Relatório Azul 2012

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26 - A (TRANS)SEXUALIDADE COMO UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL - Vial, Paties, Machado e Campelo

destes sistemas sociais. A cirurgia de transgenitalização evidencia a necessidade de vários sistemas sociais “se encontrarem”. O próprio Ministério da Saúde brasileiro coloca a importância de uma equipe multidisciplinar para acompanhar os “pacientes” antes e depois da cirurgia. Porém, alguns aspectos fogem desta promoção que deve ser integral como, por exemplo, família, colegas de trabalho. Não raras vezes, as pessoas que se submetem a este tipo de procedimento saem da própria cidade retornando tempo depois, já tendo realizado a cirurgia.245 Exatamente em função destas observações que os magistrados gaúchos fundamentaram a primeira decisão no Brasil neste sentido, permitindo que os cidadãos que necessitam desta cirurgia possam realizá-la através do Sistema Único de Saúde. Embora ainda exista uma resistência de vários segmentos, hoje este direito é possível, porém é garantido através do pressuposto de que o transexual é um doente, ou melhor, possui uma doença. Aqui temos um típico caso altamente paradoxal: garantir saúde através da doença. A abordagem biomédica é, historicamente, predominante neste campo. Todavia, como visto, ela não é a única perspectiva existente; é imperiosa a consideração de uma perspectiva social (que diz respeito ao conteúdo e à forma das relações sociais, cujo desvendamento só se tornou possível a partir da noção de gênero), sob pena de emprestar-se solução jurídica incorreta quanto à interpretação sistemática do direito e à força normativa da constituição. Importante citar a decisão do magistrado gaúcho Roger Raupp que, na Apelação Cível Nº 2001.71.00.026279-9/RS do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, determina à União que, no prazo de 30 dias, passe a realizar cirurgias de transgenitalização, bem como que edite ato normativo que preveja a inclusão, de modo expresso, na Tabela SIH-SUS os procedimentos necessários e a remuneração devida aos hospitais para a cirurgia citada. Vale destacar, que por questões processuais, o STF suspendeu a execução do acórdão, afirmando ofensa à ordem pública e invasão do Poder Judiciário no Poder Executivo, em 10 de dezembro de 2007, veja a STA – Suspensão de Tutela Antecipada – n. 185, porém depois teve o feito arquivado pela edição da Portaria 1707 do Ministério da Saúde. Este tema precisa ser entendido na perspectiva do direito á saúde como direito humano fundamental, já que continuamos afirmando o conceito da OMS no qual é clara a ideia de bem-estar físico e mental. As pessoas que solicitam um procedimento de transgenitalização solicitam que seu bem-estar físico individual e também social seja atendido pelos serviços públicos de saúde. Até 1988, este direito não era efetivado, mas depois da denominada de “Constituição-cidadã”, esta solicitação pode ser feita por qualquer cida245   Sobre isso, achamos relevante o depoimento da transexual Marina Reidel, disponível em: http:// www.youtube.com/watch?v=9u9gOH0QZn8.

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