catalogo azores combo 2008

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Contextualização A primeira edição do Azores Combo Art Camp teve lugar no final do mês de Maio,de 2008 no Teatro Micaelense, na ilha de São Miguel e dá a origem a esta publicação que mais do que uma compilação das criações artísticas resultantes da residência artística é também uma compilação das emoções, sentimentos e conhecimentos criados à volta do intercâmbio entre artistas e artesãos. Esta iniciativa promovida pelo Governo Regional dos Açores através das Direcções Regionais da Juventude e Centro Regional de Apoio ao Artesanato, contou com a organização da Cooperativa Cultural Mal Amanhados CRL. O objectivo do Art Camp foi precisamente o de desenvolver experiências que frutifiquem o diálogo das artes tradicionais com as criações contemporâneas. Este projecto assume os processos de tradição-inovação como recursos indispensáveis para um modelo de desenvolvimento local, comunitário e participado. O primeiro passo para a realização do projecto foi dado em Fevereiro de 2008, com o lançamento de um concurso internacional direccionado a jovens artistas até aos 30 anos ,onde se colocava o desafio para que estes apresentassem trabalhos que combinassem as técnicas tradicionais açorianas com as inovações estéticas contemporâneas. Os artistas seleccionados teriam a possibilidade de colocar em prática o projecto em parceria com um artesão. Foram postas a concurso 10 técnicas: capacharia, patchwork, azulejaria, vimes, cestaria, olaria, rendas,folha de milho, flores artificiais, bordados e cerâmica figurativa.

Aos Açores chegaram candidaturas de países como Brasil, Espanha, França, Polónia, República Checa, etc. Foram seleccionados 10 ante-projectos de cada técnica, pelo júri, tendo participado 6 jovens de Portugal Continental, 1 da Madeira, 2 de Espanha e 1 da República Checa. Em Maio de 2008 e durante 10 dias estes artistas desenvolveram os seus ante-projectos em comunhão com os 10 artesãos na residência artística que teve lugar no Teatro Micaelense. Estes intervenientes desconstruíram conceitos, reinventaram técnicas, estéticas e imaginários. Daqui surgiram desde a produção de instalações artísticas até ao redesign de produtos, sendo que todos os trabalhos realizados tiveram como objectivo principal a valorização e divulgação das técnicas artesanais açorianas e lançar novos caminhos para o artesanato açoriano. Este catálogo documenta não apenas os trabalhos realizados durante a residência artística, mas também a origem histórica e social das técnicas que estiveram na base da produção das obras em questão.


Promotores O Azores Combo surge como um projecto inovador, pretendendo criar a convergência entre as artes plásticas contemporâneas e as técnicas tradicionais do artesanato açoriano. Apostar na formação artística e cultural permitiu a mobilidade dos jovens de todo o mundo, iniciativa condutora a uma consciencialização colectiva da necessidade de valorizar a criação artística local e regional. O Azores Combo abarca uma série de acções que, por si só, define a essência e necessidade de valorizar as culturas tradicional e contemporânea dos Açores. Enquanto projecto pioneiro, aspirámos catalisar novos comportamentos e mentalidades, promovendo: - a criação de um projecto cultural e educacional. - o apoio da juventude no âmbito da criação artística Cremos que o Azores Combo ArtCamp consolidou o despertar de uma consciência capaz de elevar o papel da juventude e da criação artística na sociedade açoriana. O Director Regional da Juventude Engº Bruno Pacheco

Na sequência de projectos anteriores em que o Centro Regional de Apoio ao Artesanato tomou a iniciativa ou colaborou como entidade parceira, como agora acontece, a inovação e o seu contributo para a revalorização económica e social das empresas artesanais da Região, corresponde a um dos principais objectivos de toda a actividade desenvolvida até aqui. Azores Combo Art Camp foi apresentado, ainda como projecto, no II Simpósio de Artes e Ofícios, em Novembro de 2006, no Teatro Micaelense, e acolheu desde logo a simpatia do público presente ligado ao sector do artesanato. Conhecidas as fragilidades deste sector, é sempre de acarinhar qualquer iniciativa que promova as técnicas de produção artesanal junto dos mais jovens, de forma a dar continuidade e contribuir para a evolução de uma parte significativa do nosso património cultural. Esta parceria técnica e financeira com a Direcção Regional da Juventude e a cooperativa “Mal Amanhados” proporcionou aos jovens concorrentes e aos artesãos convidados um importante momento de formação, na medida em que desencadeou, naturalmente, uma troca de conhecimentos e experiências. Como resultado das duas primeiras etapas, ou seja, do concurso de ideias e do workshop, este projecto culmina com a exposição temporária das peças, com a integração de algumas no nosso património público, construído e paisagístico, e com a publicação do respectivo catálogo, cumprindo deste modo a sua função pedagógica, na medida em que ficará patente ao público, e em especial a todos os artesãos, que a criatividade e a inovação poderão ser também uma boa resposta à valorização do produto artesanal e à competitividade do mercado. A Directora de Serviços do CRAA Alexandra Andrade


Organização Desde sempre que a insularidade das ilhas obrigou os seus habitantes a conviverem com aquilo que a terra lhes oferecia, como forma de ultrapassarem as dificuldades dos dia-a-dia. Das mãos dotadas dos artesãos tomaram forma maravilhosas peças de materiais e técnicas diversas, que fazem do artesanato dos Açores um conjunto de peças autênticas. Os Açores, com o seu rico passado histórico e cultural tornaram-se referência nas artes e ofícios, em que homens e mulheres, souberam guardar e desenvolver estas técnicas de trabalho artesanal ao longo dos tempos. Com a natural evolução dos tempos, muito do que antes era uma necessidade das suas gentes, representa hoje o Artesanato Açoriano. É com base em toda esta tradição secular do Artesanato açoriano e de um conhecimento artístico adquirido, que surge a ideia de unir estas duas importantes áreas da cultura, o artesanato e a arte, num projecto único. Este projecto é apresentado sob o formato de ART CAMP, baptizado com o nome de AZORES COMBO. O nome Azores Combo advém de uma necessidade em encontrar um termo que represente o conceito do Art Camp e seja de fácil compreensão por uma população multinacional. O termo encontrado que mais facilmente vai de encontro às directrizes do projecto é o “combinar” que traduzido para inglês resulta em “Combine”, duas palavras que embora separadas por idiomas diferentes, a nível fonético estão bastante próximas. Optou-se por uma versão que pudesse ser comum aos dois idiomas, abreviando-se a palavra para “combo” para um mais fácil reconhecimento e divulgação. Do Azores Combo pretende-se que fomente nos Açores, a divulgação das Artes e do Artesanato tendo em conta as suas múltiplas facetas, do foro artístico e tecnológico, enquanto promove o contacto entre os principais intervenientes na concepção e produção.

