TCC Leonardo Ávila

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA CAMPUS SÃO BORJA COMUNICAÇÃO SOCIAL – HABILITAÇÃO JORNALISMO DISCIPLINA DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO II

“Nas Asas da Calhandra”: web-documentário a serviço da cultura regional

Autor: Leonardo Cendón do Nascimento Ávila

Projeto experimental apresentado como requisito à conclusão do curso de Comunicação Social – Jornalismo, da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), sob a orientação do Prof. Ms. Marco Bonito.

SÃO BORJA 2012


LEONARDO CENDÓN DO NASCIMENTO ÁVILA

“NAS ASAS DA CALHANDRA”: WEB-DOCUMENTÁRIO A SERVIÇO DA CULTURA REGIONAL

Projeto experimental apresentado ao curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal do Pampa, como requisito à obtenção do grau de bacharel em comunicação social.

SÃO BORJA 2012


LEONARDO CENDÓN DO NASCIMENTO ÁVILA

“NAS ASAS DA CALHANDRA”: WEB-DOCUMENTÁRIO A SERVIÇO DA CULTURA REGIONAL

Projeto experimental apresentado ao curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal do Pampa, como requisito à obtenção do grau de bacharel em comunicação social. Área de concentração: Comunicação; Jornalismo; Web-documentário

Trabalho de conclusão defendido e aprovado em: Banca examinadora: ___________________________________________________________________________ Prof. Ms. Marco Bonito Orientador (Comunicação Social – Jornalismo) – (UNIPAMPA) ___________________________________________________________________________ Prof. _________________________ (____________________________) – (UNIPAMPA)

___________________________________________________________________________ Prof. _________________________ (____________________________) – (UNIPAMPA)


A Mariah, pela mão suave no afago e firme no puxão de orelha. Pela confiança e alento dedicados, mesmo quando eu não merecia. E pelo sorriso estonteante que lhe confere a condição irrevogável de musa inspiradora desta obra. A meu irmão e amigo, Maurício, merecedor de todo meu respeito e admiração, companheiro de uma vida que, sem ele, não teria a menor graça. A minha mãe, Margareth, rainha de um lar onde imperam o amor incondicional, o diálogo e a liberdade de expressão. Sua visão crítica do mundo, e o fato de ter me apresentado os primeiros livros, foram fundamentais à minha futura condição de jornalista. A meu pai, Flávio, que – neste mundo de faladores – é um pensador e um fazedor. Alma forte e coração sereno, ensinou-me o valor de ser um homem digno, generoso, e de consciência tranquila. Para isso, não precisou erguer a mão ou falar grosso, pois bastou o seu exemplo.


AGRADECIMENTO

Aos os meus amigos, que me abrilhantam a vida com suas presenças, ainda que, eventualmente, em ausência física. São muitos e bons. Citar todos implicaria no risco de algum ou outro esquecimento, o que seria uma bárbara injustiça. Mas eles sabem quem são. Um amigo, no entanto, merece destaque neste espaço, pela participação direta no trabalho. Marcelo “Batata” Recchi, com seu talento e disposição, colaborou imensamente para que este projeto acontecesse. Além disso, sua companhia transformou as horas de trabalho exaustivo em momentos prazerosos e divertidos. Ao professor e parceiro, Marco Bonito, por ter apostado suas fichas neste cavalo azarão, quando o mais sensato era não o fazer. Seus conselhos foram preciosos e seu incentivo contagiante. Garanto, sem medo de parecer um falso modesto: o que de bom houver neste trabalho é mérito deles, e o que houver de falho é culpa minha. Abaixo, uma lista de outras pessoas que também merecem agradecimento: Carlos Alberto da Rosa; Colmar Duarte; Fabrício Ramos; Francisco Alves; Heitor Schmidt; José Luiz Villela; Juarez Fonseca; Júlio Machado da Silva Filho; Lourival Gonçalves; Luiz Carlos Borges; Luiz Machado Stábile; Marco Antônio Loguércio; Marco Antônio Rillo Loguércio; Pirisca Grecco; Ricardo Duarte; Thedy Corrêa; Veco Marques.


AlguĂŠm deve rever, escrever e assinar os autos do Passado, antes que o Tempo passe tudo a raso. Cora Coralina


RESUMO

Recentemente introduzido na prática jornalística, o formato web-documentário tem sido instrumento de informação, reflexão e entretenimento na plataforma digital. Este é o relatório de um projeto experimental em comunicação, no qual o web-documentário é empregado para divulgar a história do festival de música regional Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul, de Uruguaiana (RS – Brasil) e, por consequência, difundir a cultura regional do estado. Composto por três episódios, o trabalho também apresenta conteúdo adicional reunido num endereço eletrônico - que complementa o produto audiovisual, caracterizando o formato e proporcionando interatividade. Palavras-chave: Web-documentário, Califórnia da Canção Nativa, Rio Grande do Sul, Nativismo, História.


ABSTRACT

Recently introduced into the practice of journalism, the web documentary format has been an instrument of information, reflection and entertainment on digital platform. This is the report on an experimental communication project, in which the web documentary is used to divulge the history of the regional music festival Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul, from Uruguaiana (RS – Brazil) and, therefore, to promote the regional culture of the state. Consisting in three episodes, the work also presents additional content – brought together in a website – which complements the audiovisual product, fulfilling the format’s features and providing interactivity. Keywords: Web documentary, Califórnia da Canção Nativa, Rio Grande do Sul, Nativismo, History.


