Resenha do Livro "O Mundo é Plano"

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RESENHA FRIEDMAN, Thomas. O Mundo é Plano Uma breve história do século XXI Ed. Objetiva 2005

107 Jerônimo Freire Vice-Diretor de Ensino da Faculdade de Ciências Empresariais e Estudos Costeiros de Natal - FACEN

Vicente de Paula Oliveira Diretor de Pesquisa e Extensão - IPEP

Para escrever o livro, Thomas Friedman adquiriu um computador portátil (notebook) nos Estados Unidos em 2 de abril de 2004 e, a partir desse evento simples, passou a contar toda a história de um mundo que vem se tornando plano com o avanço da globalização. Explica que o equipamento foi projetado em Austin (Texas) e em Taiwan por uma equipe de engenheiros e projetistas da empresa fornecedora; que o projeto básico da placa-mãe e da caixa os elementos funcionais básicos

atendeu às especificações de um ODM (do inglês original design

manufacturer) de Taiwan; e que houve um intenso intercâmbio entre o pessoal de Austin e de Taiwan, traduzido em um ciclo de desenvolvimento compartilhado em escala global, que funciona 24 horas por dia. Quanto aos componentes, eles vieram de fábricas localizadas nas Filipinas, Costa Rica, Malásia ou China ou, ainda, em Revista Técnica IPEP, São Paulo, SP, v. 7, n. 2,p. 107-112, jul./dez. 2007


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Taiwan, na Coréia ou no Japão. Ao todo, o processo que começou em 2 de abril de 2004 e foi concluído em 19 daquele mesmo mês, com a entrega do equipamento na residência de Friedman, envolveu cerca de quatrocentas empresas da América do Norte, da Europa e, principalmente, da Ásia, ainda que os participantes fundamentais tenham sido perto de trinta. Essa pequena história, contada no capítulo 10 do livro O mundo é plano - Uma breve história do século XXI, de Thomas Friedman, publicado no Brasil pela Editora Objetiva em 2005, serve para ilustrar um fenômeno, o da globalização, e um fato, o “achatamento” do mundo. A resenha, aqui feita a quatro mãos, tem como objetivo maior apresentar uma análise do livro na visão de um educador e de um economista. Tomando por base a obra do jornalista norte-americano, o texto pretende avaliar as fortes implicações, para o século XXI, das mudanças nos cenários da educação e do emprego.

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A educação tem assumido enorme importância nos novos cenários do trabalho no século XXI, em razão do aparecimento de tecnologias revolucionárias: internet, telefonia celular, rede de fibra óptica mundial, que criaram uma plataforma que permite múltiplas formas de comunicação, colaboração e inovação. Toda a economia mundial se apóia nessa plataforma, que está achatando o mundo e transformando todos nós em vizinhos. Em O mundo é plano, exemplos de países como Índia e China são analisados sob a ótica do seu modelo de educação e surgimento de novos postos de trabalho, em que o perfil do novo trabalhador passa a ser uma vantagem competitiva na terceira era da globalização. O livro é formado por seis partes distribuídas em dez capítulos. A primeira parte Como o Mundo se Achatou , distribuída em quatro capítulos, determina as dez forças que achataram o mundo. As quatro partes seguintes discutem Os Estados Unidos e o Mundo Plano; Os Países em Desenvolvimento e o Mundo Plano; As Empresas e o Mundo Plano; A Geopolítica e o Mundo Plano. Por fim, a Conclusão - Uma dose de Imaginação. A primeira parte chama a atenção para a análise histórica da globalização. Em sua tese, Friedman defende que por volta do ano 2000 adentramos uma nova era: a globalização 3.0. Afirma que a força dinâmica na globalização 1.0 foi a globalização dos países. Nessa etapa, o conhecimento era pequeno e restrito a um grupo privilegiado; as forças eram os músculos; de 1492 a 1800 teve lugar a força dos ventos, com as grandes navegações. Na globalização 2.0, os principais agentes de Revista Técnica IPEP, São Paulo, SP, v. 7, n. 2,p. 107-112, jul./dez. 2007