O Azores Combo tem com objectivo a divulgar experiências inovadoras a nível de investigação, concepção, aplicação e ensino das artes no artesanato e vice-versa, tomando como tema central as técnicas artesanais como ferramenta ao serviço do sonho e criatividade artística. O projecto visa ainda congregar toda uma comunidade de artesãos e jovens artistas e o público em geral consumidor de arte, no sentido de se estabelecer um espaço de reflexão, troca de experiências, de sensibilização e de apoio aos jovens artistas e artesãos na criação, compreensão e apreciação da arte e do artesanato. Por último procura contribuir para o estabelecimento e fortalecimento de uma rede transfronteiriça, entre os Açores e o Mundo, uma rede de excelência de intercâmbio e colaboração em projectos e iniciativas conjuntas nestas áreas. Presidente Cooperativa Cultural Mal Amanhados, CRL Jorge Soares


Presidente do Júri O Azores Combo é um projecto ambicioso e relevante pela forma como procura integrar as artes tradicionais com o design e as artes plásticas contemporâneas. O Azores Combo reconhece a urgência de valorizar as culturas locais e de simultaneamente as olhar como entidades dinâmicas, que podem — e devem — ser praticadas de uma forma "glocal", deixando de ser práticas históricas e podendo ser valorizadas muito para além do seu imediato interesse puramente antropológico. Estas foram as razões que me levaram a aceitar o convite para integrar o júri do Azores Combo, uma iniciativa que na minha perspectiva foi logo na primeira edição um sucesso e que espero que se venha a repetir futuramente. José Miguel Santos Araújo Carvalhais Fonseca Professor assistente no Departamento de Design da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto


Monitores A experiência do Azores Combo Art Camp fortaleceu a minha identidade açoriana, através do contacto próximo com as actividades artesanais ali desenvolvidas e proporcionou um agradável convívio entre diferentes gerações com pontos de vista diversos acerca da arte e do artesanato. Cláudia Pacheco Mestre em História da Arte O facto de poder usufruir de um ambiente arquipelágico para desenvolver um projecto cultural como o Azores Combo Art Camp, proporcionou uma memória colectiva de vivências e situações pessoais bastante enriquecedoras. A partilha de saberes culturais distintos, a troca de experiências, o ambiente familiar com que se trabalhou deu à função de monitor o sabor de novas amizades e um carinho muito especial pelos objectos de artesanato quotidianos. Rute Medeiros Escultora

Ao olhar para um dos objectos físicos resultantes do projecto Azores Combo Art Camp, tem de considerar-se todo o seu processo de concepção. Essa é a questão fundamental, para que se compreenda a magnitude dessa experiência. Aliando a tradição com a inovação, a prática com a teoria, a experiência com a criatividade, no prazo de uma semana, jovens artistas nacionais e internacionais juntamente com artesãos açorianos, partilharam o seu ateliê e as suas ideias. O Azores Combo Art Camp ultrapassou as expectativas de todos os que contribuíram e partilharam dessa experiência. A troca de saberes entre artistas e artesão foi uma construção efémera, que pouco a pouco foi ganhando forma, cor e vida. Telma Silva Técnica Superior de Museologia


Rendas

Ainara Golondrina [Artista Plástica] Ana de Melo Baptista [Artesã]

Fuxico, 2008

Vimes, Renda e Especiarias | 70 x 90 cm

Terras de mareantes e pescadores, o arquipélago não foge à tradição de ser lugar propício à proliferação de trabalhos de linha, feitos com bilros, agulha e outros utensílios. Rendas e similares reproduzem influências diversas, ou não arribassem aqui as rotas do mundo. Mas, também, afirmam uma criatividade própria através da renda de gancho e do crochet de arte (ou renda do Faial e Pico), variedade autóctone que prestigia o artesanato açoriano. O crochet de arte é uma variante do crochet caseado, com segredo, que pela disposição final, com motivos da flora local e finura como se apresenta mais parece uma renda. Se é surpreendente a renda de gancho, a que as mulheres do Pico e Faial dão forma, não menos o é o modo como é executada, a partir de um simples e feminino gancho de cabelo. São as suas duas hastes paralelas (ou de um ferro com forma similar) que servem de suporte à linha, que vai sendo entrecruzada com auxílio de uma ou várias agulhas de crochet, utilizadas também para fazer os contornos e pontos variados. Tudo o mais é fruto dos saberes e perfeição de quem dá forma a tão atraente e delicada renda. CRAA

Inspirado na tradição popular brasileira, onde as avós tricotam os “fuxicos” (bolsas de ar pequenas feitas em tecido). A palavra “fuxico” no Brasil também significa “cochicho”, ou “fofocas”, as más línguas das pessoas. É com base neste imaginário que reinterpreto os fuxicos na técnica das rendas, nesta escultura interactiva à escala humana sobre a arte de mal falar onde o espectador fica “lapidado” pelas más linguas.

Ainara Golondrina


Ana de Fátima de Melo Baptista, natural da freguesia da Matriz, concelho da Horta, artesã, inscrita no CRAA na actividade de “Confecção de artigos de Renda” desde 1991. Começou a trabalhar nas rendas típicas do Faial em 1957, aprendeu com a irmã mais velha. Trabalhou por conta da Sra D. Isilberta Peixinho. Em 1998 obtém o selo de garantia de certificação de produtos artesanais nas suas peças artesanais, designadamente, luvas de renda, naperons, viras de lençol, toalhas e colchas. Participa em várias feiras, regionais, nacionais e internacionais e em várias exposições, onde expõe uma variedade de trabalhos de delicada e pura beleza em que afirmam uma criatividade própria através da renda de gancho, e do croché de arte (renda do Faial e Pico).