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………….9 2. METODOLOGIA………………………………………………………………………….12 3. DESENVOLVIMENTO…………………………………………………………………...14 3.1 Formato…………………………………………………………………………………...14 3.2 Trajetória de pesquisa e realização do TCC………………………………………………19 3.3 Descrição do produto……………………………………………………………………..25 3.4 Circulação………………………………………………………………………………...26 3.5 Equipamentos……………………………………………………………………………..26 3.6 Custos…………………………………………………………………………………….26 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.…………………………………………………………….28 5. REFERÊNCIAS…..………………………………………………………………………30


1. Introdução

O tema escolhido para este projeto experimental é a Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul, um festival de música regional gaúcha que ocorre no município de Uruguaiana desde 1971. A Califórnia, como é sempre referido o evento – com o artigo feminino, a despeito da norma culta que forçaria à concordância com o masculino festival completa quarenta e um anos de fundação em dezembro de 2012. O festival é considerado Patrimônio Cultural do Rio Grande do Sul, pela lei 12.226, de janeiro de 2005. A proposta pioneira da Califórnia, um certame musical onde só podem competir canções que tratam da temática regional gaúcha, serviu de modelo a dezenas de festivais 1 que surgiram posteriormente no estado. A isso se deu o nome de Movimento Nativista 2 do Rio Grande do Sul. Trata-se de um movimento cultural predominantemente musical, expresso no ciclo de festivais do gênero inaugurado espontaneamente através da Califórnia da Canção. Diferentemente do Movimento Tradicionalista3 Gaúcho, o Nativismo não é um movimento formal, estruturado. Não se trata, portanto, de uma instituição, mas antes um estado de espírito partilhado pelos organizadores, artistas e público. Ainda assim, sua repercussão, além de mudar a fisionomia do cancioneiro gaúcho – antes bastante limitado - foi marco de mudanças culturais, sociais e econômicas no estado. São comuns relatos orais e documentados de pessoas que viveram as décadas de 1960 e 1970 afirmando que, nessa época, havia forte desprezo por elementos que dissessem respeito à identidade cultural gaúcha, dentro do próprio Rio Grande do Sul, especialmente entre a juventude urbana e a classe média em geral. Com a popularização do movimento, valores de apreciação à cultura regional – antes amortecidos – ganham novo fôlego, conforme diz o jornalista e escritor Carlos Urbim:

A mudança de comportamento em relação às “coisas do Rio Grande” foi facilmente detectada, pois a população de classe média passou a admirar e adotar hábitos tradicionais anteriormente taxados de “grossura” como usar bombachas e tomar 1

Algumas fontes apontam em torno de 60 festivais, na década de 1980, outras mencionam cerca de 80 eventos do gênero. 2 Até o presente momento, não foi possível identificar a autoria do termo “Movimento Nativista”, que parece simplesmente surgir esporadicamente na imprensa e logo é incorporado pelos músicos e estudiosos. “A expressão ‘canção nativa’ é ao que tudo indica de onde se originaria ‘nativismo’”, conforme Álvaro Santi (2004, p. 56). 3 O Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) é a federação que coordena todas as atividades do Tradicionalismo no Rio Grande do Sul (JACKS, 2003). Tem como objetivo o resgate e preservação das raízes culturais do estado.


chimarrão, o que fez com que aumentasse em 80% o consumo de erva-mate. (URBIM apud JACKS, 2003, p. 48)

Percebemos, portanto, que não se trata de um simples festival, mas de um fenômeno cujos desdobramentos se estendem para além do âmbito musical. Isso posto, podemos nos ater ao evento que é foco de nosso estudo. Depois de viver seu auge na década de 1980, a Califórnia entra num período de decadência que perdura até os dias de hoje. Originalmente um evento anual, o festival não se realizou nos anos de 2006, 2008, 2010 e 2011. Muitas são as alegadas justificativas para a atual situação: falta de verbas, administração ineficiente, interferências políticas e disputas internas no CTG4 Sinuelo do Pago, entidade à qual a Califórnia está vinculada desde a primeira edição. Percebemos que, com a passagem do tempo e não tendo a Califórnia demonstrado perspectivas animadoras de retorno com o vigor de outrora, corre-se o risco de que essa história caia no esquecimento futuro. A falta de registro em uma plataforma dinâmica e amplamente disponível também se identificou como uma carência para os eventuais interessados no festival. Dada a complexidade do tema e o volume de informações a respeito, nos parece ideal a opção pelo formato web-documentário. A abordagem e o tratamento da informação em profundidade que esse formato proporciona, além da função de entreter, nos parecem as mais adequadas. Acreditamos poder, através do jornalismo, levar o público ao cerne da questão, a fim de trazer à baila a importância da Califórnia, e assim contribuir para o debate e o engajamento na manutenção e continuidade do festival que tanto fez pela cultura gaúcha. Um trabalho jornalístico em linguagem vídeo-documental sobre a Califórnia da Canção Nativa é, até o momento, inédito. Com a produção deste, que deverá ser distribuído gratuitamente via internet, acreditamos poder colaborar com a preservação da memória do festival, bem como chamar atenção para os vazios informativos que se apresentam neste período incerto do Movimento Nativista. A avançada faixa etária em que estão os principais entrevistados, alguns com mais de oitenta anos, faz com que sejam preciosos seus depoimentos coletados em vídeo. Além disso, acreditamos que a universidade deve estar comprometida com o contexto social e geográfico em que se insere. No caso da Unipampa, estarmos atentos às questões culturais gaúchas é pertinente.

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Centro de Tradições Gaúchas, instituição representativa do MTG.


Pretendemos, com este trabalho, documentar e registrar para posteridade a(s) história(s) da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul através de um webdocumentário em três episódios, apresentar as informações colhidas fazendo uso dos recursos da linguagem vídeo-documental e publicar o produto final na internet, a fim de compartilhar o conhecimento a respeito do tema. Com isso, devemos divulgar a cultura gaúcha, contribuir para a reflexão a respeito da importância do festival e do Movimento Nativista, e fazer do trabalho uma fonte para pesquisas futuras.


