FLIP 01/11/2012

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20 O Jornal de HOJE

Cidade

Natal, 1 de novembro de 2012

Quinta-feira

Érika Nesi erikamnesi@hotmail.com

O homenageado hoje é Leônidas Ferreira, ícone político e idealista da saúde, um sanitarista competente, secretário dos governos de Lavoisier Maia e José Agripino. Implantou com muito amor a municipalização dos serviços de saúde, deixando um legado na saúde pública e na política do Rio Grande do Norte.

Ícone Fashion Leônidas Ferreira

Texto elaborado por sua filha Ângela Ferrreira: Leônidas Ferreira nasceu na fazenda Malhada Vermelha, Município de Severiano Melo, no dia 20 de fevereiro de 1934. Estudou em Natal, nos colégios Marista e Atheneu, graduando-se na terceira turma de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte em 1963. Especializou-se em Ginecologia e Obstetrícia, no Uruguai, em 1969, e foi professor na Maternidade Januário Cicco durante 20 anos. Foi deputado estadual, por duas vezes, e Secretário de Saúde do RN, nos Governos de Lavoisier Maia e José Agripino. No segundo governo de Agripino foi Secretário do Gabinete Civil. Pai dedicado, teve sete filhos de seus dois casamentos com Socorro Fernandes (5) e Sônia Campos (2), sendo eles: Maria Virginia, ex Secretária de Planejamento de Natal e técnica do Dieese; Ângela Ferreira, professora universitária e presidente da ADURN; Maria Teresa, psicóloga; Ana Maria, bacharela em direito e assessora judiciária do Tribunal de Justiça; Simone Pinto, economista, residente na Inglaterra; Alberto, médico dermatologista e residente em Cuba e a publicitária e estudante de direito Claudia, além de 8 netos e 3 bisnetos. É consenso entre os filhos o seu espírito aberto, liberal e democrático, tanto do ponto de vista dos costumes como na política. "Tamanho seu valor humanista, imperava o respeito às diferenças. Diferenças de cor, de gênero e de ideologia. Convivência que imperava na sua casa por diversas tribos e no fim virava uma história para ser contada as gargalhadas e tudo virava alegria e o humor permanecia naquele imenso coração de Homem, que se foi e que deixou lembranças inesquecíveis: de amor e humor. Diante dessa forma de ver o mundo, a minha inserção na vida pública, em partido oposto ao dele foi bastante tranquila e respeitada, na verdade, sentíamos que ele tinha um grande orgulho", diz Virgínia Ferreira.. "O respeito as diferenças ideológicas era uma característica marcante. Nós recebíamos em casa os nossos amigos do PT e todos tinham uma excelente convivência com ele. Minha geração acostumou-se a dividir o pensamento entre o de esquerda e direita. Na nossa Casa, a esquerda se reunia. Naquele tempo, imaginava que meu pai estava na outra margem do rio. Era porque não sabia onde inserir o seu humanismo. Esquecia que meu pai fizera parte da gestão de Djalma Maranhão (De pé no chão também se aprende a ler) e com Djalma no Uruguai partilhou a dor do exilado. Pois bem, hoje vejo, meu Pai sendo esse canoeiro a unir as duas margens do mesmo rio", afirma Ângela.. Já Ana Maria conta: "Quando volto à lembrança da minha infância, vejo-o chegando em Casa - era a alegria nos envolvendo, éramos todos correndo para o abraço primeiro. Nunca vi meu pai se permitindo a uma lágrima. Era, na verdade, um transfigurador de tristeza, pois, com seu humor apurado, convertia logo qualquer sentimento triste numa oportunidade para um instante espirituoso. Na política sempre o apoiei e participei de suas campanhas na linha de frente".