Ainara Golondrina, licenciada pela faculdade de Belas Artes U.P.V Bilbao (Espanha), frequentou a FBAUP dentro do programa Erasmus. Na actualidade disfruta de uma bolsa da Fundacion Antonio Gala para Jovens Criadores 2009-2010 com outros 17 artistas de diversas áreas, em Córdoba. Como experiência profissional mais recente, é de referir a criação, coordenação do Sistema Educativo do Carpe Diem Arte e Pesquisa (Lisboa) em 2009; adaptação e interpretação de contos para crianças para Kalandraka Editora (Porto) em 2009, e a Direcção Artística de Filminho (Vila Nova de Cerveira) festival de cinema transfronteiriço do audiovisual galego-português em 2008. Ganhou vários concursos em áreas que vão desde a pintura, desenho, cinema à instalação.


Olaria

Leonor Brilha [Artista Plástica] Paula Silva [Artesã]

Meteoríto, 2008

Barro e fio Eléctrico | 42 x 42 cm

Através de registos historiográficos do século XVII pode-se constatar que eram já numerosos os oleiros existentes nos Açores. A alguns deles era atribuída a designação de azuladores, provavelmente por aplicarem ao barro os desenhos em azul que caracterizam a louça desta Região. No entanto, não se encontra qualquer referência a louça ornamentada nessa época, mas apenas a algumas peças “almagradas” como panelas com asas, barris e tigelas. As primeiras referências à louça denominada da Vila Franca datam de 1710 mas é a partir do século seguinte que a louça fabricada nas ilhas dos Açores, especialmente a de S.Miguel, adquire a qualidade necessária para concorrer com a louça continental nas mais diversas exposições a nível nacional. São peças de faiança pintadas com flores e outros motivos vegetalistas esmaltadas de branco ou preto e apresentadas na forma de serviços de chá, de café, canecas, jarras e tinteiros. A escassez de matéria-prima nos Açores levou à distinção de dois tipos de louça: a vermelha vidrada, chamada de louça fina que era fabricada com materiais vindos da metrópole e a louça ordinária vermelha, não vidrada, fabricada com o barro de Santa Maria. O trabalho do barro implica o domínio de diversas técnicas: a preparação da pasta, genericamente designada por “amassar o barro”; a modelação, técnica ancestral dominada pelas ceramistas açorianas na produção de alguns utensílios domésticos como a sertã e as tampas de panela; a moldagem, tradicionalmente aplicada na produção de tijolo e de telha; o torneamento, apanágio do trabalho masculino, que permitia produzir maior variedade de utensílios

domésticos através da roda de oleiro; a secagem, feita no interior da tenda e depois no exterior, ao sol; a cocção, processo longo pelo qual se coziam os objectos de barro em forno de pedra de uma só câmara ou em câmaras separadas, com lume directo e temperatura elevada. Da olaria tradicional dos Açores destaca-se o talhão de Santa Maria que era o reservatório de água para toda a casa, o alguidar de Vila Franca que nas suas várias dimensões se adequa às mais diversas tarefas domésticas, a terrina de barro vidrado da Lagoa, de um branco amarelado e com ramagens a azul e a verde, destinada a ir à mesa com os tradicionais caldos e sopas migadas e a sertã com a forma de um disco de barro grosseiro que é utilizada para fins culinários, principalmente como grelhador de pão, sendo modelada pelas mesmas mulheres que amassavam, tendiam e coziam o pão. As primeiras olarias fabricavam também a telha que nos séculos XV e XVI era empregue apenas nas casas dos fidalgos e nos templos. A generalização do seu uso remonta a meados do século XIX, altura em que surge a primeira fábrica de telhas e de tijolos nas imediações da cidade de Ponta Delgada. Até essa altura, a telha era proveniente da ilha de Santa Maria, juntamente com o barro em bolas que ia directamente para as olarias de Vila Franca. CRAA


Já há muito tempo que faço artesanato com missangas e além do mais faço escultura. Encontrei no Azores Combo Art Camp a oportunidade de por em prática um sonho antigo, o de unir aqueles dois campos. Sempre pensei um dia fazer uma das minhas peças de pequeno formato, em grande, como Claes Oldenburg fez com os objectos do quotidiano. O meu projecto consistiu então em reproduzir em olaria as peças (missangas coloridas) que utilizo para fazer artesanato as quais foram posteriormente unidas com fio de electricidade. Foi uma experiência artística que se revelou muito enriquecedora. Conhecer a ilha de São Miguel, num ambiente artístico, de criação conjunta e de vivência colectiva diária foi uma experiência única. Poder trabalhar com outros artistas portugueses e estrangeiros, e conhecer as artesãs e artesãos convidados para o projecto, bem como as suas tradições envolvidas. Leonor Brilha

Paula Patrícia Rego Silva, natural da Vila de Lagoa, dedica-se à actividade de olaria desde os 14 anos de idade. Aprendeu a trabalhar em barro na Cerâmica Vieira com os oleiros mais experientes. Exerce profissionalmente a actividade artesanal hà 15 anos. Leonor Brilha, Licenciada em Artes Plásticas - Pintura pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa em 2006. Expõe em vários espaços em Portugal inclusive no Prémio Fidelidade Pintores 2004 na Culturgest Lisboa e Porto. Em 2007 expõe individualmente na Galeria Arte Periférica em Lisboa e na Cooperativa Comunicação e Cultura em Torres Vedras. Mais recentemente trabalha com a Galeria Arthobler no Porto e abra a sua empresa Galeria, Loja e Escola de Arte: Espaço Ponto e Vírgula, em Torres Vedras.