2. Metodologia

Na concepção metodológica de nosso estudo, definimos uma trajetória de opções relacionadas ao objeto empírico, na seguinte ordem: método de abordagem, métodos de procedimento e técnicas. De acordo com Marconi e Lakatos (2003), “método e métodos situam-se em níveis claramente distintos...”, sendo que “o método se caracteriza por uma abordagem mais ampla, em nível de abstração mais elevado, dos fenômenos da natureza e da sociedade” (MARCONI; LAKATOS, 1991, p. 81). Quanto aos métodos de procedimento, Marconi e Lakatos nos dizem: “seriam etapas mais concretas da investigação, com finalidade mais restrita em termos de explicação geral dos fenômenos e menos abstratos.” (1991, p. 81). Acreditamos que a história da Califórnia só pode ser bem compreendida se analisada como um complexo de processos dinâmicos, permeado por mudanças qualitativas 5, - ora planejadas, ora espontâneas – que dão origem a outros processos e assim por diante. Não obstante, é um fenômeno que não pode ser tratado isoladamente, fora de seu contexto social, geográfico, político, etc. Tendo isso em mente, elencamos como método de abordagem o método dialético, onde “as coisas não são analisadas na qualidade de objetos fixos, mas em movimento: nenhuma coisa está ‘acabada’, encontrando-se sempre em vias de se transformar; desenvolver; o fim de um processo é sempre o começo de outro” (MARCONI; LAKATOS, 1991, p. 75). Em seguida foram escolhidos os métodos de procedimento, dentre os quais utilizamos o método histórico e o método comparativo. O primeiro parte do princípio de que para analisar as atuais intituições, costumes e demais processos, é preciso investigar suas raízes no passado, podendo assim verificar sua influência na sociedade contemporânea (MARCONI & LAKATOS, 2003). Já o método comparativo, no sentido de contribuir para uma melhor compreensão do comportamento humano, “realiza comparações, com a finalidade de verificar similitudes e explicar divergências” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 107), seja entre grupos no presente e no passado, seja entre sociedades de iguais ou diferentes estágios. No caso da Califórnia e do Movimento Nativista, é importante traçar paralelos entre este movimento e o Movimento Tradicionalista, entre o Rio Grande do Sul de fins da década de 1960 e o de hoje, por exemplo.

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Por exemplo: a Califórnia surge com ímpeto revanchista, ante o desprezo pela cultura regional gaúcha na época; anos depois, deixa de ser um simples festival e adquire status de movimento cultural.


Quanto às técnicas, ou seja, o conjunto de processos e normas de que se serve uma ciência, de forma prática (MARCONI; LAKATOS. 2003), trabalhamos com pesquisa documental, bibliográfica, observação e entrevista. A pesquisa documental, restrita a documentos ou fontes primárias, assim como a pesquisa bibliográfica que, por sua vez, abrange a bibliografia já publicada sobre o assunto (MARCONI; LAKATOS. 2003), foram utilizadas como ponto de partida para apreender a dimensão do tema, estabelecer um roteiro de perguntas para as subsequentes entrevistas e, eventualmente, checar informações obtidas nas fases seguintes. A observação, conforme Marconi e Lakatos (2003, p. 190), “é uma técnica de coleta de dados para conseguir informações e utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade”. Considerada elemento básico da atividade científica, essa técnica exige o uso da razão para examinar os fatos. A entrevista, “um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza profissional” (MARCONI; LAKATOS. 2003, p. 195), foi a principal técnica utilizada para coleta de informações neste trabalho. Indispensável ao fazer jornalístico, essa técnica é descrita pela jornalista Thaís Oyama como “a base da reportagem e (…) seu momento mais prazeroso” (2008, p. 8). Todos os áudios das entrevistas foram capturados com o uso de um microfone de lapela ligado a um gravador digital e as imagens com uma câmera fixa sobre o entrevistado. Ao longo desse período, por questões logísticas ou força do acaso, foram utilizadas três diferentes câmeras, que detalharemos mais adiante. As 13 entrevistas resultaram num montante de algo em torno de 15 horas de vídeos e áudios brutos, em cujas falas contidas foram transcritas a fim de facilitar a elaboração dos roteiros para a edição. Ao fim do processo de edição não linear, obtivemos 3 episódios de aproximadamente 21 minutos cada. O produto audiovisual resultante, bem como textos de apoio e imagens de arquivo coletadas junto às fontes, foram reunidos num endereço eletrônico 6, onde tudo se complementa e fica à disposição do ciber-espectador, caracterizando o formato webdocumentário.

3. Desenvolvimento 6

www.nasasasdacalhandra.wix.com/webdoc


3.1 Formato

Para a realização do projeto, foram necessárias algumas conceituações téoricas que nortearam a produção jornalística e a definição do formato. Em se tratando de um festival de música e cultura regional, alguns apontamentos sobre jornalismo cultural são pertinentes. Para Piza (2009, p. 80), “a reportagem no jornalismo cultural tem pontos de diferenciação (…) o noticiário quente, instantâneo, no calor dos fatos, é menor do que nos outros cadernos”. Como no caso do resgate histórico da Califórnia, há matérias que não pertencem ao “hard news”, mas que tem o objetivo de familiarizar o leitor/espectador com algo que ele desconhece. (PIZA, 2009). Os cadernos de cultura, conforme Floresta e Braslauskas (2009, p. 7), “são considerados ‘frios 7’ por tratarem, em 90% das vezes, de assuntos que já aconteceram ou que irão acontecer (…). Raramente abordarão algum assunto inesperado”. Assim sendo, tomamos como referência o conceito de reportagem documental, como trabalhado por Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari, no livro Técnica de Reportagem: Notas sobre a narrativa jornalística. Vejamos:

É o relato documentado (…) . Comum no jornalismo escrito, esse modelo é mais habitual nos documentários da televisão ou do cinema. A reportagem documental é expositiva e aproxima-se da pesquisa. (…) Na maioria dos casos, apoiada em dados que lhe conferem fundamentação, adquire cunho pedagógico e se pronuncia a respeito do tema em questão. (FERRARI; SODRÉ. 1986, p. 64).

Seguindo esse modelo e pensando em algumas características das matérias de jornalismo cultural, que costumeiramente abordam pautas frias, permitindo um maior tempo de apuração e interpretação dos fatos, percebemos alguns pontos em comum com outra categoria jornalística: o jornalismo investigativo. As matérias investigativas, bem como as culturais, podem nem estar relacionadas na pauta diária. “Elas envolvem temas em que os jornalistas insistem e que dizem respeito a algo que todos deveriam saber, de fato, ao dizer ‘olhe para isso, não é chocante? ’ ” (BURGH 2008, p. 15). 7

“Frio”, no jargão jornalístico, é o assunto não-factual, não necessariamente de atualidade, podendo ser publicado a qualquer momento.