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mudança que provocaram a integração global foram as empresas multinacionais. As forças dinâmicas por trás dessa etapa de 1800 a 2000 foram as inovações de hardware (dos barcos a vapor e ferrovias, no princípio, aos telefones e mainframes, mais para o final); o conhecimento estruturado e em maior quantidade possibilitou acúmulo de riquezas. Na globalização 3.0, a força é a recém-descoberta capacidade dos indivíduos de colaborar e concorrer no âmbito mundial. E a alavanca que vem permitindo aos indivíduos comunicar-se com tamanha facilidade é o software (aplicativos) isso somado à criação de uma rede de comunicação de alta velocidade em escala planetária. Ao analisar esses processos que “encolheram” o mundo, Friedman afirma que o que mais chama a atenção é que, enquanto as duas primeiras globalizações foram feitas basicamente por europeus e americanos, a terceira será cada vez mais movida não só por indivíduos, mas também por um grupo muito mais diversificado de não-ocidentais e não-brancos. A globalização da era 3.0, ou mundialização da economia, começou a tomar corpo, na verdade, por volta dos anos 70 do século passado, caracterizando um formidável período de expansão das relações econômicas entre os países e evidenciando um ponto de inflexão da economia mundial. A partir dali, com a ajuda das novas tecnologias de telecomunicações, associadas ao desenvolvimento da microeletrônica e ao uso intenso da automação, a internacionalização da economia tomou corpo definitivamente, refletindo o interesse de empresas privadas em atuar, cada vez mais, em escala mundial. Não é sem razão que o principal agente dessa forma de atuação é a empresa multinacional ou transnacional, cuja somatória de poder cria uma economia internacional diferente da economia internacional convencional. Alguns fatos históricos que começaram a acontecer na metade da década ajudaram a internacionalizar a economia e a política no mundo. Senão, vejamos: já no final dos anos 60 sobreveio a primeira crise do dólar. O general De Gaulle, presidente da França, denunciou que os Estados Unidos estavam exportando inflação para o resto do mundo a partir da emissão desenfreada de dólares para equilibrar seu Balanço de Pagamentos, e em 1972 o presidente Nixon, diante de uma pressão sem precedentes sobre a moeda norte-americana, decidiu retirar a garantia ouro do dólar, deixando-o flutuar ao livre sabor das forças de mercado.

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Logo no ano seguinte, surgiu a primeira crise do petróleo. Reconhecendo o valor estratégico do combustível, os árabes resolveram promover uma valorização política do produto e fizeram emergir os chamados “petrodólares".

A crise se

repetiria em 1979. No início dos anos 80, caiu a zero o crescimento do mercado mundial e, em conseqüência, em 1982 ocorreu a chamada crise da dívida externa. Em 1984/1985 começou a recuperação das economias adiantadas, fortalecendo-se, em seguida, os entendimentos diretos entre elas. O grande fato geopolítico do mundo aconteceu em 1989, com a queda do Muro de Berlim, abrindo perspectivas para a unificação alemã e para a reforma política do leste europeu. Finalmente, nos anos 90 veio a globalização definitiva dos mercados financeiros internacionais, e o século XXI começou com a eclosão do terrorismo e o choque de civilizações.

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A característica mais importante da economia global é que nela ganha relevância o conceito de espaço econômico, mais importante que o espaço geográfico. A empresa passa a localizar-se "no mundo" e apenas geograficamente num país, e toma corpo o conceito de “cadeia mundial de suprimentos”. Deve-se igualmente notar que, em termos econômicos, registraram-se uma modificação no elenco dos insumos, uma reformulação dos processos produtivos, algumas reviravoltas em conceitos e procedimentos organizacionais, além de alguns efeitos considerados perversos, tais como insuficiente geração de emprego, inchaço das atividades informais, exclusão social. É esse o pano de fundo em que o autor vê o “achatamento” do mundo e passa a falar de uma tripla convergência. Esta ocorreria em três etapas: a primeira seria o reconhecimento de que fatores políticos e econômicos atuam como os bens complementares, ou seja, o bem “a” será muito mais valioso se possuirmos o bem “b”. É como se juntássemos a queda do Muro de Berlim, as técnicas de automatização de processos, a subcontratação e o deslocamento de fábricas inteiras de um país a outro. A convergência 2 seria o aumento de produtividade que ocorre quando juntamos novas tecnologias com novas formas de fazer negócios. Essas duas convergências passaram automaticamente a alimentar uma à outra. Finalmente, a convergência 3 se caracteriza por colocar no terreno de jogo, que é a economia mundial, todos os países que querem dela participar em virtude do Revista Técnica IPEP, São Paulo, SP, v. 7, n. 2,p. 107-112, jul./dez. 2007