Bordado de Palha

Manuela Carneiro [Artista Plástica] Maria Lúcia de Sousa [Artesã]

Sweet Dreams, 2008

Tule e Palha | 130 x 102 cm

Nos Açores existem três tipos de bordados certificados: o bordado a palha de trigo da ilha do Faial, classificado como “bordado de fios contados”, o bordado a branco da ilha Terceira e o bordado a matiz da ilha de S. Miguel, classificados como “bordado livre”. Há algumas centenas de mulheres açorianas empregadas na produção de bordados para exportação, o que justifica a protecção da qualidade destes produtos, aos quais foi atribuído um selo de denominação de origem, dignificando a sua presença no mercado nacional e internacional. O bordado a palha de trigo sobre tule negro, característico da ilha do Faial, é curioso e invulgar não tanto pela escolha do tecido, cuja origem remonta às primeiras indústrias europeias do século XVIII, mas pelo emprego de um fio vegetal. Nessa época, na corte de Napoleão, o tule era largamente aplicado em vestidos de baile bordados a ouro e prata. Na Península Ibérica, o tule serve de base aos célebres lenços de cabeça do traje das noivas de Viana do Castelo e às mantilhas espanholas. Segundo o Arquivo dos Açores, a inovação de bordar a palha terá chegado à ilha do Faial, ainda no século XVIII, sob a forma de um chapéu de senhora , de seda preta bordada a palha, proveniente dos E.U.A. mas de fabrico francês. O elemento decorativo predominante neste tipo de bordado é a espiga de trigo, embora outros elementos vegetalistas e até figurativos façam parte dos desenhos escolhidos pelas bordadeiras faialenses. O reconhecido valor dos bordados dos Açores e o consequente volume de

produção permitem manter nestas ilhas núcleos de trabalho permanente onde ainda se utilizam os processos tradicionais. CRAA


Granitos, folhas, espigas,amoras foram os termos que trouxe comigo deste Art Camp. Reaprendi-os com a D. Lúcia, artesã com quem trabalhei durante a semana em S. Miguel, no contexto do bordado de palha. A D. Lúcia é uma pessoa extremamente generosa e não se inibiu nunca de se libertar das tradições que envolvem a sua arte, para de uma forma totalmente disponível aceitar o desenho estranho que levei para ser bordado. Um desenho fora dos seus padrões habituais,que ela percebeu de imediato e ao qual conseguiu na perfeição adaptar a linguagem tradicional que domina,os tais granitos, folhas, espigas e amoras. Graças a ela pude ver o projecto que me levou ao Azores Combo Art Camp concluído e para ela o meu carinho. E porque foi uma semana recheada de contacto com outros e não aprendi apenas sobre bordado de palha, aqui fica um beijo a todos os outros artesãos, mais monitores e artistas que fizeram parte desta família divertida que formamos em S. Miguel. Manuela Carneiro

Maria Lúcia de Sousa, natural da freguesia de Pedro Miguel, concelho da Horta, inscrita no CRAA na actividade artesanal de “Confecção de Bordados”. Começou a trabalhar no bordado a palha com 13 anos de idade até aos nossos dias, mantendo viva esta tradição. Participa em várias feiras e exposições a nível regional, nacional e internacional. É formadora na área do bordado a palha, ensina a técnica de bordar a palha a todas as pessoas interessadas em aprenderem esta arte tão característica da Ilha do Faial (provavelmente o único local onde existem estes bordados). Tradicionalmente as aplicações do bordado a palha podem ser apreciadas em vestidos de baile, de noiva, xailes, echarpes, bolsas e outras peças. A beleza destes trabalhos e o fascínio, em que o brilho da palha sobressai no tule é reconhecido pela admiração das pessoas que frequentam as feiras e as exposições. Alcina Manuela Carneiro, Licenciada em Artes Plásticas-Escultura no ano de 2006, pela FBAUP. Em 2004 inicia a sua parceria com a editora discográfica Bor Land, na elaboração de capas das edições e packagings manuais para CD promos. Cria para o designer de moda, Ricardo Andrez, ilustrações para tecidos e recentemente objectos escultóricos para apresentação das colecções em passerele, Lawyers A/W09- Moda Fad/Low Cost Barcelona e DREAMERS S/S10 Cibeles Madrid fashion week. Neste momento encontrase a frequentar o Mestrado de Desenho e Técnicas de Impressão na FBAUP e desenvonve o seu projecto Caderno Diário. Vive e trabalha no Porto.


Capacharia

Viktor Valášek [Artista Plástico] João Andrade Jr [Artesão]

Alvo, 2008

Espadana, Tinta Acrílica e Gesso Cartonado 140 x 157 cm

A agricultura fornecia indirectamente, mas em grande abundância, matériaprima para os mais diversos artefactos, uns de natureza funcional como os capachos, as vassouras e os chapéus e, outros, de natureza decorativa como as flores e as bonecas de folhelho. Os capachos, em folha de milho, palha de trigo, espadana, ou até em folha de dragoeiro, representam uma arte tradicional e tipicamente açoriana de trabalhar as fibras vegetais. Apenas entrançados ou cosidos, eram utilizados como esteiras onde secavam os cereais,como carpetes onde as mulheres se sentavam a trabalhar ou como tapetes de ornamentação do interior da casa rural. Os capachos de folha de milho são os mais característicos da ilha de S. Miguel. A folha de milho era escolhida, separando-se a chamada folha branca que era seca e depois ripada, utilizando para o efeito uma tábua larga com cinco ou seis pregos grandes com a ponta virada para cima - o ripanço com a qual se rasgava a folha em tiras muito fininhas, formando pequenos molhos, amarrados com fio de espadana para serem tingidos. Através de um processo caseiro que empregava anilinas adquiridas no mercado, tingiam-se as folhas com as cores garridas que sempre marcaram a tradição popular nos Açores: o cor-de-rosa, o verde e o amarelo. A folha de milho mais escura ou folha preta, era molhada para fazer a trança na qual se cosiam, com fio de espadana, as folhas brancas ou coloridas, desenhando motivos geométricos simples, mas muito coloridos. Pelo mesmo processo se confeccionam os originais capachos de folha de

dragoeiro, principalmente na ilha do Pico, onde a vegetação endémica é ainda abundante. Os capachos entrançados são normalmente feitos com espadana ou piteira seca e batida com um maço e apresentam-se na sua cor natural. É uma longa trança que lhes dá forma circular, oval ou rectangular, desenhando os mais diversos motivos geométricos, não raras vezes em espiral. A arte da capacharia, tal como muitas outras artes e ofícios tradicionais, seguiu um percurso nem sempre regular, conhecendo mesmo épocas em que a sua sobrevivência esteve em risco. Paralelamente à cestaria, desempenhou inicialmente uma função complementar à agricultura e adaptou-se às necessidades domésticas até ser substituída por novos materiais. Actualmente, a revalorização da produção artesanal por imposição dos actuais valores estéticos, culturais e ambientais deu novo vigor a uma arte que em meados do século XX parecia quase extinta. Assumindo uma função essencialmente decorativa e conservando as técnicas tradicionais, a capacharia apresenta algumas inovações: os tradicionais capachos ou esteiras transformam-se em isoladores para levar à mesa, em tapetes de parede, em centros de mesa, em carpetes e outros tantos artefactos que embelezam os tão apreciados ambientes rústicos.