Assim, surgiu uma reflexão: nosso trabalho jornalístico não tenderia a ser considerado, ao menos em parte, jornalismo investigativo? Ou ainda, nas palavras de Siqueira (2005, p. 15), “Se a investigação é inerente à atividade jornalística, o termo ‘jornalismo investigativo’ não seria redundante?” Sobre isso, parece haver consenso entre diversos autores. A publicação de notícias demanda, em maior ou menor grau, apuração a partir de fontes diversas, orais e documentais. Nisto as técnicas de jornalismo se parecem muito, com pequenas alterações de método e circunstância, o que faz do jornalismo investigativo muito mais uma marca, ou grife, do que um conceito (FORTES, 2007). Como se vê, a investigação é um processo que deve permear toda atividade jornalística. Ao menos nos casos em que se pretenda ultrapassar minimamente a barreira do superficial, evitando a reprodução irresponsável dos press-releases, por exemplo. O que costuma diferenciar o chamado jornalismo investigativo são as suas circunstâncias, frequentemente mais complexas, sua extensão noticiosa e um maior tempo dedicado à reportagem (FORTES, 2007). Hugo de Burgh nos mostra o que pensa o repórter australiano John Pilger a respeito dessa segmentação:

John Pilger considera que a expressão jornalismo investigativo “veio da linguagem comum (...) em uma correlação com o declínio da averiguação dos fatos, da curiosidade e da missão entre os jornalistas” (...). Ele gostaria de ver o termo investigativo ser recusado como uma tautologia, uma vez que “todo jornalista deveria ser investigativo”, mas não acredita que as condições do presente permitam isso, exceto para os especialistas. (BURGH, 2008, p. 15)

Mais adiante, sobre as categorias culturalmente construídas em que se acomodam uma ou outra matéria jornalística, o autor completa: “podem desempenhar uma certa função social; mas isso é irrelevante para o jornalista em seu trabalho. O importante é que eles representem os fatos de forma apropriada” (BURGH, 2008, p. 18). Assim, podemos trazer alguns aspectos do jornalismo investigativo para o nosso trabalho, mesmo não sendo esse nosso foco principal. Segundo Maria Cecília Guirado:

A reportagem, assim como um caso detetivesco, transforma-se em quebra-cabeça montado com recortes de observação, com trechos de depoimentos, com dados de arquivos, com consultas a especialistas. (GUIRADO, 2004, p. 68)


Logo, percebemos que “o ato investigativo está implícito nas três fases que, genericamente, caracterizam a reportagem: apreensão, investigação dos fatos e construção do texto narrativo” (Guirado, 2004, p. 98). No entanto, a ideia de que todo jornalismo tem algo de investigativo pode levar a uma armadilha: a crença no discurso questionável, alimentado pelo senso comum, de que o bom trabalho de reportagem apresentará a verdade, ou um reflexo da realidade. Vejamos as questões que Luiz Costa Pereira Junior levanta a respeito desse paradigma:

Uma disciplina como o jornalismo, com uma trajetória orientada para os fundamentos objetivos dos fatos, costuma desprezar o chamado paradoxo da representação (...). Para teorizações instrumentalistas sobre a imprensa, a notícia seria, por óbvio, retrato da realidade. Mas não vemos ‘a’ realidade quando lemos um texto, navegamos pela internet, vemos a TV, ouvimos o rádio. (JÚNIOR, 2006, p. 19)

Se não é a realidade, ou um retrato fiel dela, que o público vê através da mídia, o que seria? Miquel Rodrigo Alsina, na obra A Construção da Notícia, dá uma pista: “A mídia compila umas construções sociais estabelecidas (...), e diante dos acontecimentos, que são realidades socialmente construídas, os re-categoriza, através de especialistas da criação do saber social, que são os jornalistas” (2009, p. 233). O ato de reportar, portanto, é uma tradução, nunca total ou completamente verdadeira, uma vez que é impossível apreender e retratar a realidade em todas as suas nuances. Ao privilegiar uma determinada leitura de um fato, deixa-se outras na obscuridade (GUIRADO, 2004). Segundo Pereira Júnior (2006, p. 70) “no jornalismo, construir sentido é reduzir incertezas (...). Cabe ao jornalista sedimentar uma realidade sólida para o público. Sem enganá-lo com a falsa promessa de uma realidade ‘real’, pronta, acabada”. A essa noção se contrapõe o princípio da objetividade jornalística. Não cabe aqui uma longa discussão teórica sobre o assunto, apenas alguns breves apontamentos que consideramos pertinentes para nosso trabalho. A adoção da objetividade como padrão jornalístico teve influência dos imperativos comerciais – a necessidade de vender cada vez mais, para um público heterogêneo, evitando conflito de opiniões – e da postura científica empirista do século XIX (BURGH, 2008). Durante a rápida industrialização, a reportagem objetiva tornou-se fetiche no jornalismo norte-americano, mas já na década de 1960, esse conceito passou a sofrer críticas, que


perduram até hoje (ALSINA, 2009). Segundo JÚNIOR (2006, p. 58) “a possibilidade de uma objetividade mecânica não só é ineficaz como ofusca a individualidade do profissional”. Outras razões para rejeitarmos a adoção de uma objetividade absoluta encontram-se na própria conceituação de documentário, que não é tarefa simples e tampouco acabada em termos teóricos. Segundo Fernão Pessoa Ramos:

Tanto em sua versão de grandes produções de televisão a cabo, quanto nos formatos mais alternativos (…), a narrativa documentária possui traços estilísticos recorrentes e um nome (documentário), abrangendo a diversidade. (…) Em poucas palavras, o documentário é uma narrativa com imagens-câmera que estabalece asserções sobre o mundo, na medida em que haja um espectador que receba essa narrativa como asserção sobre o mundo. (RAMOS. 2008, p. 22)