Meu pai, na nossa defesa, não nos perguntava antes para só depois manifestar o seu apoio; a ordem que seu coração de pai nos oferecia era de um amor profundo: primeiro, manifestava o seu amor, apoiando-nos incondicionalmente, para, em seguida, nos indagar sobre a motivação da nossa dor.Nos momentos difíceis sempre afirmava: "A decisão é sua e lhe apoio no que precisar. O importante e o que mais quero é que você seja feliz!", lembra Claudia."Ele sempre foi o meu exemplo de homem, principalmente no que se refere a sua força de caráter, honestidade e generosidade", diz Alberto. "Papai era daqueles pais que cada filho se achava o predileto, o que ele mais gostava" afirma Simone. Quanto a isso sempre afirmava: "o predileto é aquele que está precisando de mim". Agora, na sua ausência se impõe uma nova ordem: primeiro, é essa saudade vindo num acalanto quando numa vontade imensa de abraçar o que ficou de todos os seus conselhos, vamos, num último esforço para superar a dor, reunindo a nossa orfandade para contar as suas histórias, repetindoas tantas vezes quanto pede sua lembrança; depois, é a vida real, agora sem a sua presença, mas com suas lições, vamos trilhando no tempo com a certeza de que os seus ensinamentos irão mostrando o norte a ser seguido. Filho de Francisco Ferreira Pinto e Francisca Ferreira Pinto, era o caçula de uma família de sete filhos, com cinco irmãs, Mailde, Alice,

Edite, Francisca, Conceição e apenas um irmão, Brígido. Todos o adoravam, tratavam-no como se fosse um filho. Mailde Pinto, a mais velha, tinha uma ligação maternal e esteve presente em todos os momentos difíceis de sua vida. Acerca do irmão afirmou: "Eu e Leon tínhamos uma relação de muita cumplicidade e lealdade, sabíamos que podíamos contar um com o outro". Alice também sempre esteve bastante presente na vida do irmão, afirmando: "levei Leon para minha casa por duas vezes, com Socorro e suas duas filhas pequenas, pois ele não tinha condições de se manter, já que ainda era estudante. Nunca tivemos um aborrecimento!" Francisca, apelidada de cabocla, também ajudava na criação das sobrinhas, alegando sobre o irmão: "Sempre que Leon precisou de mim eu estava lá, principalmente quando da sua separação, ocasião em que me mudei para sua casa, com vistas à tomar conta das suas cinco filhas. Era uma pessoa maravilhosa, sem igual!" Conceição, chamada carinhosamente de nenê, era a que mais parecia com ele, no que se refere a visão de mundo, temperamento divertido e estilo de vida. Os dois juntos era garantia de muita diversão e gargalhada. Era uma afinidade incrível. Conceição mencionou: "Leon foi um irmão que pude contar nos momentos mais difíceis, particularmente quando Moacyr foi preso pela ditadura em 1964 e tivemos que ir embora de Natal. Foi nos deixar no Recife, clandestinamente, para de lá partirmos

para o Rio de Janeiro. Nunca vi alguém com tamanho senso de solidariedade e generosidade!". Edite sempre morou distante de Natal, mas também nutria grande afeto pelo irmão. Falecida há 6 anos, ela sempre se referia a Leon como um homem íntegro, solidário e um pai amoroso. Brígido, o irmão mais velho, o ajudou nos anos difíceis de início de carreira, e sempre esteve ao seu lado na carreira política. Sobre o irmão disse: "Leon era uma homem do bem, sempre gostou de ajudar os outros, desde pequeno". Homem de muitos amigos, tais como Edízio, professor aposentado da Faculdade de Medicina da UNB, veio de Brasília especialmente para acompanhá-lo nos seus últimos momentos de vida. Edizioafirma:"Leon foi um grande amigo, eu diria até o meu melhor amigo, estudamos juntos para o vestibular de medicina e desde então nos tornamos inseparáveis. Na faculdade de medicina todos os conheciam e se divertiam com suas brincadeiras. Quando cheguei em Natal vindo da França, onde tinha ido fazer uma pós-graduação, com mulher e filho, ele cedeu o seu quarto para eu me hospedar até encontrar uma residência definitiva. Uma atitude inesquecível." Luiz Antônio Porpino, seu eterno amigo de juventude, prestou o seguinte depoimento: "Conheci Leon ainda como estudante de medicina e nossa afinidade se deu em função do gosto pelos prazeres da vida. Fizemos muita farra na juventude, organizamos muitos carnavais, acom-