CRAA


O meu ante-projecto procurava combinar as minhas pinturas de murais que executei no México e transformá-las utilizando a técnica da capacharia açoriana. Quando cheguei a São Miguel e tive um contacto mais próximo com a técnica decidi reformular o meu projecto inicial. Ao aperceber-me de que predomina a realização de capachos com forma circular, pensei em criar um alvo grande. Pretendi exprimir o contraste entre a delicadeza do trabalho artesanal e a violência provocada com base no uso das armas, representada pelo alvo. No fim fiz uma grande cruz como sinal de negação de tudo. Viktor Valášek

João Andrade Júnior, natural da Vila de Água de Pau, trabalha em capacharia desde muito novo, aprendeu o ofício com o pai, João António Araújo Andrade, artesão inscrito no CRAA desde 1983. Já participou em diversas feiras, a nível regional e nas feiras do mercado da “Saudade”, Estados Unidos e Canadá. Viktor Valášek Licenciado em Belas Artes pela Academia de Belas Artes em Praga. Em 2007 licenciou-se em Arquitectura do Design pela Academia de Artes de Praga.


Patchwork

Luís Santos [Artista] Gilberta Varão [artesã]

Lagoa das Sete cidades, 2008 77,5 x 120 cm

Patchwork é uma palavra de origem inglesa que significa trabalho em retalhos. É uma arte muito antiga que consiste no corte de bocados de tecidos, em formas geométricas, ligando-as depois para formar uma superfície de mosaico. O trabalho mais antigo deste tipo foi encontrado na Índia e data de entre os séculos VI e IX. Mais tarde o patchwork estendeu-se a todos os países da bacia do Mediterrâneo, e através da Europa à Inglaterra. Na América do Norte, esta arte fazia parte da vida doméstica e social desde que os colonos Ingleses estabeleceram as suas casas na costa oriental da América. As condições de vida e os Invernos rigorosos contribuíram para o desenvolvimento do patchwork como forma de fornecer roupa de vestir e de cama, quente. Tradicionalmente as raparigas aprendiam a coser com 3 anos de idade e deveriam fazer 12 colchas para o seu enxoval. A 13ª era naturalmente a mais especial, a do casamento. Porém a superstição não permitia que uma rapariga trabalhasse na sua colcha de casamento, de modo que as amigas da noiva contribuíam com as diversas partes, ligavam-nas e ofereciam a colcha já pronta como prenda. Hoje em dia encontra-se disseminado em toda a região dos Açores, continuando a ser uma forma de ocupar os tempos livres e de exercitar o talento artístico.

O meu projecto tem como objectivo, trabalhar sobre as inequívocas belezas paisagísticas dos Açores, de celebrar o que é nosso, meditar sobre o seu valor e a sua preservação, algo que nos dias actuais é mais difícil do que possa parecer. Toda e qualquer beleza natural deve ser chamada aos processos criativos, sejam eles considerados “artes maiores ou menores”, pois considero que esta distinção não faz sentido contemporaneamente. Desde o modernismo que as artes populares são uma fonte de imensa inspiração e criação, nas ditas “artes maiores”. Exemplos da possibilidade dessa combinação são o casal Delaunay, que esteve refugiado em Portugal durante a I Guerra Mundial e que se deixou influenciar pelas nossas artes populares, ou hoje em dia o caso de alguns artistas como Joana Vasconcelos, ou Carla Cruz. Os caminhos são por isso variados e extremamente enriquecedores, quando combinados. É neste sentido que uso as fotografias que tirei em 2005, aquando da minha estadia em São Miguel, em que me senti verdadeiramente fascinado com a riqueza natural açoriana. Como a minha formação provem do Curso de Artes Plásticas – Pintura, da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, senti-me no dever de trabalhar plasticamente as imagens como faço com as minhas pinturas, mas ajustado ao trabalho em patchwork .

CRAA

Luís Santos


Gilberta Varão Costa, natural da Vila de Lagoa, artesã inscrita no CRAA na actividade de “Confecção de Artigos para o Lar”, dedica-se essencialmente aos trabalhos de Patchwork. Aprendeu a actividade com a mãe quando apenas tinha 15 anos de idade. Faz trabalhos diversos, designadamente, colchas, pegas, abafadores, tapetes, saquetas de pão e outros. Participa em feiras regionais e em exposições. Luís Filipe Santos, nasceu em Valongo, em 1981. Licenciado pela Faculdade Belas Artes da Universidade do Porto, em Artes Plásticas - Pintura em 2006. Esteve ao abrigo do Programa de Erasmus na École Supérieure des Arts Décoratifs de Strasbourg – França, em 2003. Frequentou o curso de Produtor Multimédia na Alquimia da Cor em 2008/09. Em 2003 trabalhou como assistente do Artista Plástico, Baltazar Torres. Desde 2004 tem trabalhado por diversas vezes como assistente do Artista Plástico, Domingos Loureiro. É desde 2005 docente de Pintura na Escola de Artes Utopia, Porto.