Logo, apesar de o julgarmos uma reprodução, por sua fidelidade ao original - ou capacidade de se parecer com e atuar como o original – o documentário não é uma reprodução da realidade, mas antes uma representação do mundo em que vivemos, de uma determinada visão desse mundo (NICHOLS, 2005). Entretanto, ainda que rejeitemos a possibilidade de uma objetividade completa e da reprodução precisa da realidade, isso não quer dizer que o documentarista está isento de qualquer compromisso com a busca de uma narrativa fidedigna e exatidão dos enunciados apresentados. Pequenas imprecisões factuais podem comprometer o caráter ético e o conteúdo de suas asserções. Por outro lado, um determinado posicionamento ou asserção – como mostrar um personagem de modo idealizado, por exemplo - não retira da obra o caráter de documentário. Podemos, no máximo, dizer que tal obra trabalha com uma perspectiva equivocada (RAMOS, 2008). Ainda sobre o ponto de vista no documentário, Manuela Penafria conclui:

O documentarista deve poder ser livre de fazer as suas próprias escolhas fílmicas de modo a transmitir-nos um ponto de vista (…). Experimentar o pulsar da vida das pessoas e dos acontecimentos do mundo no ecrã 8 é o que o documentário tem de mais gratificante para nos oferecer. É, sem dúvida, um modo de incentivar um conhecimento aprofundado sobre a nossa própria existência.(PENAFRIA. 2001, p. 9)

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Tela/monitor, no português de Portugal.


Sob a ótica de fazer o espectador refletir sobre a própria existência e a do outro, fazêlo experimentar os acontecimentos do mundo de forma aprofundada, dois gêneros estudados na área de telejornalismo se confundem: documentário e videorreportagem. Oliveira, Roldão e Bazi (2006), traçam alguns paralelos entre os dois gêneros. Para os autores, algumas das semelhanças residem nos seguintes fatos: ambos tem como premissa contar uma história com começo, meio e fim e buscam o aprofundamento, as causas; os dois permitem variações na construção da forma narrativa e podem fazer uso de um mesmo procedimento metodológico9. No plano das diferenças, são apontados, entre outros, os seguintes aspectos: a videorreportagem segue a linha editorial de uma determinada emissora, enquanto o documentário tem caráter autoral; a videorreportagem, embora não seja diretamente factual, geralmente terá como gancho algum assunto que esteja na pauta da mídia, ao passo que o documentário busca justamente a descoberta de histórias que deixaram de ser contadas; na videorreportagem existe a preocupação de responder às perguntas do telespectador, deixá-lo satisfeito, enquanto no documentário a intenção é levantar questionamentos, inquietações. Como se vê, é uma linha tênue, sobre a qual nosso trabalho procurou equilibrar-se, sem o receio de eventualmente pisar fora dela, para um lado ou para outro. Em nossa produção, a figura do repórter fazendo passagens, mais usual em videorreportagens do que em documentários, evidencia a intenção dessa mescla. Porém, a despeito de tentativas de categorização:

Não há uma estrutura ‘genética’ que identifique única e exclusivamente a totalidade da produção em vídeo, tamanhas são as possibilidades de novas formatações, proporcionadas pela constante geração tecnológica. (OLIVEIRA; ROLDÃO; BAZI. 2006, p. 14)

Dentre as novidades, em termos de formatação, está o chamado web-documentário. O advento da internet deu origem ao jornalismo em rede e com ele vieram novos formatos, conforme nos explica Beatriz Ribas:

Ampliou as possibilidades das estruturas narrativas, explorando características do suporte digital como interatividade, hipertextualidade, multimidialidade e memória,

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Por exemplo: “pré-produção, produção, pós-produção e distribuição” (OLIVEIRA; ROLDÃO; BAZI. 2006, p. 17).


contribuindo para o aparecimento de novos gêneros jornalísticos, como o Web Documentário. (RIBAS. 2003, p. 3)

Vejamos, brevemente, como se definem as principais características do jornalismo online, segundo Palácios (2003). Multimidialidade/Convergência diz respeito à convergência das mídias tradicionais (imagem, texto e som) numa narrativa multifacetada do fato jornalístico, onde tudo está agregado. A hipertextualidade é a possibilidade de interconexão entre textos ou outros materias complementares, através de links 10. Já a interatividade está representada em elementos de interação entre o público e o jornalista (troca de e-mails, publicação de comentários), entre os indivíduos que compõe o público (fóruns de discussões) e até entre o público e o produto, uma vez que a navegação hipertextual pode ser também considerada interação. A customização do conteúdo, também chamada individualização, consiste na possibilidade do usuário configurar seu acesso ao site noticioso, de modo que ele seja carregado atentendo às suas preferências individuais, como acontece em alguns portais noticiosos. A característica da memória refere-se ao potencial do jornalismo online de armazenar um volume consideravelmente maior de informação, produzindo efeitos nos processos de emissão e recepção. Finalmente, a instantaneidade/atualização contínua, através da rapidez do acesso e a facilidade de produção e disponibilização, próprias ao meio digital, possibilita o acompanhamento contínuo do desenvolvimento do assunto jornalístico de interesse. Assim, percebe-se que o gênero não é apenas o modelo de documentário tradicional, exposto na rede. Para atingir tal conceito, algumas características específicas são desejáveis. Dentre elas, a possibilidade de uma navegação não-linear, uma vez que, na internet, cabe ao usuário escolher a ordem e o volume da informação que busca, embora haja uma espécie de “roteirização” pretendida pelo autor do produto (SACRINI; CARVALHO. 2003). Cabe notar também que, dadas as facilidades técnicas que o acesso massivo às novas tecnologias produziu, muda também a noção de sujeito produtor de conteúdo, uma vez que “o modelo tradicional de circulação da informação de um para muitos, dá lugar ao modelo de muitos para muitos” (SCOLARI apud EMERIM; CAVENAGHI. 2012, p. 2). Em suma, nas palavras de Sacrini e Carvalho:

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Hiperligações entre páginas da internet, ferramenta típica do meio digital.


O web-documentário, enquanto produto construído para a web, tende a estabelecer uma modalidade que agrupa elementos intrínsecos ao meio somados aos atributos esperados dos registros documentais. Para a sua construção convergem, portanto, características particulares de conteúdo além daquelas relacionadas com uma linguagem própria, conferindo ao produto uma abordagem de conteúdo e forma específicos. (SACRINI; CARVALHO. 2003, p. 6)

De todos esses pressupostos teóricos, somados aos imprevistos da aventura empírica, nasceu nosso web-documentário, Nas Asas da Calhandra.

