos escritores ou não”. Aliás, entre

do prefeito da cidade, por onde quer

Consciente da importância do livro-

conceitos e frases de impacto, que

que ele vá, Iberê ainda protege seu

documento, o ativista dá lugar ao

se estenderam por mais da metade

reconhecimento com uma humildade

escritor, que me mostra com precisão

da conversa sobre os escritores, faço

cultivada pela ambivalência de suas

as páginas documentais de “Nuvens

uma constatação interessante: como

funções: a de um homem importante

de Chumbo” precedidas da narração

não considerar-se escritor, diante de

e independente da área em que atua.

que, segundo ele, estruturou-se por

um reconhecimento público para ser

E é assim, com essa humildade que o

técnicas [de escritores].

o Patrono da XXVI Feira do Livro da

advogado e o anistiado político dão

cidade de São Borja?

lugar ao escritor - para que este refaça

escritor deve ter “talento, imaginação

O mais recente livro, “1933”,

a imagem do Iberê que realmente

criativa e cultura universal”, para

evidencia como o autor de “O crime na

fala o que quer, independente do que

entender e tocar o público ao qual fala.

Fronteira” e “Caminhos da Liberdade”

precise ser provado.

guntas, a fim de poder compor,

de historiador, diz ter sido este um dos

de do ser político é responder aquilo

segundo seu próprio conceito de

motivos que o levaram a escrever o seu

que ele quer dizer e não aquilo que o

precisão, a entrevista. Enquanto di-

4º livro “1933 – A invasão de Santo

160 páginas

entrevistador quer ouvir”. E eu, como

gitava, no entanto, não deixou de

Tomé” (2011). Em suas escrituras, po-

R$ 30,00

2009 1a edição

Editora UPF 2004

Editora Corag 2011

1a edição

1a edição

237 páginas

174 páginas

R$ 25,00

R$ 30,00

foto | ALINE SANT’ANA

Livreiro Editora

em suas palavras, “a verdadeira virtu-

foto | ALINE SANT’ANA

Martins

foto | ALINE SANT’ANA

Iberê Teixeira em sessão de autógrafos de seu livro “1933 – A invasão de Santo Tomé”

[IBERÊ TEIXEIRA]

do

com o tempo, não deveria cair no

rente no meio, desconfia nos mínimos ção da conversa possa tomar. Afinal,

o

“Um escritor deve ter ‘talento, imaginação criativa e cultura universal’”

Para o Iberê advogado, um

trouxe as perguntas?”

detalhes das proporções que a grava-

15


[REPORTAGEM]

reportagem | MARINA ALMEIDA | RAFAEL JUNCKES foto | JULIANO JAQUES

MODIFICADO E

INDEPENDENTE Os novos escritores e a autonomia na publicação

Para quem escreve e quer ser

do seu livro, garantir uma tiragem,

produtos. Mesmo assim, outros fa-

conhecido e reconhecido, a internet

por exemplo”, exemplifica Leandro.

tores, como o acesso, a qualidade

e as redes sociais, aliás, são hoje um

Os e-books podem ser uma opção

de infraestrutura e velocidade da

grande recurso, acessível e gratui-

para um investimento menor, mas

internet e a relevância sensorial que

to em quase todas as ferramentas.

essa nova realidade ainda barra em

o consumidor dá ao impresso, ainda

“Através dela, de um bom site, um bom blog, uma boa divulgação, é possível criar um público cativo”, analisa Leandro. Paulo, o poeta, mantém

A

contas

no

Facebook,

Twitter e Blogger. Possui

presentamos a seguir

embalagem vermelha. A religião era

de publicações independentes vem

dois blogs, em um deles

exemplos de como o

“por hereditariedade”, confessou.

crescendo e é possível ter sucesso. “A

(o Poeticamente Modi-

caminho

“Lançar livros de forma autônoma seo mostra com caminho viável”

circunstâncias

impedem a popularização e adesão

operacionais

dos livros sem papel.

e de hábitos

Fórmula pronta como melhor

de

consumo

plano de negócios não existe, é claro.

do

brasileiro.