Cerâmica Figurativa

Ana Torrie [Artista] Eduardo Medeiros [Artesão]

Relicário, Álbum de Família, 2008

Várias dimensões

“Esta é talvez a expressão mais popular e mais significativa nos Açores. São objectos para brinquedos, principalmente, personagens dos presépios e lapinhas, de tão profunda tradição no arquipélago. Pintados ou vidrados, reproduzindo figuras de culto, bíblicas ou de quotidiano local, todas espelham uma ingénua e pura autenticidade, onde aflora a maneira de ser destas gentes. Deste figurado popular, que tem a particularidade de retratar várias épocas e situações diversas, deriva directamente o que, com carácter mais evoluído se tem vindo a afirmar, reproduzindo costumes açorianos, ou evidenciando toda a capacidade criadora dos ceramistas-escultores” CRAA

O projecto a que me propus surge na continuação de um trabalho que tenho vindo a desenvolver na área do desenho e da escultura. Nestes trabalhos abordo a temática da família, do retrato colectivo, das memórias fragmentadas pelo instantâneo das fotografias. No desenho as composições, fortuitas ou intencionais, muitas vezes relegavam para fora do enquadramento algumas figuras; na escultura trabalhei com retalhos de bonecos cujas potencialidades plásticas conduziram à criação de figuras mais bizarras. O que nos desenhos expressa malícia nas esculturas torna-se violência, destruição. Em “Relicário” pretendi construir uma série de pequenas figuras em cerâmica, onde o universo das reuniões de família nos casamentos, as poses e cenários escolhidos para a fotografia, o clima de folia e as diferentes tensões mudas e latentes entre as personagens, servem de fundo conceptual ao trabalho. Queria que cada figura evocasse o carácter de culto, a aura dos brinquedos antigos, distantes ainda da produção em série. Brinquedos que, pelo seu cunho artesanal, se revestiam de uma importante forma de perpetuação de identidade cultural e tradicional. Escolhi a cerâmica figurativa porque me permite a fusão de dois processos essenciais ao meu trabalho, o carácter escultórico da matéria em transformação, onde poderei aliar a modelação e a técnica cerâmica a outras matérias ( retalhos de bonecos, brinquedos, etc. ) e o sentido gráfico e minucioso do desenho. Ana Torrie


Eduardo Manuel de Medeiros, natural da freguesia de S. Roque, concelho de Ponta Delgada, artesão, inscrito no CRAA desde 2005 na actividade artesanal de “Cerâmica Figurativa”. Bancário de profissão, após aposentação dedicou-se à cerâmica figurativa, executando figuras de culto, bíblicas ou do quotidiano de tamanho reduzido, espelhando uma ingénua e pura autenticidade. Participa em feiras e exposições regionais.

Ana Cristina Azevedo Torrie, entrou para o curso de Artes Plásticas - Escultura, na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto em 2002, e concluiu o mesmo em 2007.


Flores Artificiais

Nuno Santos [Artista] Olga Pontes [Artesã]

Herbário, 2008

42,5 x10 cm

A arte de confeccionar flores artificiais, tal como outras artes e ofícios tradicionais dos Açores, foi implementada por religiosos vindos do Continente, sendo desde logo acolhida nos conventos onde floresceu graças à dedicação e minúcia das freiras que cultivavam o trabalho manual com o mesmo empenho com que desempenhavam as suas obrigações religiosas. As primeiras referências históricas fazem remontar a origem desta arte ao século XVII, altura em que, no convento de Santo André, na ilha de S.Miguel, se podiam apreciar as primeiras flores artificiais feitas com penas brancas dos patos reais. Já no século XIX, outros conventos da Ilha como o da Esperança em Ponta Delgada e o de Jesus na Ribeira Grande, cultivavam a arte de produzir flores artificiais a partir dos mais diversos materiais, atingindo larga projecção em várias exposições de Artes e Indústrias e até mesmo na Corte Régia, designadamente no reinado de D. João VI. Na Exposição de 1848, da iniciativa da Sociedade dos Amigos de Letras e Artes de Ponta Delgada, foram muitas as floristas concorrentes, entre elas religiosas dos conventos, que apresentaram os seus trabalhos em ramos, flores isoladas, grinaldas e vasos floridos, segundo o que consta no catálogo da referida exposição. A produção de flores artificiais destinava-se principalmente à Igreja, para ornamentação de andores e altares. Na origem do seu uso profano, estão pequenos cestos de miolo de figueira repletos de flores de penas, diversificando-se depois os materiais e a sua aplicação.

Os materiais utilizados na confecção destas flores vão dos mais comuns como a lã, o pano, a seda, o papel e a folha de milho, aos menos vulgares como a cera, as conchas marinhas, o miolo de figueira, as penas, as escamas de peixe e até os cabelos.

CRAA

Quando me apercebi, que havia uma técnica a concurso, com o nome “Flores Artificiais” fiquei surpreso e entusiasmado, isto porque desenvolvo um trabalho relacionado com plantas. E um projecto para esta técnica seria um prolongamento a esse trabalho. A principal premissa do meu projecto, foi representar plantas endémicas dos Açores. Uma área sobre a qual tinha pouco conhecimento. Comecei por fazer alguma pesquisa antes de partir, mas a bibliografia que encontrei resumiu-se a um livro. E assim senti a necessidade de encontrar alguém em Ponta Delgada que me orientasse na investigação, de maneira a que quando chegasse pudesse reunir o mais depressa possível, o material necessário para dar início à execução do projecto. Foi no Museu Carlos Machado através do Dr. João Paulo Constância, ao qual deixo desde já os meus agra-


decimentos, que encontrei a informação necessária, quer através de bibliografia, quer através da consulta ao Herbário do Museu. Pena que o tempo curto que tivemos para a execução dos projectos, não me tenha permitido organizar todo o material resultante da pesquisa, e expô-lo juntamente com o resultado final. Passando à execução dos projectos, surgem os artesãos, e no meu caso a Dona Olga Pontes, à qual agradeço e mando um grande beijo pela sua imensa generosidade, que compreendeu desde o início o meu projecto, e que através do seu espírito didáctico, próprio da professora primária que foi, me ensinava a técnica das escamas de peixe, escolhida para ser abordada em detrimento de outras técnicas. Entre várias discussões, sempre cordiais e em jeito de brincadeira, eu e a Dona Olga, fomos levando as nossas Flores a bom porto. O projecto inicial seria o de representar o maior número possível de espécies, mas desde o início deparei-me com uma técnica de enorme minúcia e de alguma demora na execução. Daí que tenha limitado o projecto a três espécies, BELLIS AZORICA, TOLPIS AZORICA e VERONICA DABNEY. As interpretações destas três plantas são o resultado final da minha proposta, que para mim foi apenas um início.