3.2 Trajetória de pesquisa e realizão do TCC

A trajetória começa na escolha do tema. Pelo imperativo da viabilidade, ficou estabelecido que fosse um tema local ou regional, que não exigisse grandes deslocamentos na pesquisa de campo. Por critério estritamente pessoal, foi decidido que deveria se tratar de um assunto que remontasse ao passado, que pudesse ser tratado em profundidade. Não menos pessoal foi a busca de um tema ligado à música, paixão deste acadêmico e, coincidentemente, também de seu orientador. A Califórnia da Canção Nativa, como assunto a ser explorado, encaixou-se perfeitamente nos critérios estabelecidos. A certeza, no entanto, veio durante a leitura do material já existente sobre o festival, onde constatou-se que a Califórnia foi o embrião de um movimento cultural cujos efeitos sociais e econômicos respingam até hoje no cotidiano do povo gaúcho. Sendo o autor deste trabalho natural justamente de Uruguaiana e não tendo conhecimento da dimensão do fenômeno, chegou-se à óbvia conclusão: essa história precisava ser contada. O momento também era oportuno, pois o festival completaria quarenta anos de sua fundação ao final de 2011, ano em que iniciamos o trabalho. Definido o tema e o formato, por razões já explicitadas, faltava definir um plano de ação para pôr o trabalho em prática. Para agilizar a produção e buscar uma excelência técnica em termos de qualidade, foi contratado Marcelo Recchi, um profissional da área de audiovisual que, não por acaso, é também um amigo de longa data. Recchi manejaria a câmera e as ferramentas de edição, enquanto o autor deste trabalho seria o responsável pela apuração, roteiro, produção, direção e distribuição. Estava formada a equipe.


Também na busca da máxima qualidade técnica, foi adquirido um microfone de lapela. O equipamento permitiria a captção do áudio nas mais diversas locações, com mínimo prejuízo àquilo que de mais valioso se buscava: a fala dos entrevistados. Em seguida, foram elaborados um roteiro de perguntas e um mapeamento de fontes, separando-as em primárias, secundárias e terciárias de acordo com grau de revelância no contexto da Califórnia. O roteiro consistia em vinte e quatro perguntas básicas que deveriam ser feitas a todos os entrevistados para que houvesse o maior número deles discorrendo sobre cada tópico. Desse modo, mais tarde, na elaboração dos roteiros para edição, os trechos das sonoras poderiam ser concatenados, promovendo uma unidade narrativa coesa e de ritmo fluente. As

possíveis

combinações

das

falas

mostraram-se

praticamente

infinitas,

proporcionando grande liberdade estilística na construção da narrativa. Ainda sobre o roteiro de perguntas, cabe lembrar que algumas particularidades em cada entrevista deveriam ser respeitadas. Por exemplo: obviamente não caberia indagar sobre detalhes da fundação do festival um entrevistado que sequer fosse nascido na época, ou que não houvesse acompanhado pessoalmente o processo. Nesses e em outros casos em que o próprio andamento da conversa exigisse, o roteiro de perguntas deveria adquirir certa flexibilidade. O mapeamento prévio das fontes mostrou-se uma ferramenta eficaz apenas como ponto de partida. Logo na primeira entrevista - com o professor, historiador e advogado, Luiz Stábile – nos foram indicadas outras pessoas que estariam aptas falar sobre o tema, além daquelas que havia sido possível identificar na pesquisa. A indicação de boas fontes além das que tínhamos planejado foi uma constante até o fim do trabalho. A cada entrevista, a menção de outros possíveis entrevistados abria à nossa frente um leque crescente de nomes que se multiplicavam. Como quem desenrola um interminável novelo de lã, seguimos esses rastros até percebermos que o assunto parecia não se esgotar, ao contrário do tempo previsto para a apuração. Além do mais, o material colhido já era suficientemente rico para contar a história que queríamos: 13 entrevistas gravadas, totalizando em torno de 15 horas de vídeos brutos e 189 páginas dessas entrevistas decupadas. A composição dos episódios – inicialmente planejados para uma duração de 10 minutos cada – é reflexo dessa amplitude de informações e diversidade de opiniões coletadas a respeito do tema. Vale lembrar que não existe meio confiável de realizar as decupagens automaticamente. Os softwares de reconhecimento de voz, em geral, reconhecem um padrão específico de fala, e devem ser configurados pelo próprio falante, através da leitura de textos


pré-determinados. A decupagem, portanto, é um trabalho manual, árduo e maçante, embora seja imprescindível para a composição dos roteiros. Para decupar uma entrevista inteira, levava-se, em média, mais de quatro vezes o tempo de sua duração, com pequenas variações de acordo com o ritmo e a maior ou menor clareza da fala de cada entrevistado. Algumas entrevistas merecem destaque por peculiaridades que envolveram sua execução. Luiz Carlos Borges é um dos artistas vivos de maior expressão na música gaúcha, um veterano cujo nome é reconhecido internacionalmente e cuja ascensão como músico começou justamente na Califórnia da Canção. Logo, entrevistá-lo tornou-se uma espécie de fetiche. No entanto, um empecilho se apresentava: como conseguir o contato e uma hora do tempo de tal personalidade? Dois acasos colidiram para que a entrevista acontecesse: o fato de termos um amigo em comum, Marco Antônio Loguércio – que nos colocou em contato – e o fato de que Borges, ocasionalmente, estaria no município de São Luiz Gonzaga, próximo a São Borja, dali alguns dias. Pela condição de grato imprevisto desse encontro marcado, a oportunidade não poderia ser desperdiçada. Para tanto, teve de ser utilizada uma das câmeras da universidade, cuja qualidade de imagem era gravemente inferior em relação à câmera que vínhamos utilizando durante as demais filmagens. Também pela questão logística, não foi possível contar com o cinegrafista, e o repórter teve de conduzir a entrevista e manejar a câmera simultaneamente. As más condições climáticas prejudicaram a qualidade do áudio e da imagem. Armava-se uma tempestade e ventava muito, mas no interior da casa a iluminação era fraca. Gravamos então no abrigo de uma garagem, com o portão aberto. Fora essas questões técnicas, que exigiram algum improviso no momento da edição para que o material pudesse ser aproveitado, a entrevista foi um sucesso. Borges mostrou-se um exemplo de entrevistado lúcido, atencioso, e de uma humildade que contrasta com a grandeza de sua obra. Outra entrevista, por razões parecidas, foi sonhada durante algum tempo antes de se concretizar. No ano de 2004, a banda Nenhum de Nós se apresentou como atração especial naquela edição da Califórnia. Sempre houve uma espécie de polêmica a respeito de se apresentarem no festival gêneros musicais que, como o rock, não fossem considerados regionais. Daí surgiu o interesse por uma entrevista com Thedy Corrêa, vocalista da banda. Mais uma vez, a descoberta de um amigo em comum e um golpe de sorte foram decisivos. O Nenhum de Nós tinha uma apresentação marcada em Uruguaiana e, naquela tarde, no saguão do hotel em que estavam hospedados os músicos, conseguimos entrevistar Thedy Corrêa e também o guitarrista Veco Marques. Foram duas conversas proveitosas e