Mas nosso filósofo é enfático “não lan-

Em 2010 uma

ce de forma independente. A menos

pesquisa

rea-

que queira dar um tiro na lua!”, Paulo

lizada

pela

propõe que o escritor se aventure

empresa

de

somente se tiver uma produção de

análises

de

qualidade e dinheiro para investir. O

mercado

GfK

crítico é mais otimista “após ter cer-

revelou

que

teza de que se é realmente bom, o

livros

Paulo, o escritor são-borjense

primeira vantagem são os ganhos”,

ficado, mesmo nome do

ser

com 42 anos de vida e 13 de produção,

garante. A constatação do crítico

livro) compartilha 20 dos

a união entre o offline e o online,

compõe uma realidade híbrida entre

encontra eco na fala do poeta, Paulo

200 poemas que estão em sua obra. É

67% da população desconhecia o livro

melhor caminho é brigar ao máximo

garantindo sucesso de público e vendas

os novos escritores, que para publi-

relata que pagou R$ 10 pela impressão

sua maneira de divulgar o trabalho e

digital. Neste ano o cenário parece

possível para conseguir seu espaço na

em publicações independentes.

car um livro têm como opções em

de cada um dos exemplares de seu livro

de oferecer ao leitor um preview.

ter mudado, mesmo que levemente, a

internet mesmo. Crie seu blog, escreva

comum: enviar os escritos a uma

através de uma editora por demanda.

O Ibope revelou em julho que

exoneração de impostos (importação,

muito, divulgue, faça parcerias; monte

“Sou quem sempre chega mais

editora convencional (as grandes e

Se ele próprio vender consegue lucro

R$ 7,18 bilhões serão movimentados,

IPI e PIS/COFINS) colocou os tablets

seu público”. Ambos concordam em

tarde”, o filósofo disse no poema

tradicionais); ser independente e pa-

de ao menos 100% por exemplar. Já

neste ano, com consumo de livros e

e e-readers em evidência na mídia e

um ponto: é preciso ter qualidade na

e assim o fez na entrevista. Paulo

gar pela publicação por demanda,

pela editora, mesmo vendido, o livro

publicações impressas. O dado é gran-

reduzirá (ainda que em tese) o pre-

produção, que novos autores sejam

Eduardo da Rocha escreveu a frase

através de uma editora (gerenciando

continua lhe custando R$ 4 reais. Não

dioso. Somente o sudeste corresponde

ço ao consumidor, motivando-o

autocríticos e se autopromovam, tudo

que, preciso confessar, já tomei como

publicidade e parte da distribuição);

há saída, um escritor com poucos

por 57% desta estimativa, depois dele

ao conhecimento e compra desses

começa assim.

minha também. Quando chegamos

ou ser ainda mais independente e edi-

recursos e que procura lucrar com

está o sul do país, são 15,28% do total

ao refúgio do artista, um sobrado de

tar, finalizar, produzir capa e financiar

sua publicação precisa ser criativo e

gasto na compra de impressos.

uma rua tranquila de São Borja, fomos

a impressão do livro, além de assumir

encontrar alternativas.

recebidos pela simpática mãe do autor

publicidade e logística de venda.

nacionais

dos

17

pode

Os números parecem fascinan-

Pode parecer um conto malan-

tes. Mas, considerando valores per

Entre as editoras convencionais, a

dro, mas lançar livros de forma au-

capita da região sul, por exemplo,

Não tardou e nosso entrevistado

prioridade são autores já consagrados,

tônoma se mostra como caminho

são apenas R$ 46 reais ao ano. No

se fez presente, conduzindo-nos ao

famosos. Espaço para poetas então

viável, mais rentável e de maior

máximo um ou dois livros. Obter

seu refúgio particular, o escritório

“não existe”, avalia nosso entrevistado.

prestígio. Enviar os textos originais

sucesso nas vendas não é algo simples,

contíguo à sala onde estávamos.

Leandro Schabbach, crítico literário,

para uma editora avaliar e patrocinar

é preciso “fazer um bom trabalho de

Naquele ambiente conviviam harmo-

dono da Mutuus Editora e autor

publicação, lançamento e publicidade

autopromoção. Mantendo um bom

niosamente símbolos religiosos, laicos

do, ainda inédito, O Código dos

há muito deixou de ser opção para

blog, o autor pode conquistar leitores

e ao menos três maços de cigarros de

Cavaleiros, aponta que o mercado

escritores iniciantes no país.