Nuno Santos

Olga Maria Cabral Ferreira Pontes, natural da freguesia da Matriz, concelho da Ribeira Grande, artesã, inscrita no CRAA desde 1998 na actividade “Fabrico de Registos e Similares” e “Arte de Trabalhar Escamas de Peixe”. Exerceu o Magistério Primário. Após a sua aposentação dedicou-se exclusivamente à arte de registos e de trabalhos em escama de peixe e à cerâmica, executando trabalhos que enriquecem o património do artesanato açoriano. Participa em exposições e em concursos regionais. Nuno Henrique dos Santos, nasceu no Funchal em 1982. É licenciado em Escultura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto. Foi assistente de produção da Porta 33 em 2008. Participou na exposição colectiva intitulada “Linha de Partida”, comissariada por Alexandre Melo, no Centro das Artes Casa das Mudas em 2009. Através da Bolsa de Estudo da “Porta 33” está inscrito, desde Março de 2009, no Programa de Projecto Individual do Ar.Co.- Centro de Arte e Comunicação Visual, em Lisboa.


Folha de milho

Fernando Almeida [Artista] Belmira Barbosa [Artesã]

Ícaro, 2008

300 x180 x 50 cm

A variada vegetação que cobre todo o arquipélago, além de o colorir de um verde intenso, proporciona, abundante e diversa matéria prima, com que se fazem um conjunto vasto de artefactos. As arbustivas, as gramíneas e outras espécies de pequeno porte colaboram no enriquecimento do artesanato açoriano, já que utilizando as suas fibras se fazem artefactos, utilitários ou decorativos, de grande importância para o quotidiano local. Engenho e arte não faltam aos artesãos ilhéus para as transformarem em produtos de qualidade e grande atracção. É o caso das bonecas de folha de milho. Enlevo das crianças pouco abastadas, fazer estas bonecas requeria, apenas, um pouco de folhedo e barba de milho e a habilidade bastante para lhes dar forma imitativa de pequenos seres. O natural gosto dos açorianos pela perfeição haveria de, progressivamente, as transformar, introduzindo-lhes novos pormenores de enriquecimento, feitos com auxílio da tesoura, cola, agulha e tingimento. Hoje, apresentam-se como figurinhas de grande perfeição, vestindo a preceito roupagens coloridas que, aliando a tradição e modernidade, as transformam em artefactos decorativos de atractiva apresentação. CRAA


Não... não se trata de uma afirmação, mas sim, de uma simples questão impertinente: quantos de nós querem ver o mundo do ar, ou talvez de pernas para o ar? O trabalho tinha uma necessidade antropológica de ver o artista relacionado com os habitantes micaelenses, de modo a perceber até que ponto as velhas mitologias gregas ainda desafiam os nossos dias. Um simpósio, na verdadeira ascensão da palavra, que reuniu novos e velhos, artistas e artesãos, indígenas e forasteiros, ideias, discussões e actos. Fernando Almeida

Belmira Isabel Barbosa, natural da freguesia da Relva, concelho de Ponta Delgada, inscrita neste Centro Regional desde 1983, na actividade de “Confecção de Bonecos de Pano”, “Confecção de Artigos para o Lar”. Aprendeu estas actividades com a sua mãe, quando tinha apenas 7 anos de idade. Participa em feiras regionais e exposições. Elabora vários artigos artesanais, designadamente, bonecos de pano, pegas, abafadores, trabalhos em folha de milho e outros. Fernando Almeida, nascido em Braga em 1984, curso de História da Arquitectura em 2005 no Museu Nogueira Silva, Universidade do Minho (não corresponde a licenciatura), Licenciado em Artes Plásticas – Escultura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto em 2007. Desenvolve trabalho como artista plástico, expondo colectiva e individualmente desde 2006.Vive e trabalha em S.Víctor, Porto.


Pintura em Azulejo

Mariana Barrote [Artista] Aurélia Rocha [Artesã]

Homem Verde, 2008 105 x 165 x 2 cm

A azulejaria no arquipélago é de aparecimento recente mas, nem por isso, de menor interesse, tanto mais que evidencia a aproximação ao Brasil, gerada pela imigração. Utilizando a estampagem manual ou o molde, as primeiras unidades produtivas de São Miguel criaram azulejos relevados, onde a flor de lis era motivo de eleição, tal como o azul e amarelo eram as cores preferidas para os azulejos de estampilha. Herdeira desta tradição, a actual azulejaria artesanal açoriana é um produto de qualidade, resultante do grau de apuramento de técnicas e aptidões, que transparecem nos azulejos de marcado bom gosto e equilíbrio, saídos das mãos hábeis dos artesãos ilhéus. CRAA

Tive conhecimento do concurso no jardim da Faculdade que frequento, Belas-Artes do Porto. Fiquei desde logo entusiasmada com a possibilidade de poder explorar a técnica de azulejaria, bem como revisitar a ilha de São Miguel. Sendo assim, aliando as impressões transformadoras da Natureza nessa ilha a um projecto de azulejaria, fundamentei o ante-projecto. Surgiu após investigação das figuras de convite da azulejaria barroca portuguesa. O “Homem-Verde” convida-nos a penetrar na Natureza, conhecer os seus segredos, para assim renovarmos a nossa consciência como seres vivos. Espanto ao receber notícia da minha selecção, espanto ao voar no aviãozito ao encontro de uma Ponta Delgada com seus habitantes. Sempre considerei a proposta como forma de divulgação do artesanato das ilhas a par das possibilidades de renovação desse mesmo processo. A simbiose laboral entre os “artesãos” e os “jovens artistas” (como decidiram denominar os campos) tornou-se, portanto, algo exequível. Então, esse interessante conjunto de pessoas foi descobrir ou rever os meandros escondidos de São Miguel. Após tal jornada começou o trabalho: Trabalhei com a Aurélia, que se mostrou atenta à proposta, tentando sempre que possível elucidar-me sobre a técnica. Houve alguns percalços durante a elaboração da pintura sobre azulejo; ocorreram adaptações no projecto devido a impossibilidades temporais, outras relativas à escassez dos pigmentos. Considero que tal desvalorizou a peça final. Estando actualmente a trabalhar com pintura em azulejos na cadeira de cerâmica da faculdade, apercebi-me que as possibilidades do mesmo vão


muito além do que realizei no Azores Art Camp. Acrescento que, contudo, se não fosse esse primeiro contacto, talvez não me tivesse lançado a este novo projecto. Interessante o diálogo entre diferentes gerações, com o mesmo gosto pela manipulação da matéria, com sensibilidades aprimoradas e, por vezes, complementares. Mariana Barrote