panhados dos amigos Ivis Bezerra e Emílio Salem. Ele foi pioneiro no hábito de receber os amigos em sua casa, onde se bebia, comia caranguejo e outras coisas mais. Era um "estradeiro", adorava viajar para o interior, principalmente no inverno. Adorava os primos da Malhada Vermelha, Sobrinho Ferreira e os demais. Tinha orgulho da cachaça "Malhada Vermelha" produzida por seus familiares. Foi uma das maiores figuras que convivi, humilde, honesta, bem humorada e solidária. Fez companhia a Djalma Maranhão no seu exílio no Uruguai, diminuindo assim a solidão e a saudade que o ex-prefeito sentia de sua terra Natal. Ninguém tinha a ousadia de sugerir qualquer irregularidade financeira feita por Leon, seja na vida pública ou privada, sempre viveu no mesmo padrão, com raízes profundas na Malhada Vermelha ". Como docente da UFRN era conhecido pela dedicação e a forma amigável com que tratava os alunos, isso em um momento que a relação professor-aluno era verticalizada e de muito distanciamento. Gostava de brincar, mas era exigente. Leônidas foi homenageado em praticamente todas as turmas da faculdade de medicina desde 1969. Cassiano Arruda Câmara, por quem nutria grande amizade, em depoimento afirmou: "as lembranças que tenho de Leon ocorreram em duas oportunidades: uma na Maternidade Januário Cicco, quando na década de 60 lá era um ponto de encontro dos intelectuais, jornalistas,

de pessoas que pensavam, e o outro, já nos anos 80. Nós ficamos muito amigos, apesar de termos pontos de vista distintos, sobretudo na política. Foi um excepcional articulador político, um conciliador, um homem de diálogo, um sujeito extremamente tolerante. Um político na sua essência. Tinha um grande defeito para quem queria exercer a carreira política - lhe faltava ambição. Foi um político que pensava primeiro no grupo em detrimento dos interesses pessoais. Não gostava de palco, os amigos cuidavam de divulgar as suas obras. Ele fez um trabalho pioneiro na saúde, colocando um médico em cada município do RN. Certa vez Zé Agripino me confessou que ele tinha sido o seu melhor secretário, pois soube buscar recursos na esfera federal e não me trazia problemas, apenas solução. Gostava de agregar pessoas e era extremamente fiel as amizades. Ele não deixava um amigo no "desvio". Foi secretário de estado no Governo Lavoisier por amizade e não por afinidade política. De fato, ele tinha espírito público. Na pasta da Saúde, ele formou uma equipe de "comunistas", composta por jovens profissionais e alguns que estavam literalmente proscritos na vida pública, como Omar Pimenta e Hélio Vasconcelos, todos perseguidos pela ditadura militar. Algumas pessoas do governo falavam dos "comunistas" de Leônidas, na saúde e os de Hélio Vasconcelos, na educação, mas isso nunca ameaçou o núcleo central do governo". Como político era considerado um homem hábil, conciliador e um dos fundadores do "lourismo", grupo ligado ao ex-governador Tarcísio Maia, pai de José Agripino. Ao deixar a administração pública, Leônidas se dedicou aos bastidores da política, atuando intensamente nas campanhas de seu amigo José Agripino. Cassiano Arruda ressalta como sendo uma das maiores características de Leon a sua "fidelidade ao grupo político, a capacidade de mediação e a honestidade com a coisa pública". Considerado por muitos como um dos melhores secretários de saúde do RN, se destacou pelo trabalho realizado em prol da saúde pública do estado, com a implantação de diversos programas na assistência básica e hospitalar, construindo uma unidade de saúde em cada município e hospitais nas cidades polo. Liderou campanhas de vacinação em todo estado, pioneiras em nível nacional; construiu o circo da saúde, levando atendimento odontológico aos bairros de Natal; implantou o centro de treinamento para profissionais de saúde, entre outros feitos. Pela facilidade com que fazia amizades, Leônidas se tornou o secretário mais próximo do ex-ministro da Saúde Dr. Waldir Arcoverde. Aliando a sua competência administrativa, a confiança e amizade com o ministro da saúde, conseguiu captargrande volume de recurso para o estado, ampliando e equipando a rede pública de saúde. Implantou ainda, o programa "Médico da Família" nos postos de saúde da periferia da cidade, levando assistência médica as famílias carentes da cidade. E nesse rio salgado do Potengi foi criado e criou sete filhos, fez amigos e os manteve, fez história, sonhou e deixou as águas do mar mais salgadas com os sargaços da nossa dor no dia 04 de abril de 2009, momento da sua morte. Dor transformada em paixão, pelo homem apaixonado pela vida e pela humanidade, tornando-se num humanista com as cores do sertão onde nascera. Nesse abismo entre o rio, o mar e o sertão, existia uma frase: "Não é por aí, vamos conversar". Assim era Papai... um eterno democrata."


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