marcadas pela satisfação ingênua de ter entrevistado dois principais integrantes de uma banda que, uma semana antes, havia estado no programa Altas Horas, da Rede Globo. Além de boas declarações, essas três entrevistas nos mostraram que as maiores limitações do repórter inexperiente são as que ele impõe a si mesmo, por insegurança. O acesso a pessoas célebres – que, por adimiração, tendemos a idealizar - nem sempre é tão restrito quanto se imagina. Além disso, um pouco de sorte e atrevimento sempre ajudam. Cabe notar também que, a cada entrevista realizada, sentia-se uma evolução em relação às anteriores. Para isso contribuíam uma crescente segurança e desenvoltura do entrevistador. O conhecimento do tema, que se aculumava a cada conversa, permitia elaborar melhor as perguntas e possibilitava cruzar informações recentemente obtidas, extraindo delarações mais interessantes. Mas nem só de sonoras se faz uma reportagem em vídeo, muito menos um webdocumentário. Para que o espectador pudesse vizualizar aquilo que estávamos falando, seria necessário resgatar fotografias de arquivo e vídeos das edições da Califórnia. Essa se mostrou nossa maior dificuldade, visto que muito pouco material dessa natureza foi preservado ao longo dos anos. Apenas dois de nossos entrevistados possuíam algumas fotografias antigas em seu acervo pessoal. Ricardo Duarte nos cedeu um álbum com fotos dos Marupiaras (grupo vencedor da primeira edição da Califórnia), que foram digitalizadas por nós e usadas para ilustrar certos momentos do primeiro episódio. Outras raridades foram encontradas no acervo do jornalista Juarez Fonseca, que gentilmente as digitalizou e nos enviou por e-mail. Além disso, encontramos três vídeos originais de canções apresentadas na Califórnia, que estavam disponíveis num canal do site Youtube. Utilizamos pequenos trechos desses vídeos e, naturalmente, demos o devido crédito ao canal onde eles foram encontrados. Fora as descritas acima, todas as imagens vistas em Nas Asas da Calhandra são de nossa autoria. Para driblar essa dificuldade, apostamos em imagens de apoio, de forte apelo estético, para tornar o produto mais agradável aos olhos. São cenários e paisagens do município de Uruguaiana, muitas delas às margens do rio Uruguai. A escolha dessas imagens também comunica e constrói sentido, na medida em que ajuda a situar o espectador no espaço e evidencia a ligação intrínseca do tema com as coisas terrunhas, com o orgulho de cantar a terra onde se vive. Também aproveitamos imagens do músico Pirisca Grecco cantando, durante a entrevista, algumas de suas canções premiadas no festival. Captamos Ricardo Duarte tocando violão, material que foi aproveitado como trilha sonora para compor a vinheta de abertura dos


episódios. Isso nos poupou da perda de tempo com procedimentos burocráticos para adquirir direitos de uso sobre uma trilha comercial. Ao mesmo tempo, a autenticidade do som do violão gaúcho, captado de maneira rústica, encaixou-se perfeitamente no padrão estético que buscávamos. Outro recurso concebido ao longo da execução do web-documentário foi a utilização de passagens/boletins, elemento básico do telejornalismo em que o repórter aparece diante da câmera. Em dado momento, percebemos que haveria a necessidade de um recurso semelhante para trazer informações que não tivessem sido sintetizadas nas falas dos entrevistados, preencher lacunas, e pontuar mudanças de assunto dentro do episódio. Embora na linguagem vídeo-documental existam outras formas de fazer isso, como o off, optamos pela passagem. Não só pelos motivos já citados no ítem Formato, mas também por constituir um desafio maior para o repórter. É tecnicamente mais fácil gravar um off, no conforto de um estúdio, do que uma passagem na rua. No segundo caso, os cuidados e as preocupações se multiplicam: vestes adequadas, maquiagem, luz, expressão corporal, memorização do texto e possíveis interrupções são fatores de complicação. Contudo, este é um trabalho de graduação que visa ir ao encontro da prática. Um tubo de ensaio onde os objetivos maiores são o aprendizado e a exploração dos próprios limites. Assim, consideramos que o autoimposto desafio da versatilidade enquanto repórter seria enriquecedor, sobretudo em tempos de jornalismo multimídia. A escolha das locações para as passagens também foi pensada de modo a construir sentido. Cada locação tem um significado de acordo com o assunto abordado em tal episódio. No primeiro, o cenário é uma antiga sala do cinema de Uruguaiana, exato local onde ocorreram as primeiras edições da Califórnia. As passagens do segundo episódio foram gravadas no Parque Agrícola e Pastoril, do Sindicato Rural de Uruguaiana, palco das maiores e mais memoráveis edições do festival. Para o terceiro episódio, foi escolhido como locação o CTG Sinuelo do Pago, entidade que promove a Califórnia e que não tem conseguido reerguêla nos últimos anos. As passagens foram as últimas cenas gravadas. Antes foram elaborados os roteiros, com base nas entrevistas previamente decupadas. Em seguida foi escolhido um título para o web-documentário. No intuito de evitar a obviedade de um título meramente informativo do tema e natureza do trabalho, começamos a pensar em alguma figura representativa daquilo que estávamos falando. O pássaro calhandra – que dá nome ao troféu máximo do festival, objeto de desejo dos músicos nativistas – foi designado por nós como metáfora para batizar o trabalho. Mesmo assim, achamos que ficaria