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“achatamento” do mundo, tornado realidade pelas novas tecnologias e novos fatos políticos. Friedman adverte que “essa tripla convergência vai afetar a maneira de nos prepararmos, como indivíduos, para o trabalho, as empresas para competir ou os países para organizar suas economias e suas estratégias geopolíticas”. Nesse mundo plano, o autor conclui com algumas reflexões sobre o papel dos Estados Unidos, dos países em desenvolvimento e das empresas, completando com uma análise das ameaças geopolíticas ao achatamento do mundo. Segundo ele, os países devem se preparar para um mundo de cooperação e entendimento, no qual alguns podem perder posições (caso dos Estados Unidos) e outros podem ganhar (China, Índia, Rússia). Sublinha que os países em desenvolvimento poderão perder parte de suas vantagens geográficas naturais e que as empresas deverão entender (bem) a tripla convergência e trabalhar com ela, obedecendo a algumas regras que ele define como as melhores práticas para sobreviver no mundo novo e plano. São previsíveis as conseqüências para países que não tenham acertado os três fundamentos: infra-estrutura, educação e políticas públicas. “Onde quer que estejam os melhores recursos humanos e a mão-de-obra mais barata, é para lá que as empresas e organizações naturalmente vão migrar”, diz Thomas Friedman. Nesse sentido, como imaginar um offshoring (processo que ocorre quando uma empresa pega uma de suas fábricas do estado de Ohio, nos Estados Unidos, por exemplo, e transfere-a inteira para o exterior, como por exemplo Cantão, na China: ali ela produzirá o mesmo produto, exatamente da mesma maneira, só que com mão-de-obra mais barata, qualificada para o serviço, carga tributária menor, energia subsidiada e menores gastos com planos de saúde dos funcionários) ocorrendo em um município, talvez até rico em matéria-prima, do estado do Rio Grande do Norte, onde a qualidade da educação na maioria das escolas públicas não permite ao aluno das séries iniciais entender um texto ou fazer uma conta básica com as quatro operações? E o que dizer se essa fábrica, junto com o incremento na economia pobre da região, trouxer a poluição? Diante das modificações nos âmbitos sociais, culturais e tecnológicos, produzidas pelo incontrolável e acelerado avanço da globalização, a maioria das instituições de ensino no Brasil tende, mais uma vez, a discutir a natureza do conhecimento. Nesse sentido, é importante revisar seu modelo educacional e principalmente a formação de “quadros” para a transmissão de conhecimento. As Revista Técnica IPEP, São Paulo, SP, v. 7, n. 2,p. 107-112, jul./dez. 2007

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inovações tecnológicas, organizacionais e gerenciais têm produzido uma mudança no perfil do trabalhador ao transformar os processos de trabalho de linear, segmentado, padronizado e repetitivo para um formato definido muito mais pela integração e flexibilidade. Diversos pesquisadores têm apresentado estudos que alertam para as conseqüências das rápidas mudanças ocorridas no final do século XX e início do século XXI, graças ao desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC), com profundas mudanças no campo social, econômico, político e cultural. Adam Sharff (1982) apresentou suas opiniões sobre as conseqüências sociais que essa nova tecnologia teria a longo prazo, particularmente sobre o trabalho e o tempo livre, e também aludia de modo especial às possíveis conseqüências para a educação. Merece destaque sua previsão de sociedade para os dias de hoje apontada nos anos 80. Outro importante pesquisador, o visionário Brunner (2000), demonstra que as estatísticas indicam que até o ano 2025 a população mundial será de cerca 8,5 bilhões de habitantes,

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com uma taxa anual de criação de trabalho de 40 milhões de empregos nos países em desenvolvimento, como o Brasil. A estimativa indica que, a cada dez pessoas, sete ou oito trabalharão no setor de serviços, em atividades e escritórios cujos layouts ninguém pode imaginar. Diante de tal número, como imaginar um modelo de educação que possibilite ao indivíduo trabalhar nesse novo cenário da globalização 3.0? O livro de Thomas Friedman é um bom ponto de partida para que os empresários, políticos, funcionários públicos e futuros executivos (estudantes de administração) entendam o que está acontecendo com o mundo. Que não é mais redondo. Ele realmente se achatou e está ficando plano... E todos eles devem começar a correr.

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