- e isso pode impulsionar a venda

de “Poeticamente Modificado”.

TUÍTE UM LIVRO EM 140 CARACTERES


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[ARTIGO]

Um Chico dono de si mesmo*

C

hico Buarque não lançava CD desde 2006. Os chicolatras estavam desesperados por novas melodias e letras. Chico é um artista de sorte: quase uma unanimidade nacional, passeia pela literatura e música com desenvoltura e elegância, produzindo cultura sem pressa e em tempos diferentes. Segundo ele, escrever é algo intenso e que esgota, então cada livro pede um espaço de descanso para navegar por outra linguagem – a musical. Seu livro Leite Derramado é o culpado por sua ausência na música por cinco anos. Foi escrito com o mesmo jeito inteligente e sensível de suas letras e músicas. O livro fala da finitude, da impermanência, da nossa fraqueza no final das contas. Ele migrou da música para literatura com a mesma “boniteza” de sempre! Mergulhou e se afastou para retornar à música. O processo de criação necessita desse distanciamento do objeto a ser criado, para poder se abrir a muitas possibilidades estéticas que estão aí, pela vida. Para Chico, quanto mais perigoso, mais divertido! Ele afirma que seus personagens não são reais, que tudo é inventado e construído em função de uma estética sonora e poética. A ousadia estética de Chico segue na releitura de uma matéria de jornal transformada em música: Chico “poetiza” que a dor da gente não sai no jornal. E não sai mesmo, mas pode sair do olhar de um poeta altamente simples e, paradoxalmente, complexo. Criar sem pressão é fundamental para este padrão de qualidade tão alto, poética e musicalmente falando. As gravadoras são máquinas de ganhar dinheiro, tiram o sangue do artista e fazem contratos draconianos. Chico transita fora desse mundo, faz o

trabalho quando tem obra pronta e boa! Este tempo de maturação em suas obras mostra que Adorno e Benjamin estavam corretos ao criticar a indústria cultural, que transforma arte e artista em produtos de massa. Chico está sempre no auge da criação porque sabe dar tempo ao tempo e criar para ter prazer com o que faz. Quando sente necessidade de sair às ruas, sem chamar atenção e virar notícia, vai a Paris. Anda feito louco, inspira-se e trabalha. Não é um pop star, mas aos 67 anos arranca suspiros tanto de meninas de

transgressor e altamente inovador! Vale referenciar algumas músicas, para deixar você com vontade de ouvir todo o CD: em “Querido Diário” ele capta os olhares dos outros sobre si e repensa sua rotina na relação com o que contextualiza sua solidão; o blues maravilhoso “Essa Pequena” parece feito sob medida para uma mulher mais jovem que ele não cansa de contemplar: “Sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas/ o blues já valeu a pena”; a doce e harmoniosa “Se Eu Soubesse”, mostra os revezes de um

15, quanto de senhoras com 80. Um homem maduro e amoroso desponta neste novo trabalho pela Biscoito Fino. Sem contrato com gravadora, faz todo o ritual em um ritmo tranquilo. Seu compromisso é com uma vida esteticamente confortável, sem espetacularização. Francisco Buarque segue sendo Chico! Não dá para abrir mão de quem você é por causa da mídia. Ela que corra atrás de migalhas. Dono de si, ele cria obras que entram para a história da cultura brasileira, mas o faz sem pensar em vaidades. Seu fazer criativo é, como sempre, rigoroso,

amor intenso, difícil de resistir: “Ah, se eu pudesse não caía na tua/ conversa mole, outra vez/ não dava mole à tua pessoa”. O lançamento do álbum “Chico”, no dia 20 de junho, contou com chat ao vivo na casa do moço, tocando e cantando com João Bosco a música Sinhá. Foram cerca de 15 mil acessos online para ouvir e ver o nosso Chico rindo meio tímido, meio nervoso e surpreso com as facilidades da Internet. A gravadora criou um projeto de lançamento digital à altura do seu Chico Buarque. A sensação é de que ele está aprendendo tudo de novo aos 67 anos. Tem coisa mais poética e transformadora?

* Merli Leal Silva é professora de Publicidade e Propaganda da UNIPAMPA (São Borja), Doutora em Educação pela USP.



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