demasiado vago, e daí a necessidade de um subtítulo. Chegamos, portanto, ao consenso de que Nas Asas da Calhandra: A História da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul seria o nome da obra. Os títulos que identificam cada episódio seguem essa mesma linha, fazendo alusão ao ciclo de vida de uma calhandra. São eles: O primeiro canto; Voando alto; e O voo derradeiro?. Feito isso, passamos ao processo de edição. Sob a direção e o acompanhamento ininterrupto do autor deste trabalho, Marcelo Recchi manejou o software de edição. Embora não tenha formação na área, seu talento e experiência foram fundamentais para a agilidade do processo e para que o resultado final do produto tomasse forma satisfatória em termos técnicos. Por último foram criados um canal no site Youtube, de modo a abrigar os vídeos, e o endereço eletrônico que reúne todo o conteúdo produzido. Lá estão os vídeos, as fotografias e os textos de apoio, caracterizando o formato web-documentário.

3.3 Descrição do produto

Nas Asas da Calhandra: A História da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul é um web-documentário em três episódios de, aproximadamente, vinte e um minutos cada. A primeira parte resgata a origem do festival, mostra depoimentos dos principais nomes envolvidos e os fatos que culminaram na criação da Califórnia, no ano de 1971. A segunda trata da consagração do festival como um evento da maior importância; de sua metamorfose ao atingir status de movimento cultural; do surgimento daquilo que Oliven (2006, p. 11) define como “um mercado de bens simbólicos e materiais que movimenta um grande número de pessoas”; e das diferenças entre o Nativismo e o Tradicionalismo. A terceira parte fala de sua derrocada e traz diferentes pontos de vista sobre o atual panorama do festival. Além dos episódios em vídeo, a produção conta com textos e imagens complementares disponíveis no site. Está previsto o lançamento futuro de vídeos extras, com curiosidades contadas pelos entrevistados e que – por questões de tempo e unidade narrativa – não tiveram espaço nos três episódios. Os usuários também são convidados a enviar, em forma de texto ou vídeo, suas histórias relacionadas à Califórnia, que poderão ser publicadas, promovendo maior interatividade.


3.4 Circulação

Todo material que complementa o web-documentário se encontra no endereço eletrônico criado para esse fim. O produto principal, a série em três episódios, hospedada num canal do site Youtube, estará disponível gratuitamente no site assim que este trabalho for aprovado em banca examinadora. Site: http://www.nasasasdacalhandra.wix.com/webdoc Canal do Youtube: http://www.youtube.com/nasasasdacalhandra

3.5 Equipamentos

Foram utilizadas três câmeras para captação de imagens, em diferentes ocasiões. Sony HX1, semiprofissional; Sony HDD, semiprofissional; e Nikon D5100, profissional. O áudio foi captado com microfone de lapela marca Karsect KRU-200. A edição das imagens foi conduzida em software Adobe Premiere CS6 e a masterização dos áudios em Sony Sound Forge 7.0.

3.6 Custos

Equipamento Microfone de lapela

Custo em reais 325.00

Serviços Filmagem e edição

400,00

Transporte Viagem a São Luiz Gonzaga

43,60

Total

768,60


4. Consideraçþes finais


Existe um Rio Grande do Sul imaginário, idealizado, voltado ao passado e a si próprio, onde o gaúcho ainda sonha estar em meio à Guerra do Farrapos, como um Dom Quixote gaudério. Para esse, de nada serviria um produto jornalístico que traz o que há de mais recente em termos de formato e abrangência. Existe, porém, outro Rio Grande do Sul, concreto, pós-moderno, onde se utiliza raios laser para o nivelamento de lavouras, onde os tratores são equipados com computadores de bordo e os peões de estância fotografam e falam ao celular. Com a passagem do tempo, novas ferramentas são introduzidas ao cotidiano e muita coisa se transforma. Só não podem mudar a altivez, os brios, do povo gaúcho. Nas Asas da Calhandra se propõe a fazer um resgate histórico, mas não se permite ser anacrônico. É o jornalismo, munido de tecnologia, a serviço da cultura regional gaúcha. Nossa cultura não pode estar à mercê do tempo. Pelo contrário, os avanços que vem com os novos tempos podem - e devem - ser meios de preservar e difundir nossos costumes, nossa linguagem, nossa arte. É disso que se trata este trabalho. É nisso que acreditamos. A plataforma digital para divulgação de nosso produto é um ponto chave para atingir especialmente a parcela mais jovem da população, que não viveu os áureos tempos de Califórnia. Por ser um espaço sem fronteiras, a web torna possível que nosso trabalho seja fonte de conhecimento e entretenimento em qualquer parte do mundo, ao alcance de um clique. Além da abrangência e abundância de recursos didáticos que comporta, o custo é sensivelmente reduzido em relação à mídia física, o que confere maior autonomia na reportagem e liberdade editorial, já que não foi requisitado apoio financeiro de nenhuma entidade. Ao mesmo tempo, estamos tratando de um tema mutável, contando uma história que terá desdobramentos, uma vez que a Califórnia da Canção ainda não acabou e seu futuro próximo é incerto. Ninguém sabe se a calhandra já alçou seu voo derradeiro. Daí a impossibilidade de traçar um ciclo narrativo com começo, meio e fim. Os processos técnicos do jornalísmo em linguagem audiovisual, sabidamente, são dos mais complexos, e nosso produto precisava ser editado, finalizado e publicado. Eis aí outra vantagem do web-documentário em relação aos formatos tradicionais. Não se trata apenas de uma série de vídeos, mas de um complexo de informações hospedado em um endereço eletrônico, onde tudo converge. Assim é possível, através de textos e imagens, explorar aquilo que o produto audiovisual não contemplou, bem como atualizar a plataforma de tempos em tempos, com as eventuais novidades que venham a surgir. O web-documentário não acaba.


REFERร NCIAS BURGH, Hugo de. Jornalismo Investigativo: contexto e prรกtica.


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