Jornal do CELG - 72

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ano 24 • julho 2013 • nº 72 11

Ponto de vista

O DSM-5 em perspectiva O Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM) é um dos dois principais sistemas classificatórios de transtornos mentais no cenário mundial. O DSM-5 foi inicialmente concebido para ser uma mudança de paradigma na psiquiatria, ligando os diagnósticos à patofisiologia. Porém, a falta de marcadores biológicos com suficiente desempenho diagnóstico na psiquiatria frustrou esta expectativa. Neste contexto, abordamos abaixo as principais mudanças da nova edição. Devido a falta de validade do modelo categórico de diagnóstico previamente enfatizado nos sistemas classificatórios, uma perspectiva diagnóstica mais dimensional foi introduzida. A abordagem categórica tende a diminuir a capacidade de diagnosticar apresentações atípicas e enfraquecer o poder estatístico em pesquisas. Além disso, não há dados suficientes para embasar um ponto de corte de número de sintomas não arbitrário para diversos transtornos psiquiátricos, do TDAH aos Transtornos de Personalidade. A presença da perspectiva dimensional na nova versão da DSM já pode ser evidenciada na criação das chamadas dimensões supra-diagnosticas. O Manual propõe o uso de questões de triagem para 12 dimensões diferentes na avaliação clínica, conectadas com um nível mais profundo de questionamentos em caso de respostas positivas, o que se assemelha mais a uma postura clínica ideal. No novo manual, os Transtornos são agrupados baseados em fatores etiológicos (Andrews, Goldberg, et al., 2009), o que é, na verdade, a única revisão maior do manual baseada parcialmente em mecanismos neurobiológicos. Desta forma, o Transtorno Obsessivo-Compulsivo “se independizou” dos Transtornos de Ansiedade, Jogo Patológico foi incluído nos Transtornos Aditivos e Relacionados a Substâncias, e uma seção nova relacionada a Trauma e Transtornos Relacionados a Estressores, foi criada. Consonante com a recomendação da OMS de que os transtornos mentais são distúrbios crônicos da infância (Guilbert, 2003), uma visão mais focada no desenvolvimento foi incorporada ao manual. O capítulo Transtornos Geralmente Diagnosticados Pela Primeira Vez na Infância e Adolescência não existe mais, e há uma tentativa, ainda tímida, de incorporar considerações desenvolvimentais em alguns diagnósticos, como o TDAH e o TEPT. A nova organização de capítulos se deu por uma perspectiva de ciclo de vida: primeiro, os geralmente iniciados na infância, depois os normalmente identificados na idade adulta e, por fim, os da velhice. Não existe, no novo manual, a abordagem multiaxial. Ela se mostrou muito complexa para

Luis Augusto Paim Rohde Thiago Gatti Pianca

médicos não-psiquiatras e reforçava uma ideia de que doenças psiquiátricas não são doenças médicas. Desta forma, os antigos eixos I, II e III foram unificados, com a ideia de melhorar a relação da psiquiatria e da medicina em geral (Kupfer, Kuhl, & Wulsin, 2013). Cerca de 160 revisores dos 143 grupos de trabalho e 6 grupos de estudos e quase 300 consultores trabalharam por cinco anos para revisar e melhorar os critérios diagnósticos de vários transtornos. Eles revisaram a literatura sobre o diagnóstico específico de vários transtornos, além de utilizarem dados dos testes de campos e análises secundárias de pesquisas já feitas. A partir deste trabalho é que foram feitas estas modificações, com cuidado de balancear os prós (melhora da validade diagnóstica) e os contras (aumentar a prevalência artificialmente, incapacidade de usar pesquisas usando critérios do DSM-IV). É importante abordar a ideia errônea de que o DSM cria transtornos mentais. Ele inclui, como um diagnóstico aceitável, aqueles distúrbios que, após uma revisão cuidadosa da literatura, demonstram evidência suficiente de sua existência como entidade diagnóstica separada. Na verdade, o DSM-5 apresenta menor número de diagnósticos que as edições anteriores. Exemplos de novos diagnósticos do DSM-5 são o Hoarding Disorder (Colecionismo ou Acumulação) e o Disruptive Dysregulation Mood Disorder. Exemplos de diagnósticos que já eram cogitados no apêndice de pesquisa do DSMIV que apresentaram evidência suficiente e foram incluídos são: o Distúrbio de Compulsão Periódica (alimentar) e Transtorno Disfórico Pré-menstrual. É importante enfatizar que o DSM-5 continua a ter uma seção para possíveis transtornos que requerem mais pesquisa para serem incluídos no manual, e exemplos destes são a Attenuated Psychosis Syndrome e a Nonsuicidal Self-Injury. Como salientado pelo Professor Kenneth Kendler, o progresso maturacional de várias áreas da ciência ocorre por um processo iterativo, onde cada vez mais conseguimos nos aproximar do mundo como ele é. A DSM-5 representa mais um passo na direção de nos aproximarmos do real constructo latente dos transtornos mentais.

“Cerca de 160 revisores dos 143 grupos de trabalho e 6 grupos de estudos e quase 300 consultores trabalharam por 5 anos para revisar e melhorar os critérios diagnósticos de vários transtornos. Eles revisaram a literatura sobre o diagnóstico específico de vários transtornos, além de utilizarem dados dos testes de campos e análises secundárias de pesquisas já feitas”.

Referências: Andrews, G., Goldberg, D. P., Krueger, R. F., Carpenter, W. T., Hyman, S. E., Sachdev, P., & Pine, D. S. (2009). Exploring the feasibility of a meta-structure for DSM-V and ICD-11: could it improve utility and validity? Psychol Med, 39(12), 1993-2000. doi: 10.1017/S0033291709990250 Guilbert, J. J. (2003). The world health report 2002 - reducing risks, promoting healthy life. Educ Health (Abingdon), 16(2), 230. doi: 10.1080/1357628031000116808 Kupfer, D. J., Kuhl, E. A., & Wulsin, L. (2013). Psychiatry’s integration with medicine: the role of DSM-5. Annu Rev Med, 64, 385-392. doi: 10.1146/annurev-med-050911-161945

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