Maria Aurélia Ribeiro Rocha, natural das Cinco Ribeiras, concelho de Angra do Heroísmo, artesã inscrita no CRAA desde 1985 na actividade de cerâmica. Após a frequência de acções de formação em olaria e azulejaria no ano de 2000, dedicou-se a tempo inteiro nas três actividade, nomeadamente, cerâmica, azulejaria e olaria. Constituiu a sua Unidade Produtiva Artesanal, trabalha por conta própria, onde fabrica e comercializa os seus produtos de cerâmica utilitária. Participa em diversas formações profissionais relacionadas com a sua área. Participa em feiras regionais, nacionais e internacionais e em diversas exposições onde promove a sua actividade artesanal numa perspectiva de recuperação da produção artesanal da louça da Terceira. Mariana Ribeiro Barrote, nasceu a 19 de Fevereiro de 1986 em Fão, no Minho. Finalista do curso de artes-plásticas, ramo pintura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto. Projectos futuros: construir cabana para o filho que aí vem.


Vimes

Vicent Mátamoros [Artista] Alcino Andrade [Artesão]

Escultura Sonora, 2008

180 x 200 x 144cm

As fibras vegetais constituiram, tal como a madeira, um dos primeiros recursos naturais ao alcance dos povoadores do Arquipélago dos Açores. Facilmente se obtinham fios a partir dos ramos ou da casca de árvores e arbustos, com os quais se confeccionavam cestos e esteiras que iriam auxiliar as actividades agrícolas que faziam parte do quotidiano nestas ilhas. De entre as fibras endógenas, contam-se o junco, a cana bambu, a espadana e o vime. De entre os variados objectos produzidos a partir das fibras vegetais, os cestos assumem o principal papel, quer por razões históricas, quer por razões culturais. Diversas são as formas dos cestos, as técnicas de confecção, os materiais empregues e as utilizações que deles se fazem. Se inicialmente se associava a forma à finalidade para a qual era criado o cesto, a função predominantemente decorativa que hoje assume, deu origem à diversificação dos modelos. Podemos, no entanto, identificar dois aspectos que se mantêm inalteráveis: a técnica de começar por definir o fundo do cesto e as características do meio ambiente que permitem distinguir, neste caso, a cestaria tradicional dos Açores. Aqui, predomina a técnica do vergado em que o vime é entretecido manualmente (a palha flexível pode ser tecida no tear) em espinha, em cruz, em diagonal ou na horizontal. As principais ferramentas utilizadas são a vulgar tesoura de podar; a fouce, que é uma lamina com a ponta curva para rachar troncos; o furador; o maço e a cunha com que se abrem espaços para ajudar a entretecer ou a introduzir as asas.

A técnica de “armar”um cesto passa por várias fases: o fundo, feito a partir de uma cruz de dezasseis vimes; a rodilha do fundo, que se faz com trinta e dois vimes e serve para aguentar as “costas”ou “trinchões”; o andaime,em que se puxam as “costas” ligeiramente para fora e , assim, ir alargando o cesto; a rodilha do cesto com que se remata a obra. Difícil é estabelecer uma tipologia para a cestaria açoriana, já que cada ilha do Arquipélago apresenta as suas diversidades regionais. Comum a todas as ilhas e testemunho valioso da cestaria tradicional dos Açores, do ponto de vista histórico, é a “sebe”do carro de bois.De entre os cestos mais comuns, contam-se o “cesto da leiva”ou “cesto de vindima”, redondo, grande e grosseiro, de bordadura reforçada para transporte em carroça; o “cesto de acarrear”, baixo, largo e forte, com duas asas no bordo, usado nos trabalhos agrícolas; o “seirão”, cilíndrico, grosseiro e alto que, aos pares, é transportado por animais com produtos agrícolas;o “balaio”,cesto para roupa ou pão em dias de matança, típico do Faial e da Graciosa;o cesto oval e comprido com asa,característico de S.Miguel; cesta rectangular com tampa e asa; cestinho redondo com asa. CRAA


Azores Combo Art Camp... é muito difícil expressar o que senti durante este evento, já que a minha forma de expressão mostra-se com volume e não com palavras. O que não tenho certeza é se me marcou antes ou depois do trabalho que foi realizado, uma vez que, já que apliquei uma nova técnica ao meu leque de possibilidades. Nunca havia chorado ao ir embora de um lugar, neste caso não sei se de alegria pelo que havia passado ou tristeza por não saber se um dia voltarei. Após a realização da minha peça, desenvolvi com base na técnica do vime, no decurso de um ano e adaptada à fundição com bronze. Vicent Matamoros

Alcino Andrade, natural da Vila de Água de Pau, trabalha em cestaria desde muito novo, aprendeu o ofício com o pai, João António Araújo Andrade, artesão inscrito no CRAA desde 1983. Tal como o irmão já participou em diversas feiras, a nível regional e nas feiras do mercado da “Saudade”, Estados Unidos e Canadá. Vicent Mátamoros, licenciado em Escultura pela Faculdade de Belas Artes de Barcelona em 2009. Expôs individualmente e colectivamente em várias cidades da Catalunha. Faz cenografia para Teatro e espectáculos musicais. Trabalha no Observatório de Paisagem Sonora da Catalunha da Faculdade Belas Artes de Barcelona, neste âmbito já desempenhou funções de orador e docente.





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